PARECER. Aplicação da imunidade do artigo 150, VI, d, CF e. da alíquota zero de PIS e de COFINS para o livro digital

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Transcrição:

PARECER Aplicação da imunidade do artigo 150, VI, d, CF e da alíquota zero de PIS e de COFINS para o livro digital Prof. Dr. Ricardo Lodi Ribeiro Professor Adjunto de Direito Financeiro da UERJ. Coordenador da Pós-Graduação em Direito Tributário da FGV-DIREITO-RIO. Doutor em Direito e Economia pela UGF, Mestre em Direito Tributário pela UCAM. Ex-Procurador da Fazenda Nacional. Ex- Procurador do Estado de São Paulo. Advogado e Parecerista. Av. Graça Aranha, 206 / 10º andar, Centro Rio de Janeiro RJ CEP 20030-001 Tel.: (21) 3974-9950 www.lladv.com.br

EMENTA: A imunidade tributária do livro, jornal e periódico prevista pelo artigo 150, VI, d, CF, protege a liberdade de imprensa, de difusão de idéias e de manifestação de pensamento, bem como fomenta a cultura com o incentivo à leitura, a partir do barateamento dessas publicações ao consumidor. O conceito de livro se traduz no conteúdo da obra elaborado pelo autor, e não no veículo que lhe dá suporte. Com a paulatina substituição do livro impresso em papel pelo livro digital, a garantia dessas liberdades imunizadas pela Constituição depende fundamentalmente da extensão da imunidade tributária ao livro digital, sem o que deixarão elas de existir. Pelas mesmas razões deve ser estendida a alíquota zero de PIS e de COFINS aos livros eletrônicos. Sumário: I) A Consulta. II) O Conceito de Imunidade Tributária no Estado Social e Democrático de Direito. III) A Interpretação das Regras 2

Imunizantes. IV) A Imunidade do Art. 150, VI, d, CF e a sua Interpretação. V) A Extensão da Imunidade aos Livros Eletrônicos. VI) A Jurisprudência. VII) A Alíquota Zero de PIS e de COFINS. VIII) Conclusões. I) A Consulta 1. Fomos prestigiados pela Consulta formulada pelo SNEL Sindicato Nacional dos Editores de Livros a respeito da questão relativa à extensão ao livro digital (e-book) da imunidade do artigo 150, VI, d, CF conferida aos livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão, bem como da alíquota zero de PIS e da COFINS, nos termos dos artigos 8º, 12, XII e 28, VI da Lei nº 10.865/04, com redação dada pela Lei nº 11.033/04. 2. A Consulta se justifica pela controvérsia que o tema tem suscitado no âmbito da fiscalização e na jurisprudência dos Tribunais, o que, sem dúvida, reflete a divisão da doutrina pátria sobre a questão. Em defesa da extensão da imunidade aos livros eletrônicos se posicionaram, dentre outros autores renomados, Humberto Ávila, 1 1 ÁVILA, Humberto. Argumentação jurídica e a imunidade do livro eletrônico. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº 5, agosto, 2001. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em: 28 de janeiro de 2010. 3

Tércio Sampaio Ferraz Júnior, 2 Hugo de Brito Machado e Hugo de Brito Machado Segundo, 3 e Roque Antônio Carrazza. 4 Em sentido contrário os não menos ilustres Ricardo Lobo Torres 5 e Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho. 6 3. Em geral, os argumentos utilizados a favor da extensão da imunidade aos livros eletrônicos partem da utilização dos métodos de interpretação do dispositivo imunizante, seja por meio de uma necessidade de dar um conteúdo extensivo às liberdades constitucionais, 7 seja a partir da utilização do método histórico com base no contexto em que o dispositivo foi introduzido na Constituição de 1946, 8 que inaugurou a intributabilidade dos livros no cenário jurídico brasileiro. 4. Por outro lado, a hermenêutica do dispositivo do artigo 150, VI, d, CF também é utilizada pelos que não reconhecem a extensão, seja pela distinção entre o livro de papel e o livro eletrônico, 9 seja a partir da vedação da interpretação analógica da referida norma. 10 2 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Livro Eletrônico e Imunidade Tributária. São Paulo. Revista dos Tribunais, Vol. 6, p. 32-38, 1998. 3 MACHADO, Hugo de Brito e MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Imunidade Tributária do Livro Eletrônico. Revista Jus Navegandi, http://jus.uol.com.br/revista/texto/1809/imunidade-tributaria-dolivro-eletrônico. Acesso em 20/09/2010. 4 CARRAZZA, Roque Antônio. Importação de Bíblias em Fitas Sua Imunidade Exegese do art. 150, VI, d, da Constituição Federal,São Paulo, Revista Dialética de Direito Tributário, vol. 26, p. 117-139. 5 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, Vol. III: Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 302-304. 6 SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. A Não-Extensão da Imunidade aos Chamados Livros, Jornais e Periódicos Eletrônicos. São Paulo. Revista Dialética de Direito Tributário, vol. 33 p. 133-141. 7 Por todos: MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 291. 8 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Livro Eletrônico e Imunidade Tributária, p. 33. 9 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, Vol. III, p. 301. 10 SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. A Não-Extensão da Imunidade aos Chamados Livros, Jornais e Periódicos Eletrônicos, p. 139. 4

