O COMPLEXO UNIVERSO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA



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CAPA

O COMPLEXO UNIVERSO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA Organizadores Maria Taís de Melo Fernando José Spanhol Maritê Inez Argenta 1ª edição Palmas - TO Unitins 2012

GOVERNO DO ESTADO DO TOCANTINS Governador José Wilson Siqueira Campos Secretário de Educação Danilo de Melo Souza FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DO TOCANTINS Reitor Joaber Divino Macedo Vice-Reitor Fernando José Spanhol Pró-Reitora Pró-Reitora de Pró-Reitor de Graduação Extensão e Pós-Graduação de Pesquisa Denise Sodré Dorjó Fátima Ribas Joseano Carvalho Dourado Coordenação editorial e revisão linguístico-textual Silvéria Aparecida Basniak Schier Projeto gráfico e capa Rogério Adriano Ferreira 613.8 C736 O complexo universo da dependência química / organização de Maria Taís de Melo; Fernando José Spanhol; Maritê Inez Argenta; autores, Deyse Silvia Botelho Barbosa... [ et al. ]. 1. ed. Palmas: Editora UNITINS, 2012. 120 p.; 21x14,8 cm. ISBN 978-85-89102-38-4 1. Dependência química. 2. Drogas. I. Fundação Universidade do Tocantins. II. Melo, Maria Taís de. III. Spanhol, Fernando José. IV. Argenta, Maritê Inez.

APRESENTAÇÃO O tema dependência química tem despertado atenção e está no cerne de debates e pesquisas na área da saúde, pois o uso de substâncias químicas traz inúmeras consequências, como traumatismos, lesões neurológicas, tumores e transtornos mentais. Todos os profissionais da saúde, da educação e de áreas afins, no exercício de suas atividades, terão, em alguns momentos, contato com usuários que apresentam transtornos decorrentes da dependência química. Entretanto poucos profissionais são capacitados para o atendimento desses usuários durante sua formação acadêmica e não se sentem capazes de realizar diagnóstico e de atuar em ações preventivas nessa área. O resultado desse processo acaba sendo o paciente tratado das complicações secundárias ao uso de substâncias psicoativas. Com isso, as causas primárias acabam sendo negligenciadas, e, consequentemente, o paciente não recebe orientação adequada para o seu processo de tratamento. Pelo exposto, torna-se necessária a capacitação adequada de profissionais a fim de que possam prestar ao usuário e a seus familiares um tratamento com eficiência e eficácia. Acredita-se que o acesso à construção de novos conhecimentos é uma forma de prevenção e de incentivo ao tratamento. Sabe-se que, se já é difícil o acesso à informação qualificada aos profissionais da saúde mental que lidam diretamente com essa problemática, mais inacessível é ainda para os outros profissionais, principalmente os educadores. Partindo dessa premissa, em 2010, no município de São José em Santa Catarina, iniciou-se o projeto Prevenção à Dependência Química, que realizou, como primeira ação, um curso de aperfeiçoamento em dependência química, com carga horária de 180 horas, no maior hospital público de Santa Catarina, o Hospital Regional de São José-Homero de Miranda Gomes. Na sequência, foram realizados cursos com trezentos profissionais da educação do município de São José e duzentos do município de Palhoça. Também houve capacitação de toda a rede de saúde de São José, mais de setecentos profissionais. Esse trabalho foi realizado com a parceria da Associação de Amigos do Hospital Regional (AAMHOR), da Receita Federal de Santa Catarina e das prefeituras de São José e Palhoça com a coordenação do Instituto para Formação Continuada em Educação (IFCE). 5

Em 2011, a Fundação Universidade do Tocantins (Unitins) entrou nesse consórcio pela vida e ofereceu o curso em sete municípios de Santa Catarina e sete do Tocantins. Para 2012, almeja levantar recursos para implantá-lo em seus 257 polos no Brasil. Esta coletânea é fruto do trabalho realizado durante esses três anos do projeto de extensão e está dividida em três partes: em um primeiro momento, são apresentados trabalhos de alunos do curso de Aperfeiçoamento em Dependência Química do Hospital Regional de São José (SC). Na segunda parte, expõem-se relatos da experiência do curso em SC e no Tocantins. Na terceira parte, apresentam-se dois relatórios de pesquisa elaborados por alunos da Unitins. Com essa metodologia articulam-se, nesta obra, as Pró-Reitorias de Ensino, Pesquisa e Extensão. Maria Taís de Melo Coordenadora do curso de Prevenção à Dependência Química 6

SUMÁRIO PARTE I Artigos de alunos do curso de Aperfeiçoamento em Dependência Química - Hospital Regional de São José - SC Cuidando do cuidador: uma proposta de intervenção nas equipes multiprofissionais nas comunidades terapêuticas...11 Do prazer à dor: a trajetória de buscas e perdas no universo da dependência química...16 Representação social do alcoolismo evidenciado nos atendimentos do Serviço Social...24 Uso de morfina por profissionais da Saúde...31 Cocaína como desencadeante do infarto agudo do miocárdio...37 PARTE II Relatos do projeto de extensão Prevenção à Dependência Química desenvolvido em Santa Catarina e no Tocantins Relato do projeto piloto em Santa Catarina...45 A articulação do ensino, da pesquisa e da extensão na construção de uma política social no combate à dependência química...55 PARTE III Relatórios de pesquisa realizados por alunos do curso de Serviço Social EaD da Fundação Universidade do Tocantins Relatório do polo de Joinville - SC...80 Relatório do polo de Criciúma - SC...106 7

Parte I Artigos de alunos do curso de Aperfeiçoamento em Dependência Química - Hospital Regional de São José - SC 8

