ECONOMIA E MEIO AMBIENTE: Integração e Sustentabilidade das Américas

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Transcrição:

Integração e Sustentabilidade das Américas VIII Encontro Verde das Américas Museu Nacional da República Brasília, 10 de setembro de 2008

Integração e Sustentabilidade das Américas JORGE MADEIRA NOGUEIRA Professor Titular Departamento de Economia Universidade de Brasília

Abrangência do Assunto

Dois temas de estudos fascinantes convergem quando se contempla a possibilidade de uma maior integração (econômica e política) dos países das Américas.

Por um lado, as conseqüências econômica do incremento do comércio e do investimento externos em decorrência de uma maior integração econômica entre países é um tema presente na agenda dos estudiosos da Economia há décadas.

Por outro lado, a interface meio ambiente e setor externo tem sido um dos mais desafiadores tópicos de pesquisa econômica desde o início da década passada.

A convergência desses temas de estudo tem provocado um caloroso debate entre os que são a favor e os que são contra a tese de incompatibilidade entre aumento do comércio e manutenção de um padrão de desenvolvimento econômico e ambientalmente sustentável.

Essa tese é ampliada para a possível incompatibilidade entre o movimento do capital financeiro internacional e do investimento direto estrangeiro com a sustentabilidade.

A interface meio ambiente e setor externo envolve, também, a possibilidade de uso de restrições comerciais (regime de comércio internacional) para impor objetivos ambientais (regime ambiental internacional).

São muitas questões academicamente relevantes. Eu entendo que quatro aspectos deste debate devem ser considerados como os seus aspectos centrais.

O primeiro diz respeito aos efeitos do incremento do comércio internacional, resultado de uma maior integração regional, sobre o meio ambiente e os recursos naturais.

Já o segundo, muito relacionado com o primeiro, trata da distribuição espacial do investimento direto estrangeiro. Ao discuti-lo, analiso as famosas hipóteses da busca dos paraísos ambientais pelas empresas multinacionais e da corrida para o fundo (race to the botton).

Um terceiro aspecto, ainda relacionado com os dois primeiros, é a certificação ambiental internacional. Ela tem sido motivo de desconfiança de alguns, que a entendem como barreira não tarifária ao comércio.

Já outros assumem uma postura apologética, que a consideram essencial para a consecução de um projeto de uma sociedade internacional consciente da importância da conservação do meio ambiente.

Finalmente, o quarto aspecto é a análise econômica dos acordos ambientais internacionais e como eles se inserem em um processo de integração regional.

Por evidentes limitações de tempo de exposição farei apenas alguns comentários sobre os dois primeiros aspectos.

A Controvérsia: Comércio, Investimento e Degradação Ambiental

O ideal do livre-comércio" tem sido atacado há mais de uma década. Em 1991, ocorreu o chamado affair golfinho-atum, que culminou com a condenação dos Estados Unidos por um painel do GATT.

Também em 1991, ativistas ambientais dos Estados Unidos começaram sua oposição a um acordo entre o seu país, o México e o Canadá o acordo do NAFTA.

Ecologistas entendiam que uma análise cuidadosa de NAFTA revelaria sérias, e até então negligenciadas, conseqüências. Especificamente, eles destacavam que as leis ambientais mexicanas seriam pouco rigorosas e mal implementadas.

Já EUA e Canadá teriam leis ambientais muito mais rigorosas e eficazes. Em uma área de livre comércio e sem barreiras alfandegárias, unidades produtivas situadas em território mexicano teriam uma vantagem competitiva, materializada em custos ambientais menores.

Produtores que decidissem transferir suas atividades para o México teriam, então, custos menores porque eles não teriam que incorrer em despesas impostas pela legislação dos EUA e do Canadá.

O mesmo tipo de argumentação estará sempre presente em qualquer processo de integração econômica regional nas Américas. As diferenças entre países em termos de legislação ambiental são bastante significativas.

Ainda de acordo com ambientalistas, a legislação mais responsável e os padrões ambientais mais rígidos de certos países representariam uma "desvantagem competitiva" para os produtores que decidissem manter as suas plantas de produção dentro desses países em relação aos seus competidores localizados em países de legislação mais branda.

Neste contexto, o integração econômica regional poderia representar uma corrida para o fundo em termos de rigor da legislação e dos padrões ambientais norte-americanos e canadenses, aqueles que apresentam maiores exigências em termos de legislação.

