Flaviano Carvalho de SOUZA 1 Universidade Federal da Paraíba / CNPq PIBIC, João Pessoa, PB

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Transcrição:

A Construção do Texto Publicitário nos Jornais do Séc. XIX: manifestação verbal do discurso. ¹ Flaviano Carvalho de SOUZA 1 Universidade Federal da Paraíba / CNPq PIBIC, João Pessoa, PB Resumo Esta pesquisa tem como objetivo identificar e analisar as marcas de enunciação em anúncios publicitários de jornais paraibanos dos séculos XIX. Os anúncios, que compõem o corpus deste trabalho, coletados no acervo da Fundação Casa de José Américo, foram fotografados, transcritos e arquivados para posterior editoração. Esta comunicação visa, portanto, apresentar um panorama das condições de produção dos textos publicitários. A proposta teórica ancora-se nas concepções de gênero do discurso e de dialogismo de Bakhtin e na proposta de heterogeneidade enunciativa de Authier- Revuz. Bakhtin afirma que todo discurso é constituído de várias vozes, que o dialogismo é a condição de existência do discurso. Tal como Bakhtin, Authier-Revuz coloca o dialogismo como condição de existência de todo discurso. Palavras-chave: Dialogismo; gênero discursivo; intertextualidade e heterogeneidade Texto do Trabalho Atualmente é consensual que as formas de trabalhar a linguagem devem estar presentes no discurso e no texto. Ambos tornaram-se objetos primordiais das pesquisas nas ciências humanas e, conseqüentemente, das unidades elementares do conhecimento. Foucault (apud CARDOSO, 1999, p.22) concebe o discurso dentro de uma teoria não subjetivista da enunciação, como "um conjunto de enunciados na medida em que se apóie na mesma formação discursiva", um conjunto limitado de enunciados para os quais podemos definir um conjunto de condições de existência (discurso clínico, discurso psiquiátrico, discurso pedagógico etc.); um espaço de regularidades associadas a condições de produção. O texto é a manifestação verbal do discurso, o que equivale a dizer que os discursos são lidos e ouvidos sob a forma de textos. Um discurso é normalmente constituído de uma pluralidade de textos. Ao mesmo tempo, um só texto é normalmente atravessado por vários discursos. 1 Trabalho apresentado na Sessão Jornalismo e Editoração, da Intercom Júnior Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Estudante de Graduação 5º. Semestre do Curso de Jornalismo da UFPB, e-mail: flaviano.carvalho@gmail.com 1

Os textos, produtos das atividades discursivas, se relacionam com outros textos. Todo texto é um intertexto no sentido em que outros textos estão presentes nele, em níveis variados, podendo ser reconhecidos ou não. Chama-se, pois, de intertextualidade, a relação de um texto com outros previamente existentes, efetivamente produzidos. A intertextualidade é explícita quando é feita a citação da fonte do intertexto (discurso relatado, citações de referências, resumos, traduções etc.), sendo implícita quando cabe ao interlocutor recuperar a fonte na memória para construir o sentido do texto (caso das alusões, da paródia, certas paráfrases, certos casos de ironia). Embora Bakhtin não seja autor de uma teoria sistematizada do texto e do discurso, é na sua concepção de linguagem como sistema dialógico de signos, valorizando o texto e o discurso enquanto atos interativos, que encontramos os elementos necessários para a compreensão da trama de relacionamentos da intertextualidade e da interdiscursividade. À luz da Teoria da Enunciação e da Análise de Discurso, nosso projeto parte da hipótese que, no percurso histórico, as modalidades de enunciação estão constitutivamente ligadas aos gêneros discursivos que correlacionam à atividade do dizer, os elementos tipificantes da discursividade e da textualidade. Bakhtin tem como primeira concepção de sociabilidade, a importância de que não apenas a linguagem é fundamental para a comunicação, mas a interação dos interlocutores funda a linguagem. Para ele o sentido do texto e a significação das palavras dependem da relação entre sujeitos, ou seja, constroem-se na produção e na interpretação dos textos. A intersubjetividade é anterior á subjetividade, pois a relação entre interlocutores não apenas dá sentido ao texto, como também constrói os próprios sujeitos produtores do texto. Bakhtin entende o homem como um ser de linguagem que se constrói e se desenvolve a partir das inúmeras relações sócio-interacionais. Estas relações e suas implicações para a construção e a ação da consciência têm como condição de possibilidade a linguagem, seja verbal ou não verbal. Para ele, o caráter dialógico da linguagem é o centro de qualquer tentativa de se buscar resolver de maneira satisfatória os problemas da lingüística e da filosofia da linguagem. Sua noção de sujeito é, por conseguinte, a de sujeito social, caracterizado por pertencer a uma classe social em que dialogam os diferentes discursos da sociedade. O dialogismo interacional de Bakhtin desloca o conceito de sujeito, que perde o papel de 2

