Paralisia das cordas vocais - 8 anos de experiência no Centro Hospitalar do Porto

Documentos relacionados
LESÕES DE BORDA DE PREGAS VOCAIS E TEMPOS MÁXIMOS DE FONAÇÃO

Mestrado Profissional associado à residência médica MEPAREM. Diretrizes para tratamento de crianças disfônicas

Palestrantes: Amábile Beatriz Leal (2º ano) Jéssica Emídio (4º ano) Orientação: Fga. Ms. Angélica E. S. Antonetti

DESENVOLVIMENTO DE MATERIAL DIDÁTICO OU INSTRUCIONAL FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU- UNESP

Vocal fold paralysis (VFP) is due to an injury of the

RELAÇÃO ENTRE TEMPO MÁXIMO DE FONAÇÃO, ESTATURA E IDADE EM CRIANÇAS DE 8 A 10 ANOS

Tempo Máximo de Fonação: influência do apoio visual em crianças de sete a nove anos

DISFONIA. Justificativa Tipos N máximo de sessões Videolaringoscopia: é um exame

Avaliação da telelaringoscopia no diagnóstico das lesões benignas da laringe

DIAGNÓSTICO E MANEJO DAS DISPLASIAS DE LARINGE

Brazilian Journal of OTORHINOLARYNGOLOGY.

ORIGINAL ARTICLE. Voice and vocal fold position in men with unilateral vocal fold paralysis

MORFOMETRIA DO TRATO VOCAL DE INDIVÍDUOS DISFÔNICOS COM NÓDULOS VOCAIS EM POSTURA DE REPOUSO: UM ESTUDO COM RESSONÂNCIA MAGNÉTICA

ESTUDO DIRIGIDO. Anatomia

Protocolo de Anamnese Estandardizado na Área da Voz

Anexo 1: Fig. 1 Cartilagens da laringe. (McFarland, D. [2008]. Anatomia em Ortofonia Palavra, voz e deglutição. Loures: Lusodidacta)

Sistema de classificação de doentes em MFRA FAQs

Discentes: Michele Dias Hayssi Haduo (4º ano) Chrishinau Thays de Sales Silva (3º ano) Carolina Luiz Ferreira da Silva (4º ano) Ana Carolina Gagliani

Nelson Gilberto Gustavo Almeida Pedro Machado Sousa Pedro Alberto Escada

Monitorização do nervo laríngeo recorrente em tireoidectomias e sua correlação com disfonia no pós-operatório.

AVALIAÇÃO DOS DOENTES COM SUSPEITA CLÍNICA DE TEP COM RECURSO A ANGIO-TC Estudo retrospectivo

Trombose Associada ao Cancro. Epidemiologia / Dados Nacionais

mecanismo humano de produção de fala mecanismo humano de produção de fala AVPV ESS.IPS 29,30.nov.13

Protocolo de cooperação fonoaudiológica para avaliação nasofibrolaringoscópica da mobilidade laríngea em doenças da tireóide (PAN)***

ENFERMAGEM DOENÇAS CRONICAS NÃO TRANMISSIVEIS AVE / AVC. Profª. Tatiane da Silva Campos

Joana Filipe Helena Ribeiro André Amaral Rui Fino Hugo Estibeiro Pedro Montalvão Miguel Magalhães

INFECÇÕES CERVICAIS PROFUNDAS ESTUDO RETROSPECTIVO

COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA DA UNICAMP - CAMPUS CAMPINAS

Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial Director: Dr. Luis Dias

ANOMALIAS DENTOFACIAIS

ÍNDICE DE DESVANTAGEM VOCAL NOS LARINGECTOMIZADOS TOTAIS

ANÁLISE DA VOZ DE DEFICIENTES AUDITIVOS PÓS-LINGUAIS PRÉ E PÓS USO DE IMPLANTE COCLEAR

12º par craneano - nervo hipoglosso

CÂNCER LARINGE. UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ Hospital Walter Cantídio Residência em Cirurgia de Cabeça e Pescoço CÂNCER DE LARINGE

Gaudencio Barbosa R3 CCP Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço Hospital Universitário Walter Cantído UFC