5. Por isso, é fundamental para o deslinde da questão investigar o conceito de imunidade, os contornos da intributabilidade dos livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão e os critérios aplicáveis a sua interpretação. 6. Cumprida essa tarefa, será necessário examinar se os mesmos argumentos podem ser utilizados a favor da extensão da alíquota zero do PIS e da COFINS ao livro digital. II) O Conceito de Imunidade Tributária no Estado Social e Democrático de Direito 7. Superada a sua origem histórica no Estado Patrimonial quando esteve associada à reserva de Liberdade da nobreza e do clero em relação ao poder real, a natureza jurídica das imunidades tributárias é objeto de grande controvérsia doutrinária. 11 A primeira corrente, extraída do liberalismo norte-americano do século XIX, sintetizado na expressão do Juiz Marshall de que o poder de tributar envolve o poder de destruir ( the power to tax involves the power to destroy ), associava a imunidade à preservação da propriedade e do individualismo burguês, como uma limitação do poder fiscal do Estado determinadas por essas Liberdades. Com o intervencionismo do Estado Social do século XX, outros interesses econômicos e sociais são incorporados ao discurso constitucional, dando origem à segunda corrente, que vê a imunidade como autolimitação da competência tributária. De acordo com essa 11 Sobre as várias correntes a respeito na natureza jurídica das imunidades tributárias, vide: TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, Vol. III, p. 42-57. 5

corrente, competindo à Constituição fazer a partilha da competência tributária, cabe a ela excepcionar e condicionar o exercício dessa competência. 12 No Estado Social e Democrático de Direito, surge a terceira corrente com as imunidades se baseando na Liberdade emanada dos direitos fundamentais pré-existentes ao próprio Estado, como destaca Ricardo Lobo Torres: 13 A imunidade há que ser vista como limitação absoluta do poder tributário do Estado pelas liberdades preexistentes. A liberdade individual é que se autolimita, abrindo espaço para a atuação limitada do poder fiscal. Há reserva dos direitos humanos diante da fiscalidade. A imunidade é, portanto, intributabilidade, impossibilidade de o Estado criar tributos sobre o exercício dos direitos da liberdade, incompetência absoluta para decretar impostos sobre bens ou coisas indispensáveis à manifestação da liberdade, não-incidência ditada pelos direitos humanos e absolutos anteriores ao pacto constitucional. 8. Porém, é forçoso reconhecer que no Estado Social e Democrático de Direito não só os direitos individuais e políticos, mas também os econômicos e sociais constituem os direitos fundamentais, 14 o que a nossa ordem constitucional assume ao 12 FALCÃO, Amílcar de Araújo. Imunidade e Isenção Tributária. Instituição de Assistência Social. RDA 66:370, 1961. 13 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, Vol. III, p. 51. 14 GRIMM, Dieter. Constitucionalismo y Derechos Fundamentales, Trad. Raúl Sanz Burgos e José Luis Muñuz de Baena Simon. Madrid: Trotta, 2006, p. 156-158. PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Los Derechos Fundamentales. 7. ed. Madrid: Tecnos, 1998, p. 164. PECES-BARBA MARTÍNEZ, Gregório. 6

inserir o capítulo Dos Direitos Sociais no título Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Assim, há imunidades baseadas também em direitos coletivos, sejam de índole social ou econômica, e não apenas nas Liberdades individuais e políticas. 15 9. Diante disso, é lícito afirmar que na fase de legitimação do ordenamento jurídico do Estado Social e Democrático de Direito, onde são ponderados os valores da Liberdade do Estado Liberal e da Solidariedade do Estado Social, os direitos fundamentais constituem fundamento para as imunidades tributárias. Porém, vale advertir que nem todos os direitos fundamentais - sejam eles individuais, políticos, econômicos e sociais - dão origem a imunidades tributárias. São preservados da partilha constitucional de competências tributárias, em nome dos direitos fundamentais, determinadas pessoas (imunidades subjetivas) ou determinadas condutas (imunidades objetivas). 10. Contudo, a amplitude material dos direitos fundamentais consagrados modernamente exige que o constituinte indique expressamente quais direitos fundamentais serão objeto de imunização. 16 É claro que outras intributabilidades constitucionais decorrem dos princípios constitucionais tributários, como a proteção do Curso de Derechos Fundamentales Teoría General. Madrid: Universidad Carlos III de Madrid, 1999, p. 198. 15 No sentido do texto: STF, Pleno. ADI nº 939-7/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, DJU 18/03/1994, p. 5.165. No referido julgamento, o STF não fez distinção entre as imunidades baseadas nos direito sociais e nos direitos individuais, considerando todas elas elencadas entre os direitos fundamentais. Contra: TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, Vol. III, p. 68, para quem só as liberdades individuais fundamentam as imunidades. 16 Contra: TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, Vol. III, p. 86, para quem as imunidades constitucionais precedem a Constituição, tendo os dispositivos constitucionais que as veiculam natureza meramente declaratória. 7

mínimo existencial, cuja tributação revela-se atentatória ao princípio da Capacidade Contributiva, bem como a vedação do confisco que supera o seu limite superior. Porém, as intributabilidades derivadas da inobservância dos princípios constitucionais tributários revelam-se como limites intrínsecos ao poder de tributar. Ou seja, a tributação neste caso é ilegítima por não observar os requisitos necessários ao exercício da competência tributária pelos entes federativos, como a Legalidade, a Irretroatividade ou a Capacidade Contributiva, por exemplo. No caso da imunidade, as limitações são externas ao poder de tributar, em verdadeira exceção ao campo de competência estabelecido constitucionalmente. Os entes federativos não têm competência para tributar as operações e pessoas imunes. 11. No entanto, a conclusão que de que todas as intributabilidades constitucionais externas ao exercício do poder de tributar constituem imunidades não significa que todas elas estejam albergadas pela cláusula pétrea do art. 60, 4º, IV, CF, que protege os direitos e garantias individuais. É que nem todas as limitações constitucionais ao poder de tributar são cláusulas pétreas, e nem qualquer exceção a elas é violadora da norma constitucional petrificadora que, longe de estabelecer a imutabilidade dos direitos por ela consagrados, protege o seu núcleo essencial. 17 12. Por outro lado, cumpre estabelecer que a competência tributária é a faculdade conferida aos entes políticos para criar tributos, cuja limitação é estabelecida 17 No mesmo sentido do texto: NOVELLI, Flávio Bauer. Norma Constitucional Inconstitucional? A propósito do art. 2º, 2º, da Emenda Constitucional nº 3/93, p. 21-57. Contra: STF, Pleno, ADI nº 939-7/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, DJU 28/03/94, p. 5.165. Sobre a discussão das cláusulas pétreas tributárias face aos princípios constitucionais tributários, vide: RIBEIRO, Ricardo Lodi. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, Capítulo 2. 8

