Diretrizes Especiais para Regularização Urbanística, Técnica e Fundiária de Conjuntos Habitacionais Populares



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Diretrizes Especiais para Regularização Urbanística, Técnica e Fundiária de Conjuntos Habitacionais Populares Diretrizes Especiais para Regularização Urbanística, Técnica e Fundiária de Conjuntos Habitacionais Populares Nirce Saffer Medvedovski Universidade Federal de Pelotas-RS Faculdade de Arquitetura e Urbanismo 1 Introdução Apresentamos neste trabalho o resumo do Relatório Final do Projeto Desenvolvimento de Diretrizes Especiais para Regularização Urbanística, Técnica e Fundiária de Conjuntos Habitacionais Populares, Contrato 78980370.00, Referência 2779/97, desenvolvido com apoio da FINDCT/ FINEP e CEF, iniciado em fevereiro de 1999 e em fase de finalização. Seu objetivo é desenvolver uma metodologia de regularização aplicada a conjuntos habitacionais populares e que contemple não somente os habituais aspectos da questão da regularização jurídica e urbanística, mas também a regularização dos aspectos técnicos e de gestão da infra-estrutura e serviços urbanos. Nesta proposta serão enfocados os serviços de água e esgoto. O estudo de caso centra-se no Conjunto Habitacional Lindóia, em Pelotas-RS, um dos quatorze grandes conjuntos habitacionais promovidos pela COHAB-RS, sob a forma de Projeto Integrado, no final dos anos 70. Como estudo de caso comparativo, temos outro conjunto habitacional do mesmo processo licitatório, o Conjunto Habitacional Rubem Berta, que está com seu processo de regularização em curso desde 1995 e bastante avançado. Os dois conjuntos foram fruto de um processo de licitação que delegou à iniciativa privada a proposta de projeto urbanístico e arquitetônico, com abertura às novas tipologias e inovações tecnológicas. Ambos são representativos dos problemas de indefinição dos âmbitos do privado, do coletivo e do público nas questões de propriedade, uso e gestão. Este trabalho apresenta os resultados da pesquisa das atividadesfim de geração da base cartográfica e de bancos de dados, constituindo um Sistema de Informações Geográficas aplicado à regularização de conjuntos habitacionais e das três subáreas que são os objetivos específicos do trabalho. 149

SEMINÁRIO DE AVALIAÇÃO DE PROJETOS IPT 2 Justificativa Os conjuntos habitacionais populares apresentam múltiplos problemas de uso e manutenção e irregularidades não somente nos espaços coletivos, mas também na infra-estrutura que dá suporte à sua vida cotidiana. Construções irregulares não somente criam problemas de conforto, funcionalidade, segurança dos espaços coletivos exteriores, como também danificam, obstruem a manutenção das redes de água e esgoto. As recentes propostas de flexibilização das normas urbanísticas (MO- RETTI, 1997; OLIVEIRA, 1995) ou fundiárias (ALFONSIN, 1997) não trazem como preocupação compatibilizar uma regularização técnica com os aspectos legais e urbanísticos. Esta abordagem simultânea das três questões se faz urgente, ante os problemas de qualidade de vida, saúde e conforto da população e desperdício dos recursos públicos. A ausência de uma avaliação sistemática dos erros e acertos da atuação do estado e da comunidade científica, na produção do ambiente construído no Brasil, conduziu à repetição das soluções adotadas sem a conseqüente realimentação e melhoria da produção deste ambiente. Nos países desenvolvidos, a APO - Avaliação Pós-Ocupação vem sendo aplicada de modo interdisciplinar há mais de 25 anos. No Brasil, desde 1984, a APO vem sendo consolidada e aprimorada como atividade acadêmica de ensino e pesquisa em vários centros. Na UFPel, iniciouse a divulgação das atividades APO em 1994. Das primeiras pesquisas de Diagnóstico da Situação dos Conjuntos Habitacionais - Estudo de Caso para Pelotas-RS (1989/CNPq), evolui-se para uma abordagem mais interdisciplinar, envolvendo o pessoal técnico de saneamento dos organismos municipais. Junto ao Laboratório de Computação Gráfica da FAUrb-UFPel, procuramos introduzir os avanços da digitalização de informações gráficas na APO. A pesquisa realizada entre 1994 e 1998 Avaliação do Espaço Coletivo Exterior nos Conjuntos Habitacionais Populares - Um Estudo de Caso para o Sul do Rio Grande do Sul junto à FAUrb e que resultou na tese defendida junto ao curso de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, em 1998, foi o ponto de partida para a pesquisa ora relatada. Esta pesquisa visa desenvolver dentro da área de conhecimento do Ambiente-Comportamento e da área de conhecimento de Saneamento Básico uma metodologia apropriada para o diagnóstico, registro e análise de dados para regularização dos conjuntos habitacionais populares. A regularização de um conjunto habitacional, em países em desenvolvimento, passa necessariamente pela recuperação de sua infra-estrutura, pois a situação de modificação do projeto original pelos acréscimos em construções efetuadas pelos moradores altera definitivamente a performance de tais redes. 150

