DIAGNÓSTICO DE MIOCARDITE POR RESSONÂNCIA MAGNÉTICA CARDÍACA: REVISÃO DE LITERATURA

Documentos relacionados
Paulo Donato, Henrique Rodrigues

Este material visa informar os pontos fortes da realização destes exames na clínica/hospital, de forma a contribuir ao profissional da saúde a ter um

Pericárdio Anatomia e principais patologias

Relato de Caso Correspondência: Rafael Castro da Silva DOI: 284

Paulo Donato, Henrique Rodrigues

Angiotomografia Coronária. Ana Paula Toniello Cardoso Hospital Nove de Julho

PROGRAMAÇÃO DE ESTÁGIO CARDIOLOGIA

Artigo de Revisão. Ressonância Magnética Cardíaca e seus Planos Anatômicos - Como eu Faço? Resumo. Introdução. Planos anatômicos.

Paulo Henrique dos Santos Corrêa. Tecnólogo em Radiologia

Curso Nacional de Reciclagem em Cardiologia da Região Sul Florianópolis Jamil Mattar Valente

Índice Remissivo do Volume 31 - Por assunto

FIBROSE MIOCÁRDICA E GRAVIDADE DA REGURGITAÇÃO AÓRTICA: ESTUDO CLÍNICO COM RESSONÂNCIA MAGNÉTICA CARDÍACA.

Hipertensão Pulmonar e RM

Ressonância magnética cardíaca. Análise das Imagens

SERÁ O QUE PARECE? 1- Serviço de Cardiologia, Hospital de Braga, Braga, Portugal 2- Serviço de Radiologia, Hospital de Braga, Braga, Portugal

DIAGNÓSTICOS PARA ENCAMINHAMENTO VIA CROSS PARA TRIAGEM NO INSTITUTO DO CORAÇÃO

Detecção precoce de cardiotoxicidade no doente oncológico deve ser efectuada sistematicamente? Andreia Magalhães Hospital de Santa Maria

Material e Métodos Relatamos o caso de uma paciente do sexo feminino, 14 anos, internada para investigação de doença reumatológica

14 de setembro de 2012 sexta-feira

Cam ila L a ú L c ú ia D a e D di d vitis T i T ossi

Curso de Reciclagem em Cardiologia ESTENOSE VALVAR AÓRTICA

função ventricular direita importância da RNM Susana HOETTE Operador dependente VD retroesternal Dificulta na janela acústica

Lesões simuladoras de malignidade na RM

SCA Estratificação de Risco Teste de exercício

Artigo. de CARDIOLOGIA do RIO GRANDE DO SUL. Ressonância Magnética na Avaliação da Cardiopatia Isquêmica. Paulo R. Schvartzman

Ressonância Magnética Cardíaca & Angiotomografia Cardíaca

Envolvimento do Ventrículo Esquerdo na Displasia Arritmogênica do Ventrículo Direito

Miocardite fulminante

I Diretriz. de resonância e tomografia cardiovascular da sociedade brasileira de cardiologia sumário executivo

TÍTULO: OS MARCADORES BIOQUÍMICOS NO DIAGNÓSTICO DO INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO INSTITUIÇÃO: CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS

TÍTULO: DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DA SÍNDROME DE TAKOTSUBO (SÍNDROME DO CORAÇÃO PARTIDO) E INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO (IAM) UMA REVISÃO

ENFERMAGEM DOENÇAS CRONICAS NÃO TRANMISSIVEIS. Doença Cardiovascular Parte 3. Profª. Tatiane da Silva Campos

MÉTODOS DE IMAGEM NA IC COMO E QUANDO UTILIZAR?

METODOS DE IMAGEM PARA DIAGNÓSTICO

Princípios Básicos de Ressonância Magnética Cardíaca Padronização de Laudo: Exames com Excelente, Intermediária e Baixa Qualidade.