CUIDANDO DO CUIDADOR: UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO NAS EQUIPES MULTIPROFISSIONAIS NAS COMUNIDADES TERAPÊUTICAS Deyse Silvia Botelho Barbosa Resumo Dado às peculiaridades do processo de cointernação dos cuidadores em Comunidades Terapêuticas e por representarem um grupo quase sempre com muitas demandas internas e pessoais a serem resolvidas em seus próprios tratamentos e/ou após a eles, este artigo pretende abordar reflexões de como melhor assistir os cuidadores nas Comunidades Terapêuticas. O objetivo é que eles possam reafirmar seus propósitos de abstinência e ter melhor qualidade de vida, visando à administração das frustrações e das interdições de forma que não lhes cause instabilidades e retrocessos ao propósito de abstinência. Além disso, o artigo descreve estratégias para tratamento para dependentes de substâncias psicoativas no modelo da Comunidade Terapêutica, bem como reflete sobre programas de assistência e apoio aos cuidadores de tal forma que lhes viabilizem melhor qualidade de vida, desenvolvimento pessoal, profissional e emocional. Palavras-chave: Comunidade Terapêutica, cuidadores, abstinência e qualidade de vida. Introdução Segundo Marlatt (1999), a maioria das Comunidades Terapêuticas absorve como cuidador de dependentes químicos outros dependentes em processo de recuperação que passaram pelo processo de tratamento e reabilitação semelhante e estão abstinentes. Essas pessoas trazem de suas trajetórias experiências múltiplas, ricas e contextualizadas que muito servirão para respaldar as atividades propostas nos 9

programas de tratamento. Por outro lado, em função das condições de trabalho com jornadas ininterruptas, nível de exposição a situações de desgaste e dinâmicas que muito lembram os momentos difíceis do seu próprio tratamento, ressalta-se a importância de serem assistidos psicologicamente para que os fatores externos não coloquem em risco o tratamento daqueles que estão aos seus cuidados, como também deles próprios. Marlatt (1999) descreve que, mesmo desfrutando de descansos e folgas regulares, durante o período em que estão assistindo os internos, muitos dos cuidadores se institucionalizam, ou seja, fazem da Comunidade Terapêutica sua única opção de rede social, privando-se do mundo real e vivendo 24 horas confinados nesse espaço com receio de retomar suas vidas. Este artigo tem como principal objetivo descrever estratégias de cuidados e atendimentos psicológicos aos cuidadores de dependentes de substâncias psicoativas no contexto da Comunidade Terapêutica, visando a melhorar sua prática profissional e sua qualidade de vida. Além disso, objetiva viabilizar a elaboração de procedimentos metodológicos junto aos cuidadores que ampliem sua capacidade de tomada de decisões e assertividade, fomentando a importância do acompanhamento de cuidadores de dependentes químicos, suas relações com os outros integrantes da Equipe Multidisciplinar e suas relações com as pessoas atendidas na Comunidade Terapêutica. 10 Cuidando do cuidador Nas Comunidades Terapêuticas, a base do atendimento está nos saberes e nas práticas coletivizadas, integradas e consolidadas a partir de propostas de trabalhos organizados na integralidade das ações. Por isso Comunidades Terapêuticas quase sempre diferem de outros espaços terapêuticos. Totugui (2003) relata que há uma sobrecarga psíquica enfrentada pelos cuidadores, com visíveis desgastes emocionais, físicos e funcionais mais intensos advindos das longas jornadas de trabalho. O autor ainda comenta que o fato de se concentrar quase sempre em uma única pessoa (pela falta de pessoal técnico especializado) a instância capaz de resolver inúmeras demandas, às vezes muito complexas e diversificadas, aliadas a impactos emocionais conflituosos e jornadas de trabalho intenso, faz dos cuidadores de Comunidades Terapêuticas pessoas

com níveis de estresse muito elevado. A convivência diuturnamente com aqueles a quem assistem traz a necessidade de ajuda terapêutica, pois de fato esses colaboradores se desgastam continuamente fazendo com que essa exposição prolongada seja um fator de risco relevante a si próprio, à equipe técnica desses espaços, bem como a todos os assistidos. É de fato uma cointernação e, por isso, traz uma infinidade de situações quase sempre densas em problemas de toda ordem e de níveis de gravidade elevados, o que precisa ser repensado. Assim, uma proposta de programa de assistência a cuidadores de Comunidades Terapêuticas se faz necessário, pois visa à melhoria do desempenho profissional. Nesse sentido, há necessidade de ampliação dos saberes técnicos, metodológicos e administrativos, como também assistência psicológica sistematizada, o que permitiria a apropriação de condutas conciliatórias e mediadoras aliadas à melhor divisão de tarefas e à diminuição da sobrecarga psíquica. A partir dessa proposta, é necessário inserção de outros profissionais de diferentes formações à equipe responsável pelo processo de assistência a dependentes químicos e a possibilidade de garantir a preservação e a ampliação da qualidade de vida desses colaboradores. Colaboradores desses espaços terapêuticos alternativos também buscam pautar suas ações terapêuticas na qualidade técnica, na eficiência e na ética, sem abrir mão do acolhimento, do respeito e da solidariedade a cada uma das pessoas que buscam nesses centros o restabelecimento integral de sua vida focada na funcionalidade e na melhoria de qualidade vida. Assim, faz-se necessário que os gestores das Comunidade Terapêutica atendam à demanda dos cuidadores de tal forma que os afazeres técnico-administrativos e cuidados pessoais, mesmo em diferentes contextos do tratamento possam encontrar respaldo de tal sorte que resulte na viabilização de melhorias técnicoprofissionais, éticas e humanas focadas na ampliação e na consolidação da qualidade de vida pessoal e profissional. Faz-se necessário que se levantem e se analisem questões relevantes no exercício das atividades do cuidador de dependentes químicos no contexto das Comunidades Terapêuticas, para que se amplie a capacidade de tomada de decisões, sua assertividade e qualidade de vida. A elaboração de procedimentos psicoterapêuticos em atendimento aos cuidadores de dependentes químicos pode contribuir para melhoria 11