centro ao ser substituído por diferentes vozes sociais que fazem dele um sujeito histórico e ideológico (BARROS, 2001, p. 28). Ainda, segundo Barros (Op. Cit., p.30), Bakhtin insiste no fato de que o discurso não é individual: não é individual, por se construir entre pelo menos dois interlocutores que, por sua vez, são seres sociais; não é individual porque se constrói como um diálogo entre discursos, ou seja, porque mantém relações com outros discursos. Para ele, a linguagem é dialógica e a língua não é ideologicamente neutra e sim complexa, pois nela se imprimem historicamente e pelo uso as relações dialógicas dos discursos. A linguagem, seja ela pensada como língua ou como discurso, é, portanto, essencialmente dialógica: Ignorar sua natureza dialógica é o mesmo, que apagar a ligação que existe entre a linguagem e a vida.(bakhtin apud BARROS, 2001, p.35). O termo dialógico designa um fenômeno de valorização da linguagem em seu aspecto primordial: a interação verbal no centro das relações sociais. Trata-se do espaço interacional entre o eu e o tu, ou entre o eu e o outro. O dialogismo discursivo pode ser desdobrado em duas partes: primeira a do diálogo entre interlocutores e segunda a do diálogo entre discursos. Na primeira, temos a interação verbal entre o enunciador e o enunciatário do texto; na segunda, no interior do texto constitutiva de qualquer discurso. Para Bakhtin, não há discursos constitutivamente monológicos, pois toda palavra é dialógica, todo discurso tem dentro dele outro discurso, ou seja, todo discurso é heterogêneo. Segundo Barros (Op. Cit., p.36.), em um de seus estudos em meados de 1994, ele distinguiu a diferença entre dialogismo e polifonia, utilizando o termo dialogismo para o princípio dialógico constitutivo da linguagem e de todo o discurso e a palavra polifonia para caracterizar um tipo de texto, aquele em que o dialogismo se deixa ver, aquele em que são percebidas muitas vozes, por oposição aos textos monofônicos que escondem os diálogos que os constituem. Monofonia e polifonia são efeitos de sentido, decorrentes de procedimentos discursivos, de discursos por definição e constituição dialógicos. Com relação a interação, esta faz parte de toda atividade de linguagem, estabelecendo efeitos de sentido dentro do processo de comunicação que vai além do lingüístico. Segundo Brait (2001, p.194), a interação é um fenômeno sociocultural, com características lingüísticas e discursivas passíveis de serem observadas, descritas, analisadas e interpretadas. Pode ser interpretada, observando, não apenas o que está sendo dito, mas também as formas e maneiras de dizer, o que permitirá que se revele e 3

se evidencie. Nessa observação, devemos levar em conta as marcas lingüísticas que permitem reconhecer a intencionalidade do enunciador, os efeitos de sentido constitutivos e instaurados e, por fim, a persuasão e manipulação que o enunciador busca exercer sobre o enunciatário. Bakhtin considera o enunciado um produto da interação social que está ligado a uma situação material concreta de comunicação, em que cada palavra é definida como produto de trocas sociais. Esta situação concreta de comunicação está ligada a um contexto mais amplo que constitui o conjunto das condições de vida de uma comunidade lingüística específica. Ainda, conforme Bakhtin, é sobre a diversidade de atos sociais emitidos pelos diversos grupos lingüísticos e, conseqüentemente, sobre a diversidade de produções de linguagem que sistemas diferentes se constituem e formam o todo discursivo, que se organizam, por sua vez, em gêneros do discurso. Tal como Bakhtin, Authier-Revuz coloca o dialogismo como condição de existência de todo discurso. Ao elaborar o conceito de heterogeneidade mostrada, articula este ao conceito de polifonia de Bakhtin, denominando por heterogeneidade mostrada toda aquela que aparece marcada lingüisticamente e da qual o locutor tem consciência. Ela trabalha com o conceito de heterogeneidade mostrada como a interação entre textos, concebendo-a no nível do da intertextualidade. Ela estuda as formas metaenunciativas que dimensionam o discurso entre o sistema, a ideologia, o imaginário e o inconsciente; fundamentando a concepção de sujeito da psicanálise lacaniana, o sujeito eu como efeito de linguagem, dividido entre o consciente e o inconsciente, o sujeito não centrado. De modo que, existe para Authier- Revuz uma negociação entre a heterogeneidade mostrada na linguagem e a heterogeneidade constitutiva da linguagem, onde o sujeito localiza o outro e delimita o seu lugar movido pela ilusão de ser o centro, de ser a fonte do discurso. A heterogeneidade mostrada, marcada ou não-marcada no discurso, articula-se com a heterogeneidade constitutiva da linguagem, possível de ser definida pela interdiscursividade, através da relação que todo discurso mantém com outros discursos. Isto é, a heterogeneidade mostrada não-marcada, que compõe a intertextualidade, se constrói de maneira solidária com a heterogeneidade constitutiva. Segundo Fiorin (In. BARROS & FIORIN. 1994:29), o conceito de intertextualidade, introduzido por Bakhtin, reporta-se ao processo de construção, reprodução ou transformação do sentido. 4

