IgE sérica total em atópicos e não-atópicos na cidade de Porto Alegre

Documentos relacionados
Provas. Diagnóstico. em Alergia

RINITE ALÉRGICA E CONTROLE DA ASMA GRAVE: UM ESTUDO. Objetivo: O objetivo do presente estudo foi avaliar o papel da rinite alérgica em

Papel da IgE sérica específica no diagnóstico da alergia a epitélio e proteínas de animais

TESTES ALÉRGICOS E PARA INTOLERÂNCIA ALIMENTAR DETECÇÃO POR IGG. A RN 428, atualmente vigente, confere cobertura, na área da Imunologia, para:

Alergia. Risco de desenvolvimento de alergia em pacientes com parentes com antecedentes alérgicos. Nenhum membro da família com alergia 5 a 15 %

Testes cutâneos de hipersensibilidade imediata com o evoluir da idade

TESTE DE PUNTURA (PRICK TEST) Técnica e prática

EDITAL PARA PROVA DE TÍTULO DE ESPECIALISTA EM ALERGIA E IMUNOLOGIA CLÍNICA

Imunologia Clínica e Esofagite Eosinofílica

Hipersensibilidades e Alergias e doenças autoimunes

IMPACTO DA RINITE SOBRE CONTROLE CLÍNICO E GRAVIDADE DA ASMA EM UM PROGRAMA DE REFERÊNCIA DO ESTADO DO MARANHÃO

PROGRAMA DE ENSINO DE DISCIPLINA Matriz Curricular Generalista Resolução Unesp 14/2010, alterada pela Resolução Unesp 02/2013.

Sensitization to inhalant and food allergens in Brazilian atopic children by in vitro total and specific IgE assay. Allergy Project PROAL.

RESUMO OBESIDADE E ASMA: CARACTERIZAÇÃO CLÍNICA E LABORATORIAL DE UMA ASSOCIAÇÃO FREQUENTE. INTRODUÇÃO: A asma e a obesidade são doenças crônicas com

VARIAÇÕES FISIOLÓGICAS DA PRESSÃO DO LÍQUIDO CEFALORRAQUEANO NA CISTERNA MAGNA

Freqüência de positividade a alérgenos detectada por teste cutâneo em trabalhadores de bibliotecas e arquivo de prontuários médicos

AVALIAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE EM PACIENTES COM LEISHMANIOSE MUCOSA TRATADOS COM ANTIMONIAL

Teste cutâneo de puntura e identificação de ácaros em amostras de poeira domiciliar diferenças em populações economicamente distintas.

AVALIAÇÃO DOS VALORES LEUCOCITÁRIOS DE PACIENTES SOCIALMENTE CARENTES NO MUNICÍPIO DE JUAZEIRO DO NORTE, CEARÁ

TESTES ALÉRGICOS INTRADÉRMICOS COMO AUXÍLIO DO DIAGNÓSTICO DA DERMATITE ATÓPICA CANINA (DAC) Introdução

Imunoterapia específica: estudo de melhoria clínica

Avaliação da associação entre mês de nascimento e sensibilização a polens de gramíneas ou ácaros da poeira doméstica em uma população específica

do Acidente Vascular Cerebral

Embora tenhamos coisas em comum, não somos iguais

Asma factor de risco para hipersensibilidade aos anti-inflamatórios não esteróides?

MATRIZ DE COMPETÊNCIAS ALERGIA E IMUNOLOGIA

Cow milk allergy and bronchial asthma

PREVALÊNCIA DE IGE TOTAL E PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS PACIENTES ENCAMINHADOS AO AMBULATÓRIO DE ALERGOLOGIA DE UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO

Asma: Manejo do Período Intercrise. Pérsio Roxo Júnior Divisão de Imunologia e Alergia Departamento de Puericultura e Pediatria

Índice. Índice... ii Sumário... iii Abstract... v

Resposta cutânea a alérgenos ambientais em indivíduos atendidos em serviço de pneumologia, Maringá, Estado do Paraná, Brasil

Perfil de sensibilização a alérgenos prevalentes em clínica especializada de Catalão, Goiás

ROTINA DE AVALIAÇAO DE IMUNODEFICIENCIAS PRIMARIAS NO PSI HRAS. Dr.FABRICIO PRADO MONTEIRO

Classificação dos fenótipos na asma da criança. Cassio Ibiapina Pneumologista Pediatrico Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG,

