ARTICULAÇÕES ENTRE ADOLESCÊNCIA, FAMÍLIA E ESCOLHA DA PROFISSÃO

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Transcrição:

1 ARTICULAÇÕES ENTRE ADOLESCÊNCIA, FAMÍLIA E ESCOLHA DA PROFISSÃO Edvirges de Sant Ana * RESUMO: A adolescência é uma fase de transição, época marcada por mudanças, tanto da ordem física quanto psíquica, na qual o sujeito enfrenta a perda do corpo infantil e a posição de criança protegida e dependente da família, para inserir-se no mundo social através do trabalho. Com a necessidade da escolha da profissão o jovem vivencia as ansiedades individuais e familiares, nesse momento marcado por angústias e sentimentos ambivalentes. Este trabalho tem como objetivo demonstrar as articulações que envolvem a situação de escolha profissional, levando em conta que toda escolha está relacionada às expectativas e projeções que os pais depositaram sobre os filhos. Realizou-se um estudo de caso a partir do atendimento de uma adolescente em uma clínica escola de uma universidade do interior paulista, cujo conflito estava associado à religiosidade familiar, que a impedia de seguir uma profissão. Os integrantes de sua família não seguiram um curso universitário, sendo que as mulheres se dedicam apenas para o casamento. As expectativas, a dinâmica familiar e o histórico profissional de seus membros foram investigados a partir da técnica do genograma familiar, desenhos e o LIP(levantamento de interesses profissionais, adaptação de Carlos Del Nero). Durante as sessões foi possível discutir sobre os aspectos pessoais da jovem paciente, que apesar de ter internalizado a doutrina de sua família durante a infância, hoje, adolescente, questiona os paradigmas religiosos, mas teme perder o apoio familiar. No trabalho desenvolvido durante o processo, discutimos aspectos deste conflito para que a paciente pudesse pensar sobre essas questões, buscando clarificar os aspectos negados e integrar suas escolhas à realidade sócio cultural. Notamos que o atendimento clínico em Orientação profissional não se encerra apenas com a escolha da profissão, mas também abre um espaço de reflexão sobre o sujeito, o que lhe auxilia na busca de sua identidade. Compreender as relações que se estabelecem na família prepara para o fortalecimento das próprias opiniões. A realidade sócio-cultural do adolescente não pode ser desconsiderada, por isso a escolha leva em conta não somente o que se quer, mas também o que se pode. * edvirges.sa@bol.com.br

2 A adolescência se constitui como uma época marcada por mudanças, tanto da ordem física quanto psíquica, na qual o sujeito enfrenta a perda do corpo infantil e a posição de criança protegida e dependente da família. Gradualmente o adolescente vai se distanciando dos aspectos infantis, dando lugar a uma nova identidade, aproximando-o da vida adulta. A família até então tomava as decisões, controlando e administrando a vida do atual adolescente; este, porém, agora está em busca de uma identidade adulta. Entre as necessidades, encontra-se também o momento da escolha profissional, que em nossa sociedade ocorre por volta dos dezessete anos. Como afirma Käes (2001) toda escolha está muito ligada às questões familiares, sobre corresponder ou não ao que foi planejado para o sujeito pelos que o precederam, e a escolha profissional não escapa a essa influência. É principalmente na adolescência que o sujeito pode buscar distanciar-se dos paradigmas familiares com os quais sempre conviveu para construir algo seu que inevitavelmente carrega suas origens. Durante o atendimento clínico em Orientação Profissional, buscamos clarificar os conflitos e integrar as escolhas à realidade sóciocultural, nesse processo, o sujeito pode repensar que papel desempenha no meio social e familiar e como isso influencia suas decisões. O momento da escolha profissional é repleto de conflitos e angústias e quando um adolescente procura pensar quais são as preferências e de onde elas vêm, os objetos com os quais há identificação são fatores que auxiliam não apenas na escolha de uma profissão como também contribuem para o auto conhecimento e compreensão do mundo. Podemos exemplificar a partir do caso de Vânia (nome fictício), uma garota de 17 anos que procurou o trabalho de Orientação Profissional de uma clínica escola no interior paulista. A adolescente residia na área rural, com os pais e três irmãos mais novos; todo o