INFLUÊNCIA DA GAMETERAPIA NA REABILITAÇÃO DE PACIENTE PÓS ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO

Departamento de Radioncologia Instituto CUF Porto Hospital de Braga

Análise dos aspectos de qualidade de vida em voz. após alta fonoaudiológica: estudo longitudinal

17/08/2018. Disfagia Neurogênica: Acidente Vascular Encefálico

DOENÇA DE GRAVES EM IDADE PEDIÁTRICA: AVALIAÇÃO DA EFICÁCIA DOS ANTITIROIDEUS

Revista CEFAC ISSN: Instituto Cefac Brasil

Eletroglotografia em crianças com e sem Transtorno Fonológico

Francisco Rosa Mariline Santos Susana Vaz Freitas Isabel Carvalho Jorge Oliveira Cecília Almeida Sousa

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE MEDICINA. Maruza Souza Ramos Nívia Dayane Fernandes Silva

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE MEDICINA. Alice Braga de Deus MEDIDAS AERODINÂMICAS DE FALANTES DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Cordotomia Posterior e Aritenoidectomia Parcial para Tratamento da Paralisia Vocal Bilateral em Adução

CONTRIBUIÇÕES DA TERAPIA VOCAL PARA PRESBIFONIA COM USO DA TÉCNICA DO TUBO DE RESSONÂNCIA

DYSPHONIA: ASSESSMENT AND INITIAL MANAGEMENT DISFONIA: AVALIAÇÃO E MANEJO INICIAL

VARIABILIDADE DA FREQUÊNCIA FUNDAMENTAL: ESTUDO COMPARATIVO ENTRE VOZES ADAPTADAS E DISFÔNICAS

RETALHOS ÂNTERO-LATERAL DA COXA E RETO ABDOMINAL EM GRANDES RECONSTRUÇÕES TRIDIMENSIONAIS EM CABEÇA E PESCOÇO

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DO PACIENTE IDOSO INTERNADO EM UMA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA DE UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DE JOÃO PESSOA

EPILEPSIA ALGUMAS PERGUNTAS ALGUMAS RESPOSTAS. EPILEPSIA: o que é?

The Unilateral Vocal Fold Paralysis (UVFP), abducted, is a

Paralisia das cordas vocais: 10 anos de experiência Vocal fold paralysis: 10 years experience

Gaudencio Barbosa R3 CCP HUWC 10/2011

Mara Carvalho / Filipe Abreu. Jornadas Interdisciplinares sobre Tecnologias de Apoio Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra

Humberto Brito R3 CCP

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE

Alterações vocais no Parkinson e método Lee Silverman

A deglutição é definida como processo que resulta no transporte do alimento da boca ao estômago. Preparatória

ESTUDO DE CASO: DISFONIA PSICOGÊNICA

Índice. Índice... ii Sumário... iii Abstract... v

REGISTRO DE CASOS HEMIPLEGIAS VELO-FARINGO-LARÍNGICAS

Protocolo de cooperação fonoaudiológica para. nasofibrolaringoscopia funcional de pacientes com imobilidade. de prega vocal pós-tireoidectomia (PNF)

AVALIAÇÃO VOCAL EM CRIANÇAS DISFÔNICAS ANTES E APÓS INTERVENÇÃO FONOAUDIOLÓGICA EM GRUPO

ALTERAÇÃO DE MOBILIDADE DE PREGA VOCAL UNILATERAL: AVALIAÇÃO SUBJETIVA E OBJETIVA DA VOZ NOS MOMENTOS PRÉ E PÓS-FONOTERAPIA

Mestrado Profissional associado à residência médica MEPAREM. É necessária a monitorização do nervo laríngeo recorrente em tireoidectomias?

