ARTIGO ORIGINAL. alta taxa de sucesso, com melhora do gap aéreo-ósseo em quase todos os pacientes. Resumo

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0004-2773/09/38-03/59 Arquivos Catarinenses de Medicina Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 38, n o. 3, de 2009 59 ARTIGO ORIGINAL Otosclerose resultados de estapedectomias e estapedotomias realizadas no Hospital Nossa Senhora da Conceição de Tubarão - SC Rodrigo Soder 1, José Paulo Fontes Martins 2, Rosane Mazieiro Cruzetta 1, Thiago Mamôru Sakae 3, Leonardo Danielli 1, Anderson Reus Trevisol 1 Resumo Introdução: A otosclerose é um processo patológico localizado na cápsula ótica do osso temporal que ocorre entre 0,5 a 1,0% da população, mais freqüentemente encontrada no sexo feminino, na faixa etária entre 20 e 40 anos e em pessoas da raça branca. A cirurgia do estapédio constitui o tratamento consagrado para a otosclerose. Objetivo: Avaliar os resultados de estapedectomias e estapedotomias realizadas no Hospital Nossa Senhora da Conceição de Tubarão SC. Métodos: Realizamos um estudo de coorte histórica longitudinal em 34 pacientes submetidos a tratamento cirúrgico da otosclerose no período de janeiro de 2003 a março de 2008. Resultados: Dos 34 pacientes incluídos no estudo, 9 (26,5%) eram do gênero masculino e 25 (73,5%) do gênero feminino, a idade variou de 31 a 61 anos com média 44.67 (± 8.95) anos. Em relação à etnia, 31 (91,2%) pacientes eram caucasianos e 3 (8,8%) eram não caucasianos. Houve melhora comprovada pelo fechamento do gap aéreo-ósseo para menor ou igual a 10 db em 33 (97,1%) pacientes e apenas 1 (2,9%) não teve sucesso. Conclusão: A cirurgia estapediana mostrou-se uma ótima opção terapêutica para a otosclerose, apresentando 1 Estudante do curso de Medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) 2 Professor da cadeira de Otorrinolaringologia da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) e Médico Otorrinolaringologista pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ. 3 Médico, Mestre em Saúde Pública Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutorando em Ciências Médicas UFSC. alta taxa de sucesso, com melhora do gap aéreo-ósseo em quase todos os pacientes. Descritores: Abstract 1. Otosclerose; 2. Cirurgia do estribo; 3. Perda auditiva condutiva. Introduction: The otosclerosis is a pathological process located in the otic capsule of temporal bone that occurs in 0.5 to 1.0% of the population, most frequently found in females, age between 20 and 40 years old and in white people. The stapedius surgery is a renowned treatment to otosclerosis. Objective: To evaluate the results of stapedectomies and stapedotomies performed at Nossa Senhora da Conceição Hospital in Tubarão SC, South Brazil. Methods: We performed a retrospective cohort study in 34 patients who have been undergone surgical treatment of otosclerosis from January 2003 to March 2008. Results: Third four patients were included in the study, 9 (26.5%) were male and 25 (73.5%) female, the age ranged from 31 to 61 years old with an average 44.67 ± 8.96 years old. In relation to ethnicity, 31 (91.2%) patients were Caucasian and 3 (8.8%) were no Caucasian. There was proved improvement by the closing of the air-bone gap to less than or equal to 10 db in 33 (97.1%) patients and only 1 (2.9%) had no success. 59

