COMPARAÇÕES SOBRE O COMPORTAMENTO RACIONAL SEGUNDO A ABORDAGEM DE JEVONS E A TEORIA DO CONSUMIDOR PRESENTE NOS MANUAIS Jessyca Cordeiro Morier Mestranda HCTE-UFRJ jmorier@ufrj.br RESUMO O presente trabalho busca identificar de forma breve o conceito de racionalidade econômica presente nas ideias de William Stanley Jevons (1835 1882), um dos principais pensadores da economia neoclássica, e o conceito de racionalidade econômica do ponto de vista do consumidor em alguns dos principais manuais de teoria microeconômica de forma a estabelecer as relações entre a forma de expressar tais conceitos. Verificou-se que em ambos os casos há a presença de uma formalização matemática da Economia. PALAVRAS-CHAVE: Racionalidade; Jevons; Microeconomia Introdução Para entender questões recentes na área das ciências econômicas, uma vez que sua teoria tem se baseado em alguma noção de racionalidade desde a sua sistematização (ARROW, 1986), é importante conhecer como tal conceito foi formulado e o que ele representa para os economistas. 1 Sabe-se que o mainstream econômico é composto pela teoria neoclássica, que 2 teve como ponto de partida a chamada Revolução Marginalista dentre os quais um dos grandes nomes é William Stanley Jevons (1835 1882). Portanto, embora seja possível identificar a presença do conceito de racionalidade mesmo entre os economistas clássicos, o presente trabalho se propõe a revisar as ideias presentes na obra Teoria de Política Econômica (1871) de Jevons, pois este foi o livro que lhe conferiu a fama de um 1 Termo utilizado para denominar as principais teorias ensinadas nos cursos de graduação em Ciências Econômicas. 2 Mudança no modo de pensar da Economia a partir da introdução do conceito de utilidade marginal, onde a utilidade passa a ser medida pelo acréscimo de prazer gerado pelo consumo de uma unidade adicional de um bem. Nas palavras de Jevons: (...) Devemos agora fazer cuidadosamente a distinção entre a utilidade total proveniente de algum tipo de bem e a utilidade vinculada a qualquer porção determinada deste. (JEVONS, 1996, p. 74)
dos fundadores da teoria econômica moderna (MAAS, 1999). A finalidade do trabalho é comparar a racionalidade do agente econômico segundo as ideias do autor com a forma que o mesmo assunto é apresentado no modelo básico 4 presente em alguns dos principais manuais de microeconomia. 3 da teoria do consumidor Num primeiro momento o artigo explicitará as ideias presentes na obra de Jevons para depois introduzir brevemente a concepção de racionalidade de acordo com os manuais e, então, estabelecer as devidas relações. A racionalidade por William Stanley Jevons 5 Foi no utilitarismo hedonista de Jeremy Bentham (1748 1832) que Jevons se baseou como um ponto de partida de suas ideias a respeito da concepção da racionalidade econômica, para ele uma verdadeira teoria econômica deveria estar apoiada nos sentimentos de prazer e dor. (ZAFIROVSKI, 2008) Jevons afirma que (...) maximizar o prazer é o problema da Economia. (JEVONS, 1996, p. 69) e, portanto, são esses dois sentimentos que devem ser calculados por ela. O termo utilidade aparece em seu texto para designar a qualidade que torna um objeto capaz de conferir aos seres humanos esse sentimento de prazer e é com base nele que Jevons constrói sua teoria da utilidade. Nessa teoria, é ao se referir sobre a forma que os bens são distribuídos entre diversos usos que a racionalidade do consumidor pode ser observada: (...) a tendência inevitável da natureza humana é escolher o procedimento que parece oferecer a maior vantagem no momento. (...) O resultado geral é que um bem, se usado por um ser perfeitamente sábio, deverá ser consumido com uma produção máxima de utilidade. (JEVONS, 1996, p. 82) Além disso, por se tratar de uma ciência que lida com quantidades ele infere que é conveniente que a linguagem utilizada para explicar a Economia seja a matemática. 3 Embora a racionalidade do consumidor seja abordada segundo o modelo básico da teoria do consumidor, é importante observar que todos os três manuais apresentam tópicos dedicados à economia comportamental onde a proposição da racionalidade presente no modelo básico é questionada. 4 O trabalho usará como referência os seguintes manuais de microeconomia de Hal R. Varian (2006), Robert S. Pindyck & Daniel L. Rubinfeld (2010) e N. Gregory Mankiw (2005). 5 Segundo o qual a natureza dos seres humanos os colocava sob a influência de duas forças soberanas, o prazer e a dor, que seriam responsáveis por determinar as ações e escolhas dos seres humanos. (BENTHAM, 1789)