Experiência do Serviço de Endocrinologia do Hospital de Braga no Tratamento de Diabéticos Tipo 1 com Bombas Infusoras de Insulina

ANÁLISE DA EFICACIA DO USO DA CINESIOTERAPIA NO TRATAMENTO PÓS OPERATÓRIO DE LESÃO DO LIGAMENTO CRUZADO ANTERIOR ESTUDO DE CASO

A EVOLUÇÃO DE UM CISTO EPIDERMÓIDE NA MUDA VOCAL. Jaqueline Priston

A ABORDAGEM FISIOTERAPÊUTICA NA FUNÇÃO RESPIRATÓRIA DE UM PACIENTE COM FIBROSE PULMONAR IDIOPÁTICA: ESTUDO DE CASO

Reabilitação Fonoaudiológica na Doença de Parkinson

ALTERAÇÃO DE MOBILIDADE DE PREGA VOCAL UNILATERAL: AVALIAÇÃO SUBJETIVA E OBJETIVA DA VOZ NOS MOMENTOS PRÉ E PÓS-FONOTERAPIA

I. RESUMO TROMBOEMBOLISMO VENOSO APÓS O TRANSPLANTE PULMONAR EM ADULTOS: UM EVENTO FREQUENTE E ASSOCIADO A UMA SOBREVIDA REDUZIDA.

A EFETIVIDADE DA REALIMENTAÇÃO NO TRATAMENTO DA GAGUEIRA DE DESENVOLVIMENTO: ESTUDOS COMPARATIVOS

A PTHi PODE PREVER AS VARIAÇÕES DO CÁLCIO APÓS TIROIDECTOMIA TOTAL?

RESULTADOS VOCAIS PERCEPTIVOAUDITIVOS APÓS TIREOPLASTIA TIPO I E FONOTERAPIA EM UM CASO DE PARALISIA DE PREGA VOCAL

Pedro Melo Pestana Susana Vaz-Freitas Cecília Almeida e Sousa

Influência das Variantes Genéticas Funcionais do Sistema Renina-Angiotensina na Doença Arterial Coronária.

Palavras-chaves: Qualidade da voz; Qualidade de vida, docente. (4). Um importante aspecto a ser avaliado em processos

Revista CEFAC ISSN: Instituto Cefac Brasil

Kércia Melo de Oliveira Fonseca. Escalas de comprometimento da paralisia facial: análise de concordância

3º Curso Teórico Prático de ORL

TÉCNICA MANUAL DE MENSURAÇÃO DA PARALISIA FACIAL COM RÉGUAS

Formulário de acesso a dados do Registo Nacional de Doentes Reumáticos da SPR

Impact in vocal quality in partial myectomy and neurectomy

Boletim COMVOZ n o. 1

PERFIL DO PACIENTE ATENDIDO NO PROJETO DE EXTENSÃO:

IMPLICAÇÕES FUNCIONAIS EM UM CASO DE ASSIMETRIA DE LARINGE FUNCTIONAL CONSEQUENCES IN A CASE OF LARYNGEAL ASSYMETRY

Luís Freitas Elizabeth Moscoso Maria Machado Ana Rita Marco Simão Óscar Dias Mário Andrea

The glottal closure varies during phonation, even in

Introduction: Benign lesions of the larynx are

crescimento corporal mais acentuado nos rapazes. FONOAUDIÓLOGO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA REABILITAÇÃO PROCESSO SELETIVO 2013 Nome: PARTE 2 QUESTÕES SOBRE AS LINHAS DE PESQUISA

Pericárdio Anatomia e principais patologias

Voz, deglutição e qualidade de vida de pacientes com alteração de mobilidade de prega vocal unilateral pré e pós-fonoterapia

Amiotrofia Nevrálgica Estendida: fonoterapia em um caso de paralisia de prega vocal

A QUALIDADE DE VIDA DE PACIENTES LOCALMENTE AVANÇADOS TRATADOS COM RADIOQUIMIOTERAPIA É MELHOR DO QUE NAQUELES SUBMETIDOS A LARINGECTOMIA TOTAL?

O desenvolvimento da Cirurgia de Ambulatório como objectivo estratégico do Hospital

Transcrição:

Paralisia das cordas vocais - 8 anos de experiência no Vocal fold parilysis: 8 years' experience in Centro Hospitalar do Porto Ana Costa Pereira da Silva Sara Sena Esteves Susana Vaz Freitas Telma Feliciano Cecília Almeida e Sousa Resumo Introdução: A paralisia das cordas vocais (PCV) associa-se a morbilidade significativa por interferir na respiração, fonação, deglutição e tosse. Este trabalho visa avaliar os resultados funcionais da terapia da fala em doentes com PCV. Material e Métodos: Este estudo incluiu doentes adultos com PCV submetidos a terapia da fala como tratamento exclusivo entre Junho de 2006 e Junho de 2014. Foram registados os dados demográficos, etiologia da paralisia, exame laringoscópico e resultados do tempo máximo de fonação (TMF) antes e após o tratamento. Resultados: Dos 70 doentes incluídos no estudo, a maioria apresentava uma PCV unilateral pós-operatória. Após realização de terapia da fala, registou-se um aumento médio do TMF para todos os sons e uma aproximação do coeficiente s/z do valor de referência 1. Conclusões: Os resultados obtidos neste estudo sugerem que a realização exclusiva de terapia da fala em doentes com PCV melhora objectivamente a sua função glótica. Palavras-chave: paralisia das cordas vocais; tempo máximo de fonação; terapia da fala Ana Costa Pereira da Silva Sara Sena Esteves Susana Vaz Freitas Telma Feliciano Cecília Almeida e Sousa Artigo recebido a 20 de Abril de 2016. Aceite para publicação a 12 de Março de 2017. Abstract Introduction: Vocal cord paralysis is associated with significant morbidity because it interferes with breathing, phonation, swallowing and coughing. This study aims to evaluate the functional results of speech therapy in these patients. Methods: This study included adult patients with vocal cord paralysis submitted to speech therapy as an isolated treatment between June 2006 and June 2014. Demographic data, paralysis etiology, laryngoscopy and maximum phonation time before and after treatment were registered. Results: The majority of the 70 patients included in this study had a postoperative unilateral vocal cord paralysis. After performing speech therapy there was an increase on average maximum phonation time for all sounds and an approximation of the s/z coefficient to the reference value 1. Conclusions: The results of this study suggest that speech therapy as an isolated treatment in patients with vocal cord paralysis objectively improves their glottal function. Keywords: vocal cord paralysis; maximum phonation time; speech therapy Introdução As cordas vocais (CV) são estruturas musculares da laringe responsáveis, em conjunto com outros órgãos e estruturas, pela respiração, fonação, deglutição e tosse. As CV movimentam-se pela acção dos músculos laríngeos inervados maioritariamente pelo nervo laríngeo recorrente, ramo do nervo vago. Deste modo, as paralisias das CV (PCV) têm origem em lesões do nervo recorrente, nervo vago acima da ramificação do nervo laríngeo recorrente ou doença neurológica. Patologias que afectam o tronco cerebral ou base do crânio geralmente resultam em múltiplos défices de nervos cranianos, porque a este nível do nervo vago está intimamente relacionado com outros nervos cranianos. A PCV pode ter origem em patologias variadas, como secção iatrogénica do nervo vago ou laríngeo recorrente durante uma cirurgia, doenças neoplásicas, inflamatórias ou infecciosas ou trauma. De acordo com Benninger et al, a maioria das PCV unilaterais deve-se a neoplasias malignas não laríngeas e a maioria das PCV bilaterais tem origem em trauma cirúrgico. 1 Os doentes com PCV unilaterais apresentam-se geralmente com início súbito de voz rouca, soprada, VOL 54. Nº3. SETEMBRO 2016 169

