Arquivos Catarinenses de Medicina

Documentos relacionados
Profa Dra Eliana Marisa Ganem CET/SBA do Depto. de Anestesiologia Faculdade de Medicina de Botucatu UNESP

1.Cite fatores maternos, obstétricos, fetais e do ambiente de prática obstétrica que aumentam a incidência de cesarianas.

FALHAS DA RAQUIANESTESIA O QUE FAZER?

Analgesia Pós-Operatória em Cirurgia de Grande Porte e Desfechos

BLOQUEIOS DO NEUROEIXO: UMA REVISÃO ENTRE DUAS MODALIDADES ANESTÉSICAS.

1-Quais as principais diferenças clínicas (não anatômicas) entre as anestesias subaracnóides e peridurais.

Regilane A. S. Santos e Andreia R. C. de Almeida CEFALÉIA PÓS RAQUIANESTESIA E OS POSSÍVEIS FATORES INFLUENTES: REVISÃO DE LITERATURA1

Análise Crítica da Monitorização com Índice Biespectral

Anestesia Espinhal com 10 mg de Bupivacaína Hiperbárica Associada a 5 μg de Sufentanil para Cesariana. Estudo de Diferentes Volumes *

Raquianestesia para Cesariana com Bupivacaína a 0,5% Isobárica Associada ao Fentanil e Morfina. Estudo Prospectivo com Diferentes Volumes *

Mistura com Excesso Enantiomérico de 50% de Bupivacaína (S75:R25) Hiperbárica para Procedimentos Cirúrgicos

Ronaldo Rodrigo de Sá Oliveira. Falha no bloqueio após anestesia subaracnoidea. Frequência e fatores contribuintes

* Recebido do Centro de Ensino e Treinamento (CET) Professor Manoel Alvarez do Hospital Universitário de Santa Maria (UFSM). Santa Maria, RS.

Raquianestesia contínua com altas doses de anestésicos locais

Mário Tadeu Waltrick Rodrigues Anestesiologista TSA / SBA. Pós Graduado em Terapia da Dor Universidade de Barcelona

INCIDÊNCIA DE NÁUSEAS E VÓMITOS NO PÓS-OPERATÓRIO EM PEDIATRIA

Baixas Doses de Bupivacaína a 0,5% Isobárica para Raquianestesia Unilateral *

CEFALEIA PÓS RAQUIANESTESIA. Osvaldo Mangueira Graciano, MD Interno de Anestesiologia 3º Ano 8/11/2017

Luiz Eduardo Imbelloni, TSA 1, Adriano Dias Moreira 2, Flávia Cunha Gaspar 3, Marildo A. Gouveia, TSA 4, José Antônio Cordeiro 5 INTRODUÇÃO

CRITÉRIOS OBSTÉTRICOS/ANESTÉSICOS PARA INÍCIO DA ANALGESIA DE PARTO

Luiz Eduardo Imbelloni, TSA 1, Gustavo Volpato Passarini de Rezende 2, Eliana Marisa Ganem, TSA 3, José Antonio Cordeiro 4 INTRODUÇÃO

PROGRAMAÇÃO OFICIAL

PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA APÓS BLOQUEIO SUBARACNÓIDEO: RELATO DE CASO

I Data: 14/01/2005. II Grupo de Estudo:

Anestesia Espinhal com 10 mg de Bupivacaína Hiperbárica Associada a 5 µg de Sufentanil para Cesariana. Estudo de Diferentes Volumes *

Bupivacaína 0,15% Hipobárica Versus Lidocaína 0,6% Hipobárica para Raquianestesia Posterior em Cirurgia Anorretal Ambulatorial *

Mistura com Excesso Enantiomérico de 50% de Bupivacaína (S75:R25) Hiperbárica para Procedimentos Cirúrgicos

ria: Por Que Tratar? Can Dr. Daniel Volquind TSA/SBA

RAQUIANESTESIA TOTAL DR. Francisco Neto,Especialista em Anestesiologia e Reanimação da Maternidade Lucrecia Paím Kotaneto hotmail.

