Victor F. Certal Hélder Silva João Martins Tiago Santos Carlos Carvalho

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Transcrição:

Influência do Rinne audiométrico pré-operatório no sucesso técnico da estapedotomia Effect of pre-operative air-bone gap on technical success of stapes surgery Victor F. Certal Hélder Silva João Martins Tiago Santos Carlos Carvalho Resumo Introdução: O principal objectivo deste estudo é determinar a influência do Rinne audiométrico pré-operatório (ABG), como factor prognóstico independente, no sucesso técnico da estapedotomia. Material e Métodos: Os autores elaboraram um estudo de caso-controlo onde foram revistos os registos clínicos de 118 doentes submetidos a estapedotomias com um encerramento incompleto do air-bone gap (ABG> 10dB), e 285 doentes submetidos a estapedotomias com um encerramento completo do Rinne audiométrico (ABG 10dB). O primeiro grupo foi considerado o grupo de estudo, e o segundo, o grupo de controlo. Em seguida, ambos os grupos foram subdivididos em duas categorias, de acordo com o Rinne audiométrico préoperatório médio (ABG 30dB e ABG> 30dB). Para analisar os resultados, os autores utilizaram modelo de regressão logística multivariado, onde a associação entre a magnitude da ABG pré-operatório e o sucesso técnico da cirurgia do estribo foi ajustada para os principais factores de confusão. Resultados: Trinta e cinco estapedotomias do grupo de casos tiveram um ABG pré-operatório 30dB (29,6%) sendo que as restantes 83 estapedotomias tiveram um ABG pré-operatório> 30dB (70,4%). Por outro lado, 118 estapedotomias do grupo de controlo tiveram um ABG pré-operatório 30dB (41,4%), e as restantes 167 tiveram um ABG pré-operatório> 30dB (58,6%). O ABG pré-operatório médio foi de 41.7dB no grupo de casos (Desvio padrão [DP]: 7.7) e 32.4dB no grupo controlo (DP: 7.5). Um ABG pré-operatório 30dB foi associado a um melhor sucesso técnico (odds ratio, 1,68; intervalo de Victor F. Certal Hélder Silva Assistente Hospitalar ORL CHEDV João Martins Tiago Santos Carlos Carvalho Director de Serviço ORL CHEDV (Centro Hospitalar Entre Douro e Vouga) Correspondência: Victor Filipe Gomes Certal Rua Mormugão 405 5º E 4465-213 São Mamede Infesta victorcertal@gmail.com confiança 95% [IC], 1,06-2,65). Esta associação persiste quando a idade, raça, lado operado, e diâmetro de próteses foram incluídos no modelo multivariado (Odds Ratio ajustado, 1,70, 95% [IC] 1,07-2,7). Conclusões: Os resultados sugerem que o ABG pode ser um factor prognóstico válido para prever o sucesso técnico da estapedotomia. A magnitude do encerramento ABG é superior nos casos com ABG pré-operatório menor quando comparados com aqueles com maior ABG pré-operatório. Palavras-chave: Otosclerose, Rinne audiométrico, estapedotomia Abstract Introduction: The aim was to determine the influence of preoperative air-bone gap (ABG), as independent prognostic factor, on technical success of stapes surgery. Methods: We reviewed charts of 118 case stapedotomies with an incomplete ABG closure (ABG>10dB), and 285 control stapedotomies with a complete ABG closure (ABG 10dB). We retrospectively recorded preoperative air-conduction, bone-conduction, and ABG. We then classified both case and control groups into two categories according to the preoperative mean air-bone gap (ABG 30dB and ABG>30dB). Multivariate logistic-regression model was used for casecontrol comparisons. Results: Thirty-five case surgeries had a preoperative ABG 30dB (percent [%], 29.6) against 83 case surgeries had a preoperative>30db (%, 70.4). On the over hand, 118 control surgeries had a preoperative ABG 30dB (%, 41.4) against 167 control surgeries had a preoperative ABG>30dB (%, 58.6). The mean preoperative ABG was 41.7dB in case group (standard deviation [SD], 7.7) and 32.4dB in control group (SD, 7.5). Preoperative