tosse fraca, dispneia e/ou disfagia, no entanto 30 a 40 % podem ser assintomáticos. 2,3 Nas PCV as CV podem permanecer em posição paramediana, mediana ou intermédia. Numa PCV bilateral em posição paramediana, a incapacidade de adução das CV e encerramento da glote leva a dificuldade na fonação e possibilidade de aspiração. Por outro lado, uma PCV bilateral em posição mediana traduz-se numa incapacidade de abertura da glote e consequente dispneia obstrutiva alta. 4 O diagnóstico de PCV é estabelecido pelo Otorrinolaringologista através da laringoscopia. Em 11 a 37% dos casos a PCV é idiopática e a identificação da sua etiologia pode ser feita através da anamnese, exame objectivo completo e análise sanguínea, incluindo hemograma, velocidade de sedimentação, pesquisa de factor reumatóide, anticorpos anti-borrelia burgdorferi e anticorpos antinucleares, entre outros. 5 Em alguns casos pode ser necessária a realização de uma tomografia computorizada ao longo dos trajectos dos nervos vago e laríngeo recorrente, desde o tronco cerebral até ao mediastino superior. 6 Uma vez conhecida a etiologia e realizado o exame laringoscópico, preferencialmente com estroboscopia, o doente deve ser avaliado por um Terapeuta da Fala. A terapia da fala tem geralmente um papel fundamental como adjuvante de um tratamento cirúrgico ou como tratamento único em doentes com condições favoráveis, como PCV unilateral em posição mediana, ou em doentes que não sejam candidatos a cirurgia. 7 Os tratamentos cirúrgicos disponíveis variam conforme a posição das CV e a presença de uma paralisia uni ou bilateral. Incluem procedimentos como a traqueotomia numa PCV bilateral em posição mediana ou a medialização da CV numa PCV unilateral em posição paramediana. 8 Este trabalho visa avaliar os resultados funcionais do tratamento exclusivo com terapia da fala em doentes com PCV. esperados para o sexo masculino são de 25 a 35 segundos e, para o feminino, de 15 a 25 segundos. 9,10 De uma forma geral consideram-se os valores abaixo de 10 como significativamente anormais. 11 Foi utilizada igualmente a relação s/z, que consiste no TMF da consoante /s/ dividida pelo TMF da consoante /z/. O valor normal deste quociente é 1, sendo que valores acima de 1,3 são indicativos de falta de coaptação glótica. 10 Resultados 70 doentes com PCV seguidos em consulta de Otorrinolaringologia e submetidos exclusivamente a terapia da fala cumpriram todos os critérios de inclusão neste estudo. A média de idades dos doentes aquando do início da terapia da fala foi de 57,91 anos (mínimo 22 e máximo 87 anos), sendo que 48 (68,57%) eram mulheres e 22 (31,43%) eram homens. A maioria dos doentes estudados (95,71%) apresentava uma PCV unilateral, sendo que em 32 doentes estava afectada a corda vocal esquerda e em 35 doentes a direita. A etiologia mais frequente da PCV foi a secção do nervo laríngeo recorrente durante a realização de uma tiroidectomia total, observada em 31 doentes (46,27%) (Figura 1). Uma minoria (4,29%) apresentava uma PCV bilateral pós-operatória e as CV encontravam-se em posição intermédia. FIGURA 1 Etiologia das PCV unilaterais. Outras causas incluem acidentes vasculares cerebrais e síndrome parkinsónico. Material e Métodos Foi realizado um estudo retrospectivo que incluiu os doentes adultos com PCV seguidos em consulta de Otorrinolaringologia no entre Junho de 2006 e Junho de 2014 e que realizaram terapia da fala neste Serviço. Foram registados os dados demográficos, etiologia da paralisia, exame laringoscópico e os resultados do tempo máximo de fonação (TMF) antes e após a realização de terapia da fala. O TMF é um exame não invasivo e de fácil execução que avalia a eficiência glótica. Consiste no tempo máximo (em segundos) que um indivíduo consegue suster o som de uma vogal ou consoante após uma inspiração forçada. Neste estudo, as vogais utilizadas foram /a/, /i/ e /u/ e as consoantes /s/ e /z/ e os doentes foram avaliados na posição sentada. Os valores normais 170 REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA CÉRVICO-FACIAL