NECESSIDADE E INTERCORRÊNCIAS DA SONDAGEM VESICAL EM PACIENTES SUBMETIDAS À CESARIANA SOB ANESTESIA SUBARACNOIDEA COM MORFINA

ESTUDOS AVANÇADOS EM ANESTESIOLOGIA REGIONAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE

Obloqueio combinado (BC) é uma associação de duas

Autor: Ângela Bento Data:8/11/2017 ANALGESIA DE PARTO ANALGESIA ENDOVENOSA E BLOQUEIOS PERIFERICOS

CEFALEIA APÓS BLOQUEIO SUBARACNÓIDEO RELATO DE CASO

Raquianestesia em Operação Cesariana. Emprego da Associação de Bupivacaína Hiperbárica (10 mg) a Diferentes Adjuvantes

Anestesia Espinhal com 10 mg de Bupivacaína Hiperbárica Associada a 5 μg de Sufentanil para Cesariana. Estudo de Diferentes Volumes *

TRATAMENTO DA DOR PÓS OPERATÓRIA. Vernot Garcia Matabula MD. Interno 3º ano Data 08/11/2017

Mistura com Excesso Enantiomérico de 50% de Bupivacaína (S75:R25) Hiperbárica para Procedimentos Cirúrgicos

Nome do Paciente: Data de nascimento: / / CPF: Procedimento Anestésico: I. O que é?

I PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA E ATUALIZAÇÃO EM ANESTESIOLOGIA E DOR DA SARGS ANESTESIA PEDIÁTRICA: PODEMOS REDUZIR A MORBIMORTALIDADE?

Falhas na Anestesia Subaracnóidea*

ARTIGO CIENTÍFICO SCIENTIFIC ARTICLE. Rev Bras de Anestesiol 2006; 56: 2:

VARIAÇÕES FISIOLÓGICAS DA PRESSÃO DO LÍQUIDO CEFALORRAQUEANO NA CISTERNA MAGNA

A hipotensãoarterialmaternaéacomplicaçãomaiscomum

WorkShop Anestesia Intravenosa. Dr. Daniel Volquind TSA/SBA

Luiz Eduardo Imbelloni, TSA 1, Adriano Dias Moreira 2, Flávia Cunha Gaspar 3, Marildo A. Gouveia, TSA 4, José Antônio Cordeiro 5 INTRODUÇÃO

PRINCÍPIOS DA ANESTESIA CONDUTIVA

Luiz Eduardo Imbelloni, TSA 1, Marcos Fornasari 2, José Carlos Fialho 3 INTRODUÇÃO

DISSERTAÇÃO Mestrado

RETALHOS ÂNTERO-LATERAL DA COXA E RETO ABDOMINAL EM GRANDES RECONSTRUÇÕES TRIDIMENSIONAIS EM CABEÇA E PESCOÇO

ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM FRENTE ANESTESIA GERAL

Comparison between Spinal, Combined Spinal-Epidural and Continuous Spinal Anesthesias for Hip Surgeries in Elderly Patients. A Retrospective Study

ARTIGO CIENTÍFICO 2009; 59: 2: SCIENTIFIC ARTICLE

Yung Lee 1, Mrinalini Balki 2, Robert Parkes 3, Jose C. A. Carvalho 4

Cirurgia colorretal esraeurope.org/prospect 1

Associação de Fentanil ou Sufentanil à Bupivacaína a 0,5% Isobárica em Raquianestesia. Estudo Comparativo *

Avaliação da Bupivacaína Hipobárica a 0,5% na Raquianestesia* Evaluation of 0.5% Hypobaric Bupivacaine in Spinal Anesthesia

MMSC - Sufentanil Subaracnóideo Associado à Bupivacaína Hiperbárica para Analgesia de Parto: É Possível Reduzir. Dose do Opióide?

RELAÇÃO ENTRE O NOVO ÍNDICE DE ADIPOSIDADE CORPORAL COM O ÍNDICE DE MASSA CORPORAL EM CRIANÇAS. Ivair Danziger Araújo

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DO PACIENTE IDOSO INTERNADO EM UMA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA DE UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DE JOÃO PESSOA

Bloqueios Regionais em Pediatria

Uso do Ultrassom para Determinação do Nível de Punção Lombar em Gestantes*

Protocolo Cefaléia Pós-raqui

PROGRAMAÇÃO DE ESTÁGIO ANESTESIOLOGIA

PLANO DE CURSO 8 PERÍODO ANO:

Anestesia para cirurgia ambulatorial na criança

Araquianestesia é uma técnica anestésica fácil de ser realizada,

Hospital de São Marcos Departamento de Cirurgia Director: Dr. António Gomes

Peridural ou Raque Isoladas em Analgesia de parto

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

EFEITOS DE DOIS PROTOCOLOS DE TREINAMENTO FÍSICO SOBRE O PESO CORPORAL E A COMPOSIÇÃO CORPORAL DE MULHERES OBESAS

Patrícia Falcão Pitombo 1, Robson Moura 2, Ricardo Miranda 3 INTRODUÇÃO

ARTIGO ORIGINAL. Palavras-chave: Keywords: doi: / v56n1p

Índice de massa corporal e prevalência de doenças crônicas não transmissíveis em idosos institucionalizados

CEFALEIA PÓS-ANESTESIA RAQUIDIANA TRATADA COM TAMPONAMENTO SANGUÍNEO PERIDURAL: ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA

2009; 59: 1: SCIENTIFIC ARTICLE

Lesão neurológica pós-bloqueio periférico: qual a conduta?

CRITÉRIOS E EXAMES COMPLEMENTARES PARA REALIZAÇÃO DE ANESTESIA PARA EXAMES DIAGNÓSTICOS

Avaliação da dor pós-operatória em pacientes submetidos à histerectomia abdominal em um hospital de ensino

INTRODUÇÃO. Rev Bras Anestesiol 2011; 61: 5: Informações Clínicas

Hemorroidectomia esraeurope.org/prospect 1

CUIDADOS PERI-OPERATÓRIOS, DIAGNÓSTICO E CONTROLE DA DOR

Avaliação da telelaringoscopia no diagnóstico das lesões benignas da laringe

Anestesia. em cirurgia cardíaca pediátrica. por Bruno Araújo Silva

MAGALI DA SILVA SANCHES MACHADO.

Ahipotensão arterial pode ocorrer mesmo com expansão

08 e 09 de outubro de 2016 Vitória Hotel Concept Campinas. Avenida José de Souza Campos, 425 Cambuí Campinas SP

Ivandete Coelho Pereira Pimentel

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE MEDICINA DEPARTAMENTO DE CIRURGIA ESTÁGIO OPCIONAL EM ANESTESIOLOGIA E CLÍNICA DE DOR

Artigo Original TRATAMENTO DO CÂNCER DE CABEÇA E PESCOÇO NO IDOSO ACIMA DE 80 ANOS

Disciplina: Específica

Vasopressores em bloqueios do neuroeixo para cesariana

AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO FUNCIONAL DE IDOSOS INSTITUCIONALIZADOS

Epidural Pain Relief for Labor and Delivery

Anestesia Venosa Total em Obesidade Mórbida

Incidência de Tremores após Cesarianas sob Raquianestesia com ou sem Sufentanil Intratecal: Estudo Aleatório

Correlação entre o Índice de Massa Corporal (IMC) de Gestantes e Hipotensão após Raquianestesia para Cesarianas

Transcrição:

Arquivos Catarinenses de Medicina ISSN (impresso) 0004-2773 ISSN (online) 1806-4280 ARTIGO ORIGINAL Perfil epidemiológico das anestesias por bloqueio subaracnóide em um serviço de residência em anestesiologia: estudo prospectivo Epidemiological profile of spinal anesthesia in an anaesthesiology residence service: a prospective study Thiago Mamôru Sakae 1, Mariana Duarte Tschumi 2, Carlos Alexandre Machado 2, Alexandre Carlos Buffon 3, Roberto Henrique Benedetti 4 Resumo Introdução: A anestesia subaracnóide produz analgesia e relaxamento muscular com o uso de pequenas quantidades de anestésico local. Objetivo: Descrever o perfil epidemiológico das raquianestesias em um serviço de residência em Anestesiologia no Sul do Brasil. Métodos: Estudo transversal, prospectivo, envolvendo 572 raquianestesias ao longo de dez meses incluindo anestesiologistas experientes e iniciantes. Resultados: A taxa de falhas foi de 4,7%. Os pacientes tinham idade média de 42,7 anos, peso médio de 74,9 kg e índice de massa corpórea médio de 26,7kg/m2, sendo 42,5% do sexo masculino. A dose média de bupivacaína utilizada foi de 11,3 mg, de morfina de 70,1 mcg, de clonidina de 60,4 mcg e de sufentanil de 4,4mcg. A incidência de hipotensão foi de 31,6% e de bradicardia de 8,6%. Discussão: A raquianestesia é uma técnica anestésica segura com necessidade de cuidados com hipotensão e bradicardia além da baixa taxa de falhas. Abstract Background: Subarachnoid anesthesia produces analgesia and muscle relaxation with the use of small quantities of local anesthetic. Objectives: To describe the epidemiological profile of spinal anesthesia in an Anaesthesiology Residence service in South Brazil. Methods: Cross-sectional, prospective study involving 572 spinal anesthesias over ten months including beginners and experienced anesthesiologists. Results: The failure rate was 4.7%. Patients had a mean age 42.7 years, mean weight 74.9 kg, and mean body mass index of 26.7 kg/m2, with 42.5% male. The mean dose of bupivacaine used was 11.3 mg, 70.1 mcg of morphine, clonidine and 60.4 mcg of sufentanil 4.4 mcg. The incidence of hypotension was 31.6% and 8.6% bradycardia. Discussion: Spinal anesthesia is a safe anesthetic technique and need care about hypotension and bradycardia beyond low failure rate. Descritores: Anestesiologia. Anestesia subaracnóide. Adjuvantes intratecais. Perfil epidemiológico. Keywords: Anaesthesiology. Spinal anestesia. Intrathecal adjuvants. Epidemiological profile. 1. Doutor em Ciências Médicas UFSC, Mestre em Saúde Pública UFSC, Médico Residente em Anestesiologia pelo Hospital Florianópolis-SC. 2. Médico Residente em Anestesiologia pelo Hospital Florianópolis-SC. 3. TSA, Médico Anestesiologista. Chefe do Serviço de Anestesiologia do Hospital Infantil Joana de Gusmão, Florianópolis-SC. 4. TSA, Médico Anestesiologista. Coordenador do Serviço de Residência em Anestesiologia do Hospital Florianópolis-SC. 71