Diretrizes Especiais para Regularização Urbanística, Técnica e Fundiária de Conjuntos Habitacionais Populares O conjunto habitacional popular apresenta um espaço contínuo e indiferenciado, desconhecido da maior parte da população brasileira, que se localiza e se identifica com a rua, a praça e a cidade. Este espaço coletivo exterior dos conjuntos se contrapõe aos espaços privados da unidade habitacional e aos espaços públicos abertos à população de toda cidade. A indefinição espacial, bem como legal dos limites entre o público, semipúblico e privado, assim como a indefinição de competências sobre sua propriedade e manutenção, tem sido uma constante nestes ambientes urbanos. O abandono e a depredação destas áreas são a evidência maior do problema, como também a inadequada gestão das redes de serviços públicos. O agravamento do problema habitacional com o aumento da população urbana (75% da população brasileira está concentrada nos centros urbanos (IBGE - Censo 1991), bem como a desarticulação das políticas nacionais voltadas para a questão habitacional a partir da extinção do BNH, conduz à necessidade de avaliação e recuperação do patrimônio já existente. Certamente, novas linhas estão sendo traçadas para minorar o déficit habitacional, mas o investimento das décadas passadas deverá ser enfocado sob duas óticas complementares: 1. A gravidade do problema habitacional não nos permite descartar as soluções já existentes e a deterioração dos conjuntos habitacionais já edificados - tanto nas unidades habitacionais como nas condições do sítio que estas compartilham - deverá ser revertida. Trata-se não somente de um patrimônio material como de um patrimônio social de relações humanas consolidadas por mais de décadas. 2. A ausência de avaliações sistemáticas e da geração de indicadores normalizados de acertos e erros existentes no processo de produção vem originando no Brasil a repetição dos problemas em novos projetos, sem o conhecimento efetivo de sua origem. Nestas avaliações, além do conhecimento técnico, deverá ser verificada a intensidade com que cada espaço satisfaz as funções para qual foi projetado, e preenche as necessidades, percepções e expectativas de seus usuários, segundo seu ponto de vista. 3 Metodologia A pesquisa efetua ampla caracterização do objeto de estudo, buscando no histórico dos Projetos Integrados da COHAB a origem de seus problemas. Localiza o Conjunto Habitacional Lindóia quanto ao seu sítio e clima e o caracteriza quanto aos seus aspectos socioeconômicos. Como principal alimentador do banco de dados, é utilizada a APO - Avaliação Pós-Ocupação. Para esta pesquisa, foram diagnosticados as- 151

SEMINÁRIO DE AVALIAÇÃO DE PROJETOS IPT pectos técnico-construtivos, funcionais, econômicos e comportamentais do ambiente em uso, utilizando-se simultaneamente do ponto de vista dos técnicos (avaliadores) e projetistas, e inserindo com destaque o parecer dos usuários e clientes. No Relatório Final, os métodos e as técnicas empregados no decorrer da pesquisa são expostos, apresentando e discutindo a geração do Sistema de Informações Geográficas especialmente criado para a regularização urbanística, técnica e jurídica do estudo de caso. Os dados levantados referentes ao conjunto estão registrados em um Banco de Dados Geográficos, que vincula as informações a seus respectivos endereços, e possibilita constantes atualizações. As irregularidades podem ser visualizadas através de Mapas Temáticos e Gráficos específicos, assim como as propostas de regularização para o conjunto (Figura 1). Fonte: MEDVEDOVSKI (2001). Mapa de usos do solo: classificação das atividades levantadas nas unidades habitacionais (extrato dos mapas 04 e 05 - vol. 6). Figura 1 - Mapa de usos do solo - 1 o e 2 o pavimentos 4 Regularização Urbanística Este item tem por objetivo apontar, discutir e analisar irregularidades urbanísticas recorrentes em conjuntos habitacionais populares, apontando soluções específicas a um estudo de caso e recomendações genéricas. O tema da regularização urbanística foi primeiramente abordado através do estudo de caso do Conjunto Rubem Berta e de entrevistas com informantes qualificados (registro de imóveis, secretarias municipais, etc.). Para levantamento e análise do estudo de caso COHAB Lindóia, foram utilizados diversos métodos e técnicas, segundo os princípios metodológicos da APO - Avaliação Pós-Ocupação, como levantamento amostral por meio de questionário, levantamento cadastral do uso do 152