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE

Teste Cutâneo de Leitura Imediata em um Serviço Terciário do Sul do Brasil: Relação com Diagnóstico Clínico e Gravidade da Rinite Alérgica

CLASSIFICAÇÃO GOLD E SINTOMAS RESPIRATÓRIOS EM IDOSOS ESTUDO GERIA

Jornal de Pediatria ISSN: Sociedade Brasileira de Pediatria Brasil

Imunoterapia com extratos padronizados Avanços e tendências

PLANO DE ENSINO EMENTA

STATEMENT ASBAI POSICIONAMENTO TÉCNICO DA ASBAI SOBRE O USO DA PENICILINA EM UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE

A importância do diagnóstico correto

Heterologous antibodies to evaluate the kinetics of the humoral immune response in dogs experimentally infected with Toxoplasma gondii RH strain

Análise dos níveis de Imunoglobulinas E (IgE) com valores acima de 2000

Síndrome de Eczema/Dermatite Atópica em Portugal - Perfil de Sensibilização

Influência da exposição precoce à proteína do leite de vaca no aparecimento da doença alérgica

Mediadores pré-formados. Mediadores pré-formados. Condição alérgica. Número estimado de afetados (milhões) Rinite alérgica Sinusite crônica 32.

Artigo original. Resumo. Rev. Ped. SOPERJ, v. 17, n. 3, p , out

O papel do teste cutâneo na escolha do substituto do leite de vaca em quadros alérgicos

A epidemia de alergias Fabio Carmona

Perfil de Sensibilização num hospital do litoral norte de Portugal

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DAS HEPATITES VIRAIS. Profa. Ms.: Themis Rocha

Declaração de Conflitos de Interesse. Nada a declarar.

Estudo comparativo de métodos de rastreio de atopia em doentes com rinite (ImmunoCAP Rapid versus Phadiatop e testes cutâneos em picada)

Anafilaxia. Pérsio Roxo Júnior. Divisão de Imunologia e Alergia Departamento de Puericultura e Pediatria

DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA HEPATITE AUTO- IMUNE

Prevalência da Asma em Portugal:

Página 1 de 5 GABARITO - PRÁTICA QUESTÃO 1 ITEM A

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR

Teste de contato atópico com aeroalérgenos: uma ferramenta promissora no diagnóstico da dermatite atópica

CASO CLÍNICO ASMA - PUC - PR - SPP

PERFIL ESPIROMÉTRICO E SINTOMAS RESPIRATÓRIOS NUMA AMOSTRA DE IDOSOS SEM HISTÓRIA DE DOENÇA RESPIRATÓRIA ESTUDO GERIA

Sensibilização a aeroalérgenos em pacientes com suspeita de alergia respiratória atendidos na rede pública e privada no município de Aracaju

PREVALÊNCIA DOS SINTOMAS DA ASMA EM ADOLESCENTES DE 13 E 14 ANOS

- Descrito na década de 70, mas com aumento constante na incidência desde os anos 90

CARACTERIZAÇÃO CLÍNICA E RADIOLÓGICA DA ARTROPATIA ASOCIADA AO HTLV-1

INDICADORES BIOQUÍMICOS DA FUNÇÃO RENAL EM IDOSOS

Alergia alimentar e a ácaros em crianças com dermatite atópica

Perfil de sensibilização a aeroalérgenos e espécies de ácaros mais prevalentes na cidade de Marília: dados preliminares

VACINA ANTIALÉRGICA UM TRATAMENTO DE EXCELÊNCIA IMUNOTERAPIA ANTIALÉRGICA

Influência das Variantes Genéticas Funcionais do Sistema Renina-Angiotensina na Doença Arterial Coronária.

Artigo Original RESUMO ABSTRACT

Perfil de sensibilização a aeroalérgenos e alimentos em pacientes com dermatite atópica do HSPE-SP*

ALERGIA x INTOLERÂNCIA. Mariele Morandin Lopes Ana Paula Moschione Castro

A estigmatização de um paciente pediátrico como alérgico à penicilina implica em consequências importantes, como:

Alérgenos inaláveis em Curitiba: uma revisão de sua relevância clínica

AVALIAÇÃO DA INTERAÇÃO ENTRE AMBIENTE DOMICILIAR E SENSIBILIDADE A ÁCAROS EM PACIENTES ATÓPICOS NA CIDADE DE LONDRINA

Anafilaxia por drogas: há diferenças em relação às reações desencadeadas por alimentos?