FUNDAÇÃO UNIVERSITÁRIA DE CARDIOLOGIA UNIDADE DE ENSINO INSTITUTO DE CARDIOLOGIA DO RIO GRANDE DO SUL / DISTRITO FEDERAL

MIOCARDITES CONTRIBUTO DA RESSONÂNCIA MAGNÉTICA CARDÍACA NA SUA CARACTERIZAÇÃO

Doença Coronária Para além da angiografia

HIPERTROFIA MIOCÁRDICA

Síndrome Coronariana Aguda

PEDIDO DE CREDENCIAMENTO DO SEGUNDO ANO NA ÁREA DE ATUAÇÃO DE CARDIOLOGIA PEDIÁTRICA

Síndromes Coronarianas Agudas. Mariana Pereira Ribeiro

ASPECTOS CLÍNICOS: ANOMALIAS VERSUS VARIAÇÕES ANATÔMICAS DE PONTES DE MIOCÁRDIO

Artigo de Revisão. Ressonância Magnética Cardiovascular na Cardiomiopatia Hipertrófica. Introdução. Palavras-chave

Disciplina de Enfermagem em Centro de Terapia Intensiva

INTERPRETAÇÃO DE ECG LUCAS SILVEIRA DO NASCIMENTO

Revista Portuguesa de. Cardiologia. Portuguese Journal of Cardiology.

Aneurisma Roto do Seio de Valsalva Direito com Fístula para o Ventrículo Direito

ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO CARDIOVASCULAR

Ressonância Magnética. Considerações técnicas práticas

JORGE ANDION TORREÃO. Avaliação da inflamação miocárdica na doença de. Chagas por ressonância magnética cardiovascular

de ressonância magnética sem apneia e com múltiplas excitações*

Estratificação de risco cardiovascular no perioperatório

Auditório 20 (50) Auditório 01 (400) Auditório 02 (500) Auditório 03 (500) Auditório 04 (500) Auditório 07 (210) Auditório 09 (210) Auditório 05 (800)

Ecocardiografia. Ecocardiografia 30/07/2013. Dr. Frederico José Neves Mancuso. Classe I. 1 Diagnóstico / Screening. 2 -Etiologia.

BRADIARRITMIAS E BLOQUEIOS ATRIOVENTRICULARES

TROMBOEMBOLISMO PULMONAR EMERGÊNCIAS AÓRTICAS. Leonardo Oliveira Moura

INTERPRETAÇÃO DO ECG resolução de exercícios

Síndrome coronariana aguda em paciente jovem com sintomas atípicos. Acute coronary syndrome in young patients with atypical symptoms

Programação Científica do Congresso 10 de setembro, quarta-feira

SEMIOLOGIA E FISIOLOGIA

Curso Avançado em Gestão Pré-Hospitalar e Intra-Hospitalar Precoce do Enfarte Agudo de Miocárdio com Supradesnivelamento do Segmento ST

ISQUEMIA SILENCIOSA É possível detectar o inesperado?

Choque hipovolêmico: Classificação

PRODUÇÃO TÉCNICA DESENVOLVIMENTO DE MATERIAL DIDÁTICO OU INSTRUCIONAL FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU- UNESP. Programa de PG em Medicina

17 de setembro de segunda

Introdução. (António Fiarresga, João Abecassis, Pedro Silva Cunha, Sílvio Leal)

Curso Nacional de Reciclagem em Cardiologia da Região Sul. Florianópolis de 2006

Unicid Liga de Cardiologia 19/08/2016. Dr. Paulo Magno Martins Dourado. Clínica Pró - Coração

International Journal of Cardiovascular Sciences. 2017;30(2):

Miocardite na Sala de Urgência

USG intra-op necessária mesmo com boa Tomografia e Ressonância?

QUARTA DEFINIÇÃO UNIVERSAL DE INFARTO DO MIOCÁRDIO 2018

AFECÇÕES CARDIOVASCULARES

Palavras-Chave: 1. ESUS; 2. Ressonância magnética cardíaca; 3. Doppler transcraniano; 4. Estenose intracraniana; 5. Microembolia.