não só de seu desempenho e de sua eficiência, mas também da qualidade de vida. Programas de atendimentos a cuidadores poderiam oferecer um suporte suplementar que visaria ao fortalecimento de suas resiliências, respaldando o enfrentamento dos desafios diários próprios desse espaço. Ao sugerir-se o acompanhamento psicológico aos cuidadores por meio de atividades psicoterápicas voltadas às questões relacionadas ao desempenho profissional, à tomada de decisões, à assertividade, bem como assistência à melhoria da qualidade de vida desses indivíduos, quer-se viabilizar minimização em sua sobrecarga psíquica e possibilidade de melhoria da assistência que prestam aos internos nesse contexto. Ressalta-se também a importância da possibilidade de ampliação da capacidade de resolução de problemas de todas as ordens no contexto de suas vidas pessoais, profissionais, familiares e sociais. Paralelamente a essas ações psicoterápicas, sugere-se a formulação de um programa de educação continuada relativo às várias facetas da dependência química, o que ampliaria o entendimento sobre elementos importantes nem sempre tão claros, como: alterações psicológicas, neurológicas e comportamentais de dependentes químicos no curso da dependência e nos processos de abstinência; estudo ampliado das comorbidades psiquiátricas relacionadas à dependência química e às formas de intervenção incluindo as várias abordagens psicológicas e farmacológicas; estudo dos mecanismos de defesa e das formas de desmobilização; estudo dos processos de ampliação da motivação para o tratamento e para a manutenção da abstinência; abordagem de redução de danos e da prevenção à recaída. Segundo Marlatt (1999), as Comunidades Terapêuticas vêm respondendo a uma pluralidade de necessidades. O autor ainda afirma que apenas a intervenção ou a recuperação do corpo biológico não têm respondido de forma plena às necessidades de saúde, pois vão além e demandam por uma atenção que leve em conta a integralidade do ser humano, a qualidade de vida e a promoção da saúde. 12 Considerações finais A necessidade de ações de atendimentos dirigidos a cuidadores internos em Comunidades Terapêuticas, de tal forma que os ajudem na realização de suas tarefas cotidianas, ao mesmo tempo que permitam

a ampliação da capacidade de tomada de decisão e assertividade ao lidarem com situações diárias próprias desse espaço, ficou evidenciada no decorrer deste artigo. Conclui-se que essa situação ocorre porque a maioria dos cuidadores fica imersa no ambiente terapêutico de alta tensão, por longas e exaustivas jornadas de trabalho e exposta a inúmeras e diversificadas demandas. Conclui-se ainda que essas ações devem incluir acompanhamentos psicológicos por meio de atividades psicoterápicas voltadas às questões relacionadas ao desempenho profissional e pessoal, possibilitando a minimização da carga de sofrimento psíquico e, consequentemente, a redução do nível de estresse e ansiedade. Essas ações podem resultar na melhoria da assistência que prestam aos internos, bem como facilitar a resolução de problemas no contexto da vida pessoal, profissional, familiar e social. Outro aspecto relevante observado é a necessidade de atualização constante das várias facetas e abordagens da dependência química. A elaboração de um programa de formação continuada viável e possível de ser sistematizado em Comunidades Terapêuticas poderia ser uma preocupação e um ponto de honra para gestores e terapeutas. Isso de fato poderia resultar em melhoria do desempenho funcional e técnico desses operadores, bem como revisões, ampliações e melhorias contínuas do processo de tratamento nesse espaço terapêutico. Referências MARLATT, G. A. Redução de danos: estratégias práticas para lidar com comportamentos de alto risco. Trad. Daniel Bueno. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. TOTUGUI, M. L. Visão histórica e antropológica do consumo de drogas. In: BUCHER, R. O. (Org.). As drogas e a vida: uma abordagem biopsicossocial. São Paulo: CORDATO-EPU, 2003. 13

DO PRAZER À DOR: A TRAJETÓRIA DE BUSCAS E PERDAS NO UNIVERSO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA Salete Laurici Marques Dias Resumo Este artigo trata dos fatores que favorecem a aproximação de indivíduos a substâncias psicoativas e da trajetória de perdas vivenciadas quando o uso continuado torna-se um quadro de dependência química. Os objetivos são levantar os facilitadores de acesso ao consumo, demonstrar o conjunto de dificuldades e/ou perdas que o dependente químico experimenta em sua vida social e familiar, bem como abordar as possíveis formas de tratamento em dependência química. A abordagem é feita por meio de uma pesquisa bibliográfica aliada à experiência profissional da autora. Palavras-chave: dependência química, perdas, tratamento. 14 Introdução A dependência química é um tema possível de ser abordado sob diversas nuances. Neste artigo, buscaremos refletir sobre o que leva a pessoa a buscar e introduzir o uso das substâncias psicoativas em sua vida, conceituar os estágios do uso até a dependência e demonstrar o conjunto de perdas no aspecto da saúde, da vida social e familiar do dependente químico. Abordaremos ainda as linhas de tratamento à dependência e as dificuldades de acesso ao tratamento. Este estudo foi feito a partir de uma pesquisa bibliográfica, procurando contribuir com os demais profissionais da área. Enquanto profissional da Saúde e atuando como assistente social na emergência geral de um hospital público de grande porte, é comum o contato e a abordagem com pessoas envolvidas com a dependência química. Essa experiência leva-nos a perceber que essas pessoas trilham caminhos semelhantes: seja na fase da aproximação e do encantamento com as substâncias psicoativas, no tempo que levam mascarando o

seu uso como se fosse algo que não lhes trouxesse maiores danos, ou quando se percebem dependentes já estão vivenciando problemas físicos, emocionais, familiares e sociais de difícil resgate. O que motiva o ingresso no consumo de drogas Por que tantas pessoas de diferentes faixas etárias e cada vez mais cedo se deixam seduzir pelo álcool, pelo tabaco, por outras drogas ilícitas ou por medicações que causam dependência? O que o usuário busca? Que ganhos se podem obter com o uso? Há elementos facilitadores do uso no estilo de vida atual? A aproximação com as drogas começa com a experimentação início do uso que pode ser uma curtição com os amigos, pela simples banalização do uso (como o caso do álcool, que é servido livremente em festas e confraternizações familiares), por comportamento aprendido (quando o uso é padrão familiar), ou até por prescrição médica, no caso das medicações que causam dependência. É evidente que nem todas as pessoas que experimentam drogas tornam-se dependentes. Entre a experimentação e a dependência, há um processo em que o indivíduo passa a fazer uso repetido, desenvolve tolerância 1, até estabelecer um comportamento compulsivo de consumo. A grande armadilha é que, para se tornar dependente, não há um tempo certo ou uma quantidade limite de consumo preestabelecido, e não raro indivíduos que já desenvolveram um padrão abusivo do uso de substâncias psicoativas creem, fantasiosamente, que podem parar a qualquer momento, sem qualquer sofrimento ou complicação, retardando a percepção de si mesmos como dependentes. A ciência já provou que droga é fonte de prazer, e talvez seja esse o principal motivo de aproximação e encantamento. As substâncias psicoativas geram reações no sistema nervoso central que libera sensações de prazer ao indivíduo. No relato de dependentes químicos que já tiveram suas vidas arrasadas pelo consumo compulsivo de drogas, fica evidente que os curtos momentos de prazer proporcionados pela droga é um preço muito alto na relação custo-benefício, em que a droga gera um prazer momentâneo em troca de uma escravidão permanente. 1 Tolerância é a necessidade de doses crescentes de uma determinada substância psicoativa para alcançar efeitos originalmente obtidos com doses mais baixas. 15