ABG 30dB was associated with better technical success (odds ratio, 1.68; 95% confidence interval [CI], 1.06 to 2.65). Association persists when age, race, side ear and diameter of prosthesis were included in the multivariate model (adjusted odds ratio, 1.70; 95% CI, 1.07 to 2.7). Conclusions: Our findings suggest that ABG can be a valid prognostic factor to predict technical success of stapes surgery. The magnitude of ABG closure is superior in cases with minor preoperative ABG when compared with those with greater preoperative ABG. Keywords: Otosclerosis, air-bone gap, stapedotomy Comunicação livre no 58º Congresso Nacional da Sociedade Portuguesa de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial 2011. VOL 51. Nº2. JUNHO 2013 117

Introdução A otosclerose é uma doença degenerativa, de carácter aparentemente hereditário, que atinge a cápsula óptica como um todo, principalmente junto a platina do estribo, gerando focos de neoformação óssea e aumento significativo da vascularização nos focos de doença. 1 Relativamente frequente, atinge cerca de 1% da população, com predomínio discreto do sexo feminino, sendo de carácter bilateral em mais de três quartos dos casos. 1 A doença ocorre em adultos jovens, tendo evolução progressiva, levando a perda auditiva mista, moderada a severa, com especial impacto na condução aérea, na maioria dos casos. O seu tratamento cirúrgico iniciou-se no final do século XVIII com tentativas de mobilização da platina com resultados inconsistentes. Na década de 50 do século passado, John Shea introduziu a técnica da estapedectomia e no início dos anos 60 descreveu a estapedotomia, que é a cirurgia preferida para tratamento da otosclerose nos dias actuais. 2 O air-bone gap (ABG) é obtido pela diferença entre os valores audiométricos da condução óssea e aérea, e embora não possa ser o único factor a ter em consideração, é um modo fácil e prático de avaliar a gravidade da doença. As Indicações para estapedotomia incluem, entre outros factores, a hipoacúsia de transmissão com ABG>20 db. Contudo, tem havido pouca evidência acerca da influência da magnitude do ABG pré-operatório no sucesso do tratamento cirúrgico. O objectivo deste estudo foi analisar, retrospectivamente, a influência da ABG pré-operatório, como um factor prognóstico independente, sobre o sucesso técnico da estapedotomia. Material e Métodos Selecção de casos de estudo e controlos Após a aprovação pela comissão de ética do Centro Hospitalar Entre Douro e Vouga, foram revistos os processos de todos os doentes operados por quadro de otosclerose entre Janeiro de 1998 e Junho de 2009. Todos os casos de cirurgia de revisão foram excluídos. Foram colhidos dados demográficos, história otológica detalhada, achados intra-operatórios e dados audiológicos pré e pós-operatórios. O diagnóstico de otosclerose foi baseado numa história clínica de hipoacúsia de evolução progressiva, otoscopia sem alterações, timpanograma normal, audiograma mostrando um ABG> 20dB, e ausência de reflexos estapédicos. No grupo controlo foram incluídos doentes com diagnóstico de otosclerose, encerramento completo do ABG (<10dB), e pelo menos 6 meses de seguimento pós-operatório. Foram incluídos no grupo de estudo, todos os doentes com diagnóstico confirmado de otosclerose, ABG pós-operatório com encerramento incompleto (ABG>10dB) e pelo menos 6 meses de seguimento pós-operatório. Conforme recomendado pelas orientações do Comité de audição e equilíbrio da associação americana (AAO-HNS), foi considerado encerramento completo quando o ABG pós-operatório foi inferior a 10 db. 3 Os demais resultados foram classificados como encerramento incompleto. Todos os doentes foram operados na mesma instituição e pelo mesmo grupo de cirurgiões (7 cirurgiões). Em seguida, ambos os grupos foram divididos de acordo com o ABG