FIGURA 2 Tabela com os valores médios do tempo máximo de fonação (TMF) em segundos aquando da avaliação inicial (/a/, /i/, /u/, /s/ e /z/). Homens (n=22) Mulheres Posição corda(s) vocal(ais) paralisada(s) Paramediana Intermédia (n=19) Mediana Total (n=70) /a/ 8,19 6,34 7,09 6,44 7,33 6,92 /i/ 10,62 8,23 10 6,75 6,77 8,98 /u/ 6,94 8,81 8,59 7,58 7 8,23 /s/ 10,54 9,01 9,15 10,05 11,37 9,49 /z/ 7,69 7,84 7,7 7,88 8,8 7,79 FIGURA 3 Tabela com os valores médios do tempo máximo de fonação (TMF) em segundos depois de realizada terapia da fala (/a/, /i/, /u/, /s/ e /z/ ).. Homens (n=22) Mulheres Posição corda(s) vocal(ais) paralisada(s) Paramediana Intermédia (n=19) Mediana Total (n=70) /a/' 11,35 8,67 9,35 9,88 9,73 9,51 /i/' 11,75 9,74 10,15 11,07 9,63 10,37 /u/' 12,23 9,25 9,92 10,97 9,57 10,19 /s/' 12,12 11,57 11,73 11,8 11,5 11,74 /z/' 11,48 10,36 10,77 11,83 9,2 10,72 FIGURA 4 Quociente entre tempo máximo de fonação (TMF) de /s/ e /z/ aquando da avaliação inicial (s/z) e depois de realizada terapia da fala (s/z ). A avaliação inicial por um Terapeuta da Fala realizouse em média 303 dias após o estabelecimento da PCV (mínimo de 7 e máximo de 4391 dias). Nessa avaliação, os valores médios do tempo máximo de fonação para /a/, /i/, /u/, /s/ e /z/ foram todos, em média, abaixo dos valores de referência. Verificou-se igualmente, que estes valores foram menores nos doentes do sexo feminino com excepção do TMF para a vogal /u/ (Figura 2). A média do quociente entre o TMF de /s/ e de /z/ na avaliação inicial foi 1,56, tendo-se registado valores superiores ao valor de referência 1 em todo os grupos VOL 54. Nº3. SETEMBRO 2016 171

FIGURA 5 Tabela com os valores médios do tempo máximo de fonação (TMF) em segundos na avaliação inicial (/a/, /i/, /u/, /s/ e /z/) e depois de realizada terapia da fala (/a/, /i/, /u/, /s/ e /z/ ) nos doentes com PCV bilateral. PCV bilateral /a/ /i/ /u/ /s/ /z/ /a/' /i/' /u/' /s/' /z/' 5,33 6,03 4 5,37 3,87 6,73 6,53 6,3 7,86 6,77 estudados. Verificou-se que este era em média 1,56 nos doentes do sexo feminino e 1,54 nos do sexo masculino. Relativamente à posição das cordas vocais paralisadas, os valores registados foram 1,57, 1,56 e 1,38 nas posições paramediana, intermédia e mediana, respectivamente. Todos os doentes foram submetidos a terapia da fala, que teve uma duração média de 109,54 dias (mínimo de 16 e máximo de 1365 dias). Aquando da reavaliação dos TMF registou-se um aumento da média destes tempos para todos os grupos estudados, apesar dos valores permanecerem abaixo dos limites considerados normais (Figura 3). No que concerne a média do quociente entre o TMF de /s/ e /z/ após o tratamento, observou-se uma diminuição deste valor para 1,26. Com excepção dos doentes com PCV em posição mediana, em que a média do quociente foi 1,34, todos os grupos estudados apresentaram uma média de valores inferior a 1,3 (Figura 4). No grupo de doentes com PCV bilateral, também se verificou uma melhoria do TMF para os diferentes sons testados e o quociente médio de s/z melhorou de 1,42 para 1,13 (Figura 5). Discussão O grupo de 70 doentes incluídos neste estudo apresentava uma média de idades de 57,91 anos e 67 doentes (95,71%) apresentavam uma PCV unilateral. A maioria dos doentes (68,57%) eram do sexo feminino, o que é explicado por parte importante das PCV estar relacionada com o tratamento de patologia da glândula tiroideia, que é mais frequente neste género. Neste estudo, a maioria das PCV (76%) deveu-se a secção iatrogénica do nervo recorrente durante uma cirurgia, tendo sido a tiroidectomia total o procedimento mais frequente. Estes valores são superiores aos encontrados na literatura, em que a PCV pós-operatória é responsável por 11 a 57% dos casos. 1,4 Estes resultados explicam-se pelo facto de os doentes com PCV secundária a doenças malignas não serem geralmente encaminhados para tratamento exclusivo com terapia da fala. O TMF depende de muitas variáveis, incluindo o volume de fonação (que varia com a idade, sexo e estatura), a taxa média de fluxo de ar, a compreensão da tarefa e o esforço máximo realizado pelo indivíduo. No entanto, é um exame de fácil realização que permite avaliar num mesmo indivíduo a dinâmica fonatória e eficiência glótica após a realização de terapia da fala. Nos doentes incluídos neste estudo verificou-se uma diminuição significativa do TMF para os sons /a/, /i/, /u/, /s/ e /z/, sendo as médias destes tempos sempre inferiores a 10. Observou-se igualmente uma maior diminuição do som /z/ em relação ao som /s/, levando a uma média do quociente s/z superior a 1,3. Este resultado é justificado pelo facto da produção do som /z/ ser mais dependente do componente glótico da emissão sonora, comparativamente ao som /s/. 12 Após a realização de terapia da fala, objectivou-se um aumento da média do TMF para todos os sons estudados, tendo-se obtido valores superiores a 10 na média geral do TMF para todos os sons com excepção de /a/ (9,51s). Relativamente ao quociente s/z, houve uma aproximação para o valor de referência 1, traduzindo uma melhoria da eficiência glótica. Perante estes dados, consideramos reforçado o valor da terapia da fala como tratamento da PCV. Na minoria de doentes incluídos neste estudo com PCV bilateral (4,29%) foi igualmente registada uma melhoria em todos os TMF e do quociente s/z. Apesar do número de doentes ser pequeno, estes resultados sugerem que a terapia da fala pode ser eficaz como tratamento isolado de PCV bilaterais em doentes seleccionados. Conclusão Os resultados obtidos neste estudo sugerem que a realização exclusiva de terapia da fala em doentes com PCV melhora objectivamente a sua função glótica, podendo ser ponderado como tratamento de primeira linha em doentes sem necessidade cirúrgica imediata. Protecção de pessoas e animais Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial. Confidencialidade dos dados Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de doentes. Conflito de interesses Os autores declaram não ter nenhum confito de interesses relativamente ao presente artigo. 172 REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA CÉRVICO-FACIAL