As empresas localizadas em economias de alta renda deveriam exigir de seus governos alguma forma de proteção contra a ameaça dos paraísos ambientais, dos países com meio ambiente barato. Ou elas são protegidas, ou para que possam manter competitividade, ou essas empresas mudarão suas plantas para países em desenvolvimento, desesperados por oportunidades de emprego e de geração de renda.

À medida que esta corrida para o fundo se acelerasse, todos os países convergiriam para padrões ambientais muito baixos, típicos dos países mais pobres da região. Haveria um equilíbrio de baixo nível.

No que concerne simplesmente ao comércio de bens e serviços, um marco conceitual relevante para este tipo de análise é o trabalho de GROSSMAN e KRUEGER (1991).

Esses autores decompuseram os possíveis impactos ambientais do comércio internacional como dependendo de três elementos inter-relacionados: efeito composição, efeito escala e efeito tecnologia.

O efeito composição decorre da especialização induzida pelo comércio. Mas qual o efeito dessa especialização sobre o meio ambiente de um determinado país? Haverá menos ou mais poluição ou degradação?

O efeito líquido do incremento do comércio sobre o meio ambiente local, via efeito composição, será positivo se os setores em expansão forem, em média, menos poluidores / degradadores do que os setores que tiveram sua produção interna reduzida. O efeito líquido será negativo se o contrário ocorrer.

O segundo efeito é o escala. Para determinados coeficientes de emissão e para uma determinada composição de produção, um aumento no nível de atividade econômica provocará um incremento no nível de poluição / degradação.

Entretanto, existe uma força que contrabalança esse efeito negativo. Mais crescimento econômico significa, também, maior renda que, por sua vez, induz a um incremento da demanda por um meio-ambiente mais limpo.

Dito de outra forma, o efeito tecnologia é a materialização da queda no nível de poluição ou de degradação induzido pelo efeito renda originado de um maior volume de comércio.

De uma perspectiva ambiental, o importante é o resultado líquido dos três efeitos (composição, escala e técnica), não apenas os resultados de cada componente individualmente. THOMPSON e STROHM (1996) discutem que há amplo apoio teórico para essa hipótese: é uma predição da teoria de vantagem comparativa.

Evidências Empíricas e Consequências para Integração das Américas

Dificuldades de disponibilidade de dados têm limitado as análises empíricas da relação comércio internacional, investimento direto estrangeiro e meio ambiente. Não obstante, estudos mostram pouca sustentação para a hipótese da influência de diferentes padrões ambientais nos fluxos de comércio e de investimentos internacionais.

Um estudo de Wheeler (2001) compara níveis de poluentes atmosféricos e de investimentos diretos estrangeiros em três países em desenvolvimento: China, México e Brasil (dados para o estado de São Paulo), entre a segunda metade dos anos 1980 e meados dos 1990.

O estudo demonstra o declínio dos níveis de emissão de poluentes nos três países ao mesmo tempo que há um significativo aumento do fluxo de investimento direto nestes países.

A ALCA, por exemplo, busca reunir em uma mesma área de livre comércio economias bastante heterogêneas em área geográfica, população, produção de bens e serviços, volume de importações e exportações, entre outros.

Por exemplo, o valor das importações no produto interno bruto (PIB), um indicador grosseiro do grau de dependência nacional à produção externa. Esse percentual varia de pouco mais de 8% até mais de 80%.

No primeiro caso, estão países pouco dependentes das importações, como a Argentina (8,82%) e o Brasil (9,36%). Já no segundo grupo encontram-se aqueles cujo consumo interno é atendido pela produção externa, Guiana, 84,79% e Panamá, 92,22%.

As conseqüências ambientais do incremento do comércio externo via integração econômica nas Américas é um outro tema polêmico nas negociações multilaterais. Grupos ambientalistas, principalmente norte-americanos e canadenses, argumentam, mais uma vez, que surgirão paraísos ambientais. Falta criatividade.

Como já foi dito, esses impactos ambientais dependem do resultado líquido de três efeitos (composição, escala e tecnologia): devem ser avaliados cuidadosamente para cada país.

Rigor analítico pode demonstrar que economia e meio ambiente não são necessariamente incompatíveis. Integração regional e sustentabilidade necessitam de muito ciência e um pouco menos de ideologia. O desejo da sustentabilidade não pode se transformar em um novo desejo nunca alcançado, como tem sido o desejo de um continente integrado e pacífico.

Muito obrigado. Jorge Madeira Nogueira http://www.unb.br/face/eco/jmn