PROTOCOLO MÉDICO URTICÁRIA E ANGIOEDEMA HISTAMINÉRGICO

15/09/2016. Renata Rodrigues Cocco Universidade Federal de São Paulo. PROAL 2004 J Pediatr (Rio J). 2004;80(3):203-10

VALORES DO ENXOFRE, COBRE E MAGNÉSIO NO SORO SANGUÍNEO E NO LÍQUIDO CEFALORRAQUEANO NOS TRAUMATISMOS CRÂNIO-ENCEFÁLICOS RECENTES

PREVALÊNCIA DE PARASITOSES INTESTINAIS EM ESCOLARES NO MUNICÍPIO DE SÃO JOAQUIM, SC *

12 PROVA DE CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS ALERGISTA. Com relação à corticoterapia sistêmica na dermatite atópica grave, assinale a resposta CORRETA:

Medical literature has reported on the increase in the

Infecções Recorrentes na Criança com Imunodeficiências Primárias Pérsio Roxo Júnior

Brazilian Journal of Development

ARTIGO ORIGINAL. Rev. bras. alerg. imunopatol. 2005; 28(6): Allergen sensitization, D. pteronyssinus, Der p 1, Der p 2, IgE, ELISA.

Sensibilização a ácaros ambientais em pacientes com dermatite atópica

Declaração de Conflitos de Interesse. Nada a declarar.

RESOLUÇÃO Nº 12, DE 8 DE ABRIL DE 2019

Alergia à proteína do leite de vaca (APLV)

ASSOCIAÇÃO ENTRE ASMA E RINITE ALÉRGICA EM ESTUDANTES DE MEDICINA DO NORDESTE

Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Alergia à Proteína do Leite de Vaca

Prevalência de candidíase vulvovaginal e tricomoníase na citologia cérvicovaginal. corada por harris-shorr e sua associação com os sistemas de saúde

ESPECIALIZAÇÃO EM ALERGIA E IMUNOLOGIA PEDIÁTRICA

ALERGIA AO LEITE DE VACA. Novidades no Consenso Brasileiro de Alergia Alimentar

Antígenos e Imunoglobulinas

Etiologia da doença atópica em crianças brasileiras - Estudo multicêntrico

Transcrição:

Artigo Original IgE sérica total em atópicos e não-atópicos na cidade de Porto Alegre S.M. SPALDING*, V. WALD**, L.A. G. BERND*** *Disciplina de Análises Parasitológicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Laboratório Central do RGS. **Departamento. de Medicina Animal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. ***Disciplina de Imunologia e Imunopatologia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, RS. RESUMO OBJETIVO. Determinar em nossa cidade o nível sérico de IgE em indivíduos sadios, nãoatópicos e em pacientes atópicos com manifestações respiratórias. MÉTODOS. Foram estudados 92 pacientes atópicos e 86 indivíduos sadios de ambos os sexos, classificados em grupos de acordo com faixa etária e sexo. A presença de atopia foi determinada através da história, exame físico e reatividade a testes cutâneos de puntura com alérgenos inalantes. A IgE sérica foi avaliada utilizando-se o sistema Pharmacia Immuno-Cap. RESULTADOS. Observou-se que o nível de IgE no soro é mais elevado no sexo masculino. Os valores médios de IgE total nos pacientes atópicos (401 UI/ ml) são significativamente maiores que àqueles observados entre indivíduos não-atópicos (54,4 UI/ ml). Através desse levantamento foi possível determinar os valores normais para as faixas etárias estudadas entre indivíduos sadios de Porto Alegre. CONCLUSÕES. Nosso estudo permitiu observar que o nível de IgE entre pacientes atópicos e indivíduos não-atópicos apresenta distribuição similar àquela verificada em outros países. UNITERMOS: IgE. Atopia. Alergia. Asma Rinite. Alérgeno INTRODUÇÃO A prevalência de doenças alérgicas tem aumentado significativamente nos últimos anos. Diversos fatores são apontados como causadores deste fato, entre eles o aumento da exposição a alérgenos intra-domiciliares pela maior permanência dentro das moradias, exposição a agentes poluentes, contato com novos produtos químicos na dieta e o menor estímulo ao sistema imune pelo emprego precoce de antimicrobianos na defesa contra infecções 1-4. A associação de anticorpos com doenças alérgicas foi confirmada pela caracterização da imunoglobulina E (IgE) através dos trabalhos de Ishizaka e Bennich 5,6. A maior parte da IgE produzida se fixa a receptores de alta afinidade, presentes na membrana celular de mastócitos e basófilos. No entanto, o nível de IgE no soro guarda relação com a IgE total produzida, refletindo a quantidade total de IgE disponível ao nível celular 7. A função da IgE na imunidade não está totalmente esclarecida. Anticorpos IgE participam na defesa contra helmintos e na resposta a determinados vírus 8. Disfunções do sistema imunitário podem influenciar o nível sérico de IgE. Desta forma, é comum encontrar IgE elevada em parasitoses intestinais e cutâneas, imunodeficiências congênitas ou adquiridas, infecções virais e neoplasias 9-11. O nível de IgE no soro varia com a idade e tende a flutuar em conseqüência de contato com antígenos, fato comum também às outras classes de imunoglobulinas. Indivíduos atópicos se caracterizam por desenvolver altos títulos de anticorpos IgE para alérgenos do ambiente. Todavia, há considerável sobreposição de valores de IgE sérica entre atópicos e não atópicos 12. Disto resulta que a simples determinação de IgE no soro não discrimina indivíduos alérgicos de não-alérgicos. De modo geral a IgE sérica está mais elevada nos quadros mais extensos ou graves de atopia. Segundo este critério é possível verificar IgE mais elevada em pacientes com asma que naqueles com rinite alérgica. Pacientes alérgicos com dermatite atópica são aqueles que apresentam os níveis mais elevados de IgE sérica, conforme Merrett 13. Determinação de IgE total é freqüentemente solicitada na clínica, sobretudo na avaliação de distúrbios respiratórios e cutâneos de etiologia possivelmente alérgica. Muitas vezes a ocorrência de fatores que contribuem para a variabilidade de IgE sérica não são levados em consideração, o que pode levar à adoção de atitudes que não correspondem as reais necessidades do paciente. Diversas técnicas laboratoriais são disponíveis para determinação de IgE sérica, não existindo diferença significativa na sensibilidade e especificidade entre elas 14-16. Rev Ass Med Brasil 2000; 46(2): 93-7 93