Introdução A anestesia subaracnóidea é comumente utilizada para operações dos membros inferiores e abdômen inferior. É uma técnica relativamente fácil de ser realizada, proporcionando analgesia e relaxamento muscular com o uso de pequenas quantidades de anestésico local. 1 A raquianestesia é uma anestesia que promove diferentes efeitos no organismo, alguns desejáveis, outros não. Entre as alterações mais importantes está a diminuição da pressão arterial, quando ocorre redução do retorno venoso, reflexo da vasodilatação e aumento da capacitância do leito vascular venoso, em cerca de 30% dos pacientes. 1-3 Por todos estes efeitos associados à sua técnica, a preocupação com a taxa de falhas em raquianestesias levou alguns pesquisadores a tentar descrever sua incidência e possíveis fatores associados à mesma nas décadas de 1980 e 1990. Alguns estudos nacionais e internacionais relatam incidências de falhas em raquianestesias entre 3 e 17%. 1, 4-7 Estudo multicêntrico recente demonstrou uma taxa de falha de 3,2% (IC95%: 2,2 a 4,2). 8 O objetivo deste estudo foi descrever a incidência e os fatores associados às falhas de raquianestesias em um serviço de residência em Anestesiologia no Sul do Brasil. Métodos Foi realizado um estudo do tipo transversal, com coleta de dados prospectiva, envolvendo um total de 572 anestesias subaracnóides no período entre 10/03/2012 e 31/12/2013. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Infantil Joana de Gusmão protocolo 023/2013. Na sala de operações após monitorização da pressão arterial (esfigmomanometria), ECG contínuo e da saturação de oxigênio, foi iniciada a infusão venosa de solução de soro fisiológico a 0,9%. As variáveis sociodemográficas analisadas foram: sexo, idade, peso, altura e índice de massa corporal. As variáveis envolvendo a localização do espaço subaracnoideo incluíram posição do paciente, calibre da agulha, espaço de punção e presença do LCR. Também foram analisados o tipo de anestésico, baricidade, adição de agente adjuvante, falha na raquianestesia, desenvolvimento de hipotensão ou bradicardia. Todas as anestesias subaracnóideas foram realizadas utilizando agulhas descartáveis (25G, 26G e 27G) tipo Quincke (BD-Becton Dickinson de 8,89 cm de comprimento) com anestésico puro ou contendo glicose. Os agentes anestésicos usados foram bupivacaína 0,5% hiperbárica ou bupivacaína 0,5% isobárica com adição ou não de agentes adjuvantes. Para os objetivos deste estudo as falhas da anestesia subaracnóidea foram classificadas de acordo com os critérios de Imbelloni 1 em: 1) ausência de analgesia; 2) nível insuficiente de analgesia; 3) dor à tração do peritôneo e 4) término do bloqueio antes da cirurgia (tempo insuficiente). Nos dois primeiros casos, repetia-se o bloqueio antes do início da operação e nos dois últimos, complementava- -se com anestesia geral (venosa ou inalatória). A análise estatística foi realizada com o software SPSS 15.0, utilizando-se os testes t de Student para as variáveis numéricas e X2 ou prova exata de Fisher para verificar a associação entre variáveis categóricas. As associações das variáveis independentes foram testadas através de análises bivariadas. O nível de significância adotado foi de 95%. Resultados A amostra foi composta por 572 raquianestesias, sendo 42,5% realizadas em pacientes do sexo masculino, com média de idade de 42,7 anos (desvio padrão=16,3), peso médio de 74,9 kg e índice de massa corpórea (IMC) médio de 26,7 kg/m2. A maior incidência foi de pacientes com classificação ASA II (48,2%), da especialidade de Ortopedia (41,8%). (Tabela 1) Quanto às variáveis relacionadas à raquianestesia, os médicos residentes do segundo ano de formação na residência fizeram mais procedimentos (41,3%), com maior incidência na posição sentada (44,8%), acesso paramediano (69,9%), no interespaço L3-L4 (57,0%) com a quase a totalidade utilizando Bupivacaína hiperbárica como anestésico local (97,1%), assim como quase a totalidade utilizou agulha 27G. Todas as agulhas utilizadas foram do tipo Quinke. Quase ¾ das raquianestesias utilizaram adjuvantes, e o mais utilizado foi a morfina (61,9%). (Tabela 2) A dose média de bupivacaína utilizada foi de 11,3 mg, de morfina de 70,1 mcg, de clonidina de 60,4 mcg e de sufentanil de 4,4mcg. (Tabela 2). A incidência de hipotensão foi de 31,6% e de bradicardia de 8,6%. A taxa de falha em raquianestesia foi de 4,7%. As falhas não estiveram associadas à posição de bloqueio (p=0,14), sexo (p=0,54), idade (p=0,41) e à graduação do realizador do procedimento (p=0,15). As pacientes submetidas à raquianestesia para obstetrícia apresentaram mais que o dobro de risco de hipotensão quando comparadas às outras especialidades (RR=2,16; IC95%: 1,72 2,71; p<0,00001). As pacientes do sexo feminino apresentaram um risco 80% 72