A sociedade atual tem sido marcada por grandes revoluções sociais e tecnológicas, como se a rotação da terra tivesse sido acelerada. Na vida social, mudanças significativas ocorreram nas relações de trabalho, na configuração e no funcionamento familiar, exigindo do indivíduo adaptações e estabilidade para experienciar conflitos, competitividade, frustrações e estresse. Tudo isso são elementos a serem pontuados na discussão sobre a dependência química. Diante desse panorama, a utilização de drogas pode manter-se na vida das pessoas como um meio de fuga da realidade, ou anestesiante das situações de estresse. Pode inclusive estar associada a enfermidades como depressão ou outros transtornos psiquiátricos, causando comorbidade 2 ou simplesmente motivada pelo sentimento de inabilidade que o indivíduo atribui a si mesmo diante das dificuldades do dia a dia. Evidentemente, nessa segunda possibilidade, o indivíduo percebe que a utilização da droga em nada lhe auxilia na resolução dos problemas, mas pode possibilitar-lhe um caminho de fuga. 16 A dependência gerando perdas Ingressar no caminho da dependência química é como montar um álbum de figurinhas, em que cada peça é o registro de uma perda importante: de uma pessoa amada ou dos pais que fez sofrer, de um vínculo que se rompeu, de um emprego que se perdeu, de uma confiança que foi quebrada, de uma agressividade gratuita, de um filho que não se viu crescer ou não ajudou a formar, de um(a) companheiro(a) que ficou no caminho, de um patrimônio que se esvaiu, de sonhos que se perderam, da saúde que se destruiu, enfim, de dias amargos de sofrimento. Por conta de tudo isso, o dependente começa a trilhar um caminho solitário como se as outras pessoas deixassem de fazer parte de sua trajetória, num caminho de dormir e acordar na escuridão. O processo do olhar voltado para si se constitui em um momento muito doloroso na maioria dos casos. Junto com a dependência química, o indivíduo desenvolve habilidades para mascarar seu uso e para obter a próxima dose. Com isso, sedimenta desvios de conduta que lhe permitem mentir, omitir, difamar ou roubar, até 2 Comorbidade é a ocorrência conjunta de dois ou mais transtornos mentais ou com outras condições clínicas gerais. A presença de comorbidades entre os usuários de álcool e outras drogas tem sido demonstrada pela literatura médica.

que se torne não confiável aos olhos das outras pessoas, em que melhor é não o ter por perto para evitar problemas. Considerando que a confiança é um componente importante nas relações familiares, amorosas e sociais, o dependente químico acaba propiciando seu próprio isolamento. Esses desvios de conduta costumam ser responsáveis pela perda dos vínculos empregatícios e pela marginalização social do dependente químico. Não raro também afeta as relações familiares, embora a família seja, geralmente, a última a largar de mão. Esse abandono também acontece num processo doloroso levando à quebra de vínculo e ao sofrimento de todos. Há uma relação bastante estreita entre dependência química e situação de marginalidade (no sentido de se colocar à margem das regras e do convívio social), derivando daí a imagem negativa que a sociedade vincula ao dependente como bandido, criminoso, ladrão, assassino. Essa imagem limita a compreensão de que dependência química é uma doença e não fraqueza do dependente. É comum o dependente químico colocar-se diante de todas as mazelas geradas pela dependência como vítima da incompreensão dos outros e até buscar, na conduta alheia ou em acontecimentos inevitáveis, motivação para manter-se dependente. Esses sentimentos fazem parte das estratégias de fuga e de negação da responsabilidade pelos seus atos. Nesse ínterim, corroboramos com Laranjeira (2010, p. 8) quando coloca que [...] o uso de substâncias começa com um ato voluntário e a pessoa tem grande responsabilidade pelo seu comportamento e também pela sua recuperação. Portanto, ter uma doença cerebral com essas características não exime de responsabilidade o dependente. A busca por tratamento A busca por tratamento é um capítulo à parte na trajetória do dependente químico, podendo ser tão penosa quanto a própria dependência. Laranjeira (2010, p. 5) expõe que, Na área de tratamento, as pesquisas já avançaram muito nos últimos anos e temos condições de fornecer um sistema efetivo e eficaz para a doença chamada dependência química, no entanto, o 17

acesso a um tratamento de qualidade para a maioria da população ainda é um sonho distante. O despertar para o tratamento pode ser motivado pelas perdas já sofridas, como numa atitude desesperada de resgatar família, emprego, dignidade e a si mesmo, ou quando o dependente se percebe como um escravo de sua compulsão e deseja a mudança. Pode também ser motivado por uma atitude de sobrevivência, quando o dependente se sente ameaçado, coagido ou temoroso pela sua vida, necessitando afastar-se temporariamente do circuito de consumo (muito comum o relato de dependentes químicos em débito com os fornecedores de drogas que buscam vagas em locais de internação prolongada sob o argumento de estarem ameaçados de morte). Casos severos com alto grau de consumo de substâncias psicoativas, em que o dependente não consegue mais se responsabilizar pela própria segurança ou imprime risco a terceiros, justificam internações compulsórias, seja pela ação da família ou do Estado. Independente do contexto que motiva a busca por tratamento, o dependente frequentemente se depara com a escassez de vagas e de serviços/instituições, principalmente se tiver pouco ou nenhum recurso financeiro e depender exclusivamente das vagas sociais, subsidiadas por convênios dos municípios ou do Sistema Único de Saúde (SUS). Linhas de tratamento Podemos apresentar algumas formas de tratamento em dependência química: internação, atendimento ambulatorial e grupos de mútua ajuda. Na internação, o dependente entra em pronta abstinência e passa a receber tratamento medicamentoso (seja para contenção, diminuição da fissura ou comorbidades) e/ou psicoterápico, afastandose do contexto que o levava ao uso sistemático de droga. As instituições que promovem internação são hospitais especializados, hospitais gerais, clínicas ou Comunidades Terapêuticas. Há no meio médico diferentes posicionamentos quanto à necessidade de internação. Franco Júnior (2010, p. 1) argumenta que se trata de 18 [...] alternativa, de caráter extremo, deve ser sopesada por equipe multiprofissional habilitada, de