simultaneamente pela Constituição Federal no momento que a confere. Diz-se que o campo de incidência está demarcado num sentido positivo, em que a criação de tributo está autorizada, e noutro negativo, onde não há espaço para fazê-lo. Em síntese, ao mesmo tempo em que a ordem constitucional possibilita a tributação de algumas situações, impede expressamente a tributação de outras. 13. É exatamente no aspecto negativo da competência tributária que se encontram as imunidades, quando o ordenamento constitucional entende que determinadas operações ou pessoas não devem ser tributados. Trata-se da incompetência absoluta dos entes políticos para onerar certas pessoas ou fatos econômicos por elas praticados. 14. Assim, as imunidades são não-incidências constitucionalmente qualificadas, 18 que, em nome dos direitos fundamentais, sejam eles de índole individual e política, ou social e econômica, foram expressamente estabelecidas pela Constituição Federal, em verdadeira exceção às regras de competência tributária. III) A Interpretação das Regras Imunizantes 15. É muito encontrada na doutrina a afirmativa de que, sendo as imunidades baseadas nas liberdades constitucionais devem ser interpretadas 18 FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato Gerador da Obrigação Tributária. 4. ed. Anotada e atualizada por Geraldo Ataliba. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 117. 9

extensivamente, a fim de dar maior efetividade a tais direitos. Nesse sentido, é o posicionamento de Hugo de Brito Machado e Hugo de Brito Machado Segundo: 19 Realmente, não se deve interpretar uma norma imunizante como se interpreta norma instituidora de isenção. A norma imunizante de que se cuida foi encartada no texto constitucional para a proteção de valor fundamental da humanidade, que é a liberdade de expressão, sem a qual não se pode falar de democracia. Em vista disso, deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê." 16. Tais posicionamentos quase sempre partem de uma tendência a dar uma interpretação especial a determinado conjunto de regras jurídicas, de acordo com o interesse jurídico por elas tutelado. Isso ocorre, por exemplo, com a identificação da norma tributária como violadora da liberdade individual. Dentro dessa linha argumentativa, a norma de incidência deve ser interpretada restritivamente e a norma de desoneração extensivamente. 17. Por outro lado, também há quem sustente que, sendo a imunidade uma exceção à regra de competência, deve ser interpretada restritivamente, como fez o 19 MACHADO, Hugo de Brito e MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Imunidade Tributária do Livro Eletrônico. 10

Ministro Marco Aurélio no julgamento do RE nº 564.413/SC, no Plenário de Supremo Tribunal Federal: 20 A imunidade encerra exceção constitucional à capacidade tributária ativa, cabendo interpretar os preceitos regedores de forma estrita. 18. Porém, as duas linhas de argumentação encontram como obstáculo a inexistência de critérios apriorísticos de interpretação e o caráter ambivalente da norma tributária que não tem a mesma repercussão em relação a todos os indivíduos da sociedade. 21 19. É que com o triunfo do pós-positivismo, embalado pelas idéias da jurisprudência dos valores e pela virada kantiana, adota-se o pluralismo metodológico na interpretação da lei, afastando-se a aplicação apriorística de qualquer dos métodos, com a utilização de todos eles, de acordo com os valores envolvidos no caso concreto e imanentes à norma. 20. Nesse contexto, a problemática da interpretação da lei tributária se prende à elucidação da questão da hermenêutica na teoria geral do direito, estando 20 STF, Pleno, RE nº 564.413/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 209, de 03/11/2010, que considerou que a imunidade de contribuições sociais artigo 149, 2º, II, CF, não atinge as receitas de exportação. 21 Sobre a ambivalência da lei tributária, vide RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Segurança Jurídica do Contribuinte Legalidade, Não-surpresa e Proteção à Confiança Legítima. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, Capítulo 3. 11

superadas historicamente as teses que recomendavam uma exegese especial para o direito tributário, 22 seja a partir da ótica do interesse dos contribuintes, que na esfera de sua autonomia privada poderiam fazer, sem o ônus fiscal, tudo o que não fosse expressamente, e sem sombra de dúvidas, previsto em lei - como queriam os autores de índole formalista -, seja por meio de uma interpretação economicista que, desprezando a segurança jurídica, descambou para uma visão causalista da justiça, como pregavam os defensores da teoria da interpretação econômica do fato gerador. 23 21. Também não são mais aceitas as teorias que consideram a norma tributária como penal-odiosa conforme bem assinala Ezio Vanoni: Não pode ser odioso aquilo que é necessário à própria existência do Estado, e que tem por única finalidade o benefício dos cidadãos. 22. Como no Estado Fiscal os recursos são majoritariamente oriundos dos tributos, a idéia de odiosidade é inconcebível. Desta forma, está historicamente 22 A maioria dos autores assim tem entendido, seja no Brasil, seja no exterior, como relata TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 52. Por todos, vide PEREZ DE AYALA. Derecho Tributario I. Madrid: Editorial de Derecho Financiero, 1968, p. 99; e FALCÃO, Amílcar. Introdução ao Direito Tributário. 3.ed. Atualizada por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 63. 23 Considerando ultrapassadas as teses que recomendam uma interpretação especial no Direito Tributário se colocam até mesmo os juristas da escola funcionalista, como Vanoni, para quem: Desde que as características jurídicas das normas tributárias não se distinguem das demais normas de direito, a opinião que pretende negar aplicabilidade, às leis tributárias, dos mesmos métodos de interpretação que se aplicam às leis em geral parece destituída de qualquer fundamento. (VANONI, Ezio. Natureza e Interpretação das Leis Tributárias. Trad. Rubens Gomes de Sousa. Rio de Janeiro: Edições Financeiras, 1952, p. 181). 12

