A teoria das pulsões e a biologia. A descrição das origens da pulsão em Freud
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- Vinícius Igrejas Neto
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1 Édipo 3 x 4 - franklin goldgrub 6º Capítulo - (texto parcial) A teoria das pulsões e a biologia A descrição das origens da pulsão em Freud Ao empreender sua reflexão sobre a origem da pulsão, em Introdução à Leitura de Lacan, Joël Dor tomou por base A pulsão e suas vicissitudes, de 1915, um dos cinco textos conhecidos como metapsicológicos[1]. Nesse artigo de Freud, o modelo adotado é o da primeira teoria das pulsões, que deriva os conflitos neuróticos e perversos do confronto entre as pulsões do ego e as pulsões sexuais. No âmbito de uma reflexão sobre a esquizofrenia, empreendida em Introdução ao narcisismo, de 1914, a primeira descrição do conflito pulsional fora questionada e substituída pela oposição entre libido do ego x libido do objeto. Seis anos depois, em Além do Princípio do Prazer, Freud formulará a sua segunda teoria das pulsões (pulsão de vida vs pulsão de morte, ou Eros vs Thânatos).
2 Dor pressupõe uma continuidade entre Freud e Lacan, que de fato existe, embora não a partir de A pulsão e suas vicissitudes, mas amparada nas teses apresentadas em Além do princípio do prazer (ou seja, na segunda teoria das pulsões). No artigo metapsicólogico de 1915, Freud propõe, evocando a situação da alimentação, (muito pertinentemente, aliás, visto que se trata da primeira das fases da sexualidade infantil, a oral), que a pulsão surge do instinto (e portanto que o desejo deriva da necessidade), segundo o seguinte encadeamento: Estado de privação (carência alimentar, fator orgânico) estimulação interna (aumento de tensão, dor decorrente da fome) reações observáveis (contração muscular, crispação, choro) alimentação (= supressão da estimulação interna, logo da privação, logo da tensão, logo da dor da fome) estado de saciação "traço mnésico" (inscrição na memória) dessa primeira experiência de satisfação. A inscrição na memória ("traço mnésico") da referida experiência inclui o registro do objeto que propiciou a satisfação (o seio, representação parcial da "figura materna"). A partir dessa situação inicial, ter-se-iam criado as condições para que a experiência de satisfação se transformasse na alucinação do seio sempre que o estado de privação se apresentasse novamente. Segundo A pulsão e suas vicissitudes, o respectivo mecanismo consistiria no "reinvestimento" do "traço mnésico" referente à primeira experiência de satisfação. Para contrabalançar essa situação perigosa (pois a alucinação da experiência de satisfação manteria o bebê em privação alimentar sem manifestar os respectivos sinais), a realidade interviria, impondo uma diferenciação entre a saciação "real" ou "verdadeira", decorrente da alimentação, e a saciação alucinatória, proveniente do reinvestimento do traço mnésico. Ou seja, a fome, enquanto representação da realidade, se sobreporia aos efeitos da "alucinação" provocada pelo traço mnésico da primeira experiência de satisfação. Não obstante, a experiência de
3 satisfação, seu traço mnésico e a respectiva reativação alucinatória, ainda que suplantados pela fome, não teriam sido erradicados. Segundo a hipótese freudiana, dariam origem ao psiquismo, por intermédio do princípio do prazer. O psiquismo passa a coexistir conflitivamente com o biológico (a necessidade orgânica), primeira manifestação do princípio da realidade, ao qual depois se acrescentaria outro fator, a coerção social. Ao mesmo tempo, e aceitando como ponto pacífico o imperativo da sobrevivência, coerentemente com sua adesão às teses darwinianas, Freud postulou a prevalência do princípio de realidade sobre o princípio do prazer. Pelo menos em situações extremas, como a do momento inicial da vida e, acrescente-se, antes que o conceito de inconsciente adquira o seu papel decisivo na teoria, obrigando Freud a elaborar o conceito "realidade psíquica". Mas não ainda em 1915, quando o reinvestimento do "traço mnésico" é a hipótese que explicaria a inauguração da vida psíquica (ou seja, a substituição da necessidade, orgânica, pelo desejo, psíquico). Em 1915, portanto, Freud considera que o desejo nasceria da necessidade, por mediação ambiental (agente da alimentação). O raciocínio é de uma lógica aparentemente impecável e se concilia com a primazia concedida pela ciência da época ao substrato nervoso, do qual a "mente" seria a derivação. Piaget descreve segundo uma lógica semelhante - articulação entre os fatores orgânico e ambiental - a passagem do sensório motor ao pensamento pré-operatório. Entretanto, a hipótese freudiana oferece campo à discussão. A suposição da inscrição de um "traço mnésico" referente à experiência de satisfação (saciação) se apóia necessariamente na presença da memória. Resta saber se a memória não requer, como condição prévia, a linguagem. A
4 aquisição da linguagem, por sua vez, tem como efeito a constituição do sujeito. Ao nascer, evidentemente, o bebê está na posição de infans, da qual poderá sair para a identidade de objeto (mediante o que Lacan descreveu como estádio do espelho). Se linguagem, posição de sujeito e memória estiverem intrinsecamente ligados, é difícil compreender como o bebê registraria, a partir da "primeira experiência de satisfação", o "traço mnésico" responsável pela inauguração do psiquismo. Freud não sabia da anorexia infantil, quadro raro mas inegável, em que o bebê recusa o seio e, em certos casos, precisa ser alimentado artificialmente - algo que questiona a presença do "princípio da realidade" até mesmo no primeiro momento da existência. Ou seja, se a hipótese sobre o processo de constituição do sujeito anteriormente mencionada for plausível[2], não se poderia supor presença nem de linguagem, nem de memória, nem de desejo, no início da vida. O conceito relativo à primeira experiência de satisfação parece adequar-se bem à noção de condicionamento mas é incompatível com a memória, que requer a presença da linguagem. A hipótese de Freud, referente a um bebê capaz de "lembrar" e "alucinar", é semelhante à hipótese de Dor (aliás sumamente freqüente na literatura lacaniana), de um bebê capaz de reconhecer-se no reflexo, afirmação na qual a partícula reflexiva "se" indica contraditoriamente a presença de um sujeito, quando, bem diferentemente, o infans está saindo da indiferenciação para ser lan [1] Hoje diríamos epistemológicos.[2] (1) Indiferenciação, (2) espelho = posição de objeto, comunicação, (3) posição de sujeito absoluto [eu], emergência do desejo próprio = aquisição de linguagem, (4) posição de sujeito desejante [supereu]) = reconhecimento do desejo do outro.
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