A interdiscursividade é uma condição da linguagem, é constitutiva do discurso e estar no inconsciente do sujeito. O interdiscurso, segundo Maingeneau (1987), é um processo de reconfiguração incessante, no qual uma formação discursiva é levada a incorporar elementos pré-construídos, produzidos fora dela. A intertextualidade é a retomada consciente, intencional da palavra do outro pelo sujeito, é a presença do outro de forma explícita, embora não-marcada, no discurso da variante intertextual. Ela implica na interdiscursividade, embora a relação contrária não seja verdadeira, pois o enunciador, ao enunciar um texto, enuncia também o discurso que ele manifesta. Vale ressaltarmos que, as marcas explicitas que evidenciam a heterogeneidade mostrada correspondem à forma do discurso citado, na teoria dialógica de Bakhtin, com exceção do discurso indireto livre que Authier-Revuz considera um processo da heterogeneidade não-marcada. As formas de citação, as ocasiões em que é permitido citar ou é preciso citar, o grau de exatidão exigido, variam de época para época e de discurso para discurso. É muito importante considerar o contraste entre as diferentes formas de relatar uma mesma enunciação. Entre o discurso citado e aquele que o cita há um distanciamento que constitui um fenômeno de grande interesse para a análise de discurso. A citação não é um recurso totalmente livre, mas sujeito às determinações que a formação discursiva impõe. O locutor cita sempre de um lugar determinado, que regula a citação, por isso nem sempre cita quem ele deseja, nem como deseja. Para Brait (In FARACO et alii, 2001, p. 72), a busca das formas e dos graus da heterogeneidade constitutiva é um dos eixos do pensamento bakhtiniano. Esta busca evidencia-se: na preocupação com a dimensão histórico-ideológica e a conseqüente constituição sígnica das ideologias; na discussão de uma natureza interdiscursiva, social e interativa da palavra; na interdiscursividade como condição de linguagem; na tentativa de oferecer elementos para uma reflexão sobre os gêneros do discurso denominados por Bakhtin como formações discursivas. Nesse último item encontram-se os gêneros do discurso, definidos por Bakhtin como tipos relativamente estáveis de enunciados que se caracterizam por seu conteúdo temático, estilo e unidades composicionais dimensões que refletem a esfera social em que são produzidos e modificados. Eles organizam a nossa fala do mesmo modo que organizam as formas gramaticais. 5

Os gêneros do discurso são articulações discursivas que organizam e definem a textualidade, não existindo fora do texto, formando a teia dialógica do discurso, onde cada enunciado cria um elo na cadeia da comunicação. Segundo Bakhtin, não existe gênero no singular, um único texto se constitui de vários gêneros discursivos. Eles apresentam uma variedade infinita que vai sendo modificada e ampliada à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa, originando os gêneros que estão sempre se permeando e se permutando e, assim, formam-se outros gêneros em função de propostos comunicativos. Os gêneros propagandísticos e publicitários são textos de articulação ampla no contexto midiático. O gênero publicitário Segundo Charaudeau (apud MONNERAT, 2003), o gênero publicitário (publicidade comercial) divulga produtos e serviços com o objetivo de fazer o consumidor adquiri-los, experimentá-los, usá-los, e continuar a fazê-lo. Já o gênero propagandístico divulga idéias, ideologias, crenças, doutrinas, conceitos institucionais. Tanto os gêneros publicitários quando os gêneros propagandísticos podem utilizar-se da mesma mídia. É o discurso ideológico que marca a separação do gênero publicitário do gênero propagandístico. E mais concretamente, é no diálogo, entre divulgação e persuasão, e no conteúdo, que varia de acordo com o objetivo de comunicação, que se diferencia e determina a intencionalidade de cada gênero. De acordo com Charaudeau (apud MONNERAT, OP. Cit., p.25) o texto publicitário se insere num quadro geral de tipos específicos de linguagem, do qual também fazem parte os textos de imprensa, os manuais escolares, textos informativos e os das narrativas (romances, novelas). Esses tipos de texto podem coincidir com um modo de discurso que constitua a sua organização dominante, ou podem resultar da combinação de vários desses modos, quais sejam o enunciativo, o descritivo, o narrativo e o argumentativo, que, conforme o autor são os quatro modos de organização do discurso. Cada um desses modos tem uma função de base e um princípio de organização. A função de base corresponde à finalidade discursiva do projeto de fala do locutor; o princípio de organização consiste na maneira como se da à construção descritiva, da lógica narrativa e da lógica argumentativa, bem como nos procedimentos orientadores do modo enunciativo o fio condutor de todos os outros. 6