acordo com o grau de dependência do paciente. [...] muitas vezes, o tratamento somático e psicossocial bem ajustado, no plano doméstico em ambulatorial, é capaz de inibir o uso de drogas, manejar a fissura, orientar sobre as possíveis recaídas e recuperar pessoas, mas que a internação é, quase sempre, evocada pela família como a primeira e única forma de saída para a crise gerada pelo comportamento desregrado de um de seus membros. A grande maioria das vagas para internação em dependência química se faz nas chamadas Comunidades Terapêuticas, instituições que têm seu regulamento técnico regido pela Resolução da Diretoria Colegiada RDC 101 da ANVISA, de 30 de maio de 2001. As Comunidades Terapêuticas são instituições de internação e atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso ou do abuso de substâncias psicoativas, são unidades que têm por função a oferta de ambiente protegido, com responsabilidade técnica, durante período predefinido por programa terapêutico. A crítica que se faz às Comunidades Terapêuticas, tanto pelos estudiosos do assunto quanto pelos próprios internos e familiares, é o forte apelo religioso e até conversão por vezes exigida aos usuários e a aplicação de métodos terapêuticos questionáveis, como trabalho forçado e castigos. Tais métodos sugerem a necessidade de maior fiscalização dos órgãos reguladores. É preciso destacar, porém, que as Comunidades Terapêuticas são responsáveis por muitas histórias de sucesso e que a expansão delas é uma tendência mundial. O acesso às Comunidades Terapêuticas é regido pelo número de vagas disponíveis e também pelas possibilidades de custeio do tratamento. Ou seja, são instituições que, mesmo vinculadas a congregações religiosas e não governamentais, cobram pelo tratamento, pois ofertam serviço de hotelaria e equipe técnica. Assim, o dependente químico que não dispõe de recursos próprios ou da família precisa recorrer às pouquíssimas vagas sociais ou vagas conveniadas pelos municípios, em que é comum a permanência em fila de espera. Na linha ambulatorial, há serviços vinculados a hospitais públicos, geralmente comandados por ambulatórios de psiquiatria, grupos terapêuticos ou atendimento individual em instituições particulares e vinculadas aos núcleos de formação de acadêmicos de Universidades. Enquanto política de Estado, o carro chefe de atendimento ambulatorial são os CAPS (Centros de 19

20 Atenção Psicossocial) 3. Nem todos os CAPS têm a especificidade de tratar/acompanhar dependentes químicos. Essa particularidade está firmada apenas aos CAPS AD, e boa parte dos municípios brasileiros ainda não dispõe desse serviço. A grande vantagem do atendimento ambulatorial é que o dependente pode dar continuidade às tarefas do dia a dia, como trabalho, cuidado com os filhos e outros afazeres, e também pode manter em segredo, se assim desejar, que está em tratamento (alguns dependentes temem melindres nos locais de trabalho ou preferem omitir de pessoas sua condição de dependente químico). Para alguns profissionais da área, o tratamento ambulatorial é mais efetivo do que a internação, por tratar a pessoa sem tirá-la do ambiente no qual ela vive. No atendimento ambulatorial, o usuário de substâncias psicoativas tem acesso ao tratamento medicamentoso, ao controle da abstinência, evitando crises e orientações para esquivar-se de recaídas. A terceira linha de tratamento refere-se aos grupos de autoajuda, que são organizados por ex-dependentes e têm como base a troca de experiências e o aconselhamento, por vezes reforçados por princípios religiosos. Os grupos de autoajuda não seguem uma teoria específica, mas são extremamente eficientes e colecionam histórias bem sucedidas. O material humano e o relato da história de vida de outras pessoas que vivenciaram problemas semelhantes e construíram estratégias de se manterem abstinentes atuam como elemento terapêutico. Os grupos já renomados são os AA (Alcoólicos Anônimos), que se destinam a pessoas alcoolistas, os NA (Narcóticos Anônimos), para dependentes químicos, o Amor exigente e Al-Anon, para familiares de dependentes, e o Alateen, para adolescentes. Independente da modalidade de tratamento escolhida ou possível de ser acessada pelo dependente químico, o grande motivador e responsável pelo alcance do controle da dependência e pela abstinência é o próprio 3 Os CAPS são políticas de atendimento do Ministério da Saúde decorrente da luta antimanicomial e da reforma psiquiátrica brasileira. São regulamentados pela Portaria 336/GM e são unidades integrantes do SUS. Estão dispostos nos municípios de acordo com a faixa populacional assim distribuída: CAPS I - para municípios com populações entre 20.000 e 70.000 habitantes; CAPS II - para populações entre 70.000 e 200.000 habitantes; CAPS III - acima de 200.000 habitantes (este é o único que funciona 24 horas, incluindo feriados e fins de semana); CAPSi - atende a crianças e adolescentes (até 17 anos de idade); e CAPS AD - atende a usuários de álcool e outras drogas cujo uso é secundário ao transtorno mental clínico.