60 Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 38, n o. 3, de 2009 Resultados da cirurgia estapediana Conclusion: The stapes surgery proved to be a good therapeutic option to otosclerosis, showing high success rate, with air-bone gap improvement in almost all of patients. Key Words: Introdução 1. Otosclerosis; 2. Stapes surgery; 3. Conductive hearing loss. A otosclerose é um processo patológico localizado na cápsula ótica do osso temporal 1,2, também referida como otospongiose. Ocorre devido a uma desordem local do metabolismo ósseo que se caracteriza por reabsorção e depósito de osso de forma anômala 3,4,5,6, levando à anquilose estapedo-vestibular, e assim podendo gerar efeitos secundários aos sistemas auditivos (hipoacusia e zumbido) e vestibulares (tonturas), que leva à perda auditiva de transmissão e/ou neurossensorial 1,7,8. Esta anquilose estapedo-vestibular foi descrita pela primeira vez por Toynbee (1860), que lhe atribuiu erradamente como causa a formação de aderências fibrosas originárias de processos inflamatórios crônicos da mucosa da caixa timpânica, confirmada por Troeltsh. Até 1893, esse conceito persistiu, época em que Politzer, após dissecções e pesquisas anatômicas, individualizou nova entidade otopática que denominou otosclerose 4. A etiologia permanece inteiramente desconhecida, apesar de que as mais variadas concepções teóricas tenham sido formuladas no sentido de explicar a gênese dos fenômenos de osteodistrofia verificados ao nível da cápsula óssea labiríntica 2,3. Clinicamente ocorre entre 0,5 a 1,0% da população, sendo bilateral em 70 a 85% dos casos 6,9,10. A otosclerose é uma doença de caráter hereditário, mais freqüentemente encontrada no gênero feminino, na razão de 2:1, na faixa etária dos 20 aos 40 anos e em pessoas da raça branca, sendo muito rara na raça negra e na amarela 11,4. Em vista da impossibilidade de tratamento clínico da otosclerose, devido ao desconhecimento do fator causal, os cirurgiões otológicos começaram a idealizar um artifício de técnica operatória que proporcionasse o retorno da transmissão das ondas sonoras até o interior do labirinto. Assim, três métodos cirúrgicos foram sistematizados: a fenestração do canal semicircular, a mobilização do estribo e a estapedectomia ou ressecção do estribo 2,3. O primeiro método cirúrgico nesta patologia foi a mobilização do estribo realizada por Kessel em 1878, seguida por Boucheron em 1888 e Miot em 1890. Politzer e Sibenmann, em 1900, condenaram esse tipo de cirurgia que ficou desacreditada até 1953 quando Rosen trouxe a tona esta técnica 4. A fenestração do canal semicircular foi introduzida por Barany em 1910 2,3. Técnica que foi aperfeiçoada por Holmgren (1923), posteriormente por Sourdille (1937) e Lempert (1941) 4. A moderna cirurgia da otosclerose desenvolveu-se a partir dos pioneiros M. Portmann e J. Shea, no fim da década de 1950, que denominaram, respectivamente, a intervenção de interposição e fenestração da janela oval. Logo após a intervenção foi consagrada com o nome de estapedectomia tendo sido adotada mundialmente 1,4,6,10. No início dos anos 60 J. Shea descreveu a estapedotomia, que é a cirurgia preferida para tratamento da otosclerose nos dias atuais 6,7,9,12. Considera-se como bom resultado cirúrgico o fechamento do gap aéreo-ósseo para menor ou igual a 10 db 6,7,13. Tendo em vista que a cirurgia do estapédio constitui o tratamento consagrado para a surdez condutiva secundária à otosclerose e que o sucesso cirúrgico acontece na maior parte das vezes, levando a uma melhora da audição, este trabalho teve por objetivo descrever os resultados de estapedectomias e estapedotomias realizadas no Hospital Nossa Senhora da Conceição de Tubarão SC, no período de janeiro de 2003 a março de 2008. Métodos Foi realizado um estudo de coorte histórica, de 34 pacientes submetidos a tratamento cirúrgico da otosclerose, no Hospital Nossa Senhora da Conceição de Tubarão, no estado de Santa Catarina, no período de janeiro de 2003 a março de 2008. Os dados obtidos dos prontuários dos pacientes incluíam: gênero, idade, raça, lado acometido, lado do procedimento cirúrgico, a técnica empregada, o tipo de prótese, resultados audiológicos pré e pós-operatórios. Esses dados foram coletados no período de agosto a setembro de 2008 pelo acadêmico através de um protocolo de revisão dos prontuários dos pacientes, sendo que os prontuários encontram-se no consultório do cirurgião, assim como as audiometrias pré e pós- 60