ENFERMAGEM DOENÇAS CRONICAS NÃO TRANMISSIVEIS. Doença Cardiovascular Parte 2. Profª. Tatiane da Silva Campos

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA COM FUNÇÃO VENTRICULAR PRESERVADA. Dr. José Maria Peixoto

Caracterização de lesões Nódulos Hepá8cos. Aula Prá8ca Abdome 2

Atualização Rápida CardioAula 2019

Artigo de Revisão. Papel Atual da Ressonância Magnética Cardíaca na Cardiomiopatia Hipertrófica. Introdução. Definição da cardiomiopatia hipertrófica

CRONOGRAMA CARDIOAULA TEC 2019 INTENSIVO. ABRIL A SETEMBRO. PROVA: OUTUBRO. 360 horas/aulas. EM 25 SEMANAS

Cursos de Aperfeiçoamento Médico - Subespecialidades para níveis 4 e 5 Radiologia e Diagnóstico por Imagem / Ultrassonografia / Imagem Cardíaca

Curso de capacitação em interpretação de Eletrocardiograma (ECG) Prof Dr Pedro Marcos Carneiro da Cunha Filho

PROTOCOLO HOSPITAL ALEMÃO OSWALDO CRUZ Capítulo JCI Responsável pela elaboração Número do documento Data da 1ª versão

julho A SETEMBRO. PROVA: OUTUBRO. 360 horas/aulas. EM 14 SEMANAS

IMAGEM POR RESSONÂNCIA MAGNÉTICA (MRI) Prof. Sérgio Francisco Pichorim

Artigo Original. Palavras-Chave infarto do miocárdio, ressonância magnética, viabilidade miocárdica

CRONOGRAMA PRÉVIO CARDIOAULA TEC 2019 EXTENSIVO. JANEIRO A SETEMBRO. PROVA: SETEMBRO. 350 horas/aulas. EM 35 SEMANAS

Radiologia Blog Dr. Ricardo

ENDOCARDITE DE VÁLVULA PROTÉSICA REGISTO DE 15 ANOS

Tomografia Computadorizada ou Ressonância Magnética qual a melhor opção para cada caso?

SISTEMA CARDIOVASCULAR. Fisiologia Humana I

Redução da PA (8 a 10 mmhg da PA sistólica e diastólica) Aumento do tonus venoso periférico volume plasmático

Multidisciplinary Interaction in Invasive Cardiology: Septal Alcoholization

Malignant mitral prolapse or another cause for sudden death?

Índice Remissivo do Volume 107

QUINTA-FEIRA - 1º DE OUTUBRO

Síndromes aórticas agudas. na Sala de Urgência

Transcrição:

DIAGNÓSTICO DE MIOCARDITE POR RESSONÂNCIA MAGNÉTICA CARDÍACA: REVISÃO DE LITERATURA MYOCARDITIS DIAGNOSTIC CARDIAC MAGNETIC RESONANCE IMAGING: LITERATURE REVIEW Roberto Camilo Reis Faculdades de Ciências Médicas de São Paulo E-mail: roberto.reis@yahoo.com.br Leandro Nobeschi Faculdades de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo Faculdades Metropolitanas Unidas Universidade de Santo Amaro Irineu Takanobu Shito Faculdades de Ciências Médicas de São Paulo Valéria Fragalle Setor de Diagnóstico por Imagem do Hospital São José de São Paulo (HSJSP) São Paulo Rafael Eidi Goto Faculdades de Ciências Médicas de São Paulo. Bergman Nelson Sanchez Munhoz Faculdades de Ciências Médicas de São Paulo, Universidade Nove de Julho. Homero José de Farias e Melo Faculdades de Ciências Médicas de São Paulo, Centro Universitário São Camilo. RESUMO Define-se miocardite como um processo inflamatório do miocárdio, associado à disfunção cardíaca, podendo ser mediante exposição a agentes infecciosos e químicos, processos inflamatórios e autoimunes ou drogas, pode acometer outras estruturas cardíacas, sendo mais comum o pericárdio. A grande variedade de apresentação clínica da miocardite estende-se desde casos