Com base nos modos de organização do discurso, podem ser propostos tipos discursivos para o texto publicitário: tipos enunciativos, narrativos e argumentativos. Monnerat (2003) afirma que o estudo dos tipos enunciativos está intimamente relacionado ao da modalização e ao das modalidades enunciativas. A estrutura do texto publicitário O texto publicitário é composto basicamente pelo título, texto e assinatura. O título, em regra uma frase, interpela o destinatário, é posto diante dele uma situação; o texto entra em maiores detalhes a respeito do tema apresentado no título; na assinatura, apresenta-se, em geral, o nome do produto ou serviço, a marca, como a solução para o que se apresentou nas partes anteriores. Para Farias (apud MONNERAT, Op. Cit., p.62), de acordo com o modo de organização discursiva, os títulos podem se constituir em declarações quando se enuncia algo de forma afirmativa ou negativa; em definições quando se definem as finalidades e a composição do produto; em divisão/ oposição quando se estabelece uma dicotomia como ponto de partida da mensagem publicitária; em alusão quando há remissão a uma referência cultural, apoiando-se no saber partilhado; em interrogação quando se pergunta algo, direta ou indiretamente; finalmente, em injunção quando se dá uma ordem ao receptor. Após a discussão teórica, delimitamos a caracterização do gênero propagandístico/ publicitário, através do seu conteúdo temático, estilo e unidades composicionais, como elemento de análise, a fim de verificar a organização composicional de alguns anúncios do século XIX. Sempre que fazemos uma leitura percebemos no texto termos ou expressões já conhecidas, dizemos então que este texto é heterogêneo, é o conjunto de já-ditos que constituem um novo discurso. Apesar de trazer um título original e ter uma forma organizacional que constituem uma nova significação, os textos são marcados pela presença de conceitos pré-existentes, já ouvidos ou lidos em outras ocasiões. Esse processo se dá naturalmente e não deve impedir a produção de textos que, mesmo que reproduzam outros textos, se tornam irreteráveis e produzem novo significado. Vejamos nestas análises que se seguem. 7

Anúncio A - Jornal Gazeta da Parahyba, 18 de Maio de 1888 VER PARA CRER!! Vinho superior de Figueira á 400 rs. a garrafa. Vende Pedro de Albu- querque Maranhão. A utilização de um dito popular no anuncio A, de 1888, VER PARA CRER!! é uma marca de heterogeneidade mostrada. Já nesta época o discurso publicitário procurava colocar no enunciado frases de efeito para atrair a atenção dos leitores. A inserção deste dito popular no anúncio constitui uma intertextualidade. O Autor utiliza de outro texto para complementar o seu discurso. As vozes se misturam de forma que o texto ganha unicidade e a frase novo sentido de acordo com a intencionalidade do sujeito. Como um dizer popular está gravado na memória das pessoas, positiva ou negativamente, a função, deste, no texto pode agregar valores, desde que o leitor traga em seu repertório de memória situações que remetam a credibilidade ou não. Só existe construção de sentido porque é conhecido pelo leitor. 8

Anúncio B - Jornal da Parahyba, 07 de Janeiro 1864 Vende-se um sitio na rua das Trin- cheiras d esta cida- de com uma bôa ca- sa de telha, bastan- tes pés de fructas, e um escravo: quem o quizer comprar dirija-se a abaixo assignada no mês- mo sitio. Maria da Solidade Anúncio C Jornal Correio da Paraíba, 20 de Maio de 2007 B. DOS ESTADOS 03 qts sendo 02 suítes, 02 salas, wc social, cozinha, dce, canil, garagem, R$ 145.000,00 ODNEIDE CONSULTORIA IMOBILIÁRIA. 3226-9200 / 9983-8463 Analisando as imagens B e C, identificamos a mesma temática nos dois anúncios. Podemos observar que embora haja uma diferença temporal de mais de 140 anos, há algumas semelhanças entre eles com relação à composição e ao estilo. Nos dois casos percebemos a forma de identificar o imóvel com características objetivas e de funcionalidade para o comprador. No anúncio B, o escravo é colocado como parte do imóvel, já no C, o canil é o diferencial. No caso do Jornal Correio, o anúncio se encontra dentro de uma sessão específica para negócios (os classificados) que não existia no Séc. XIX. 9