Resultados da cirurgia estapediana Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 38, n o. 3, de 2009 61 operatórias. Fizeram parte da amostra os indivíduos submetidos à cirurgia de estapedectomia ou estapedotomia, com diagnóstico de otosclerose, de ambos os gêneros e que apresentaram prontuário contendo as informações clínicas, cirúrgicas e audiológicas necessárias. Obtivemos um total de 39 pacientes, porém 5 deles foram excluídos por não possuírem um seguimento pós-operatório. Todas as cirurgias foram realizadas por um único otologista sob anestesia geral e infiltração do conduto auditivo externo com solução de xylocaína 2% e adrenalina na proporção de 1:50.000, colocação de prótese de teflon (XOMED ), fechamento da janela oval com gel-foam. A avaliação auditiva pré-operatória foi realizada através da análise da última audiometria tonal (nas freqüências 0,25, 0,5, 1, 2, 3, 4 e 8 khz para condução aérea e 0,5, 1, 2, 3 e 4 khz para condução óssea) e vocal realizada no período pré-operatório. Já a avaliação auditiva pós-operatória foi feita através da observação do resultado da melhor audiometria realizada dentro de um período de 30 até 180 dias após a cirurgia. Os exames audiométricos foram executados com audiômetro Madsen 602, sempre com calibração atualizada, em cabine com isolamento acústico adequado, por uma única fonoaudióloga especializada em audiologia. Foram comparadas as audiometrias pré e pósoperatórias em relação aos seguintes pontos: o limiar de condução aérea e óssea separadamente em cada freqüência; a média aritmética dos limiares de condução aérea e óssea nas freqüências de 0,5, 1, 2 e 3 khz, conforme as diretrizes do Committee on Hearing and Equilibrium 13 ; o gap aéreo-ósseo obtido pela subtração das médias dos limiares de condução aérea e óssea. O resultado cirúrgico foi classificado em sucesso e insucesso conforme as diretrizes do Committee on Hearing and Equilibrium 13. O resultado era classificado como sucesso quando a diferença entre a condução aérea e a condução óssea pós-operatória era menor ou igual a 10 db. O restante dos resultados era classificado como insucesso. Os dados coletados foram digitados utilizando o programa Epidata versão 3.1, analisados estatisticamente através do programa Epi Info 6 versão 6.04 e SPSS versão 8.0. As variáveis quantitativas foram descritas por medidas de tendência central e dispersão e as variáveis categóricas por proporção e números absolutos. O nível de associação foi realizado através do teste do Quiquadrado. O nível de significância adotado foi p<0,05. Em relação ao sucesso do resultado cirúrgico, foi feita a análise dos dados quantitativos utilizando-se o teste t de Student para amostras pareadas. O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo comitê de ética e pesquisa (CEP) da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), registrado com o código 08.254.4.01.III. Resultados Dos 34 pacientes incluídos no estudo, 9 (26,5%) eram do gênero masculino e 25 (73,5%) do gênero feminino, gerando uma razão de 1:2,7 respectivamente. A idade variou de 31 a 61 anos com média 44.67 (± 8.95 anos). Em relação à etnia, 31 (91,2%) pacientes eram caucasianos e 3 (8,8%) não caucasianos. O acometimento bilateral ocorreu em 22 (64,7%) pacientes, o ouvido direito assim como o esquerdo foi acometido em 6 (17,6%) pacientes cada. Já a cirurgia no ouvido direito ocorreu em 16 (47,1%) pacientes e no esquerdo em 18 (52,9%). A diferença do gap aéreo-ósseo pré-operatório (média=26,76) para o gap aéreo-ósseo pós-operatório (média=4,26) apresentou uma média de 22,5 db, diferença altamente significativa (p<0,0001) (Tabela 1). A média do gap aéreo-ósseo pré-operatório foi maior no gênero masculino (média de 31,11 db) comparada ao gênero feminino (média de 25,20 db) (p=0,074). Analisando os resultados auditivos dos 34 casos com audiometria pré e pós-operatória, houve melhora comprovada pelo fechamento do gap aéreo-ósseo