Diagnóstico de miocardite por ressonância magnética cardíaca 21 assintomáticos a episódios de morte súbita. Quando sintomáticos sabe-se que a insuficiência cardíaca é a apresentação clínica mais frequente. O acometimento por miocardite ocasiona alterações eletrocardiográficas típicas, significativas e importantes, podendo eventualmente ser semelhantes a achados do quadro de síndrome coronariana. O método diagnóstico de miocardite por RM, está adquirindo importância singular e imprescindível na investigação e elucidação nos casos considerados clinicamente suspeitos, principalmente quando o diagnóstico anteriormente dependia exclusivamente de biópsia miocárdica. O objetivo desta revisão literária é apresentar a importância do método de diagnóstico por Ressonância Magnética nos estudos de miocardite e patologias associadas. Palavras-chave: Diagnóstico de Miocardite; Ressonância Magnética Cardíaca; Diagnóstico Cardíaco por Ressonância Magnética; Miocardiopatias. ABSTRACT It defines myocarditis as an inflammatory process of the myocardium associated with cardiac dysfunction, which may be through exposure to infectious and chemical agents, inflammatory and autoimmune processes or drugs, can affect other heart structures, most commonly the pericardium. The wide variety of clinical presentation of myocarditis extends from episodes of asymptomatic cases sudden death. When symptomatic it is known that heart failure is the most frequent clinical presentation. Involvement by myocarditis causes electrocardiographic typical, significant and important changes, which may eventually be similar to coronary syndrome finds. The diagnostic method of myocarditis MRI, is acquiring unique and indispensable importance in the investigation and clarification in cases considered clinically suspicious, especially when the diagnosis previously depended exclusively on myocardial biopsy. The purpose of this literature review is to present the importance of diagnostic method for Magnetic Resonance in studies of myocarditis and associated pathologies. Keywords: Myocarditis diagnosis; Magnetic Resonance Cardiac; Diagnostic Cardiac Magnetic Resonance Imaging; Myocardial Cardiomyopathy.

22 Reis RC, Nobeschi L, Shito IT, Fragalle V, Goto RE, Munhoz BNS e Melo HJF. 1. INTRODUÇÃO Define-se miocardite é um processo inflamatório do miocárdio, associado à disfunção cardíaca, gerada mediante exposição a agentes infecciosos, químicos, processos inflamatórios, autoimunes ou drogas 1. A grande variedade de apresentação clínica da miocardite se estende desde casos assintomáticos a episódios de morte súbita. Quando sintomáticos sabe-se que a insuficiência cardíaca é a apresentação clínica mais frequente 2. A ressonância magnética (RM) é um método não invasivo, que se baseia na identificação de pequenas variações das moléculas de água presentes no corpo humano, que ocorrem sempre que os tecidos celulares são afetados de alguma maneira 3. O estudo por ressonância magnética cardíaca (RMC) compreende análises detalhadas relacionadas tanto na descrição da anatomia cardíaca quanto às informações e avaliações de sua funcionalidade. Apresenta excelente e ampla qualidade diagnóstica, sendo de expressiva reprodutibilidade 3. O exame de RMC é empregado para avaliação da miocardite. O paciente é colocado em decúbito dorsal, na mesa do aparelho de RM. Orientado a permanecer em apnéia de 3 a 9 segundos para a aquisição das imagens (a apnéia é realizada na fase inspiratória ou expiratória, geralmente a mais tolerável pelo paciente). O exame de RMC é contraindicado em casos de claustrofobia; stents coronarianos; marcapassos cardíacos; clipes vasculares metálicos; próteses ortopédicas e implantes cocleares 4. O diagnóstico por RMC deve ser realizado com o acoplamento do módulo por eletrocardiograma (ECG). Com intuito de minimizar artefatos relacionados aos movimentos diafragmáticos (respiratórios) e consequentemente adquirir imagens fidedignas da anatomia e dos segmentos cardíacos. As sequências conhecidas como Trigadas ou acopladas e segmentadas ao ECG faz uso dos intervalos entre as ondas R- R para as aquisições das imagens cardíacas 5. O objetivo desta revisão literária é apresentar a importância do método de diagnóstico por Ressonância Magnética nos estudos de miocardite e doenças associadas.