comprovado que a vitória das teorias que consideravam o tributo como instrumento odioso propiciou sempre situações de odiosa injustiça. 23. Assim, não havendo na relação jurídico-tributária nenhuma característica de odiosidade, ou de limitação de direitos individuais, as normas que a regulam não se constituem exceção às regras gerais de direito, merecendo, deste modo, uma interpretação como qualquer outra lei. 24. A necessidade de interpretar o texto legal se revela especialmente pela ausência de univocidade da linguagem empregada pelo legislador, o que sempre, ou quase sempre, irá gerar um sentido problemático a que se refere Karl Larenz. O festejado autor alemão, em sua famosa Metodologia da Ciência do Direito, 24 buscou no círculo hermenêutico, desenvolvido por Gadamer, 25 a partir das idéias de Heidegger, subsídios para um método de interpretação jurídica. 25. A compreensão da linguagem jurídica se dá com base no sentido que cada palavra inserida no texto possui. E esse sentido é, por sua vez, informado pelo sentido global do texto. À medida que o intérprete evolui na leitura, pode acontecer que o sentido originalmente empregado para cada palavra seja modificado. Nesse caso, deve o leitor retornar aos pontos em que a palavra foi utilizada e reorientar sua interpretação com base no novo sentido. É que para o início da atividade de 24 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Trad. de José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. 25 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método Traços Fundamentais de Uma Hermenêutica Filosófica. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 400. 13

interpretação, indispensável se torna uma pré-compreensão da matéria sobre a qual se vai estudar. Mas a cada passo avançado no conhecimento do texto, o sentido adotado originalmente para a palavra, a partir da pré-compreensão, é muitas vezes substituído por um novo sentido oferecido pelo contexto estudado. Como diz Gadamer: 26 Toda interpretação correta tem que proteger-se contra a arbitrariedade da ocorrência de felizes idéias e contra a limitação dos hábitos imperceptíveis do pensar, e orientar sua vista às coisas elas mesmas (que para os filólogos são textos com sentido, que também tratam, por sua vez, de coisas). Esse deixar-se determinar assim pela própria coisa, evidentemente, não é para o intérprete uma decisão heróica, tomada de uma vez por todas, mas verdadeiramente a tarefa primeira, constante e última. Pois o que importa é manter a vista atenta à coisa, através de todos os desvios a que se vê constantemente submetido o intérprete em virtude das idéias que lhe ocorram. Quem quiser compreender um texto realiza sempre um projetar. Tão logo apareça um primeiro sentido no texto, o intérprete prelineia um sentido todo. Naturalmente que o sentido somente se manifesta porque quem lê o texto lê a partir de determinadas expectativas e na perspectiva de um sentido determinado. A compreensão do que está posto no texto consiste precisamente na elaboração desse projeto prévio, 26 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método, p. 401 e 402. 14

que, obviamente, tem que ir sendo constantemente revisado com base no que se dá conforme se avança na penetração do sentido. 26. Adaptando essa figura do círculo para a hermenêutica jurídica, Larenz identifica essa pré-compreensão do trabalho desenvolvido pelos juristas das gerações anteriores graças ao qual a doutrina e a jurisprudência atuais tiveram o seu desenvolvimento. 27 A primeira idéia que o aplicador tem da lei é dada por essa tradição jurídica, que aos poucos vai sendo substituída pelo conteúdo da própria lei a ser interpretada. 27. No entanto, como adverte Larenz, 28 o trabalho do intérprete não se limita a subsumir o fato concreto à norma abstrata, uma vez que esta jamais poderá descrever a complexidade do caso concreto. As proposições jurídicas poucas vezes se revelam por conceitos, assim entendidos como uma definição obtida mediante a indicação exaustiva de todas as notas distintivas que a caracterizam. O direito também se manifesta - e isso é muito mais comum - por meio de tipos e de pautas de valoração que carecem de preenchimento, cujo entendimento só se torna possível por ocasião da aplicação da norma. 28. É justamente para a compreensão dessas normas carecedoras de preenchimento que a interpretação vai bem além da mera subsunção do fato à norma, traduzindo-se em uma valoração. Mas a aplicação do direito não se consome na 27 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 289. 28 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 300. 15

interpretação. Esta encontra como limite as possibilidades oferecidas pelo sentido literal lingüisticamente possível, que é esclarecido pelo próprio Larenz: 29 Por sentido literal possível entendo tudo aquilo que nos termos do uso linguístico que seja de considerar como determinante em concreto mesmo que, porventura, em circunstâncias especiais -, pode ainda ser entendido como o que com esse termo se quer dizer. Pode certamente ser duvidoso em alguns casos, dado que os limites do sentido literal linguisticamente possível tão-pouco se encontram sempre traçados com exatidão, se se trata ainda de interpretação muito ampla ou já de integração de lacunas por analogia. A impossibilidade de uma delimitação rigorosa não impede, no entanto, uma distinção, entendida esta não tanto conceitualmente, mas tipologicamente. Na grande maioria dos casos é bem possível dizer-se que um evento a caracterizar de modo distinto se encontra de fora do campo de significação deste termo, do seu sentido literal possível. 29. Para além dos sentidos possíveis oferecidos pela literalidade do texto não existe mais interpretação, mas a integração, que se revela pelo preenchimento das 29 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 454. 16