pré-operatório como tendo um ABG ligeiro ( 30 db) ou moderado/grave (> 30dB). Para evitar vieses de confundimento, como sexo e idade, os autores utilizaram um modelo de regressão logística múltipla. Procedimento cirúrgico A estapedotomia foi realizada sob anestesia geral. Uma abordagem transcanal através de espéculo auricular foi o procedimento padrão. O procedimento cirúrgico consistiu na perfuração da platina e introdução da prótese de estapedotomia, após ressecção da crura anterior e posterior, desarticulação da junção incudoestapédica e secção do músculo do estribo. O pistão utilizado em todas as cirurgias foi o de Causse de Teflon. Avaliação audiométrica A avaliação audiométrica consistiu no registo do ABG pré e pós operatório, e limiares da condução óssea e aérea. As frequências incluídas na avaliação da condução óssea e aérea foram: 0,5, 1, 2, 3 e 4kHz. Todos os doentes tinham pelo menos 6 meses de seguimento audiológico. Os resultados auditivos foram analisados de acordo com as orientações da AAO-HNS, excepto para os limiares de 3 khz. Dado que esta frequência não é medida constantemente na Europa, a frequência de 3kHz foi calculada como uma média da frequência de 2 e 4 khz, permitindo uma apresentação uniforme de dados audiométricos de acordo com uma actualização da AAO-HNS as orientações originais. 4 Todos os audiogramas foram realizados com recurso a um audiómetro Interacoustics AC40.200, em cabine insonorizada, por dois audiologistas certificados. Avaliação estatística dos resultados Para a análise estatística dos resultados, os autores utilizaram um modelo de regressão logística múltipla, e estimaram os odds ratio e respectivos intervalos de confiança a 95%. O programa utilizado foi o Statistical Package for Social Sciences - SPSS (versão 18,0). A variável dependente foi o sucesso ou insucesso técnico da estapedotomia e a principal variável explicativa foi a magnitude do ABG pré-operatório (inferior ou superior a 30dB). Foram também efectuadas análises uni e multivariadas para os principais factores de confusão: idade, sexo, raça, lado operado e diâmetro da prótese utilizada. 118 REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA CÉRVICO-FACIAL

Tabela 1 Características gerais do grupo de casos e controlo Variável Grupo de casos (n = 118) Grupo de controlo (n = 285) Odd-ratio não ajustado (95% IC) Total (percentagem) Sexo Masculino 37 (31) 85 (30) 1.0 Feminino 81 (69) 199 (70) 1.1 (0.7-1.7) Idade 40 anos 39 (33) 98 (34) 1.0 40<anos 50 36 (31) 93 (33) 1.0 (0.6-1.8) >50 anos 43 (36) 94 (33) 0.9 (0.5-1.5) Idade média (DP) 46.3±12.1 45.3±10.4 Raça Caucasiana 116 (98) 285 (100) 1.0 Outra 2 (2) 0 (0) 0.4 (0.3-6.5) Lado operado Ouvido direito 65 (55) 145 (51) 1.0 Ouvido esquerdo 53 (45) 140 (49) 1.2 (0.8-1.8) Diametro de prótese 0.4mm 104 (88) 251 (88) 1.0 0.6mm 12 (10) 25 (9) 0.86 (0.4-1.8) 0.8mm 2 (2) 9 (3) 1.8 (0.4-8.7) DP = Desvio Padrão; IC = Intervalo de Confiança Além disso, foi utilizado o teste t (amostras pareadas) para avaliar diferenças específicas antes e após a cirurgia. Para todas as análises estatísticas, valores de p inferiores a 0,05 foram considerados estatisticamente significativos. Resultados Foram revistos os registos clínicos de 433 estapedotomias realizadas entre Janeiro 1998 e Junho 2009. Sessenta e nove por cento dos doentes eram do sexo feminino e com uma idade média de 46 anos (min: 18 anos; max: 73 anos). Dezanove procedimentos cirúrgicos foram excluídos por se tratar de estapedotomias de revisão. Onze estapedotomias foram excluídas por falta de dados audiométricos (sobretudo ausência de audiograma pré ou pós-operatório). Oito estapedotomias levaram a um agravamento da condução óssea em mais de 10dB, o que levou a um falso encerramento do ABG. Para evitar este factor de confusão, os autores classificaram estes casos como encerramento