Diagnóstico de miocardite por ressonância magnética cardíaca 23 2. REVISÃO DE LITERATURA Para o diagnóstico por RMC é utilizado o meio de contraste endovenoso paramagnético Gadolínio. Sabe-se, porém, que existem no mercado a disponibilidade de várias moléculas, diferenciando-se apenas quanto às suas nomenclaturas. Porém, todas apresentam sob aspecto de distribuição extracelular. Entretanto, os efeitos adversos ao meio de contraste (cefaleia, náuseas ou alterações de paladar), são classificados como extrema raridades, sendo que os efeitos graves inferiores a 0,01% (1:10.000 indivíduos) submetidos ao uso, não apresentam quadro de nefrotoxicidade ou hepatotoxicidade em doses clinicamente utilizadas 6. O diagnóstico de miocardite é considerado clinicamente desafiador, pois exige um amplo espectro de manifestações clínicas, as quais, na maioria das vezes simulam outras doenças, e variam desde infecção assintomática à insuficiência sistólica ou morte cardíaca súbita 7. A abordagem inicial do paciente implica em uma cuidadosa anamnese acompanhada de exames objetivos, avaliação de processos inflamatórios, enzimas cardíacas, eletrocardiograma e ecocardiograma. Estes exames têm como objetivo principal aumentar a suspeita clínica, contudo não existem alterações patognomônicas 7. O diagnóstico por RMC tem se demonstrado o exame imaginológico de aspecto não invasivo e caráter considerado padrão ouro, permitindo um estudo cardíaco completo com extensa avaliação das características morfofuncionais e tissulares, variando segundo a fase do processo inflamatório 8. Para o diagnóstico de miocardite aguda, a utilização da sequência ponderada em T2, como base na visualização de edema, hiperemia no Realce Precoce e necrose ou fibrose no Realce Tardio. O estudo por RMC, além de contribuir para o diagnóstico, auxilia no estabelecimento do prognóstico em complementaridade com a informação clínica e laboratorial, aumenta a sensibilidade dos procedimentos invasivos e facilita o follow-up da situação aguda 8. A análise de sequelas de miocardite por RMC são considerados achados ocasionais, quando realizada para estudo de outras intercorrências a nível cardíaco, sendo que as lesões irreversíveis são minuciosamente

24 Reis RC, Nobeschi L, Shito IT, Fragalle V, Goto RE, Munhoz BNS e Melo HJF. detectadas através da sequência de Realce Tardio, associando-se à ausência de alterações nas restantes ponderações em que se identificam alterações referentes ao processo inflamatório ativo 9. Atualmente surge uma nova abordagem no diagnóstico de miocardite por RMC, onde, procura-se demonstrar a injúria miocárdica no lugar da inflamação e desta forma pode-se não somente orientar o diagnóstico mais abrangente, como também diferencia-lo da doença arterial coronariana (DAC). A RMC apresenta técnicas para avaliar perfusão miocárdica; análise de tecido adipose (gordura) e identificação de áreas fibróticas ou necróticas, podendo auxiliar na diferenciação entre a miocardite aguda e a DAC 9. Desta forma, observa-se áreas miocárdicas necrosadas e remodelamento adverso na DAC 10, enquanto que, a técnica de realce tardio aliada ao aumento de sinal, permite a identificação da miocardite aguda 11. Recentemente, a Sociedade Europeia de Cardiologia (Consensus Panel Report) e, mais tarde, o American College of Cardiology/American Heart Association (Clinical Competence Statement on Cardiac Imaging with Magnetic Ressonance), indicaram a RMC como exame de primeira escolha ou no mínimo equivalente a outros métodos diagnósticos na abordagem de diversas cardiomiopatias, inclusive a miocardite 9. Para avaliar adequadamente o coração, as imagens devem ser adquiridas em planos relacionados com o eixo cardíaco, e não relacionado ao tórax. Por exemplo, uma visão axial do tórax não produzirá uma imagem no plano axial do músculo cardíaco e das câmaras cardíacas. Portanto, são necessárias imagens multiobliquas para avaliar o coração. Esses planos mostram as câmaras cardíacas em projeção perfil incluindo desta forma uma visão do eixo transversal (axial ao plano do coração), do eixo longitudinal ou uma visão de duas câmaras (sagital ao plano do coração), e uma visão das quatro câmaras (coronal ao plano do coração) 12-14. Para realização de um exame em ângulo reto do coração, devem ser selecionados diversos planos oblíquos. Contudo, se o sistema não permitir a aquisição de imagens em diversos planos oblíquos (adquiridos automaticamente), podem ser prescritas manualmente. Após aquisição no eixo transversal, podem ser prescritas aquisições com visão de duas câmaras e de quatro câmaras. Os planos selecionados para visão de duas