maior e hipotensão em comparação ao sexo masculino (RR=1,83; IC95%: 1,39 2,41; p<0,00001). Do mesmo modo, pacientes classificação ASA III também apresentaram maior risco de hipotensão em comparação aos ASA I e II (RR=1,67; IC95%: 1,23 2,27; p=0,003). Por outro lado, hipotensão não esteve associado à idade (p=0,11), uso de morfina (p=0,87), espaço puncionado (p=0,17) e IMC (p=0,65). Nos pacientes que apresentaram hipotensão e utilizaram clonidina na raquianestesia, em média, utilizaram doses mais baixas (média=58,7 mcg; DP=24,1) em comparação aos que não apresentaram hipotensão (média=68,4 mcg; DP=22,9) (p=0,014). Os pacientes bloqueados na posição em decúbito lateral também apresentaram um risco 40% maior de hipotensão em comparação aos bloqueados sentados (RR=1,41; IC95%: 1,11 1,80; p=0,004). Os pacientes com hipotensão também utilizaram doses maiores de anestésico local (p=0,006), assim como os com bradicardia (p=0,009). Os pacientes do sexo masculino apresentaram um risco maior de bradicardia (RR=2,13; IC95%: 1,23 3,70; p=0,0055). Por outro lado, bradicardia não esteve associado à idade (p=0,31), uso de morfina (p=0,35), espaço puncionado (p=0,26) e IMC (p=0,67). Discussão Após o final da década de 1980, os estudos na literatura mundial descrevendo as falhas que podem ocorrer com a raquianestesia aumentaram, demonstrando a preocupação com o tema. Definir falha é uma situação difícil e depende fundamentalmente da metodologia empregada. 1 Alguns autores definem falha quando a cirurgia causa dor 9, enquanto outros se houver necessidade de anestesia geral em qualquer tempo da cirurgia. 10 Os critérios desse trabalho (ausência de analgesia, nível insuficiente, dor à tração peritoneal e tempo insuficiente para o ato cirúrgico) se assemelham aos de dois estudos importantes 1, 5 neste assunto. Vale salientar que o anestésico local só era injetado após a obtenção do LCR. A incidência total de falha foi de 4,7% ficando entre os valores de 3% 5 e 17% 10. Imbelloni 1, utilizando os mesmos critérios, encontrou uma taxa de falhas de 8,3%. Comparando a experiência dos anestesiologistas na realização da raquianestesia, foi demonstrado que o passar dos anos não garantiu a diminuição na incidência de falhas. 7 Este fato também esteve em concordância com o presente estudo, no qual as falhas ocorreram independente da graduação dos executores do procedimento, que têm diferentes anos de experiência entre si. O sexo do paciente não afetou a incidência de falha em três trabalhos 4, 7, 10, resultados semelhantes aos nossos e em contraste com outro estudo 5, que mostrou uma maior incidência de falha nas mulheres. Nossos resultados corroboram os de outros autores 4, 5, que também não observaram diferenças entre a punção em decúbito lateral e sentada. Entretanto, a posição sentada é citada na literatura como fator de risco para falha em raquianestesia. 1 Quando a anestesia subaracnóidea é realizada nos espaços lombares mais baixos, a tendência de falha aumenta 7, principalmente com soluções isobáricas. A diferença de nos espaços de punção também não afetaram a incidência de falhas e hipotensão. É importante notar que erros de técnica resultam em falha completa, isto é, sem analgesia; enquanto que erro de julgamento resulta em falha parcial, isto é, nível de dermátomo. 1, 3 A etiologia da falha em anestesia subaracnóidea é motivo de controvérsias. Seria a certeza de que a presença do LCR no canhão da agulha deveria garantir o sucesso da injeção do anestésico local. 1 Por outro lado, tipo de agulha pode afetar o sucesso da raquianestesia. Estudando in vitro a relação entre as falhas e o desenho de diversas agulhas, os autores concluíram que nas agulhas com orifícios longos (Sprotte, Quincke e ponta de lápis) o anestésico pode ser injetado fora do espaço. 11 Diferente do que ocorre com agulhas com pequeno orifício tipo Whitacre. Em estudo de anestesia subaracnóidea em cesariana, não foi observada diferença significativa entre as agulhas de Whitacre e Quincke. 12 O presente estudo, com diferentes calibres de agulhas do tipo Quincke, associado ao tipo de seringa utilizada (luer-lock) pode ser um dos responsáveis pelo aparecimento de falhas. A agulha do tipo Quincke não causa má distribuição do anestésico local e exibe baixa prevalência de cefaléia no pós-operatório, sendo a escolhida para ser utilizada nesse estudo. 13 As incidências de hipotensão (31,6%) e bradicardia (8,6%) no presente estudo foram semelhantes às descritas na literatura. Carpenter 2 encontrou incidência de hipotensão de 33% e bradicardia de 9,2%. Este mesmo estudo descreveu, em análise multivariada, fatores de risco independentes para hipotensão e bradicardia. Para hipotensão, os fatores de risco independentes encontrados foram idade acima de 40 anos (odds ratio OR=2,5), punção acima de L3-L4 (OR=1,8) e bloqueio associado à anestesia geral (OR=1,9). Já para bradicardia, os fatores de risco encontrados foram frequência cardíaca basal inferior a 60 batimentos por minuto (OR=4,9), ASA I (OR=3,5), uso prévio de betabloqueador (OR=3,5) e idade inferior a 50 anos. Outros estudos ain- 73