lacunas contrárias ao plano do legislador, e o desenvolvimento do direito para além da lei. 30 30. No direito tributário, outras soluções não se oferecem. Mas nem sempre foi assim. No Estado Liberal predominou o método sistemático, pois para o positivismo formalista, então reinante, o que não estava no sistema jurídico não interessava ao direito. Já no Estado Social, onde o importante não era a norma, mas a intenção reguladora e o fato social, o método teleológico imperava sobre todos os outros. 31. Modernamente, no Estado Social e Democrático de Direito, marcado pelo pós-positivismo e pela sociedade de risco, há uma pluralidade metodológica, não existindo hierarquia entre os vários métodos, 31 que, embora possam por vezes apontar para resultados contraditórios, como assinalou Engisch, 32 constituem manifestações interdependentes na atividade hermenêutica. 32. Deste modo, a interpretação não se dá a partir da escolha de um critério, mas mediante um procedimento único em que o hermeneuta vai-se utilizar de todos os métodos, prevalecendo, de acordo com o caso concreto, um ou outro. É 30 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 524. 31 Contra: CANARIS. Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito 2 ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1996, p. 159. Segundo o festejado autor tedesco, há prevalência do método teleológico sobre os demais. 32 ENGISCH. Introdução ao Pensamento Jurídico. Trad. João Baptista Machado. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 145. 17

justamente por isso que Larenz evita falar em métodos, preferindo a expressão pontos de vista diretivos. 33 33. A pluralidade metodológica se revela por um procedimento de interpretação que parte do sentido literal possível oferecido pelo texto (elemento gramatical), e do contexto normativo em que a lei está inserida (elemento lógicosistemático). A utilização desses dois primeiros critérios oferece alguns resultados possíveis na pesquisa do sentido das expressões da lei. Entre estes, prevalece aquele que se coadune com a intenção reguladora do legislador histórico (elemento histórico), com os fins teleológico-objetivos oferecidos pelas estruturas materiais do domínio da norma e com princípios ético-jurídicos imanentes (elemento teleológico). Todo esse procedimento encontrará como limite o sentido literal possível do texto, em uma das possibilidades fornecidas pela própria lei. Ultrapassado esse ponto, não há que se falar mais em interpretação; tão-somente em integração ou desenvolvimento do direito para além da lei. 34 34. A partir da utilização dos vários pontos de vista diretivos, num cenário em que impera a pluralidade metodológica, a atividade de interpretação é resultado de um processo científico de pesquisa do sentido da norma. Sendo essa 33 De acordo com Larenz: não se trata de diferentes métodos de interpretação, como permanentemente se tem pensado, mas de pontos de vista metódicos que devem ser todos tomados em consideração para que o resultado da interpretação deva poder impor a pretensão de correção. Certamente que os diversos critérios, como o sentido literal, e também, freqüentemente, a conexão de significado da lei, deixam sempre em aberto diferentes possibilidades de interpretação; outros, freqüentemente, não funcionam porque, por exemplo, o entendimento da norma por parte do legislador histórico já não é possível constatar. Não raramente, necessita-se de uma ponderação de diferentes pontos de vista. (LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 450). 34 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 485 a 487. 18

pesquisa orientada por um sistema valorativo, composto por valores e princípios, são ineficazes as premissas interpretativas e as regras legais que oferecem critérios para a interpretação das leis. 35 35. A ineficácia dessas regras de interpretação se revela pela posição que tais normas ocupam dentro do sistema, devendo guardar compatibilidade com os valores e princípios imanentes ao caso concreto. Deste modo, ou bem tais regras constituiriam meras disposições declaratórias desses valores e princípios - o que raramente é possível, dada a fluidez desses que muitas vezes só vão ganhar concretude diante da norma a ser interpretada, ou acabariam por colidir com essas diretrizes axiológicas orientadoras da pesquisa do sentido da norma interpretada, padecendo, assim, de ilegitimidade. 36. Daí a impossibilidade de que sejam estabelecidas premissas de interpretação de qualquer lei, inclusive da lei tributária, seja ela de incidência, de imunidade, de isenção ou de alíquota zero. 37. Por outro lado, é bastante encontradiça na doutrina a classificação da interpretação, quanto a sua extensão, em restritiva ou extensiva. A maioria dos autores identifica haver interpretação restritiva quando o legislador diz mais do que pretende, cabendo então ao intérprete restringir a amplitude do texto que não traduz a intenção menos ampla do legislador. Dentro dessa mesma linha de pensamento, a interpretação 35 No sentido do texto LARENZ (Metodologia da Ciência do Direito, p. 455), ENGISCH (Introdução ao Pensamento Jurídico, p. 179) e TORRES, Ricardo Lobo (Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário, p. 276). 19

extensiva se dá quando o legislador diz menos do que pretende. Caberia ao intérprete, neste caso, aplicar a lei aos casos que, embora não contidos nas palavras do texto, estivessem de acordo com a intenção do legislador. 36 38. Em que pese a grande aceitação dessa distinção na doutrina, vale ressaltar a dificuldade de sua aplicação prática. Tal dificuldade se dá pelo ponto de partida por demais subjetivista que a classificação adota, pois quase sempre é problemática a verificação da intenção do legislador histórico, como se abordará ao longo deste estudo. 39. No entanto, a interpretação pode ser classificada como restritiva ou extensiva a partir de outro raciocínio, desenvolvido por Larenz. 37 De acordo com o autor, da ambigüidade das palavras utilizadas pelo legislador é possível se extrair um variável número de significados para cada conceito, a partir de uma interpretação do seu sentido literal possível. De cada conceito, podemos extrair um âmbito nuclear, representado pelo sentido que, em primeiro lugar, é utilizado na linguagem corrente. No 36 Nesse sentido, e por todos, vide Francesco Ferrara. Interpretação e Aplicação das Leis. 4.ed. Coimbra: Armênio Amado, 1987, pp. 149 a 151. 37 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 501-502: A meta última da interpretação não é a averiguação da vontade real do legislador histórico, mas averiguar o significado da lei que é hoje juridicamente decisivo. Decerto que este significado, como temos vindo sempre a sublinhar, tem porém que se situar adentro do âmbito de sentido possível do termo. Mas o sentido literal possível é, como sabemos, variável. De entre os diferentes significados há-de denominar-se estrito aquele que, em relação a outros possíveis, tem um âmbito de aplicação estrito; e amplo aquele que tem um âmbito de aplicação mais amplo. Tratando-se de termos que são tomados da linguagem corrente, o significado estrito identificar-se-á em regra com o denominado âmbito nuclear!, que é intencionado em primeiro lugar ao usar este termo; amplo é então aquele significado que, em maior ou menor extensão, compreende também fenômenos da franja marginal, que no uso linguístico em geral só algumas vezes se têm também em conta. O transcender da franja marginal, concebida de modo tão amplo quanto possível, já não seria interpretação, tal como o não seria a exclusão daqueles fenômenos que indubitavelmente se situam no âmbito nuclear. No primeiro caso só de poderia tratar de uma analogia; no segundo, de uma redução teleológica da lei. 20