Fontes de financiamento Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo. Referências bibliográficas 1-Benninger, M S, Gillen, J B and Altaian, J S. Changing etiology of vocal fold immobility. The Laryngoscope, 1998;108: 1346 1350 2-Dankbaar JW and Pameijer FA. Vocal cord paralysis: anatomy, imaging and pathology. Insights Imaging. 2014:5:743 751 3-Ahmad S, Muzamil A, Lateef M. A Study of incidence and etiopathology of vocal cord paralysis Indian J Otolaryngol Head Neck Surg. 2002 Oct;54(4):294-6 4-Al-Khtoum N, Shawakfeh N, Al-Safadi E, Al-Momani O et al. Acquired Unilateral Vocal Fold Paralysis: Retrospective Analysis of a Single Institutional Experience. North American Journal of Medical Sciences. 2013;5(12):699-702 5-Merati AL, Halum SL, Smith TL. Diagnostic Testing for Vocal Fold Paralysis: Survey of Practice and Evidence-Based Medicine Review. Laryngoscope. 2006: 116(9):1539-52 6-Christina M P, Daria C M and Brian J P. Unilateral Vocal Cord Paralysis: A Review of CT Findings, Mediastinal Causes, and the Course of the Recurrent Laryngeal Nerves. RadioGraphics 2012 32:3, 721-740 7-Miller S. Voice therapy for vocal fold paralysis. Otolaryngol Clin North Am. 2004 Feb;37(1):105-19 8-Orestes MI, Neubauer J, Sofer E, Salinas J, Chhetri DK. Phonatory effects of type I thyroplasty implant shape and depth of medialization in unilateral vocal fold paralysis. Laryngoscope. 2014 Dec;124(12):2791-6 9-Kent RD, Kent J, Rosenbek J. Maximum performance tests of speech productions. Journal of Speech and Hearing Disorders 1987; 52: 367-87 10-Steffen L M, Moschetti M B, Steffen N H, Hanayama E M. Paralisia unilateral de prega vocal: associação e correlação entre tempos máximos de fonação, posição e ângulo de afastamento. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia. 2004; 70(4), 450-455 11-Behlau M, Pontes P. Abordagem global na reabilitação vocal. In: Behlau M, Pontes P. Avaliação e tratamento das disfonias. São Paulo: Lovise; 1995. p. 189-262. 12-Cielo C A, Casarin M T. Sons fricativos surdos. Rev. CEFAC. 2008;10(3): 352-358 VOL 54. Nº3. SETEMBRO 2016 173