dependente, o qual precisa se ver como ator principal desse processo e não como coadjuvante. O médico, a equipe terapêutica, a família, os amigos, todos desenvolvem papel importante no tratamento, mas ninguém pode fazer pelo dependente químico o seu afastamento das drogas, é quase como dizer que o sucesso depende de si mesmo, de sua capacidade de perseverança e de autocontrole. Considerações finais A dependência química é uma doença que afeta e degrada o indivíduo de forma evolutiva e em diversos aspectos. O dependente químico aproximase das substâncias psicoativas em busca de sensações que lhe proporcionem prazer, estímulo e quiçá habilidades que julgue não possuir. O acesso tende a se tornar cada vez mais necessário a ponto de se tornar o foco de sua existência. Além da degradação a nível físico-neurológico, a dependência química é capaz de afetar significativamente as relações sociais e afetivas do indivíduo, podendo propiciar completo isolamento e quebra de vínculos familiares. Essa situação condiciona ao dependente o papel de prisioneiro solitário. O processo de tratamento representa, em primeiro plano, um resgate de si mesmo e o enfrentamento das perdas vivenciadas pela dependência. O tratamento, não raro, precisa ser conquistado, uma vez que a oferta por meio da rede de saúde pública é deficitária. Por fim, tantas quantas tenham sido as tentativas de tratamento e as recaídas, acreditamos que sempre vale a pena reinvestir no tratamento e acreditar na possibilidade do resgate: seja de si mesmo, de uma pessoa da família ou de um cliente de nossa atuação profissional. Referências FRANCO JÚNIOR, Raul de Mello. Internação compulsória para tratamento de alcoólatras e dependentes químicos. 2008. Disponível em: <www. adroga.casadia.org>. Acesso em: 30 nov. 2010. LARANJEIRA, Ronaldo. Legalização de drogas e a saúde pública. 2010. Disponível em: <www.uniad.org.br>. Acesso em: 27 ago. 2010. 21

REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO ALCOOLISMO EVIDENCIADO NOS ATENDIMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL Eliane Olinda Porto Brosso Joseane Di Bernardi da Luz Resumo Este trabalho é resultado de estudos sobre a representação social do alcoolismo evidenciado nos atendimentos do Serviço Social, realizado no curso de aperfeiçoamento de dependência química. Este estudo é uma pesquisa bibliográfica e teve como objetivo resgatar essa representação social para obter mais conhecimentos sobre o álcool e, assim, respaldar a intervenção do Serviço Social. Palavras-chave: Serviço Social, alcoolismo, representação social. Introdução Desde os tempos mais remotos de nossa história, o homem usa o álcool como meio para extravasar sua euforia, celebrar festividades, dar cunho solene a rituais religiosos e proporcionar alívio ao seu estresse emocional imediato ou contínuo. O uso abusivo, porém, pode provocar tanto desgraças quanto dependência, conhecida como alcoolismo. Na literatura pesquisada sobre essa questão, o álcool aparece como um fator significativo na violência doméstica, por isso se considerou importante resgatar a representação social do alcoolismo, dando ênfase nas relações intrafamiliares, por ser a família objeto de intervenção do Serviço Social. O interesse em se estudar o tema da representação social surgiu quando começamos a perceber, nos atendimentos realizados pelo Serviço Social no Instituto de Cardiologia de Santa Catarina, relatos de conflitos familiares associados à condição do uso abusivo de álcool. Essa constatação gerou uma inquietação que nos levou ao aprofundamento 22

sobre o assunto. Entendemos por representação social a forma pela qual a pessoa dá significado, entendimento e explicação a determinadas situações de sua vida, por meio do processo de interação com o seu mundo exterior. É a maneira pela qual as pessoas captam e tentam resolver seus problemas, baseadas no contexto histórico em que vivem. Entendemos que as representações sociais são influenciadas pelo mundo social, são individuais, como também coletivas, uma vez que o ser humano está inserido em uma sociedade em relação permanente e constante com outros indivíduos. O objetivo foi resgatar as representações sociais sobre alcoolismo para obter maiores conhecimentos sobre o tema e, assim, respaldar a intervenção do Serviço Social. O alcoolismo e suas repercussões A descoberta do álcool é ainda desconhecida. As primeiras informações sobre o seu uso datam de 6000 a.c. O termo álcool é de origem árabe e, etimologicamente, quer dizer coisa sutil, enganadora. A Organização Mundial da Saúde (OMS) há anos considera o alcoolismo como doença e o alcoolista como doente. Embora o alcoolismo seja uma doença que traz graves consequências ao psíquico, ao físico e ao social, ainda é muito difícil de diagnosticá-lo. Masur (1984, p. 27) afirma que [...] não existe um fator que determine a causa do alcoolismo, o que se encontra são diferentes fatores de vulnerabilidade, [em que] todos que usam bebidas alcoólicas estão sujeitos a desenvolver o alcoolismo, dependendo apenas de sua interação com os fatores de vulnerabilidade. Conforme D Albuquerque e Silva (1990), o diagnóstico do alcoolismo, em geral, é impreciso, frequentemente subestimado e feito, via de regra, quando o paciente já está em estágio avançado de dependência. Essa situação pode ser explicada por diversos motivos, um deles cabe ao próprio alcoolista que geralmente procura o atendimento 23

24 médico, queixando-se de outros sintomas e nunca da doença. Outro motivo da dificuldade do diagnóstico do alcoolismo é atribuído aos próprios técnicos da Saúde, que muitas vezes não investigam sobre o uso do álcool, não suspeitam de sua existência, estão desinformados sobre o assunto, não acreditam na recuperação dos alcoolistas e não tratam o problema com seriedade e naturalidade, pois temem ofender os pacientes se abordarem o assunto. O manual do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) e da Associação Médica Brasileira (AMB) apresenta critérios de diagnósticos mais claros, mostrando diferentes graus de dependência, colocando-a como uma síndrome que surge a partir de combinações de fatores de riscos que aparecem de uma maneira distinta em cada indivíduo. Contemplam-se padrões individuais de consumo que variam de intensidade ao longo de uma linha contínua, trazendo problemas para o indivíduo. Primeiramente, identifica-se o padrão de consumo de uma pessoa e depois se determina sua gravidade, sendo fundamental para individualizar o diagnóstico e coletar subsídios para o planejamento terapêutico. A representação social do alcoolismo e a intervenção do Serviço Social Estudos realizados demonstram que a violência intrafamiliar está indiretamente relacionada com o uso abusivo do álcool. Barroso (2010) expõe que o álcool não causa violência, mas é fator agravante, embora apareça como segunda causa apontada pelas vítimas. As mulheres têm dificuldades de reconhecer a violência de seus parceiros e acabam atenuando a atitude violenta deles. Ainda segundo Barroso (2010, p. 7), criam subterfúgios que lhes permitem justificar perante elas próprias a violência que sofrem. Essa atitude desculpabilizante contribui para inibir a reação das vítimas e prolongar a situação. Assim reforçamos que o comportamento violento é uma atitude socialmente apreendida e não o resultado do abuso de uma substância. Portanto, a junção dos dois fatores (álcool e violência) pode aumentar a gravidade, mas não significa que um agressor, deixando de beber, eliminará o seu comportamento agressivo. Compreender a dinâmica de todo esse processo, bem como identificar na subjetividade do indivíduo todo um contexto social, histórico