Diagnóstico de miocardite por ressonância magnética cardíaca 25 câmaras são adquiridos exatamente onde os cortes são selecionados, em paralelo com o septo interventricular. Porém, os planos com visão intencional para aquisição de quatro câmaras são obtidos quando os cortes são selecionados perpendicularmente ao septo interventricular 12-14. As aquisições de imagens cardíacas possuem inúmeros desafios, incluindo inicialmente o movimento e a posição do coração. Embora os planos de exame possam ser orientados nos eixos axial, sagital e coronal ao plano do coração, os movimentos fisiológicos periódicos e os aperiódicos são considerados importantes na degradação da qualidade da imagem. Para aquisição de imagens do coração e dos grandes vasos especificamente, o movimento durante a atividade cardíaca deve ser compensado para que haja a obtenção de imagens com boa resolução 14,15. Através do eixo curto basal, pode-se realizar dois tipos de planejamento: um planejamento quatro câmaras varredura (figura 1A), que respeita o Eixo quatro câmaras radial, más que cobre todo o ventrículo direito (VD), incluindo a via de saída do ventrículo direito (VSVD), e outro que pode ser realizado de forma obliqua no próprio ventrículo direito (VD), para o estudo da Via de saída do ventrículo direito VSVD (figura 1B). Outra forma de abordagem é a utilização do próprio quatro câmaras para a cobertura do ventrículo direito (VD) e do átrio direito (AD), visibilizando desta forma o plano eixo longo duas câmaras à direita (figura 1C). Essa última aquisição nos fornecerá um plano conhecido como eixo longo do ventrículo direito (VD), onde poderemos estudar o plano tricúspide e a Via de saída do ventrículo direito VSVD (figura 1D). Com tais planos, podemos efetuar estudos compatíveis relacionados à Via de saída do ventrículo direito VSVD e a avaliação da Artéria pulmonar - AP (figura 1E). Imagens evidenciando o plano aórtico-pulmonar (figura1f) 16,17. A avaliação do Realce Tardio do Miocárdio (figura 2) continua contribuindo no estudo das miocardites, arritmias, viabilidade miocárdica e cardiomiopatias. Esta técnica fez com que a RMC se tornasse única, frente aos demais métodos de imagem. Tais fatos reforçam a importância e o papel diagnóstico e prognóstico da RMC quando em uso na prática clínica 16,17.

