O ESPAÇO NA PEDAGOGIA-EM- -PARTICIPAÇÃO

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Transcrição:

I O ESPAÇO NA PEDAGOGIA-EM- -PARTICIPAÇÃO Júlia Oliveira-Formosinho Filipa Freire de Andrade

Introdução Espaço(s) em Participação Na Pedagogia -em-participação damos muita importância à organização do(s) espaço(s) pedagógico(s). Pensamos o espaço como um território organizado para a aprendizagem; um lugar de bem -estar, alegria e prazer. Procuramos que o espaço pedagógico seja aberto às vivências e interesses das crianças e comunidades; seja organizado e flexível; plural e diverso; seja estético, ético, amigável; seja seguro; seja lúdico e cultural (Oliveira-Formosinho, 2007, 2008). Procura -se que o espaço seja um lugar de encontro, um lugar para habitar, para acolher, para abrigar. Um lugar para aprender porque dá acesso aos instrumentos culturais. Este conceito de espaço como lugar de encontro e de habitar conduz -nos à ideia de espaço(s) pedagógico(s) como lugar(es) que integra(m) intencionalidades múltiplas: ser e estar, pertencer e participar, experienciar e comunicar, criar e narrar. Um lugar para o(s) grupo(s) mas também para cada um, um lugar para brincar e para trabalhar, um lugar para a pausa, um lugar que acolhe diferentes ritmos, identidades e culturas. Um espaço de escuta de cada um e do grupo, um espaço sereno, amigável, transparente. A sala de educação de infância organiza -se em áreas diferenciadas de atividade que permitem diferentes aprendizagens plurais, isto é, permitem à criança uma vivência plural da realidade e a construção da experiência dessa pluralidade. Assim, papéis sociais, relações interpessoais, estilos de interação que constituem a textura social básica são vividos, experienciados, perspetivados nas experiências que cada área específica permite, nas naturais saídas 11

de uma área e entradas numa outra que o desenrolar do jogo educacional vai requerendo (Oliveira-Formosinho, 2007). A sala de atividades não tem um modelo único, tal como não tem uma organização totalmente fixa desde o início do ano letivo até ao seu final. É o desenrolar do jogo educativo quotidiano que vai requerendo a sua organização e reorganização. A organização do espaço com os respetivos materiais visíveis, acessíveis e etiquetados é uma forma poderosíssima de passar mensagens implícitas à criança. Com esta organização fala -se menos de ordem e antes se propicia um quotidiano ordenado em que a criança possa ser autónoma e cooperativa. A organização do espaço em áreas e a colocação dos materiais (atendendo a critérios de diversidade, quantidade e estética) são a primeira forma de intervenção do(a) educador(a). Assim, permite -se à criança experienciar o Mundo de diversos ângulos, fazer dessa experiência uma aprendizagem significativa, e permite -se ao educador uma consonância entre as mensagens verbais e as não verbais, uma coerência entre currículo explícito e implícito, uma facilitação das suas propostas, uma escuta dos propósitos das crianças (Oliveira-Formosinho, 1996, 2007). As crianças têm o direito de crescer em espaços onde o cuidado e a atenção prestados à dimensão estética constituam um princípio educativo básico. As experiências que as crianças vivem com o espaço devem poder converter -se em experiências estéticas, de prazer e de bem -estar. 12 A sala de educação de infância, cujo espaço -tempo está em estudo neste livro, é uma expressão vibrante da Pedagogia -em-participação, que dá primazia ao ser relacional como intencionalidade da pedagogia. Sabemos que as relações detêm a primazia do ser, o que significa que as relações detêm a primazia no nosso modo de fazer escola. O ser constituído como intencionalidade da pedagogia é um ser relacional. A relação é, portanto, ontologicamente primeira e epistemologicamente central. Forma as peças do puzzle com que se joga, bem ou mal, o universo educativo. Na sala em estudo, a complexidade das relações e interações vivifica os territórios educativos que se desenvolvem na organização interativa do espaço físico com os materiais pedagógicos, verdadeiros livros de texto para apoiar a primazia do ser e das relações no universo educativo. O espaço físico realmente disponível, a sua localização, o conjunto das suas características fixas, limitam, queiramos ou não, a imaginação pedagógica. Torna -se aqui relevante mostrar o espaço de base disponível para a criação desta sala de educação de infância onde se faz Pedagogia -em -Participação.

A planta que se segue mostra -nos a realidade de que se parte neste livro. Cinquenta metros quadrados em forma geométrica de retângulo e aos quais se tem de descontar o espaço que os móveis ocupam. Pensar este espaço para lhe dar uma primeira organização é, usando Dewey, um exercício profissional reflexivo e não rotineiro, porque se trata de um exercício que visa intencionalmente fazer do espaço um território feito de muitos territórios, de jogo, trabalho, sonho, transgressão com primado na relação e visando a aprendizagem dos instrumentos culturais. 3 4 2 5 1 6 7 Legenda: 1 mesa de trabalho 2 área da expressão plástica 3 e 4 área do jogo simbólico (3 quarto; 4 cozinha) 5 área dos jogos 6 e 7 mediateca (6 biblioteca; 7 multimédia) O que cada educador(a) faz com um dado espaço tem muito a ver com a sua história de vida pessoal e profissional, com as suas redes de pertença, com a sustentação do seu dinamismo inovador. 13

14 Criar transparência, relação entre o interior e o exterior, diluindo fronteiras, permitiu à Filipa ampliar o seu espaço de fazer educação e, assim, retirar as suas crianças do encerramento numa limitada sala de instrução. Contacto, por vezes quase fusão, inspira o ser e o aprender. Facilita as integrações que caracterizam uma pedagogia holística.

A Filipa ampliou o território da imaginação pedagógica. Não só não fechou as janelas com cortinas e colagens como as abriu a uma pedagogia de integração. O vidro transparente, limpo de poluição visual, convida a olhar lá para fora, a ir lá para fora, a considerar que o espaço pedagógico não se encerra nos muros, janelas e portas das construções escolares. As crianças têm à sua disposição a transparência azul do céu e o verde calmante da relva sentem o apelo da sua utilização, saem da sala para o exterior e lá desenvolvem o jogo simbólico. O bem -estar que sentem deve -se muito a esta abertura. A aprendizagem experiencial que desenvolvem beneficia desta estimulação. 15