SPALDING, SM et al. Tabela 1 Resultado médio das dosagens de IgE total (UI/mL) em indivíduos assintomáticos conforme faixa etária e sexo (M.G.) Faixa Masculino Feminino Etária IgE Limite IgE Limite confiança (anos) (UI/mL) confiança 95% N (UI/mL) 95% N 15-19 86,8 41,2-183,3 16 42,5 20,9-86,5 11 20-24 67,7 27,3-167,6 15 30,5 18,0-51,5 15 25-29 47,7 21,9-103,9 15 17,5 7,2-42,1 14 Média 78,5 - - 30,2 - - P<0,05 A carência de dados sobre a nossa realidade estimulou a realização deste estudo. Neste trabalho, investigamos o nível de IgE sérica em um grupo de pacientes atópicos de Porto Alegre, tendo como controle indivíduos não-atópicos da mesma idade e sexo. Através dos resultados procuramos caracterizar os valores de IgE em indivíduos não atópicos e aqueles associados a condição atópica. 94 MATERIAL E MÉTODOS Amostra Foram investigados 178 indivíduos de 15 a 29 anos de idade, de ambos os sexos, no período de maio a outubro de 1995. Todos os participantes foram submetidos a exame físico e preencheram questionário padronizado. A presença de atopia foi determinada através de achados ao exame físico e história positiva sendo confirmada pela reação aos testes cutâneos com alérgenos inalantes de importância regional. De todos os indivíduos foi colhida amostra de sangue para determinação de IgE no soro. Os indivíduos foram divididos em dois grandes grupos: o grupo A, considerado atópico, constituído por 92 pacientes com manifestações de asma e/ ou rinite nos últimos 12 meses e grupo B, considerado não-atópico, composto por 86 indivíduos assintomáticos. Cada grupo foi subdividido segundo sexo e faixa etária. Teste cutâneo Utilizamos alérgenos de cinco espécies de ácaros domésticos (D. pteronyssinus, D. farinae, B. tropicalis, S. pontifícia e A. ovatus) gentilmente cedidos pelo Laboratório de Acarologia da USP, pólen de gramíneas, fungos do ar e epitélio de animais domésticos (Hollister-Stier/Bayer, EUA). Os testes cutâneos foram aplicados pela técnica de puntura 17. Resumidamente, uma gota do extrato alergênico foi colocada sobre a face volar do antebraço. Através da gota, com agulha hipodérmica tipo BD 13x3,8-27,5 G1/2 efetuou-se pequena lesão superficial na pele, sem provocar sangramento. Após 20 minutos foi realizada a leitura do resultado medindo os diâmetros transversais da pápula e eritema, sendo determinada a média de ambas. Os resultados expressam esta média. Foram considerados positivos testes cutâneos que determinaram formação de pápula igual ou maior que 3 mm de diâmetro 17-19. Determinação de IgE Amostra de sangue sem anticoagulante foi obtida através de punção venosa e colocada em estufa a 37º C durante 20 minutos para formação e retração de coágulo. Depois da amostra de sangue ter sido centrifugada a 2000 rpm por 10 minutos, o soro foi separado em alíquotas e armazenado a 20º C. As determinações foram processadas no Laboratório Weinmann, Porto Alegre, utilizando técnica de Imuno-CAP (Pharmacia, Suécia). Avaliação estatística Os dados foram classificados no programa Dbase III Plus e para análise estatística foi utilizado o programa STATA 3.0. Na análise dos níveis de IgE, dada a heterogeneidade de variâncias e assimetria da distribuição, empregou-se transformação logarítmica (log. 10). Os resultados de IgE foram expressos em média geométrica (M.G.) com erro padrão (E.P.). RESULTADOS Na Tabela 1 podemos verificar que entre indivíduos não-atópicos a IgE sérica é mais elevada no adulto jovem, apresentando tendência de declínio nos indivíduos de maior idade. Esta observação é evidente entre homens e mulheres em todas as faixas etárias. Estes achados estão de acordo com aqueles já identificados em outras populações nas quais também se observa diminuição da IgE com o avançar da idade 20,21. É digno de nota (Tabela 1) que a média de IgE total dos indivíduos do sexo masculino (78,5 UI/ ml) é significativamente mais elevada que a do Rev Ass Med Brasil 2000; 46(2): 93-7

