Corpos Marcados: Adolescência, Identidade e Cuidados com o Corpo na Contemporaneidade

Documentos relacionados
O período de latência e a cultura contemporânea

Violência e corpo: psicopatologia da atualidade

O LUGAR DO ADOLESCENTE NA CULTURA CONTEMPORÂNEA 1 THE PLACE OF ADOLESCENT IN CONTEMPORARY CULTURE

Reflexões... A família e a adolescência no contexto da contemporaneidade

Resumo de Monografia de Conclusão do Curso de Graduação em Psicologia, do Departamento de Humanidades e Educação da UNIJUÍ 2

PSICOLOGIA E DIREITOS HUMANOS: Formação, Atuação e Compromisso Social O USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS NA CONTEMPORANEIDADE: UMA VISÃO PSICANALÍTICA

Escola Secundária de Carregal do Sal

Sexualidade na infância. Suas etapas e definições

a condição para o surgimento de um verdadeiro símbolo não é de natureza intelectual, mas afetiva. Ferenczi (1913) - Ontogenese dos Símbolos

seguiam a corrente clássica de análise tinham como norma tratar da criança sem fazer

Prof. Me. Renato Borges

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA CÓDIGO DISCIPLINA REQUISITOS CHF 907 PSICOLOGIA APLICADA À SAÚDE --

Quando o inominável se manifesta no corpo: a psicossomática psicanalítica no contexto das relações objetais

MULHERES MASTECTOMIZADAS: UM OLHAR PSICANALÍTICO. Sara Guimarães Nunes 1

O Efeito Depressivo Eduardo Mendes Ribeiro

Plano de Ensino. Identificação. Câmpus de Bauru. Curso 2202D - Comunicação Social: Jornalismo. Ênfase. Disciplina A - Psicologia

2º Semestre de Aluno: Renata de Novaes Rezende. Ciclo IV Quarta-feira (manhã) Título: Uma breve reflexão sobre o filme Divertida Mente

1º SEMESTRE FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA PSICOLOGIA II 60 HISTÓRIA DA PSICOLOGIA: CIÊNCIAS E PROFISSÃO 60 LEITURA E PRODUÇÃO TEXTUAL 60

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA CAMPUS JAGUARÃO CURSO DE PRODUÇÃO E POLÍTICA CULTURAL

INTOLERÂNCIA E IDENTIFICAÇÃO: O MOVIMENTO EMO NO BRASIL

Freud e a Psicanálise

A CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE DA CRIANÇA: UMA REFLEXÃO SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA 1

DIMENSÕES PSÍQUICAS DO USO DE MEDICAMENTOS 1. Jacson Fantinelli Dos Santos 2, Tânia Maria De Souza 3.

QUEM SOU EU? A BUSCA PELA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NA ADOLESCÊNCIA

ARTE: Conceito, Origem e Função

VI Congresso de Neuropsicologia e Aprendizagem de Poços de Caldas

O SINTOMA EM FREUD SOB UMA VISÃO PSICANALÍTICA NO HOSPITAL

TECENDO GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL NOS CURRÍCULOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL SEXUALIDADES NAS INFÂNCIAS

Dançar Jogando para Jogar Dançando - A Formação do Discurso Corporal pelo Jogo

Saberes e Práticas na Construção de Sujeitos e Espaços Sociais: Educação, Geografia, Interdisciplinaridade

A PESQUISA FUNDAMENTADA NA FENOMENOLOGIA SOCIAL DE ALFRED SCHÜTZ

As Implicações do Co Leito entre Pais e Filhos para a Resolução do Complexo de Édipo. Sandra Freiberger

Formação de grupos sociais diálogos entre Sociologia e Psicanálise

PERÍODO EDIPIANO. Salomé Vieira Santos. Psicologia Dinâmica do Desenvolvimento

ÁREA 1: PSICOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES E DO TRABALHO. Linha 1: Processos psicossociais e de saúde no trabalho e nas organizações

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

TÍTULO: ENTRE OS LIMITES E AS POSSIBILIDADES DE UMA PERSPECTIVA PEDAGÓGICA COM A CRIANÇA TRANSGÊNERO.

CORPO, IDENTIDADE E ESTÉTICA: UMA DISCUSSÃO SOBRE OS MODELOS BIOLÓGICO E CULTURAL DE BELEZA CORPORAL NA FALA DE MULHERES GOIANAS.

INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA PSICANALÍTICA. Profa. Dra. Laura Carmilo granado

AH, O AMOR! IMPLICAÇÕES PSICANALÍTICAS RELATIVAS AO DESENVOLVIMENTO DA RELAÇÃO DE CIÚMES NO GÊNERO FEMININO

II FORMAÇÃO DE ASSESSORES E SUPERVISORES

Corpo e Emoções: Uma Resenha

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Decanato Acadêmico

A PULSÃO DE MORTE E AS PSICOPATOLOGIAS CONTEMPORÂNEAS. sobre o tema ainda não se chegou a um consenso sobre a etiologia e os mecanismos psíquicos

Período de Latência (PL) Salomé Vieira Santos. Psicologia Dinâmica do Desenvolvimento

Direito Educacional e Ética. Aula 4

ABORDAGEM AO ADOLESCENTE

Nadya Araujo Guimarães FSL Introdução à Sociologia USP, 02/2014

CURSO: PSICOLOGIA EMENTAS º PERÍODO

A IMPLEMENTAÇÃO DO PRIMEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: SENTIDOS ATRIBUÍDOS PELOS PROFESSORES À INFÂNCIA E SUA EDUCAÇÃO

IVCongresso Internacional de Psicopatologia Fundamental X Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental Trabalho para Mesa-Redonda

SIGMUND FREUD ( )

EMENTAS DAS DISCIPLINAS

As imagens e suas implicações sociais

Referência Bibliográfica: SOUSA, Charles Toniolo de. Disponível em <

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LITERATURA INFANTIL E FORMAÇÃO DE LEITOR: UM OLHAR PARA O ALUNO DO 5º ANO DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

DESCOBRINDO A SI MESMO: COMO A IMAGEM CORPORAL CONTRIBUI PARA A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE NA ADOLESCÊNCIA?

* REGINA CÉLIA FIORATI

Prefácio. Itinerário para uma leitura de Freud

O MASOQUISMO E O PROBLEMA ECONÔMICO EM FREUD. Esse trabalho é parte de uma pesquisa de mestrado, vinculada ao Programa de

Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) Instituto de Filosofia, Artes e Cultura (IFAC) Departamento de Música (DEMUS)

Programa Analítico de Disciplina CIS233 Antropologia da Saúde

O PENSAMENTO TEÓRICO NO ENSINO TÉCNICO

Psicologia. Introdução

uma relação de troca empreendida a partir de si mesmo, ou melhor, de seu verdadeiro self. Dito de outro modo, o ambiente ganha um destaque

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA CAMPUS JAGUARÃO CURSO DE PEDAGOGIA

ENSINO MÉDIO INOVADOR: DESAFIOS PEDAGÓGICOS DO TRABALHO COM OS MACROCAMPOS

O estatuto do corpo no transexualismo

A AGRESSIVIDADE NA INFÂNCIA E AS FUNÇÕES PARENTAIS NA ATUALIDADE: UM RECORTE CLÍNICO DA SAÚDE MENTAL

Lista das disciplinas com ementas: DISCIPLINAS OBRIGATÓRIAS:

ADOLESCÊNCIA: TEMPO DE ESPERA 1 ADOLESCENCE: A WAITING TIME

3 Creches, escolas exclusivas de educação infantil e escolas de ensino fundamental com turmas de educação infantil

ARTES CIRCENSES E A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR. PALAVRAS-CHAVE: Escola, Educação Física, Artes Circenses

REINSERÇÃO SOCIAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM USO ABUSIVO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS PSICÓLOGA VANESSA TAUSCHECK CRP 08/17572

ESTRUTURA DO PROGRAMA A PARTIR DE 2013 ÁREAS DE CONCENTRAÇÃO, LINHAS DE PESQUISA, PROFESSORES ORIENTADORES, TITULAÇÃO E TEMAS DE INVESTIGAÇÃO

Embasado no capítulo 4 do livro O ser da compreensão de Monique Augras ProfªEsp. Alexandra Fernandes Azevedo O ESPAÇO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS

CORPO E SOCIABILIDADE - MARCAS CORPORAIS, GÊNERO, SEXUALIDADE E RAÇA EM DIFERENTES CONTEXTOS DE SOCIABILIDADE NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO.

Cultura Emotiva, Estilos de Vida e Individualidade

Considerações Finais

A QUESTÂO DO EU, A ANGÚSTIA E A CONSTITUIÇÃO DA REALIDADE PARA A PSICANÁLISE 1

Psicanálise: as emoções nas organizações

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

RESOLUÇÃO Nº 11/08 - CEPE

ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO. Mical Marcelino Margarete Pauletto Renata Costa

Anexo I Disciplinas MESTRADO

Doença Mental??? Conceitos Fundamentais da Saúde Mental e seus fatores prédisponetes. Ou Saúde Mental???? Saúde Mental é...