e cultural fornecer subsídios para nortear a intervenção do Serviço Social que pode evoluir para um tratamento de dependência química, mas não resolverá os problemas pertinentes à agressão que deve ser dado outro enfoque e outra abordagem terapêutica. As representações que os alcoolistas e seus familiares têm da doença estão ligadas às suas experiências cotidianas, ou seja, são de acordo com sua maneira de viver e de encarar essa situação em sua vida. Entendemos que as representações sociais são influenciadas pelo social que intervém de várias maneiras nas cognições individuais: pelo contexto concreto em que estão situados os grupos e as pessoas, pela comunicação que se estabelece entre eles e pelos códigos, pelos valores e pelas ideologias ligadas a posições individuais. Representação social é definida por Moscovici apud Schulze (1988, p. 5) como um conjunto de conceitos, afirmações e explicações que se originam no dia a dia, no decurso de comunicações interindividuais. A forma que a pessoa dá significado à determinada situação de sua vida é exatamente a sua representação social, porque toda a sua interpretação é fruto de suas relações com o mundo e com os outros. A necessidade de tornar algo estranho, desconhecido em algo familiar e significativo na vida é o que origina as representações sociais. Porto e Knabben (1994) realizaram um estudo com casais com relacionamento conjugal violento que procuravam o Serviço Social da Delegacia para atendimento. Foram pesquisados seis casais com nível de escolaridade baixo. A representação social acerca do alcoolismo verificada nessa pesquisa foi de que não era visto como doença, no sentido a priori, que pudesse desencadear a dependência alcoólica, embora admitissem que fizesse mal à saúde. O alcoolismo era entendido como ato voluntário do bebedor, que, por sua vez, se sentia imune às consequências do álcool, porque novamente negava o vício. A representação social de todas as mulheres pesquisadas, referente ao alcoolismo, estava baseada apenas no senso comum, na significação dada ao fenômeno a partir de experiências no seu cotidiano. Todas tinham claro que o alcoolismo era o objeto dos seus problemas conjugais, ao contrário do que pensavam seus esposos, ficando escamoteados por interesse, medo, vergonha, comodismo, na sombra de suas esposas. As consequências do alcoolismo são visíveis no dependente, mas, via de regra, o indivíduo passa por um processo de negação em 25

que são acionados diversos mecanismos de defesa inconscientemente, justificando, assim, a procura tardia pelo tratamento. A intervenção do Serviço Social, na medida do possível, deve ser de reflexão conjunta com a família para traçar estratégias adequadas. Consideramos que a conscientização do alcoolista, enquanto um ser doente, e de sua família só é possível quando se parte da realidade e do entendimento que eles têm do problema para se chegar a uma compreensão mais adequada da situação. A escolha do tratamento para o controle da doença dependerá da afinidade e da adequação do usuário a um determinado tipo de tratamento. Ou seja, quando o alcoolista admite que sua dinâmica de vida está sendo prejudicada pela bebida, ele consegue dar um passo em busca de ajuda especializada, favorecendo, assim, que avance para o processo de aceitação do diagnóstico, levando-o a uma possível adesão ao tratamento. De acordo com Porto e Knabben (1994), há diferentes caminhos para se trabalhar o consumo abusivo de bebidas alcoólicas, expostos na sequência. Conforme o grau de dependência, pode-se abrir mão de muitas alternativas de tratamento, primeiramente se pensa em uma internação para desintoxicação. Os Alcoólicos Anônimos (AA), que é uma entidade que desenvolve trabalho voluntário, anônimo e gratuito, funciona por meio de reuniões entre seus membros para troca de experiências e depoimentos sobre o seu envolvimento com o álcool. Paralelo aos Alcoólicos Anônimos, há grupos de familiares o chamado Al- Anon, que é um programa de doze passos para familiares e amigos de alcoolistas. Seus membros compartilham suas experiências e buscam forças e esperança na tentativa de resolver seus problemas comuns. Acreditam que o alcoolismo é uma doença familiar e que mudanças de atitudes podem colaborar com a recuperação. Também existe o grupo Alateen, que é uma divisão do Al-Anon dedicada a familiares mais jovens. O internamento em comunidades terapêuticas seria outra alternativa, mas somente quando o paciente estiver desintoxicado, consciente de sua dependência alcoólica e motivado para permanecer abstêmio é que poderá ter alta e continuar seu tratamento fora do contexto hospitalar. 26

A psicoterapia de grupo tem sido indicada, uma vez que se dividem as experiências, o alcoolista não se sente diferente dos demais e se vê na obrigação de falar. Ainda a psicoterapia individual tem como objetivo diminuir o medo e as angústias que a nova realidade poderá causar. Pode ser feito uso da laborterapia, que é o uso de drogas que inibem a ação para beber, uma vez que o indivíduo não bebe em função do mal-estar provocado pelo medicamento. O alcoolista deve estar bem ciente das consequências do uso do álcool combinado com a medicação, pois pode levar até ao óbito. O grau de envolvimento da família dependerá do grau de comprometimento do alcoolista. O apoio da família é essencial para o sucesso da abordagem terapêutica, bem como para a prevenção da reincidência. Considerações finais Embora o alcoolismo esteja muito relacionado à incidência da violência doméstica, não é certo afirmar que, tratando da dependência alcoólica, paralelamente eliminaremos a violência. O alcoolismo não é um fator determinante da violência, mas precipitante, ou seja, ele, entre outros fatores, pode contribuir para ocorrência do fenômeno e a potencialização dos seus efeitos. Certamente que, combatendo o alcoolismo, muitos conflitos intrafamiliares cessarão e, consequentemente, diminuirá a incidência da violência, mas ela só se extinguirá a partir da mudança de mentalidade, do respeito mútuo e da igualdade de direitos. Finalizando, acreditamos que o combate ao alcoolismo deve se iniciar com um trabalho preventivo. A intervenção nas fases iniciais pode contribuir para a prevenção. Essa ação deve ser compartilhada com o grupo familiar, que precisa receber orientações nos processos de acolhimento. Ressaltamos também a importância do tratamento especializado que se preocuparia com aspectos de esclarecimento sobre a doença em escolas, associações, clubes, enfim, em todas as instituições que contribuem para a formação e a socialização dos indivíduos. Ressaltamos ainda que é necessário elaboração de políticas públicas que privilegiem o combate do alcoolismo de forma comprometida e articulada. Contribuir para o processo de conscientização da sociedade de 27