incompleto de ABG. No final, foram incluídas 118 estapedotomias no grupo de casos de estudo (ABG pós-operatório>10db) e 285 estapedotomias no grupo de controlo (ABG pósoperatório 10dB). A tabela 1 ilustra as características gerais de ambos os grupos. Na análise univariada, ambos os grupos foram similares na idade, sexo, raça, lado operado e diâmetro de prótese utilizada. (tabela 1) A estapedotomia levou a uma melhoria significativa em todos os parâmetros auditivos pós-operatórios (condução óssea, condução aérea e ABG) em ambos os grupos(p<.001) (Tabela 2 e 3). Trinta e cinco estapedotomias do grupo de casos de estudo tiveram um ABG pré-operatório 30dB (29,6%) sendo que as restantes 83 estapedotomias tiveram um ABG pré-operatório> 30dB (70,4%). Por outro lado, 118 estapedotomias do grupo de controlo tiveram um ABG pré-operatório 30dB (41,4%), e as restantes 167 tiveram um ABG pré-operatório> 30dB (58,6%). (Tabela 3) A tabela 4 mostra os resultados da análise uni e multivariada para a associação entre o sucesso técnico da estapedotomia e a magnitude do ABG pré-operatório ( 30dB ou >30dB). Na análise univariada, verificou-se que os doentes com ABG pré-operatório 30dB tinham cerca de 1.7x mais de probabilidade de encerrar o ABG, quando comparados com doentes com ABG>30dB (odds ratio, 1,68; intervalo de confiança 95% [IC], 1,06-2,65). ). Esta associação persiste quando as variáveis idade, raça, lado operado, e diâmetro de prótese foram incluídas no modelo multivariado (Odds Ratio ajustado, 1,70, 95% [IC] 1,07-2,7). VOL 51. Nº2. JUNHO 2013 119

Tabela 2 Limiares audiométricos (db) dos grupos de casos e controlo Pré-operatório Grupo de casos (n = 118) Pós-operatório Frequência (khz) CA CO CA CO 0.5 66.0±10.8 19.1±8.6 39.4±15.2 18.3±9.3 1 60.9±13.2 20.4±9.6 37.3±14.3 19.9±12.5 2 61.1±14.9 25.9±12.3 37.9±15.6 21.6±11.5 3 63.2±15.5 22.7±11.1 36.9±16.6 21.4±12.6 4 65.5±16.7 19.8±11.8 35.7±17.7 21.2±10.8 Grupo de controlo (n = 285) Pré-operatório Pós-operatório Frequência (khz) CA CO CA CO 0.5 63.3±12.8 20.1±8.5 31.0±11.4 21.3±10.2 1 55.8±13.7 18.1±9.2 26.7±11.8 19.2±10.5 2 53.4±14.8 30.4±12.4 31.5±12.5 24.0±12.5 3 52.5±12.6 25.5±12.3 30.8±14.1 22.7±13.3 4 51.4±14.9 20.1±12.5 30.1±15.1 21.3±13.0 DP = Desvio padrão; CA = Condução aérea; CO = Condução óssea Tabela 3 ABG pré e pós-operatório dos grupos de casos e controlo ABG pré-operatório (total; percentagem) Grupo de casos (n = 118) Grupo de controlo (n = 285) 30dB 35 (29.6) 118 (41.4) >30dB 83 (70.4) 167 (58.6) ABG pré-operatório (média; DP) 41.7±7.7 32.4±7.5 Tabela 4 Análise uni e multivariada Variável ABG préoperatório 30dB Não ajustado Odds ratio (95% CI) 1.68 (1.06-2.65) Valor p 0.028 Odds ratio* (95% CI) Ajustado 1.70 (1.07-2.7) *Modelo ajustado para idade, sexo, raça, lado operado e diâmetro de prótese Relativamente a doentes com ABG>30dB. Valor p 0.026 ABG pós-operatório (média; DP) Teste T (amostras pareadas)* (p<0.05) ABG = air-bone gap; DP = Desvio padrão *Entre o ABG pré e pós-operatório 16.9±7.5 8.32±3.51 <0.001 <0.001 Discussão Os resultados deste estudo sugerem que os doentes com ABG pré-operatório 30dB têm maior probabilidade de sucesso cirúrgico quando comparados com doentes com ABG pré-operatório >30dB. Esta associação persiste mesmo após ajustamento dos resultados para os principais factores de confusão como idade, sexo, raça, lado operado ou diâmetro de prótese utilizada. Apesar de não ter sido o principal factor em análise, outros estudos da literatura sugeriram que os resultados da estapedotomia em quadro de otosclerose avançada 120 REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA CÉRVICO-FACIAL