entanto, em tal conceito ainda estão abrangidas outras acepções, só algumas vezes levadas em conta no uso lingüístico geral ou apenas utilizadas no uso especial. São os fenômenos contidos na chamada franja marginal do conceito. 40. O limite da franja marginal nos é dado pela interpretação extensiva. Além desta, não há mais que se falar em interpretação, mas integração do direito. Já a interpretação restritiva é aquela que coincide com o âmbito nuclear. Aquém deste também não há interpretação, mas redução teleológica da lei. 41. Por outro lado, muito se diz que as normas excepcionais devem ser interpretadas restritivamente, 38 e em relação a elas não caberia analogia. Em primeiro lugar, a pesquisa sobre o que seria uma regra excepcional não será bem sucedida ante a inexistência de um processo hermenêutico. Ademais, a máxima não pode ser aceita sem ponderações. A regra excepcional deve ser interpretada como qualquer outra, dentro do sentido literal possível. Assim, o legislador excepciona determinados casos da regra geral, a partir de uma ordem de validade negativa 39 cuja extensão pode ser interpretada como qualquer regra jurídica, desde que não esvazie a intenção legislativa contida na regra geral. No entanto, não deve o aplicador partir para a integração do texto, diante da inexistência de lacunas a serem preenchidas uma vez que, não estando o caso previsto na regra excepcional, estará inexoravelmente embutido na regra geral. 38 Por todos, vide: MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 227. 39 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 502. 21

42. Assim, é impossível estabelecer-se de antemão se determinada norma será interpretada extensiva ou restritivamente, pois a extensão do procedimento hermenêutico só será revelada após a sua conclusão, quando já tiverem sido aplicados todos os aspectos ou métodos de interpretação e enfim se puder verificar qual dos sentidos possíveis oferecidos pela literalidade do texto prevaleceu. 43. A despeito de constituírem-se em normas de não-incidência constitucionalmente qualificadas, sendo, portanto, normas excepcionais às regras de deferimento de competência tributária à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, as regras imunizantes também não devem ser interpretadas restritiva ou extensivamente sem o prévio conhecimento do texto de cada uma das normas que as veiculam, o contexto normativo em que elas se inserem e as realidades sociais que serão por elas reguladas, considerando toda a ambivalência das regras nelas inseridas. 44. Logo, a inexistência de metodologia específica para a interpretação das normas imunizantes obriga o interprete a, abandonando o conforto das premissas hermenêuticas, debruçar-se sobre o dispositivo específico do artigo 150, VI, d, CF para, efetuar a sua correta interpretação, a fim de investigar a sua aplicação em relação ao livro eletrônico. IV) A Imunidade do Art. 150, VI, d, CF e a sua Interpretação 22

45. O artigo 150, VI, d, CF estabeleceu imunidade tributária para o livro, o jornal, o periódico e o papel destinado a sua impressão. Sem paralelo no direito comparado, a imunidade foi introduzida pela primeira vez no Brasil pela Constituição de 1946, a partir do esforço do escritor, e então constituinte, Jorge Amado. De acordo com o dispositivo do art. 31, V, c, CF/46, era restrita ao papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros. A despeito do objetivo do grande romancista de estimular a cultura, o que estava do centro da sua argumentação, a partir do barateamento dos livros, jornais e periódicos, a Constituinte de 1946 objetivava com o dispositivo a proteção à liberdade de imprensa escrita que, bem recentemente, fora ameaçada pela ditadura do Estado Novo por meio não só da censura explícita, como também do contingenciamento da importação do papel, à época essencial para a produção desses veículos. 40 Garantida a liberdade de imprensa restariam tuteladas ainda a liberdade de pensamento e de opinião. Com as Constituições de 1967, 1969 e 1988, passaram a ser imunes não só o papel, mas os próprios produtos finais livros, jornais e periódicos. 46. Deste modo, embora muitos autores defendam que o fundamento da imunidade se revela pelo estímulo à cultura por meio do barateamento dos seus veículos, 41 entendemos que esse objetivo é acessório, uma vez que, como resta revelado pela interpretação histórica, a intributabilidade visa, precipuamente, a garantia da liberdade de pensamento e de difusão de informações por parte da imprensa escrita, que 40 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, p. 339. 41 Por todos: TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, Vol. III, p. 283, para quem o fundamento principal é o barateamento dos custos dos veículos culturais, ficando a liberdade de expressão em segundo plano. 23

poderia ser obstaculizada, como foi no passado, pela manipulação das regras tributárias sobre livro, jornal, periódico e o papel destinado à sua impressão. 42 A exata identificação desse fundamento histórico vai auxiliar à correta identificação de seus contornos materiais. 47. Ao contrário das imunidades previstas nas demais alíneas do artigo 150, VI, CF, esta é objetiva, ou seja, se refere aos impostos que incidem sobre as operações com livro, jornal, periódico e o papel destinado a sua impressão, e não àqueles que oneram os fatos geradores diretamente ligados à pessoa do contribuinte. Em conseqüência, pouco importa a identificação da figura do sujeito passivo. Todos aqueles que realizarem as operações imunes serão beneficiados com a intributabilidade constitucional. Aplica-se apenas aos impostos (e não tributos) que incidem sobre as operações imunes. Assim, não incidem sobre elas o ICMS na importação e venda dos produtos, o IPI na sua industrialização e importação, o II na importação, o IE na exportação e o ISS incidente sobre os serviços de confecção gráfica dos produtos. 43 Então, o que é imune são todas as operações com livros, jornais e periódicos, e o papel destinado a sua impressão, e não a livraria, a editora ou a empresa jornalística. Assim, 42 No sentido do texto, identificando a liberdade de expressão como fundamento da imunidade: COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 Sistema Tributário. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense: 1991, p. 180. Para Aliomar Baleeiro, tanto do objetivo cultural quanto a garantia da liberdade de imprensa servem de fundamento à imunidade. (BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. ed. Atualizada por Misabel de Abreu Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 339). 43 Contra o sentido do texto e pela incidência do ISS sobre os serviços de composição gráfica, com a inaplicabilidade da imunidade: STF, 1ª Turma, RE nº 230.782/S, Rel. Ilmar Galvão, DJU 10/11/2000, p. 104 24