Tabela 2 Resultado médio das dosagens de IgE total (UI/mL) em indivíduos com sintomatologia respiratória, conforme faixa etária e sexo (M.G.) Faixa Masculino Feminino Etária IgE Limite IgE Limite confiança (anos) (UI/mL) confiança 95% N (UI/mL) 95% N 15-19 794,4 462,2-1365,3 18 222,8 111,2-446,4 15 20-24 461,5 228,5-932,2 15 247,8 116,0-529,0 14 25-29 466,6 277,5-778,4 15 212,9 114,4-395,0 15 Média 574,2 - - 227,8 - - P<0,05 Gráfico IgE total em atópicos e não-atópicos. sexo feminino (30,2 UI/mL). Nível mais elevado de IgE no sexo masculino é observado em todas as faixas etárias (P<0,05). A Tabela 2 apresenta os resultados obtidos na determinação da IgE sérica nos 92 pacientes atópicos. Observa-se nível elevado de IgE em todas as faixas etárias estudadas, verificando-se média de IgE total de 574,2 UI/mL no sexo masculino e de 227,8 UI/mL no feminino. Assim como no grupo controle, o nível de IgE é mais elevado nos atópicos do sexo masculino. Da mesma forma que entre os indivíduos não-alérgicos, no grupo de atópicos é detectável decréscimo da IgE total com o aumento da idade (Gráfico). Os dados indicam que o grupo de atópicos apresentou valores de IgE total superiores aos observados nos indivíduos sem sintomatologia para ambos os sexos e faixas etárias, pela análise de variância. DISCUSSÃO Desde a identificação da IgE como molécula responsável pelas manifestações alérgicas, a sua determinação sérica se tornou rotineira na avaliação destas condições. Assim como ocorre com as demais imunoglobulinas, o nível de IgE no soro é flutuante 1,10, 22. No caso específico da IgE, dentro de ampla margem da normalidade. Vários fatores podem contribuir para elevação de IgE total, como parasitoses, infecções, tabagismo, entre outros. Este fato nem sempre é compreendido e com freqüência a presença de IgE elevada é interpretada como sinônimo de processo alérgico. É difícil definir os valores normais de IgE sérica 22. Baseado em estudos de freqüência, podese afirmar que nível de IgE inferior a 20 UI/mL não sugere diagnóstico de atopia, embora não o afaste 23. Da mesma forma, IgE superior a 100 UI/mL não indica necessariamente quadro atópico, embora seja mais comum entre pacientes alérgicos. É natural que níveis extremos estejam significativamente associados a uma ou outra possibilidade. Estudos clínicos realizados para estabelecer os valores de IgE em indivíduos normais têm demonstrado valores levemente diferentes em adultos e crianças 14-16,24. De modo geral observa-se diminuição no nível de IgE com o aumento da idade 12,25. Em alguns países do Hemisfério Norte, a IgE teria importância na discriminação entre nãoatópicos e atópicos quando o nível sérico fosse inferior a 20 UI/mL ou superior a 250 UI/mL, respectivamente 26,27. Para Hamilton e Adkinson, valores superiores a 333 ku/l estão consistentemente associados à presença de atopia 12. No Brasil são esparsos os trabalhos sobre o nível de IgE em população não alérgica. Em São Paulo, Mancini e colaboradores estudaram o nível sérico de IgE em crianças com idades entre 1 e 12 meses, todas eutróficas e sem antecedentes familiares de atopia, verificando nível médio de 0,24 a 12,14 UI/ ml conforma a faixa etária 28. Entre as 188 crianças avaliadas, sete vieram a desenvolver quadro clínico sugestivo de doença alérgica e apresentavam níveis mais elevados de IgE que as crianças normais para o período etário da coleta. Prado e colaboradores estudaram nível sérico de IgE em atópicos e controles sadios na faixa etária de 0 a 72 meses. Em ambos os grupos observaram valores ascendentes de IgE acompanhando a idade. O nível médio de IgE total entre os alérgicos foi significantemente mais elevado que entre os controles sadios. Ficou caracterizado aumento gradativo de IgE total nos três primeiros anos de vida. Rev Ass Med Brasil 2000; 46(2): 93-7 95