26 Reis RC, Nobeschi L, Shito IT, Fragalle V, Goto RE, Munhoz BNS e Melo HJF. As técnicas de Realce Tardio usam meios de contraste com distribuição extracelular, que acentuam a diferença das características de relação do tecido entre o miocárdio normal e o miocárdio infartado. Após a administração intravenosa do meio de contraste paramagnético (GD-DTPA), o mesmo difunde-se rapidamente do compartimento intravascular para o extracelular, aproximadamente de 5 a 15 minutos, no miocárdio normal, onde o espaço extracelular é pequeno, sofre eliminação rápida, enquanto nas áreas de fibrose miocárdica ou necrose, essa eliminação é lenta 17. Sabe-se, porém, que após 15 minutos da infusão do meio de contraste paramagnético Gadolínio GD-DTPA a sua taxa de impregnação seja muito maior nas regiões necróticas do que no tecido miocárdico normal, tornando as mesmas com aspectos de sinal hiperintenso. As áreas lesionadas nas imagens de Realce Tardio, permanecendo por aproximadamente duas horas. O Realce Tardio pela técnica de RMC costuma ser positivo em 88 a 95 % dos casos de miocardite, podendo detectar atividade inflamatória e acompanhar a evolução da doença. A sua disposição geralmente é epicárdica e ou mesocardica, preservando o endocárdio, padrão típico que exclui causa isquêmica (a qual possui disposição subendocárdica respeitando a vascularização coronariana). Desta forma, o estudo por RMC não apenas contribui no diagnóstico de miocardite, como também aumenta significativamente a sensibilidade em biópsias endomiocárdicas 16,17. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A RMC é um método de diagnóstico não invasivo, que permite a visualização de todo o músculo miocárdio. As aquisições de imagem permitem maior compreensãoo da anatomia, perfusão e caracterização tecidual.. Por meio deste estudo, consegue-se identificar diferentes alterações tissulares do processo inflamatório típico em indivíduos com miocardite ou sequelas desta doença. Desta forma, considera-se que a RMC é um exame de ampla acurácia no estudo da miocardite, frente a heterogeneidade clínica e a escassa e inespecificidade de informações obtidas por meio de outras modalidades de diagnósticos complementares.

Diagnóstico de miocardite por ressonância magnética cardíaca 27 Figura 1 - Planejamento do estudo completo do ventrículo direito. Imagem (A) demonstrando o eixo curto basal e planejamento quatro câmaras varredura. Imagem (B) demonstrando o Eixo curto basal e o planejamento da via de saída do ventrículo direito (VSVD). Imagem (C) demonstrando o planejamento Quatro câmaras eixo longo e o planejamento da Via de saída do ventrículo direito (VSVD). Imagem (D) demonstrando o plano eixo longo duas câmaras do ventrículo direito, estudo de via de entrada e via de saída do ventrículo direito. Imagem (E) demonstrando o eixo curto, via de saída do ventrículo direito (VSVD), planejamento do estudo da artéria pulmonar (AP) e da via de saída do ventrículo direito (VSVD). Imagem (F) evidenciando a artéria pulmonar direita (APD); Átrio direito (AD); Ventrículo direito (VD); Aorta ascendente (Aa); Aorta descente (Ad) 16. Figura 2: Paciente do sexo feminino, 24 anos, com quadro clínico e padrão de realce tardio do miocárdico compatíveis com miocardite. Observa-se realce tardio epimesocárdico (setas), não territorial, na imagem em planejamento eixo curto (Imagem - A) e planejamento em Eixo Longo em duas Câmaras (Imagem B) 17.