para menor ou igual a 10 db em 33 (97,1%) pacientes e apenas 1 (2,9%) não teve sucesso. Em relação à técnica utilizada, das 34 cirurgias do estapédio, 7 (20,6%) foram estapedectomias e 27 (79,4%) estapedotomias. O sucesso cirúrgico em relação à técnica empregada foi de 97,1%, com apenas um insucesso no período analisado (Tabela 2). Na tabela 3 são analisados os resultados audiométricos conforme orientação do Commitee on Hearing and Equilibrium 13. Discussão A otosclerose é uma doença que acomete pessoas na vida adulta, alcançando alta incidência entre os 20 e 40 anos. É mais freqüente no gênero feminino, na razão de 2:1 e em pessoas da raça branca 11. Burns e Lambert 14 61

62 Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 38, n o. 3, de 2009 Resultados da cirurgia estapediana observaram uma maior incidência de casos da doença em paciente do gênero feminino, caucasianos e com média de idade de 46 anos. Os resultados de Caldart e colaboradores 1 mostraram que a maioria dos pacientes era do gênero feminino, caucasianos e com média de 40,35 anos. Já Handley e Hicks 15 visualizaram maior incidência em homens, caucasianos, e com média de idade de 48,2 anos. No presente estudo, a maioria dos pacientes era do gênero feminino (razão de 2,7:1), caucasianos e com idade média de 44,67 anos, o que está de acordo com o descrito na literatura. A média do gap aéreo-ósseo pré-operatório, em média, foi maior no gênero masculino comparada ao gênero feminino (p=0,074), porém com valor limítrofe para significância estatística. Clinicamente ocorre entre 0,5 a 1,0% da população, sendo bilateral em 70 a 85% dos casos 6,9,10 e possui caráter hereditário 11. O estudo de Freitas e colaboradores 7 mostrou que 15,7% dos pacientes tinham história familiar positiva para otosclerose e 82,4% tinham acometimento bilateral. Testa e colaboradores 9 evidenciaram em seu estudo acometimento bilateral em 81% dos pacientes. Não condizendo com a literatura, em nosso estudo, evidenciamos que 64,7% dos pacientes tiveram acometimento bilateral, já história familiar não foi possível avaliar devido à falta deste dado nos prontuários. A cirurgia do estribo é procedimento delicado e exige treinamento e prática do cirurgião devido às diversas possibilidades de complicações e insucessos 14,15,16. Cirurgiões experientes e adequadamente treinados alcançam taxas de sucesso de 90% ou mais 14,15. House e colaboradores 17 relacionaram a maior experiência do cirurgião ao baixo índice de complicações e ao melhor resultado pós-operatório. Considera-se como bom resultado cirúrgico o fechamento do gap aéreo-ósseo para menor ou igual a 10 db 6,7. Freitas e colaboradores 7 evidenciaram sucesso cirúrgico em 70,5% dos casos. O estudo de Caldart e colaboradores 1 mostrou sucesso em apenas 50,88% dos pacientes. Já o estudo de Testa e colaboradores 9 apresentou em 89,83% dos pacientes o sucesso cirúrgico. Neste estudo, observamos sucesso em 97,1% dos casos, o que corrobora com o descrito na literatura. A diferença no gap aéreo-ósseo testada através do teste t pareado apresentou diferenças altamente significativas mesmo com a pequena amostra. Uma opção para o tratamento cirúrgico seria o uso de prótese auditiva. Complicações associadas ao ato cirúrgico são citadas na literatura em cerca de 10-15%, incluindo perfuração da membrana timpânica, vertigem, subluxação da bigorna, zumbido, otorréia, fistula perilinfática, em ordem decrescente. (1,7) A grande diferença encontrada entre os estudos acima mencionados, talvez seja devido à experiência do cirurgião. Nos estudos feitos por Freitas e colaboradores 7 e Caldart e colaboradores 1, o cirurgião foi um residente da cadeira de otorrinolaringologia, não sendo o mesmo residente a realizar todas as cirurgias. Já no estudo de Testa e colaboradores 9 e neste a cirurgia foi realizada sempre por um único especialista em otologia. Conclusão A maioria dos pacientes em que foi