Revista Educação, Arte e Inclusão. Trata-se de revista

História da Arte Publicidade e Propaganda. Aula 1: Unisalesiano Semestre

Drogas no sócio educativo: um alívio para a internação

Por uma Antropologia dos Sentidos: Resenha

AS PROPAGANDAS PUBLICITÁRIAS NA INTERNET E A ORGANIZAÇÃO DE SUAS NARRATIVAS PARA O PÚBLICO ADOLESCENTE

CEP -CENTRO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS. Curso de Formação em Pasicanálise. Ciclo IV 3ª Noite

EccoS Revista Científica ISSN: Universidade Nove de Julho Brasil

O NÃO LUGAR DAS NÃO NEUROSES NA SAÚDE MENTAL

A teoria das pulsões e a biologia. A descrição das origens da pulsão em Freud

Metaxy: Revista Brasileira de Cultura e Política em Direitos Humanos. APRESENTAÇÃO - ANO I NÚMERO 1 - Março de 2017

SEXUALIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: CONCEPÇÕES DE PROFESSORAS NO MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE-PB

A (DES)CONSTRUÇÃO DOS PROCESSOS IDENTIFICATÓRIOS: ADOLESCENTE EM SITUAÇÃO DE RUA

Transcrição:

Corpos Marcados: Adolescência, Identidade e Cuidados com o Corpo na Contemporaneidade Marcela Rezende Géa A adolescência é caracterizada por ser um período intermediário entre a infância e o mundo adulto, constituindo-se como um lugar de passagem e um momento de inserção num ambiente social distinto, marcado por angústias de perda, separação e invasão, que exigem um trabalho de reinvenção do indivíduo e de reconstrução de ideais abalados. O equilíbrio psíquico, momentaneamente conquistado na latência, é estremecido pela revolução da puberdade. Durante a adolescência, nas tentativas de reconstruir este equilíbrio, ou de estabilizar uma outra forma de bem-estar, o indivíduo reviverá situações passadas, frente as quais também será exigida a edificação de novos recursos e a construção de novas alternativas de resolução. As modificações físicas trazidas no momento pubertário impulsionam as transformações psíquicas. Dessa forma, em meio a um turbilhão de desejos, sentimentos e medos, os jovens promovem uma profunda revisão de seu mundo interno e experiências infantis, buscando dar conta das transformações físicas da puberdade e da demanda de trabalho psíquico que invade seu território. Num viés psicanalítico, a ênfase é depositada nas repercussões psíquicas provocadas em função da chegada nesta etapa da vida. Apesar de não utilizar o termo adolescência, Freud abordou o assunto das transformações pubertárias especialmente no terceiro ensaio pertencente aos Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade, no qual, mesmo partindo de uma visão ancorada nas transformações corporais, os pontos fundamentais envolvidos no desenvolvimento pubertário são observados enquanto momentos de ruptura, à luz de uma experiência subjetiva.

Neste cenário de desacomodação, o sujeito vê-se diversas vezes frente à exigência de processar psiquicamente um excesso que ora o invade de fora, ora o ataca de dentro. No corpo, o excesso encontra formas de descarga, mas não necessariamente formas de elaboração. Segundo a teoria psicanalítica, de acordo com Maria Helena Fernandes 1, o corpo é compreendido como um espaço de exposição das temáticas biológicas atravessadas pelo psiquismo. Neste sentido, podemos pensar que, neste momento, o corpo evidencia as manifestações da mudança e das diferenças em relação à infância, constituindo um território privilegiado de expressão. Num ato de reconhecimento do adolescente em relação ao seu próprio corpo, encaminhando-se à sua maneira a elaboração psíquica dos excessos que o envolvem, as marcas corporais podem ter seu lugar, num ato concreto de apropriação traçado em sua própria pele. Nossa época é marcada pelo denominado culto ao corpo e pela intensa discussão em torno deste tema. É caracterizada ainda por uma inédita fabricação de artefatos, medicamentos e publicações destinados à majoração de uma saúde padronizada, aumento da sedução e da fruição das sensações que o corpo pode proporcionar. Contudo, segundo Denise Sant Anna, as liberdades adquiridas pelo corpo implicam necessariamente em novas responsabilidades assumidas. As formas de controle sobre o corpo, criadas com o apoio técnico e cientifico, ocorrem de modo paralelo a descoberta de novas coações a serem vividas, de novas zonas de descontrole, de mistério e de risco 2. Este crescente ímpeto de uma domesticação corporal requer uma reflexão interdisciplinar sobre os limites desta normatização, assim como acerca das repercussões psíquicas decorrentes de potenciais alterações na economia libidinal do sujeito 1 FERNANDES, M.H. Corpo. Coleção Clínica Psicanalítica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. 2 SANT ANNA, D.B. (org.) Políticas do Corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 1995.