incide o IR sobre os rendimentos auferidos pelas editoras, empresas jornalísticas, autores 44 etc., bem como o IOF sobre as suas operações financeiras. 48. Sendo baseada na liberdade de imprensa e de pensamento, não há restrição quanto ao conteúdo da publicação que, ainda que não atinja objetivos considerados legítimos pela cultura dominante, devem ser imunizados. Assim, são imunes as publicações de conteúdo pornográfico, 45 os livros que defendem idéias antidemocráticas, nazistas, racistas, ainda que sua publicação seja considerada criminosa, nos termos da Lei nº 7.716/89 (Lei Caó), que criminaliza o racismo, sujeitando os seus autores a sanções penais. Por mais odiosas que sejam tais publicações, a punição aos seus autores não tem o condão de afastar a regra imunizante, o que seria equivalente à criação de tributo por ato ilícito, além de permitir ao Estado fazer um juízo prévio do conteúdo da publicação, esvaziando a imunidade. Segundo o STF, são imunes ainda as apostilas 46 e álbuns de figurinhas. 47 49. Em relação às listas telefônicas não há razão para a imunidade, já que não se confundem com os livros, jornais ou periódicos. Porém, o STF, utilizando o argumento da utilidade pública, portanto estranho à liberdade de imprensa ou o fomento 44 A Constituição de 1946 previa no seu artigo 203: Nenhum imposto gravará diretamente os direitos do autor, nem a remuneração de professores e jornalista. O dispositivo não foi reproduzido pelas Constituições posteriores em nome da generalidade tributária a que se subordina o imposto de renda. 45 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, Vol. III, p. 294. 46 STF, 2ª Turma, RE nº 183.403/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 04/05/2001, p. 35. 47 STF, 2ª Turma, RE nº 339.124/RJ AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 20/05/05, p. 26. 25

à cultura, considerou, sem razão, a aplicação da imunidade, 48 ainda que haja publicidade paga. 49 No entanto, a Corte Maior nega direito à imunidade em relação a publicações de interesse meramente comercial, como folhetos e encartes publicitários, por não guardarem qualquer interesse relacionado à educação ou à cultura. 50 50. Em razão da sua origem histórica, vinculada à liberdade na importação do papel destinado à imprensa, a imunidade não se aplica a todos os insumos dos livros, jornais e periódicos, como as máquinas e tintas, mas somente ao papel destinado à impressão desses veículos. 51 Por isso, os demais insumos diversos do papel estão fora dos limites possíveis oferecidos pela literalidade do artigo 150, VI, d, CF. 51. Segundo o STF, em decorrência da imunidade do papel, são imunes ainda o papel fotográfico, que é destinado à impressão das fotos do jornal, bem como os filmes impressos destinados a registrar tais fotos. 52 V) A Extensão da Imunidade aos Livros Eletrônicos 48 STF, Pleno, RE nº 101.441/RS, Rel. Min. Sydney Sanches, DJU 19/08/88, modificando posicionamento anterior que negava imunidade às listas telefônicas (STF, 1ª Turma, RE nº 104.563, Min. Oscar Correa, DJU 05/09/86, p. 15.836). 49 STF, 2ª Turma, RE nº 199.183-6/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 12/06/98. 50 STF, 1ª Turma, RE nº 213.094-0/ES, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 15/09/99, p. 23. 51 STF, 2ª Turma, RE nº 273.308/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJU 15/09/200, p. 132. 52 STF, Súmula nº 657: A imunidade prevista no art. 150, VI, d, da CF abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos. Segundo o STF, são imunes, além do próprio papel destinado à impressão, os materiais a ele relacionados, com o papel fotográfico, inclusive para fotocomposição por laser, filmes fotográficos, sensibilizados, não-impressionados, para imagens monocromáticas, bem como o papel para telefoto (STF, 2ª Turma, RE nº 273.308/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJU 15/09/200, p. 132). 26

52. Com o avanço tecnológico, novas mídias escritas cumprem o papel que na sociedade industrial foi desempenhada pelo livro impresso na difusão de idéias e na profusão da cultura. É o advento da Era Pós-Guttenberg cujo desenvolvimento da liberdade do espaço cibernético fará com que a informação e a troca de idéias na internet não mais dependam da existência de empresas jornalísticas e editoras, e tampouco da liberdade imunizante oferecida pelo Estado. 53. No entanto, vivemos em numa fase de transição e ainda não nos libertamos da cultura tipográfica forjada em séculos de predomínio da Era Guttenberg. Nesse contexto, o livro eletrônico ou livro digital aparece como um elo perdido entre os dois momentos históricos, a partir da utilização da mídia eletrônica para veicular o conteúdo tradicionalmente associado ao livro. O mesmo fenômeno se dá com os jornais e periódicos. Em uma primeira fase dessa transição é comum que as editoras e empresas jornalísticas ofereçam o mesmo conteúdo por meio da mídia impressa e da mídia eletrônica, como ocorre nos dias atuais. Porém, em poucos anos, os livros, jornais e periódicos, embora muito parecidos com os seus antepassados atuais, não mais serão impressos. 53 A transição estará concluída quando não for mais possível distinguir o conteúdo oferecido pelas empresas jornalísticas em relação às matérias postadas na internet por todos os milhões de internautas da rede mundial de computadores, momento em que a liberdade constitucional não terá mais razão de ser ante a uma improvável tributação face à difícil remuneração pela circulação de idéias. 53 Como já se dá com o tradicionalíssimo Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro. 27