podem ter pior prognóstico. 5,6 Shea et al, descreveram que, na otosclerose em fase avançada, a obliteração da platina está frequentemente associada a uma ossificação da janela redonda, o que poderá contribuir para piores resultados. 5 Amedee et al, reportaram que alterações otoscleróticas severas da janela oval e redonda levam a maior sangramento durante o procedimento cirúrgico, e este factor poderá estar associado a piores resultados pós-operatórios. 6 Embora estes resultados sugiram que o ABG pode ser um factor prognóstico válido, a sua utilização como critério de sucesso técnico deve ser visto com cuidado. Em algumas estapedotomias, verifica-se um agravamento dos limiares audiométricos da via óssea levando a um falso encerramento do ABG pós-operatório. Para evitar influência nos resultados, os autores consideraram estas situações como tendo um encerramento incompleto do ABG pós-operatório. Na amostra em estudo, a taxa de encerramento completo do ABG rondou os 71%, o que é comparável com outras casuísticas da literatura médica. 7-11 Como demonstrado por Kisilevsky, o ganho audiométrico pós-operatório foi superior em doentes com ABG>30dB (embora a diferença não tenha sido estatisticamente significativa). 12 Deste modo, os resultados indicam que, embora os doentes com ABG>30dB tenham menor probabilidade de encerramento completo de ABG, estes doentes atingem maiores ganhos audiométrico. Um dos principais problemas dos estudos caso-controlo prende-se com a inclusão de factores de confusão. Contudo, os autores tentaram minimizar os potenciais vieses elaborando um modelo de regressão logística múltipla e ajustando os resultados para os principais factores de confusão. Conclusão Os resultados sugerem que o ABG pode ser um factor prognóstico válido para prever o sucesso técnico da estapedotomia. A magnitude do encerramento ABG é superior nos casos com ABG pré-operatório menor quando comparados com aqueles com maior ABG préoperatório. Esta associação sugere que a indicação cirúrgica não deve ser adiada por muito tempo, sob pena de obter piores resultados cirúrgicos. 97:922 4. 7.Aarnisalo A, Vasama JP, Hopsu E, Ramsay H. Long-term hearing results after stapes surgery: a 20-year follow-up. Otol Neurotol. 2003. 24(4):567-71. 8.Somers T, Govaerts P, Marquet T, Offeciers E. Statistical analysis of otosclerosis surgery performed by Jean Marquet. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1994. 103(12): 945-51. 9.Ramsay H, Karkkainen J, and Palva T. Success in surgery for otosclerosis: hearing improvement and other indicators. Am J Otolaryngol. 1997. 18(1): 23-8. 10.Gros A, Vatovec J, Zargi M, Jenko K. Success rate in revision stapes surgery for otosclerosis. Otol Neurotol. 2005. 26(6):1143-8. 11.Bruijn AJ, Tange RA, and Dreschler WA. Efficacy of evaluation of audiometric results after stapes surgery in otosclerosis. I. The effects of using different audiologic parameters and criteria on success rates. Otolaryngol Head Neck Surg. 2001. 124(1):76-83. 12.Kisilevsky VE, Bailie NA, Halik JJ. Results of stapedotomy in otosclerosis with severe and profound hearing loss. J Otolaryngol Head Neck Surg. 2010; 39:244-252. Referências bibliográficas: 1.Karosi T, Sziklai I. Etiopathogenesis of otosclerosis. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2010; 267:1337-1349. 2.Shea J. Forty years of stapes surgery. Am J Otol, 1998. 19(1):52-5. 3.Committee on Hearing and Equilibrium guidelines for the evaluation of results of treatment of conductive hearing loss. AmericanAcademy of Otolaryngology-Head and Neck Surgery foundation, Inc. Otolaryngol Head Neck Surg. 1995; 113:186-187. 4.Monsell EM. New and revised reporting guidelines from the Committee on Hearing and Equilibrium. American Academy of Otolaryngology-Head and Neck Surgery Foundation, Inc. Otolaryngol Head Neck Surg. 1995; 113:176-178. 5.Shea J, Farrior J. Stapedectomy and round window closure. Laryngoscope. 1987;97:10 2. 6.Amedee R, Lewis M. Obliterative otosclerosis. Laryngoscope. 1987; VOL 51. Nº2. JUNHO 2013 121