3 núcleo familiar seguia uma determinada religião, e a adolescente, assim como todos no sítio, não assistiam televisão, não podia cortar os cabelos, usar brincos e outros adornos. Porém, na escola, ela convivia com todo tipo de pessoas e se sentia diferente, estava presente um conflito entre o que é atual e o que prega a religião. Investigamos a dinâmica familiar inicialmente através da aplicação do Genograma, onde notamos que nenhum integrante de sua família chegou ao ensino superior, sendo que os homens eram agricultores e as mulheres donas de casa, o fato de a adolescente desejar estudar para um dia trabalhar e ser independente, algo inédito na sua família, demonstra seu desejo de romper com os valores desta. Pudemos observar também pelo Genograma a repetição das iniciais nos nomes dos componentes da família materna: a mãe se chamava Valdete, e possuía quatro irmãos com as mesmas iniciais VAL. O pai de Vânia por sua vez chamava-se Vilson, e a união entre Valdete e Vilson originou quatro filhos, sendo Vânia a mais velha, seguida por três filhos com nomes iniciados pela letra V. A escolha dos nomes não se dá ao acaso e tem um significado, no caso da família de Vânia percebemos a busca de uma padronização dos integrantes, fato que consideramos diretamente ligados ao sentimento religioso. A escolha dos nomes estaria demonstrando o quanto essas pessoas estão ligadas através de sua religiosidade, formando um grupo homogêneo, complementando os laços de sangue, percebemos a existência de um desejo de que nenhum dos componentes desse núcleo familiar se distancie de suas regras. No caso estudado, a adolescente, desde criança, ouviu seu pai pregar que Deus resolve tudo, e tudo que eles têm, como saúde ou bens matérias, provém da vontade desse Deus, passando-lhe uma imagem de não é preciso lutar pelo que se quer, pois esse pai glorificado é quem proporciona tudo. Vânia, apesar de ter internalizado a doutrina de sua

4 família durante a infância, hoje adolescente, questiona os paradigmas religiosos e o poder absoluto de Deus. Daí provém seu maior conflito, pois aos 17 anos a adolescente não possui autonomia suficiente para contrariar de forma total as ordens da família, afinal depende desta financeiramente, enquanto o afeto também lhe é importante, pois mesmo com o desejo de se realizar sua escolha livre das imposições dos genitores, necessita de apoio e segurança afetivos para lutar por seus objetivos, mesmo estes sendo divergentes dos do núcleo familiar. No trabalho desenvolvido durante o processo de Orientação Profissional, discutimos aspectos deste conflito para que a paciente pudesse integrar a idéia de cursar uma faculdade e pensasse sobre essas questões, para além de que escolha profissional seria feita. A realidade sócio-cultural do adolescente não pode ser desconsiderada, a escolha leva em conta não somente o que se quer, mas também o que se pode. Para Vânia, por exemplo, sair de casa nesse momento acarretaria uma possível desaprovação da família e da comunidade, por isso é importante ressaltarmos também que toda escolha traz perdas e ganhos. Vânia quer trabalhar e ser independente, agir e participar com outros trabalhadores, em outros cenários, diferentes do sítio e da comunidade religiosa, participando da sociedade de forma mais abrangente e política. Porém esse papel não cabe a uma mulher em sua família. O estudo e o trabalho, para ela, significam continuar questionando as regras que lhe foram introjetadas na infância, podendo então construir sua história de forma diferente do que lhe foi transmitido. No caso estudado, a cultura do núcleo familiar de Vânia conflita com sua convivência com pessoas que não são de sua religião; ela passa por privações e não se identifica com as leis às quais tem de obedecer, não sabe se deve temê-las, porém respeitá-

5 las garante o amor e proteção dos pais. Ela deseja ser independente e sonha em sair do sítio, o que representaria uma cisão, levando a parte boa e deixando as leis de uma cultura da qual não mais participaria. Contudo, ela mesma concluiu que isso acarretaria em um desgosto para a família, e o reconhecimento das pessoas que a cercam é de extrema importância no momento. Após a discussão do caso, notamos que o atendimento clínico em Orientação profissional não se encerra apenas com a escolha da profissão, mas também abre um espaço de reflexão sobre o sujeito, o que lhe auxilia na busca de identidade. Compreender as relações que se estabelecem na família prepara para o fortalecimento das próprias opiniões e das reações provocadas pela opção do adolescente.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRÉ-FUSTIER, F. e AUBERTEL, F. A Transmissão psíquica familiar pelo sofrimento. In: EIGUER, A.(org.) A transmissão do psiquismo entre gerações. São Paulo: UNIMARCO,1998, p. 129-179. BERENSTEIN,I. Família e doença mental. São Paulo: Escuta,1988. FREUD, S. Atos obssessivos e práticas religiosas (1907). In: Edição Standard Brasileira [Trad. Jayme Salomão] Rio de Janeiro: Imago,1974. vol. IX, p.119-131.. O Mal-Estar na civilização (1930[1929]). In: Edição Standard Brasileira [Trad. Jayme Salomão] Rio de Janeiro: Imago,1974. vol. XXI, p. 75-171. HASHIMOTO, F.; TEIXEIRA, M. A. R. A clínica psicanalítica de orientação profissional: relações entre adolescência, família e escolha da profissão. In: Valente, Maria Luiza Louro Castro; WAIDEMAN, Marlene Castro (organizadoras). E a família como vai? Assis: FCL Assis UNESP Publicações, 2005, p. 49-69. KAËS, R. O sujeito da herança.in: KAËS, R. et. al. Transmissão da vida psíquica entre gerações. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001. p. 9-26. PELLEGRINO, H. Pacto edípico e pacto social. In: PY, L.A. et.al. Grupo sobre grupo. Rio de Janeiro: Roco, 1987, p.195-205.