Diretrizes Especiais para Regularização Urbanística, Técnica e Fundiária de Conjuntos Habitacionais Populares solo e acréscimos. O IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano e o ISS - Imposto Sobre Serviços das unidades habitacionais foram também incorporados ao Banco de Dados. Introduziu-se a técnica do DRUP - Diagnóstico Rápido Urbano Participativo. As irregularidades urbanísticas são discutidas, considerando-se três enfoques principais: as ampliações irregulares das construções, a diversidade das atividades desenvolvidas no conjunto (que foi projetado para fins exclusivamente residenciais) e a definição dos limites entre público, coletivo e privado, viabilizando, assim, a definição da gestão sobre estes espaços. Nas propostas de regularização, são levantados, discutidos e avaliados os novos instrumentos urbanísticos à disposição, nos âmbitos municipal e estadual, tais como ZEIS e AEIS, Zonas ou Áreas Especiais de Interesse Social, recomendando-se sua aplicação como instrumento de regularização urbanística de conjuntos habitacionais e que se constituem em um importante aliado na regularização jurídica e técnica. As AEISs permitem uma flexibilidade maior nos padrões urbanísticos e técnicos aplicáveis a essas áreas, o que demonstra, de forma inequívoca, a centralidade desse gravame na regulação urbanística da cidade. 5 Regularização Técnica A metodologia para o levantamento das irregularidades técnicas de saneamento do estudo de caso Conjunto Habitacional Lindóia em Pelotas-RS, utilizou-se de levantamentos com informantes qualificados, levantamento cadastral das condições de saneamento, levantamento amostral por meio de questionário da satisfação com os serviços urbanos, bem como de informações secundárias sobre a inadimplência dos usuários junto à concessionária. Os diferentes temas tratados ou relacionados a esta pesquisa demonstram, em diversos momentos, que muitos aspectos da concepção do projeto de saneamento de água e esgoto do Conjunto Lindóia foram superados, diante da dinâmica de ocupação das unidades habitacionais. Esses critérios utilizados não previram uma ocupação intensa de espaços coletivos, bem como alterações clandestinas do projeto original ou, ainda, um uso do solo diferente do habitacional em diversas unidades. Destes aspectos projetuais, a área de saneamento tem, neste volume, uma análise mais profunda. Evidentemente, assim como muitas das atuais exigências, principalmente no que tange às questões ambientais, não vigoravam na época do projeto, da mesma forma a qualidade da execução das obras ou dos materiais empregados não foi avaliada de maneira sistêmica. Também 153

SEMINÁRIO DE AVALIAÇÃO DE PROJETOS IPT não poderiam ser imaginadas questões políticas que vieram a contribuir para a situação atual do conjunto, sabidamente deficitária em relação ao saneamento. Da mesma forma, as ocupações clandestinas que impedem a manutenção das redes são um fator fundamental que contribui para a situação atual e são um condicionante que, na época, dificilmente faria parte de qualquer concepção projetual. É de consenso por parte da equipe, que de toda a gama de questões que envolvem esta pesquisa, o problema do saneamento é o que atinge a população do Lindóia de forma mais contundente e cotidiana. Neste item, foram resgatadas as informações disponíveis sobre os critérios de concepção do projeto, que sofreram uma revisão minuciosa, tendo como base normas brasileiras para o tema, bem como a apresentação de diretrizes para que se chegue a uma solução satisfatória das questões vinculadas ao sistema de abastecimento de água e de esgotamento sanitário do Lindóia. Verificou-se o subdimensionamento do sistema de reservação, a indefinição das responsabilidades de gestão das redes, com graves conseqüências para o meio ambiente e a inadequação da aplicação do modelo de redes condominiais à tipologia habitacional em estudo. A solução da irregularidade técnica em saneamento propiciará significativos recursos ao poder público e à população residente. 6 Regularização Jurídica Embora o Brasil tenha, recentemente, produzido reflexões importantes sobre a questão das ocupações irregulares e as políticas de Regularização Fundiária, o foco das pesquisas tem se centrado na tipologia da favela, mas existe pouca literatura sobre a regularização de conjuntos habitacionais ocupados irregularmente. Sob o ponto de vista da dimensão jurídica do fenômeno, essa reflexão é ainda mais incipiente. A parca produção científica na área se deve, com certeza, à perplexidade dos juristas diante daquela que é a contradição chave para a interpretação jurídica desse problema urbano: a adoção da figura jurídica do Condomínio, Instituto de Direito Privado, próprio do Direito Civil, para lidar com um problema de Direito Público, mais especificamente de Direito Urbanístico. Recomenda-se, como conclusão desse item, que, para a construção de novos conjuntos habitacionais, seja evitada a figura jurídica do Condomínio, pela absoluta inadequação jurídica da mesma face à realidade urbanística dos conjuntos de baixa renda. A metodologia para o levantamento das irregularidades jurídicas do estudo de caso Conjunto Habitacional Lindóia em Pelotas-RS utilizouse de levantamentos com informantes qualificados, levantamento cadastral dos usos do solo e construções irregulares, levantamento amostral por meio de questionário, bem como de informações secundárias sobre 154