54. Porém, diante da incerteza sobre a velocidade dessas transformações e a conformação dos novos paradigmas, sobretudo em relação à forma de remuneração da obra intelectual e artística a circular na grande rede, a proteção constitucional dada aos livros impressos tem sido reivindicada pelos seus similares eletrônicos, o que vem despertando divergências doutrinárias, como vimos. 55. Nesse contexto de transição, e diante da ausência de critérios apriorísticos de interpretação, é necessário recorrer aos aspectos hermenêuticos específicos para elucidar o alcance da norma imunizante em questão. Como vimos, o procedimento hermenêutico inicia-se com o aspecto literal que, no caso em questão irá investigar se as publicações veiculadas pela mídia eletrônica se inserem nos sentidos possíveis da expressão livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. V.1) A interpretação literal do art. 150, VI, d, CF 56. O método literal ou gramatical busca o significado do termo ou de uma cadeia de palavras no uso lingüístico geral ou, se for possível constatar que essa foi a intenção do legislador, no uso especial conferido à expressão por outro ramo do direito ou até mesmo por outra ciência. 54 54 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 451. 28

57. É o primeiro método a ser utilizado pelo intérprete, e constitui ao mesmo tempo um limite à atividade interpretativa, pela definição do sentido literal possível da norma. Como vimos, sentido literal possível é tudo aquilo que nos termos do uso lingüístico que seja considerado como determinante em concreto, ainda que em circunstâncias especiais, pode ainda ser entendido como o que com esse termo se quer dizer. 55 58. No entanto, como a linguagem humana não é unívoca, e por isso nem poderia ser diferente a linguagem do legislador (seja a expressão utilizada em sentido geral ou especial), a interpretação literal dará ensejo a uma variedade de significados para os termos utilizados na norma, demandando do hermeneuta a utilização dos outros métodos. 59. A utilização do sentido lingüístico geral é mais comum, pois a norma é feita para ser compreendida por toda a sociedade, e não só pelos indivíduos mais cultos ou conhecedores da linguagem jurídica. No entanto, quando os termos obtiverem um significado específico em outro ramo do direito ou em outra ciência, este precederá ao uso comum, em nome do princípio da unidade da ordem jurídica, salvo se os outros métodos de interpretação apontarem em sentido contrário. 56 Deste modo, a existência de uma acepção especial para o conceito, muito embora quase nunca elimine a 55 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 454. 56 LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito., p. 485. No mesmo sentido do texto ENGISCH, Karl. (Introdução ao Pensamento Jurídico, p. 139) e FERRARA (Interpretação e Aplicação das Leis. 4.ed. Coimbra: Armênio Amado, 1987, p. 139). 29

existência de mais de uma possibilidade interpretativa, reduz o número de variantes possíveis, a serem resolvidas pelos outros métodos. 57 60. Por outro lado, o sentido literal possível, a partir das várias acepções que o texto interpretado possui, seja na linguagem comum, seja na linguagem especial, constitui o limite da atividade de interpretação. Ultrapassada a franja marginal dos conceitos, como vimos, temos a integração e a complementação do direito. Ou seja, a interpretação não pode ter como resultado outra solução que não um dos vários significados fornecidos pelas palavras empregadas pelo legislador. 61. Portanto, está ainda no campo da interpretação o resultado obtido pela escolha de uma acepção pouco usual do termo, só usada em situações particulares. É a chamada interpretação extensiva, como já tivemos oportunidade de examinar. 62. Assim, o limite entre a atividade de interpretação e a de integração está na fronteira demarcada pelo sentido literal possível, mas nem sempre identificada com facilidade na prática, entre a interpretação extensiva e a analogia. 63. Estabelecidas essas premissas, cumpre analisar a extensão da expressão livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. Dela são extraídos três veículos de difusão de idéias (livro, jornal e periódico) e um dos insumos utilizados na fabricação destes (papel). 57 LARENZ. Metodologia da Ciência do Direito.,p. 452. 30

64. No exame do aspecto literal, um critério a ser utilizado para distinguir as enumerações exemplificativas das que são taxativas nos é oferecido por Antonio Berliri, 58 em lição reproduzida por Amílcar Falcão. 59 Segundo esse critério, se o legislador utiliza-se de um conjunto de elementos aproximados entre si por um certo número de caracteres comuns, de forma que o todo seja composto por esse conjunto de características, temos uma enumeração exemplificativa. Ao contrário, quando não houver traço comum de identificação entre os vários elementos contidos na definição, prevalece o caráter taxativo. 65. Já tivemos oportunidade de apresentar como exemplo de enumeração taxativa, a partir da falta de identidade dos elementos que constituem o seu conteúdo, os bens imunizados pelo art. 150, VI, d, da Constituição Federal. 60 Ao lado dos aspectos histórico e teleológico 61 que recomendam a restrição da imunidade apenas ao papel, não sendo estendida a outros insumos, como a tinta ou às máquinas utilizadas na fabricação de livros, jornais e periódicos, resolvemos a questão por meio do método literal, a partir do mecanismo proposto por Berliri. Sendo o livro, o jornal e o periódico, veículos de comunicação e expressão de idéias, o papel destinado a sua impressão, como insumo 58 BERLIRI, Antonio. Principi di Diritto Tributário, Milano: Dott. A. Giuffré, 1952, p. 78. 59 FALCÃO, Amílcar de Araújo. Introdução ao Direito Tributário, p. 69. 60 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 103-104. 61 Quanto a esses, vide BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, p. 339 e segs. e TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol. III., p. 282 e segs. 31