SPALDING, SM et al. 96 Esta tendência diminui ou até se inverte ao incluir a determinação de IgE em 40 crianças com idade entre 3 e 8 anos 29. A faixa etária do grupo estudado por nós já é suscetível às influências de infecções e infestações parasitárias. Nesta situação podem ocorrer alterações significativas do nível de IgE total 24,25,30. Em publicações anteriores já se demonstrou que precárias condições de higiene e parasitoses cutâneas determinam elevação de IgE em pessoas não-atópicas 31,32. Muitas vezes na vigência de parasitoses intestinais são necessárias várias coletas para identificação do agente. Prado e colaboradores também salientam este fato 29. Em nosso caso a investigação de parasitoses intestinais tornaria impraticável a realização do estudo. Optamos pela não-realização de parasitológico de fezes uma vez que todos os indivíduos avaliados neste estudo pertencem a classe média, residindo em locais com adequadas condições de saneamento básico. Desta forma estavam sujeitos a condições similares de exposição à eventuais parasitas. Isto nos leva a crer que não introduzimos um viés que anule a avaliação global realizada. A Tabela 1 demonstra que o nível de IgE é maior para os indivíduos do sexo masculino em qualquer faixa etária considerada. No grupo controle normal se verifica que a IgE declina com a idade. É interessante ressaltar que alguns indivíduos nãoatópicos apresentam IgE acima do nível habitualmente considerado normal (até 130 UI/mL). Isto se verifica no sexo masculino entre os 15 e 24 anos de idade. O mesmo não foi detectado entre mulheres para qualquer das faixas etárias estudadas. Três indivíduos do grupo não-atópicos apresentaram reatividade aos testes cutâneos. Este fato reforça o conceito de sensibilização subclínica. Esta pode ocorrer e não ser discriminada pelo nível de IgE total no soro. O seguimento de pacientes com IgE total elevada revelou que número significativo passou a expressar clinicamente a condição atópica, através de manifestações de asma e/ou rinite alérgica 33,34. Nos atópicos se observa grande elevação de IgE total (Tabela 2). Estes valores são mais elevados nos pacientes mais jovens. No entanto, entre mulheres atópicas é possível detectar IgE dentro da faixa considerada normal. Nossos resultados demonstram a ampla variabilidade que a IgE sérica pode apresentar em indivíduos normais em diversas faixas etárias, havendo muitas vezes superposição com valores encontrados em atópicos e não atópicos (Figura 1). Possivelmente os dados refletem diferentes graus de exposição a agentes ambientais que apresentam capacidade de estimular formação de IgE. A Tabela 2 pode representar a faixa de normalidade do nível de IgE sérica em indivíduos não-atópicos em nossa população. É possível caracterizar que o nível de IgE total em pessoas não alérgicas é similar ao preconizado nos padrões laboratoriais comumente adotados. Desta forma, nossos resultados reforçam o conceito de que a determinação da IgE total deve sempre ser valorizada no contexto da história e do exame do paciente 35,36. CONCLUSÕES Analisados em conjunto, os resultados dos testes in vitro em indivíduos normais e pacientes atópicos indicam que a IgE sérica total apresenta nível mais elevado no sexo masculino. Da mesma forma observou-se que os valores médios de IgE total em pacientes atópicos foram significativamente mais altos que os dos indivíduos nãoatópicos. Através deste estudo é possível caracterizar os valores normais de IgE em UI/mL conforme sexo e faixa etária para um grupo representativo da população de classe média de Porto Alegre, que habitam em condições adequadas de saneamento básico (Tabelas 1 e 2). Por último, os dados demonstram que a IgE sérica total, quando tomada como dado isolado, não discrimina a presença ou ausência de atopia, devendo sempre ser interpretada em conjunto com dados objetivos da história do paciente. SUMMARY Total serum IgE level in atopic and nonatopic individuals in Porto Alegre, RS PURPOSE. We determined the total serum IgE levels among healthy individuals and atopic patients with respiratory symptoms in Porto Alegre. METHODS. Atopic patients (n: 92) and normal controls (n: 86) were stratified according to age and sex. Presence of atopy was recorded by history, clinical examination and skin prick test reactivity to common aeroallergens. Serum IgE was measured by Pharmacia Immuno-Cap System. RESULTS. It was demonstrated that total serum IgE is higher in males than in females. Total serum IgE levels were significantly higher in the atopic group (404 UI/mL) in comparison with the non-atopics controls (54.4 UI/mL). Our study provided the normal range for total serum IgE among atopics and non-atopics individuals in Porto Alegre. CONCLUSIONS. The profile of serum IgE among Rev Ass Med Brasil 2000; 46(2): 93-7