E, portanto, objetiva utilizar o cálculo diferencial para explicar tal ciência. Dessa forma, 6 tal obra introduziu o uso do cálculo na teoria econômica. Nas palavras do autor: Neste trabalho, tentei tratar a economia como um cálculo do prazer e do sofrimento, e esbocei, quase sem considerar opiniões anteriores, a forma que a ciência, tal qual ela me parece, deve enfim tomar. Há muito penso que ela, por lidar permanentemente com quantidades, deve ser uma ciência matemática no conteúdo, se não na linguagem. (JEVONS, 1996, p. 16) Dessa forma, além de afirmar que o ser humano distribui os bens entre diversos usos de acordo com a alocação que for lhe conferir o máximo de prazer no momento, Jevons (1996) se utiliza da mesma afirmação a partir de uma linguagem matemática. Pois, para ele, dizer que nenhuma alteração em uma distribuição seria capaz de conferir mais prazer a uma pessoa teria o mesmo sentido que dizer que um acréscimo de um bem geraria a mesma utilidade em quaisquer dos usos, de forma que: (...) Sejam u 1 e u 2 os acréscimos de utilidade que seriam obtidos respectivamente pelo consumo de um acréscimo do bem dos dois modos diferentes. Quando acaba a distribuição, temos necessariamente u 1 = u 2, ou, du no limite, temos a equação 1 du dx = 2 dy que é verdadeira quando x e y são iguais respectivamente a x 1 e y 1. Devemos, em outras palavras, igualar os graus finais de utilidade nos dois usos. (JEVONS, 1996, p. 82) Como esse método foi incorporado pela economia neoclássica, e sendo essa uma das correntes mais ensinadas nos cursos de graduação em economia, faz total sentido que esse seja o método adotado para explicar o conceito de racionalidade nos manuais. A racionalidade nos manuais Para observar como o modelo básico da teoria do consumidor é apresentado nos manuais de microeconomia, o presente trabalho utilizou como referência três importantes livros-texto sobre o assunto. São eles os livros: Microeconomia: conceitos 6 Embora Jevons tenha introduzido o cálculo diferencial como método para a teoria econômica, Bentham já utilizava a matemática como método, pois para o último a disposição de um conjunto se dá a partir da soma de todos os prazeres e todos os sofrimentos: (...) A Introduction to the Principles of Morals and Legislation de Bentham é inteiramente matemática na natureza do método. (...) (JEVONS, 1996, p. 37)
básicos de Hal R. Varian (2006), Microeconomia de Robert S. Pindyck & Daniel L. Rubinfeld (2010) e Princípios de microeconomia de N. Gregory Mankiw (2005). Em todos os três manuais o consumidor é apresentado como um agente econômico que busca maximizar sua utilidade. Para atingir esse objetivo o agente ordena as cestas de consumo disponíveis de forma a identificar aquelas que são capazes de lhe fornecer um maior nível de bem-estar. E como critério para tal ordenação faz uso de sua racionalidade que é apresentada nos manuais sob a forma de preferências do consumidor: Para explicarmos a teoria do consumidor, perguntaremos se os consumidores preferem uma cesta a outra. (...) (PINDYCK & RUBINFELD, 2010, p. 63) (...) Se você oferecer ao consumidor duas combinações diferentes, ele escolherá aquela que melhor atenda a suas preferências. (...) (MANKIW, 2005, p. 456) Suporemos que, dadas duas cestas de consumo quaisquer, (x1, x2) e (y1, y2), o consumidor poderá classificá-las de acordo com o grau de desejabilidade que cada uma delas tenha para ele. (...) (VARIAN, 2006, p. 37) Essas preferências podem ser representadas graficamente através das curvas de indiferença. Essas curvas representam todas as combinações de bens que fornecem o mesmo nível de satisfação a um consumidor. Em outras palavras, todas as cestas de consumo pertencentes a uma mesma curva de indiferença trazem o mesmo nível de satisfação ao consumidor. Figura 1: As preferências do consumidor Nota. Fonte: Mankiw, N. G. Princípios de microeconomia. Tradução Allan Vidigal Hastings. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005, p. 456
A figura 1 mostra a representação de duas curvas de indiferença, que foram chamadas de I 1 e I 2. A partir dessa representação é possível observar uma das propriedades importantes acerca das preferências do consumidor que é a de que, considerando que todos os bens são desejáveis, os consumidores sempre vão preferir cestas de mercadorias que possuem quantidades maiores de cada bem do que aquelas que possuem quantidades menores. (PINDYCK & RUBINFELD, 2010) Sendo assim, o consumidor prefere cestas de consumo que estejam localizadas em curvas de indiferença mais altas. Então, no caso do gráfico 1 o consumidor prefere cestas localizadas na curva I 2 a cestas localizadas na curva I 1. A isso, Pindyck & Rubinfeld (2010) acrescentam que tal propriedade é adotada por simplificar a análise gráfica, ou seja, a adoção dessa propriedade se faz por motivos didáticos. Uma vez que o consumidor é indiferente a todas as combinações de bens que façam parte da mesma curva de indiferença é possível medir a quantidade de uma mercadoria que o consumidor está disposto a trocar por uma unidade adicional da outra 7 mercadoria. Essa medição recebe o nome de Taxa Marginal de Substituição (TMS) que corresponde a inclinação da curva de indiferença em um determinado ponto. Figura 2: Taxa Marginal de Substituição (TMS) Nota. Fonte: Varian, H. R. Microeconomia: conceitos básicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. p. 51 7 Nos livros de Pindyck & Rubinfeld (2010) e Varian (2006) a Taxa Marginal de Substituição é abreviada como TMS enquanto no livro de Mankiw (2005) é abreviada como TMgS.