realizada a cirurgia do estapédio no Hospital Nossas Senhora da Conceição de Tubarão SC, eram adultos (média de 44,67 ± 8,95 anos), do gênero feminino (73,5%) e caucasianos (91,2%). Sendo que o acometimento bilateral ocorreu em 22 (64,7%) pacientes. Os resultados com sucesso cirúrgico pós-operatório (97,1%) em nosso estudo condizem com os publicados na literatura por cirurgiões experientes. A cirurgia estapediana mostrou-se uma ótima opção terapêutica para a otosclerose, apresentando alta taxa de sucesso. Referências Bibliográficas: 1. Caldart AU, Terruel I, Júnior DJE, Kurogi AS, Buschle M, Mocellin M. Cirurgia do estapédio na residência: experiência do Hospital de Clínicas/ UFPR. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2007; 73 (5): 647-53. 2. Miniti A, Bento RF, Butugan O. Otorrinolaringologia Clínica e Cirúrgica. 2ª ed. São Paulo: Atheneu; 2001. 3. Stott CC, Arteaga PJ, Moyano LS. Qué sabemos de otoesclerosis?aspectos anatomopatológicos. Rev. Otorrinolaringol. Cir. Cabeza Cuello. 2005; 65: 179-86. 4. Hungria H. Manual de Otorrinolaringologia. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A.; 1973. 5. Vicente AO, Penido NO, Yamashita HK, Albernaz PLM. Tomografia computadorizada no diagnóstico da otosclerose retrofenestral. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2004; 70 (1): 74-82. 6. Filho OCL, Neto OMS. Estapedotomia em adultos no século 21: resultados e complicações. ACTA ORL/ Técnicas em Otorrinolaringologia. 2006; 24 62

Resultados da cirurgia estapediana Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 38, n o. 3, de 2009 63 (4): 17-23. 7. Freitas VA, Becker CG, Guimarães RES, Crosara PFTB, Morais GAN, Moura M. Tratamento cirúrgico da otosclerose na residência médica. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2006; 72 (6): 727-30. 8. Rondini-Gilli E, Grayeli AB, Boutin P, Crosara PF, Mosnier I, Bouccara D, Cyna-Gourse F, Rufat P, Sterkers. Otospongiose: techniques chirurgicales et résultats. A propos de 150 cas. Ann Otolaryngol Chir Cervicofac 2002; 119 (4): 227-33. 9. Testa JRG, Millas I, De Vuono IM, Neto MELRBV, Lobato MF. Otosclerose resultados de estapedotomias. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2002; 68 (2): 251-53. 10. Siddiq MA. Otosclerosis: a review of aetiology, management and outcomes. British Journal of Hospital Medicine 2006; 67 (9): 470-75. 11. Campos CAH, Costa HOO. Tratado de Otorrinolaringologia. Volume II e V. 1ª ed. São Paulo: Roca, 2002. 12. Stott CC, Nazar RS, Manieu DM. Manejo quirúrgico em otoesclerosis unilateral. Rev. Otorrinolaringol. Cir. Cabeza Cuello 2005; 65: 111-116 13. Monsell EM, Balkany TA, Gates GA. Commite of Hearing and Equilibrium guidelines for evaluation of results of treatment of conductive hearing loss. Otolaryngol Head Neck Surg 1995; 113:798-808. 14. Burns AB, Lambert PR. Stapedectomy in residency training. Am J Otolaryngol 1996; 17(2): 210-3. 15. Handley GH, Hicks JN. Stapedectomy in residency - the UAB experience. Am J Otol 1990; 11(2): 128-30. 16. Duncan NO, Jenkins HA, Wright GL, Alford BR. Stapedectomy trends for the resident. Ann Otol Rhinol Laryngol 1988; 97: 109-13. 17. House HP, Hansen MR, Al-Dakhail AA, House JW. Stapedectomy versus stapedotomy: comparison of results with long-term follow-up. Laryngoscope 2002; 112: 2046-50. Tabela 1. Diferenças no GAP aéreo-ósseo de 34 pacientes submetidos à cirurgia estapediana no Hospital Nossa Senhora da Conceição de Tubarão SC. * Teste t-pareado Tabela 2. Sucesso cirúrgico em relação à técnica utilizada em 34 pacientes submetidos à cirurgia estapediana no Hospital Nossa Senhora da Conceição de Tubarão SC. Tabela 3. Níveis do gap aéreo-ósseo pré e pósoperatórios de 34 pacientes submetidos à cirurgia estapediana no Hospital Nossa Senhora da Conceição de Tubarão SC. Endereço para Correspondência: Universidade do Sul de Santa Catarina Unidade Hospitalar de Ensino Tubarão - SC CEP 88701-900 63