28 Reis RC, Nobeschi L, Shito IT, Fragalle V, Goto RE, Munhoz BNS e Melo HJF. REFERÊNCIAS 1. Gonçalves EC, Rustum MD, Oliveira TML, Maciel W. Taquicardia ventricular de difícil controle em caso atípico de miocardite com acometimento de ventrículo direito. Rev Bras Cardiol. 2011;24(6):387-90. 2. Schettino CDS, Martelo S, Deus F, Vargas A, Paschoal M, Tassi E, et al. Diagnóstico clínico e radiológico da miocardite aguda e uma complicação não-usual. Rev SOCERJ. 2008;21(5):338-44. 3. Barranhas AD, Santos AASMD, Coelho Filho OR, Marchiori E, Rochitte CE, Nacif MS. Ressonancia magnética cardíaca na prática clínica. Radiol Bras. 2014;47(1):1-8. 4. Bezerra LB, Marchiorri E, Pontes PV. Avaliação da função cardíaca por ressonância magnética com sequencias em equilíbrio estável: Segmentadas x Tempo Real. Radiol Bras. 2006;39(5):333-9. 5. Almeida AR, Lopes LR, Duarte S, Miranda R, Almeida S, Cotrim C, et al. A importância da ressonância magnética cardíaca no diagnóstico de miocardite: caso clínico. Rer Port Cardiol. 2010;29(7-8):1261-8. 6. Pinto IM, Luz PL, Magalhães HM, Pavanello R, Abizaid A, Kambara AM, et al. Consenso SOCESP-SBC Ressonância Magnética em Cardiologia. Arq Bras Cardiol. 1995;65(5):451-7. 7. Mahrholdt H, Goedecke C, Wagner A, Meinhardt G, Athanasiadis A, Vogelsberg H, et al. Cardiovascular magnetic resonance assessment of human myocarditis: a comparison to histology and molecular pathology. Circulation. 2004;109(10):1250-8. 8. Miller S, Simonetti OP, Carr J, Kramer U, Finn JP. MR imaging of the heart with cine true fast imaging with steady-state precession: influence of spatial and temporal resolutions on left ventricular functional parameters. Radiology. 2002;223(1):263-9. 9. Loureiro R, Favaro D, Baptista L. ABC da ressonância magnética

Diagnóstico de miocardite por ressonância magnética cardíaca 29 cardíaca parte 2: perfusão, viabilidade e anatomia coronariana. Rev Imagem. 2003;25(1):75-8. 10. Gerber BL, Garot J, Bluemke DA, Wu KC, Lima JA. Accuracy of contrast-enhanced magnetic resonance imaging in predicting improvement of regional myocardial function in patients after acute myocardial infarction. Circulation. 2002; 106:1083-1089. 11. Abdel-Aty H, Boye P, Zagrosek A, Wassmuth R, Kumar A, Messroghli D, et al. Diagnostic performance of cardiovascular magnetic resonance in patients with suspected acute myocarditis: comparison of different approaches. J Am Coll Cardiol. 2005;45:1815-22. 12. Grupo de Estudos de Ressonância e Tomografia Cardiovascular (GERT) do Departamento de Cardiologia Clínica da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Rochitte CE, Pinto IM, Fernandes JL, Azevedo Filho CF, Jatene A, et al. I cardiovascular magnetic resonance and computed tomography guidelines of the Brazilian Society of Cardiologia Executive summary. Arq Bras Cardiol. 2006;87(3):48-59. 13. Deux JF, Maatouk M, Lim P, Vignaud A, Mayer J, Gueret P, et al. Acute myocarditis: diagnostic value of contrast-enhanced cine steaty-state free precession MRI sequences. AJR Am J Roentgenol. 2011;197(5):1081-7. 14. Olimulder MA, Van ESJ, Galjee MA. The importance of cardiac MRI as a diagnostic tool in viral myocarditis-induced cardiomyopathy. Neth Heart J. 2009:17(12):481-6. 15. American College of Cardiology Foundation Task Force on Expert Consensus Documents, Hundley WG, Bluemke DA, Finn JP, Flamm SD, Fogel MA, et al. ACCF/ACR/AHA/NASCI/SCMR 2010 expert consensus document on cardiovascular magnetic resonance: a report of the American College of Cardiology Foundation Task Force on Expert Consensus Documents. J Am Coll Cardiol. 2010;55(23):2614-62. 16. Pinto IMF, Sousa AGMR, Ishikawa W, Sasdelli Neto R, Mattos LAP,

30 Reis RC, Nobeschi L, Shito IT, Fragalle V, Goto RE, Munhoz BNS e Melo HJF. Sousa JEMR. Ressonância Magnética e Tomografia Computadorizada no Diagnóstico de Insuficiência Coronária. Rev Bras Cardiol Invas. 2006;14(2):168-77. 17. Cabanelasa N, Ferreira MJV, Donato P, Gaspar A, Pinto J, Caseiro- Alves F, et al. A ressonância magnética cardíaca como uma mais-valia no diagnóstico etiológico de arritmias ventriculares. Rev Port Cardiol. 2013;32(10):785-91.