A figura 2 mostra a razão que define a TMS. Nela temos dois bens, x 1 e x 2. Assim supondo que o consumidor perca uma pequena quantidade do bem 1, variação essa representada por x 1, e receba em troca uma quantidade do bem 2 suficiente para mantê-lo na mesma curva de indiferença, variação representada por x 2. Se o consumidor troca x 2 por x 1 e continua com o mesmo nível de satisfação anterior a troca, x a razão 2 x medirá a Taxa Marginal de Substituição do bem 2 pelo bem 1. 1 A utilidade nos manuais por sua vez é descrita apenas como um modo de descrever as preferências. Em Varian (2006) se vê que a função utilidade é uma forma de atribuir valores numéricos para as cestas de consumo, onde as cestas preferidas pelo consumidor recebem números maiores que aquelas que são menos preferidas. Em Mankiw (2005) a utilidade é descrita como sendo estritamente relacionada às curvas de indiferença. Dessa forma, curvas de indiferença mais elevadas proporcionam um maior nível de utilidade para o consumidor. Assim: A utilidade marginal de qualquer bem é o aumento de utilidade que o consumidor obtém de uma unidade adicional do bem em questão. (...) [Então] A taxa marginal de substituição entre dois bens depende de suas utilidades marginais. (...) de maneira mais geral a taxa marginal de substituição (e, portanto, a inclinação da curva de indiferença) é igual à utilidade marginal de um bem divida pela utilidade marginal de outro bem (MANKIW, 2005, P.462) Sendo assim, a TMS corresponde a razão das variações dos bens 1 e 2, ou seja, x 2 T MS = x1 e também corresponde a razão das utilidades marginais (UMg) dos bens T MS UMg = x2 UMgx1. Sabendo que a utilidade marginal mede (...) a satisfação adicional obtida pelo consumo de uma unidade adicional de determinado bem. (...) (PINDYCK & RUBINFELD, 2010, p. 87), então ela pode ser representada pela razão entre a taxa de variação na utilidade ( U) e a pequena variação na quantidade do bem ( x n ). Assim, U U tem-se que UMg x1 = x1 e UMg x2 = x2. Nota-se, então, que essa descrição da escolha do consumidor utiliza como método explicativo para o modelo básico da teoria do consumidor o cálculo diferencial. Isso, juntamente com a própria formulação do modelo com base em uma teoria da utilidade, evidencia a influência do pensamento de Jevons no modelo.
Conclusão O presente texto teve como objetivo comparar a forma como algumas das questões do modelo básico da teoria do consumidor são apresentadas nos manuais de teoria microeconômica com as ideias de William Stanley Jevons em seu trabalho A teoria da economia política publicado em 1871 com a intenção de identificar a influência das ideias do autor no modelo em questão sem a pretensão de esgotar os temas. Ao comparar o modelo básico da teoria do consumidor nos três manuais, pôde-se observar que todos os três abordam o problema da racionalidade de maneira muito parecida através das preferências do consumidor. Outra observação importante é que o modelo segue o método proposto por Jevons em 1871 de utilizar o cálculo diferencial para explicar a teoria econômica. Além disso, é possível perceber que as ideias de Jevons sobre a racionalidade do ser humano que consistem na busca pelo sentimento de prazer através do consumo de mercadorias, onde o individuo procura obter a maior quantidade de prazer possível em troca da menor quantidade dor. Ou seja, a idéia de que o ser humano busca maximizar sua utilidade, não só continuam presentes na atualidade como fazem parte da base para a formulação do modelo básico da teoria do consumidor no qual a utilidade é usada para atribuir valores quantitativos as preferências dos consumidores. REFERÊNCIAS ARROW, K. J. Rationality of Self and Others in an Economic System. Journal of Business, v. 59, nº 4, pt. 2: The Behavioral Foundations of Economic Theory, pp. S385-S399, 1986. BENTHAM, J. An introduction to the principles of morals and legislation. 1. ed. London, 1789. JEVONS, W. S. A teoria da economia política. Tradução Claúdia Laversveiler de Morais. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Coleção Os Economistas). MANKIW, N. G. Princípios de microeconomia. Tradução Allan Vidigal Hastings. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.
MASS, H. Mechanical Rationality: Jevons and the Making of Economic Man. Studies in History and Philosophy of Science, Vol. 30, No. 4, pp. 587 619, 1999 PINDYCK, R S & RUBINFELD, D. L. Microeconomia. 7. ed. Tradução Eleutério Prado, Thelma Guimarães e Luciana do Amaral Teixeira. São Paulo: Pearson, 2010. VARIAN, H. R. Microeconomia : conceitos básicos. 7 ed. Tradução Maria José Cyhlar Monteiro e Ricardo Doninelli. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. ZAFIROVSKI, M. Classical and neoclassical conceptions of rationality: Findings of an exploratory survey. The Journal of Socio-Economics v. 37, pp. 789 820, 2008.