A presença do locutor quem vende é identificada nos dois casos: a primeira, o proprietário, e a segunda, a empresa imobiliária. Porém, no anúncio B, há um grau de pessoalidade ao anunciar o nome da proprietária Maria da Solidade. No anúncio C, o nome da imobiliária demonstrar um grau maior de impessoalidade, contudo essa não é uma marca de estilo dos anúncios atuais, pois ainda encontramos anúncios de venda personalizado, com o nome do locutor. Não existem argumentos da linguagem persuasiva nesse tipo de anúncio porque vai de encontro ao interesse do interlocutor (quem compra). Mesmo com as mudanças ocorridas na forma escrita da língua, como podemos observar nos textos B e C, ao longo dos anos, esse gênero discursivo se detém no produto e não na linguagem, isso é percebido claramente tanto na imagem B como na C. Embora na segunda, quase todas as palavras são abreviadas para descrever uma quantidade maior de vantagens do produto em um pequeno espaço do jornal. Anúncio D Jornal da Parahyba, 26 de agosto de 1875 O TONICO ORIENTAL PARA O CABELLO E uma agradável e fragante preparação para pentear os cabellos, evitar as cans e e extirpar a linha, a caspa e todas as mo- lestias da cabeça, conservando o cabello sempre abundante, lustroso e fino como a seda. No anúncio do jornal da parahyba (imagem D), percebemos os recursos da linguagem não-verbal para enriquecer o texto através da figura de uma mulher. Apesar de não ser uma prática constante pelas limitações técnicas da época, a utilização de fontes diversas e de figuras já demonstrava a preocupação em atrair a atenção do leitor e agregar valor ao produto que estava sendo apresentado. Conforme vimos durante a pesquisa, a linguagem publicitária se constitui de vários elementos, configurando, desta forma, o gênero anúncio e sua construção textual de linguagem verbal e não-verbal. 10

Conclusões Podemos concluir que os anúncios do século XIX analisados confirmam o que afirma a proposta dialógica do Círculo de Bakhtin, para quem a palavra é ideológica e é no fluxo da interação verbal que ela se concretiza como signo ideológico, transformando-se e ganhando diferentes significados de acordo com o contexto em que surge. Sendo assim, cada época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso que funciona como um espelho que reflete e retrata o cotidiano. A palavra é a revelação de um espaço no qual os valores fundamentais de uma dada sociedade se explicitam e se confrontam. Analisando as condições de produção dos textos constatamos que todos esses fatores interferem não só na produção do texto e como também na leitura que é feita por cada leitor a partir da sua formação discursiva. Com relação a teoria de Authier-Revuz, constatamos que a heterogeneidade constitutiva revela o outro e está concebida no nível do interdiscurso e do inconsciente, sendo o discurso produto do interdiscurso; ou seja, depende da existência do diálogo entre vários textos e vários discursos, inclusive o inconsciente, para que este se concretize. A heterogeneidade constitutiva se fez presente em todo o decorrer dos anúncios, não aparecendo marcada lingüisticamente no fio do discurso e da qual o locutor e o leitor não têm consciência, sendo o inconsciente um dos produtores de sentido assim como a linguagem. Referências bibliográficas AUTHIER-REVUZ, Jacqueline (1998). Palavras incertas: as não-coincidencias do dizer. Campinas: Ed UNICAMP. (2004). Entre a transparência e a opacidade: um estudo enunciativo do sentido. Porto Alegre: EDIPUCRS. BAKHTIN, Mikhail (1992a). Marxismo e Filosofia da Linguagem. 6º ed. São Paulo: Hucitec. (1992b). Estética da Criação Verbal. Campinas: Pontes. BARROS, Diana Luz P. de; FIORIN, José Luiz (orgs.) (1994). Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade em torno de Bakhtin. São Paulo: EDUSP. BRAIT, Beth (Org.) (1997). Bakhtin, dialogismo e construção de sentido. Campinas: Ed UNICAMP. (Org.) (2005). Bakhtin, conceitos-chave. São Paulo: Contexto. 11

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