que o alcoolismo é um problema de saúde pública é um grande desafio que se apresenta para o os profissionais que atuam na área da Saúde. Referências BARROSO, Zélia. Violência nas relações amorosas. Disponível em: <www. aps.pt/vicongresso/pdfs/597.pdf>. Acesso em: 1 nov. 2010. CREMESP. Usuários de substâncias psicoativas. Abordagem, diagnóstico e tratamento. 2010. Disponível em: <http://www.cremesp.org.br/library/ modulos/publicacoes/pdf/substancias_psicoativas_2.pdf>. Acesso em: 5 nov. 2010. D ALBUQUERQUE, Luiz A. Carneiro; SILVA, Adávio de Oliveira. Doença hepática alcoólica. São Paulo: Sarvier, 1990. MASUR, Jandira. A questão do alcoolismo. São Paulo: Brasiliense, 1984. PORTO, Eliane O.; KNABBEN, Júlia de Macedo. A representação social em casais com relacionamento conjugal violento, atendidos pelo Serviço Social da 6ª Delegacia de Policia da Capital SC. 1994. 59 f. Monografia (Graduação em Serviço Social) Universidade do Sul de Santa Catarina, Florianópolis, 1994. SCHULZE, Clélia Maria Nascimento. A contribuição das representações sociais cognitivas no diagnóstico e intervenção junto ao paciente canceroso. Florianópolis: UNISUL, 1988. 28

USO DE MORFINA POR PROFISSIONAIS DA SAÚDE Ana Paula Dias Rosânia Aparecida Rodrigues Resumo Este estudo tem como objetivo analisar o uso da morfina por servidores da Saúde para fins terapêuticos. Para tanto, utilizamos os conhecimentos adquiridos no curso de aperfeiçoamento em dependência química no hospital Regional de São José, Instituto de Cardiologia, e a partir de referências bibliográficas. Nos estudos, evidenciou-se a dificuldade de conviver com usuários e dependentes químicos de morfina. Como colegas de trabalho, requerem atenção e alerta. Percebe-se também que o quadro de dependência gerou uma série de comprometimentos nas habilidades físicas e mentais nos usuários. Palavras-chave: morfina, dependência química, usuários, profissionais da Saúde. Introdução A morfina, inicialmente desenvolvida para fins terapêuticos, atualmente está sendo usada como droga no ambiente de trabalho, causando problemas de toda ordem, como faltas injustificadas, mudanças de humor e dificuldades em finalizar algumas tarefas. Observou-se que os profissionais da Saúde têm de dois a três vínculos empregatícios, excesso de plantões, problemas familiares e o acesso à droga facilitado por trabalharem em um hospital. O mais preocupante é que esses profissionais estão em plena atividade profissional, atendendo a pacientes e realizando tarefas que exigem muita concentração. Este estudo foi realizado a partir de pesquisa bibliográfica e análise dos conhecimentos construídos no curso de aperfeiçoamento em dependência química. 29

30 A morfina e seu uso A morfina é uma droga derivada do ópio. Foi criada em 1803 pelo farmacêutico alemão Friedrich Wilhelm Adam Serturner, que deu nome ao remédio em homenagem ao Deus grego do sono, Morfeu. Essa substância é produzida em laboratórios e usada para o alívio de dores. Pode causar dependência física e psicológica em função de seus sintomas, como, por exemplo, o bem-estar e a euforia. Seu uso foi mais difundido nos anos 50, com o advento da seringa hipodérmica. Na Guerra Civil Americana (1861-1865), quatrocentos mil soldados desencadearam dependência à morfina. Em 1874, o Inglês Alder Wringht, na tentativa de criar uma substância tão poderosa para dor quanto a morfina, extraiu uma substância da papoula que deu origem à heroína, a qual entrou no mercado farmacêutico em 1898 e foi retirada de circulação cinco anos mais tarde devido ao alto poder de dependência. Devido à alta utilização de derivados do ópio na Primeira Guerra Mundial e a um grande número de dependentes em drogas, a venda de substâncias psicoativas foi proibida em vários países, e iniciou-se uma série de restrições ao seu uso após as convenções internacionais de 1925 e 1931. Porém, na Segunda Grande Guerra, o ópio voltou a se expandir e, juntamente, a heroína em Hong Kong e Marselha. Em 1971, Richard Nixon, então presidente dos Estados Unidos, devido ao grande consumo ilegal de opiáceos, iniciou uma campanha contra produtores e traficantes da droga. Atualmente, o ópio ainda é usado sob a forma de morfina e em outras drogas medicinais, com doses prescritas em meios hospitalares para pacientes com dores intensas, como portadores de câncer, doenças isquêmicas e patologias ósseas. A dependência por opioides No Brasil, a dependência mais comum por opioides se dá pelo uso de morfina para alívio de dores de causas patológicas em meio hospitalar a partir de prescrição médica. O indivíduo que faz uso de tal droga para fins terapêuticos poderá desenvolver dependência por morfina e derivados de ópio. O ópio atua no Sistema Nervoso Central (SNC) e em órgãos periféricos e atinge quatro tipos de receptores específicos situados em áreas sensoriais, límbicas, hipotalâmica, amígdalas, entre outros.