Diretrizes Especiais para Regularização Urbanística, Técnica e Fundiária de Conjuntos Habitacionais Populares a situação jurídica junto ao Cadastro Municipal, Registro de Imóveis e COHAB-RS. Participou do estudo como caso de controle o Conjunto Habitacional Rubem Berta em Porto Alegre-RS. A análise aqui encetada procura revelar que boa parte dos problemas enfrentados pelos moradores dessas tipologias habitacionais se deve à adoção, equivocada, desse instituto jurídico para proceder à regularização registrária do conjunto como um todo e das unidades habitacionais. Herança do liberalismo jurídico clássico, essa perspectiva não é capaz de responder aos problemas urbanos da virada para o século XXI. O estudo, no entanto, vai além e propõe alternativas de instrumentos urbanísticos e jurídicos para a regularização dos conjuntos habitacionais existentes, bem como a adoção de novos institutos e concepções para os projetos futuros, trazendo a matéria, em definitivo, para o campo do Direito Urbanístico, disciplina que deve evoluir no Brasil para que seja superada a urbanização de risco e as cidades se tornem mais justas e sustentáveis. É proposto um roteiro para regularização jurídica e especificadas as parcerias necessárias entre Registro de Imóveis e o Poder Público Estadual e Prefeituras Municipais para efetivação da regularização jurídica de conjuntos habitacionais. 7 Conclusões No decorrer da pesquisa, que pelo seu ineditismo possui forte cunho exploratório, foi necessário constituir uma nova subárea de interesse. Verificou-se que os aspectos de organização comunitária eram fundamentais para que o processo da regularização se instaurasse. Buscou-se, assim, novos parceiros para a pesquisa no Instituto de Sociologia e Política da UFPel e na METROPLAN - Fundação de Planejamento Metropolitano e Regional do Estado do Rio Grande do Sul, em convênio com a Sociedade Alemã de Cooperação Técnica - GTZ. As duas entidades estão apontando novos métodos e técnicas de levantamento de dados, diagnósticos e participação comunitária. Buscou-se também, sem sucesso, a parceria da COHAB-RS, em extinção, e da Secretaria Especial de Habitação do Estado. A constituição de um grupo interinstitucional de trabalho voltado à regularização do Lindóia, à semelhança do constituído para o Conjunto Habitacional Rubem Berta, unificando interesses de várias secretarias, tanto estaduais como municipais, era o objetivo da pesquisa. Entretanto, ante os interesses imediatos da COHAB-RS e da desarticulação da Prefeitura Municipal de Pelotas, tal grupo não se constituiu. Cabe ressaltar que a situação de irregularidade também suprime os moradores dos cadastros de tributação de impostos prediais e 155

SEMINÁRIO DE AVALIAÇÃO DE PROJETOS IPT territoriais, de água e esgoto, bem como do imposto relativo ao exercício de atividades. A irregularidade passa a ser um expediente para o não pagamento de taxas e impostos e, portanto, desejada e muitas vezes necessária para a permanência dos moradores no conjunto habitacional. A reversão dessa situação só se dará com a percepção da população de ganhos reais com o processo de regularização, com a efetiva incorporação da participação popular nesses processos de regularização dos conjuntos habitacionais. Fica claro assim, tanto do diagnóstico, quanto das propostas para a regularização, que a maior parte dos problemas experimentados por estas populações são, em verdade, problemas relacionados à gestão desses espaços. É preciso frisar que nenhuma das propostas aqui formuladas é passível de realizar-se sem a permanente participação das comunidades envolvidas. A melhoria das condições de saneamento, circulação, registro de propriedade das áreas ampliadas, melhorias nas condições de conforto ambiental são a contrapartida para que a população do conjunto habitacional queira passar da irregularidade para a regularidade. No Conjunto Habitacional Rubem Berta, esse processo ocorreu com a permanente assessoria comunitária e da implementação do OP - Orçamento Participativo. Novos pactos de gestão dos espaços e serviços urbanos estão sendo definidos ao longo do processo de regularização e a disponibilidade de um SIG - Sistema de Informações Geográficas poderá apoiar esta dinâmica e auxiliar na regularização efetiva de conjuntos habitacionais. 156