da apresentaram sexo feminino 14, IMC superior a 30kg/ m 2, 15 e uso de opióide na raquianestesia. 15 O presente estudo apresentou um risco aumentado para hipotensão em pacientes obstétricas, como também do sexo feminino. Este pode ter se apresentado como fator de confusão, já que outros estudos 16, 17 já demonstraram a especialidade Obstetrícia como fator de risco para hipotensão na raquianestesia. Entretanto, sexo feminino também já foi demonstrado como fator de risco independente para hipotensão. 14 A raquianestesia é uma técnica anestésica segura com necessidade de cuidados com hipotensão e bradicardia além da baixa taxa de falhas. Referências 1. Imbelloni LE, Sobral MGdC, Carneiro ANG. Incidência e Causas de Falhas em Anestesia Subaracnóidea em Hospital Particular: Estudo Prospectivo. Rev Bras Anestesiol. 1995; 45: 159-64. 2. Carpenter RL, Caplan RA, Brown DL, Stephenson C, Wu R. Incidence and risk factors for side effects of spinal anesthesia. Anesthesiology. 1992: 906-16. 3. Imbelloni LE, Beato L, Gouveia MA. Raquianestesia unilateral com bupivacaína hipobárica. Rev Bras Anestesiol. 2002; 52: 542-8. 4. Manchikanti L, Hadley C, Markwell SJ, Colliver JA. A retrospective analysis of failed spinal anesthetics attempts in a Community Hospital. Anesth Analg. 1987; 66: 363-6. 5. Munhall RJ, Sukhani R, Winnie AP. Incidence and etiology of failed anesthetics in a University Hospital. Anesth Analg. 1988; 67: 843-8. 6. Nocite JR. Bloqueio insuficiente em anestesia peridural ou subaracnóidea: Prevenção e tratamento. Rev Bras Anestesiol. 1993; 43: 217-20. 7. Tarkkila PJ. Incidence and causes of failed spinal anesthetics in a University Hospital: A prospective study. Reg Anesth. 1991: 48-51. 8. Fuzier R, Bataille B, Fuzier V, Richez AS, Maguès JP, et al. Spinal anesthesia failure after local anesthetic injection into cerebrospinal fluid: a multicenter prospective analysis of its incidence and related risk factors in 1214 patients. Reg Anesth Pain Med. 2011; 36: 631. 9. Moore DC. Spinal anesthesia: bupivacaine compared with tetracaine. Anesth Analg. 1980; 59: 743-50. 10. Levy JH, Islas JA, Ghia JN, Turnbull C. A retrospective study of the incidence and causes of failed spinal anesthetics in a University Hospital. Anesth Analg. 1985: 705-10. 11. Sayeed YG, Sosis MB, Braverman B, Ivankovich AD. An in vitro investigation of the relationship between spinal needle design and failed spinal anesthetics. Reg Anesth. 1993; 18. 12. Carvalho JCA, Siaulys MM, Kuriki W, Capelli EL, Mathias RS, et al. Estudo comparativo de agulhas Quincke vs Whitacre calibre 5 (25G), em anestesia subaracnóidea para cesárea. Rev Bras Anestesiol. 1993; 43: 239-43. 13. Meyer J, Enk D, Penner M. Unilateral spinal anesthesia using low-flow injection through a 29-gauge Quincke needle. Anesth Analg. 1996; 82: 1188-91. 14. Oliveira Filho GR, Garcia JHS, Goldschimidt R, Mago AJD, Cordeiro MA, et al. Fatores de previsão de hipotensão arterial precoce em anestesia subaracnóidea. Rev Bras Anestesiol. 2001; 51: 298-304. 15. Tarkkila P, Isola J. A regression model for identifying patients at high risk of hypotension, bradycardia and nausea during spinal anesthesia. Acta Anaesthesiologica Scandinavica. 1992; 36: 554 8. 16. Loubert C. Fluid and vasopressor management for Cesarean delivery under spinal anesthesia: continuing professional development. Can J Anaesth. 2012; 59: 604-19. 17. Ngan Kee WD, Lau TK, Khaw KS, Lee BB. Comparison of metaraminol and ephedrine infusions for maintaining arterial pressure during spinal anesthesia for elective cesarean section. Anesthesiology. 2001; 95: 307-13. Tabela 1. Variáveis sociodemográficas e clínicas 74

Tabela 2. Variáveis relacionadas à Raquianestesia Tabela 3. Variáveis relacionadas aos eventos após a Raquianestesia Endereço para correspondência Rua Santa Rita de Cássia, Estreito, Florianópolis-SC. Brasil. 88090-350 75