contemporâneo. Estes fatores chamam ainda mais a atenção se pensarmos no crítico momento de reconhecimento corporal característico da adolescência, assim como seu intenso trabalho de elaboração psíquica e sua reestruturação egóica. Segundo David Le Breton 3, no discurso científico contemporâneo o corpo é pensado como uma matéria indiferente, como um simples suporte para o indivíduo. Este se torna um objeto passível de ser melhorado e não mais a matriz identitária do homem. O corpo é normalmente colocado como um alter ego consagrado ao rancor dos cientistas. Subtraído do homem que o encarna a maneira de um objeto, esvaziado de seu caráter simbólico, o corpo também é esvaziado de qualquer valor. 4 Estrutura cujas peças podem ser substituídas, melhoradas, conjuntura que dá sustento a presença, contudo sem lhe ser fundamentalmente necessária, o corpo hoje é moldado em nome de uma purificação técnica da aparência e de condutas, uma retificação do ser-no-mundo, um rascunho a ser corrigido. O corpo desejado é visto como acessório da presença, implicado em uma encenação de si construída a partir da montagem de uma identidade provisória mais favorável aos interesses do momento. Para isso há a incansável submissão do corpo a uma série de técnicas: body building, marcas corporais, cirurgias estéticas, transexualismo, que representam as possibilidades de uma identidade manejável, ao gosto da afirmação de uma estética de presença.. Não é mais o caso de contentar-se com o corpo que se tem, mas de modificar suas bases para completá-lo ou torná-lo conforme a idéia que dele se faz 5.Sem o comportamento induzido pelo indivíduo, sem a padronização de um estilo de vida destinado a um fim específico, o corpo seria uma forma decepcionante, insuficiente para 3 LE BRETON, D. Antropologia del cuerpo y modernidad. Buenos Aires: Nueva Visión, 1995. 4 LE BRETON, D. Adeus ao Corpo: Antropologia e Sociedade. Campinas, PAPIRUS Editora, 2003. 5 Idem.

representar o novo indivíduo no cotidiano a ser enfrentado. A partir da constante vigilância acerca desta suspeita do corpo, este deixa de representar a unidade identitária primordial do homem para se tornar um elemento moldável de reivindicação de si perante sua afirmação pessoal e perante as possibilidades de mudanças em sua própria história. Segundo Jurandir Freire Costa 6, o despotismo do corpo perfeito se exerce pelo constante policiamento e exigência de renúncia dos hábitos contraídos na organização do esquema corporal. Assinala ainda que a subjetividade do indivíduo na sociedade ocidental contemporânea está assentada no corpo, de forma que sua autoconservação se tornou um fim em si mesmo e garantia de consideração moral na sociedade. Sendo assim, a felicidade na moral do espetáculo estaria articulada à obtenção do corpo ideal proclamado pela mídia assim como suas respectivas sensações. Exaltando o prazer das sensações e implicando em uma satisfação de caráter narcísico, a sociedade contemporânea incita um uso arriscado do corpo superinvestido libidinalmente da puberdade, na medida que este se torna um estrangeiro, portador de uma ruptura com seu passado. Neste contexto, as modificações corporais como tatuagens e piercings podem significar para o portador do corpo pubertário uma marca da apropriação, do encarnar da libido em seu redespertar num corpo cindido de seu passado. Na contemporaneidade, certos valores podem intensificar repercussões que dizem respeito à economia psíquica e a mediação da pulsionalidade na adolescência, podendo assim funcionar como incentivo a um uso arriscado desse corpo. A dualidade entre a busca por uma suposta singularidade, marcada por dinâmica que oscila entre a busca de identidade, de reconhecimento e de sentido, e entre uma adesão a marcação do corpo como fenômeno de identificação social, 6 COSTA, J. F. O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.

lógica esta transpassada pelo modo de consumir, também fazem parte de um contexto que conduz a reflexão. A adolescência, enquanto momento de desacomodação de valores e reapropriação do corpo, chama a atenção no que diz respeito ao significado da adesão às marcas corporais. A marca, que pode simbolizar uma inscrição concreta, na própria pele, de uma significação pessoal da dinâmica de crescimento, emancipação e entrada na comunidade social pelo indivíduo, também agrega em seu conjunto de sentidos o entrelaçamento do significado singular atribuído a vivência da corporalidade na contemporaneidade. Nesse sentido, a vivência individual e o circuito social interagem, não ficando restritos a um campo específico, mas sim interagindo no campo simbólico das significações e ressignificações empreendidas pelo adolescente. Cabe a psicanálise refletir e dar ouvidos aos testemunhos inquietos desta juventude, que age também como porta-voz de um mal estar ao se encontrar diante dos chamados de seu próprio âmbito corporal e das invocações de uma sociedade que o sobrevaloriza, de modo a estar alerta aos limites desta normatização, assim como de suas repercussões psíquicas sobre o indivíduo contemporâneo.