our population (atopics and non-atopics) is similar to the one observed in other countries. [Rev Ass Med Bras 2000; 46(2): 93-7] KEY WORDS: IgE. Atopy. Allergy. Asthma. Rhinitis. Allergen AGRADECIMENTOS Os autores registram seu agradecimento à Sra. Rosangela Ferlini Agne, técnica de laboratório da Disciplina de Imunologia da FFFCMPA pela importante participação em todas as etapas deste trabalho e à Direção e funcionários do Laboratório Weinmann de Porto Alegre pelo fundamental apoio para a realização das determinações sorológicas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS 1. Buckley RH. IgE antibody in health and disease. In: Bierman CW, Pearlman DS eds. Allergic diseases from infancy to adulthood, 2nd ed., W.B. Saunders Co., 1988, 75-94. 2. Holt PG. Environmental pollutants as co-factors in IgE production. Curr Opin Immunology 1989; 1: 643-646. 3. Hopkin JM. Mechanisms of enhanced prevalence of asthma and atopy in developed countries. Curr Opin Immunology 1997; 9: 788-792. 4. Wickens K, Pearce N, Crane J, Beasley R. Antibiotic use in early childhood and the development of asthma. Clin Exp Allergy 1999; 29: 766-771. 5. Ishizaka K, Ishizaka T. Identification of g E-antibodies as a carrier of reaginic activity. J Immunol 1966; 99: 1187-1192. 6. Bennich H, Ishizaka K, Johansson SGO et al. Immunoglobulin E, a new class of human immunoglobulin. Bull World Health Organization 1968; 38: 151-152. 7. Zeiss CR, Pruzansky JJ. Immunology of IgE-mediated and other hypersensitivity states. In: Patterson R, Grammer LC, Greenberger PA, eds, Allergic diseases: diagnosis and management, 5th ed, Lippincott-Raven Pub., 1997, 27-39. 8. Abbas AK, Lichtman AH, Pober JS. Effector mechanisms of immunoglobulin E- initiated immune reactions. In: Abbas AK, Lichtman AH, Pober JS, eds. Cellular and Molecular Immunology, 3rd ed., W. B. Saunders Co., 1997, 297-312. 9. Shearer WT. Specific diagnostic modalities: IgE, skin tests, and RAST. J Allergy Clin Immunol 1989; 84: 1112-1116. 10. Van Arsdel PP, Larson EB. Diagnostic tests for patients with suspected allergic disease: utility and limitations. Ann Intern Med 1989; 110: 304-312 11. Buckley RH. IgE disorders. In: Rich R, ed. Clinical Immunology, Principles and Practice, Mosby-Year Book Inc. 1996, 694-706. 12. Hamilton RG, Adkinson Jr NF. Assessment of human allergic diseases. In: Rich R, ed. Clinical Immunology, Principles and Practice, Mosby-Year Book Inc. 1996, 2169-2186 13. Merret TG. Quantification of IgE both as total immunoglobulin and as allergen-specific antibody. In: Kay AB, ed. Allergy and allergic diseases, Blackwell Science, 1997: 1012-1034. 14. Homburger HH, Katzmann JA. Methods in laboratory immunology: principles and interpretation of laboratory tests of allergy. In: Middleton E, Reed CE, Ellis EI, Adkinson NF, Yunginger JW, Busse W eds. Allergy: principles and practice, 4th ed., Mosby-Year Book Inc. 1993; 554-572. 15. Kjellman NM, Johansson SG, Roth A. Serum IgE levels in healthy children quantified by a sandwich technique (PRIST). Clin Allergy 1976; 6: 51-54 16. Lindberg RE, Arroyave C. Levels of IgE in serum from normal children and allergic children measured by an enzyme immunoassay. J Allergy Clin Immunol 1986; 78: 614-618. 17. Norman PS. In vivo methods of study of allergy: skin and mucosal tests, techniques, and interpretation. In: Middleton Jr. E, Reed CE, Ellis EF. eds. Allergy, principles and practice, 2nd ed., The C.V. Mosby Co.1983; 295-302. 18. Dreborg S. The skin prick test. Methodological studies and clinical applications. Linköping University Medical Dissertation, 1987; 239: 1-148, apud Niemeijr NR, Fluks AF, De Monchy JGR. Optimization of skin testing. II- Evaluation of concentration and cutoff values, as compared with RAST and clinical history in a multicenter study. Allergy 1993; 48: 598-603. 19. Position statement: allergen skin testing. J Allergy Clin Immunol 1993, 92 (5); 636-637. 20. Droste JH, Kerhof M, De-Monchy JG et al. Association of skin test reactivity, specific IgE, and eosinophils with nasal symptoms in a community-based population study. The Dutch ECRHS Group. J Allergy Clin Immunol 1996; 97: 922-932. 21. Marsh DG, Neely JD, Breazeale DR et al. Genetic basis of IgE responsiveness: relevance to the atopic status. Int Arch Allergy Immunol 1995; 107: 25-8. 22. Klink M, Cline MG, Halonen M, Burrows B. Problems in defining normal limits for serum IgE. J Allergy Clin Immunol 1990; 85: 440-444. 23. Shapiro GG. Diagnostic methods for assessing the patient with possible allergic diseases. In: Bierman CW, Pearlman DS, eds. Allergic diseases from infancy to adulthood, 2nd ed., W.B. Saunders Co. 1988; 224-238. 24. Gleich GJ, Averbeck AK, Swedlund FA. Measurement of IgE in normal and allergic serum by radioimmunoassay. J Laboratory Clin Medicine 1971; 77: 690-695 25. Barbee RA, Halonen M, Kaltenborn W, Lebowitz M, Burrows B. A longitudinal study of serum IgE in a community cohort: correlations with age, sex, smoking, and atopic status. J Allergy Clin Immunol 1987; 79: 919-927. 26. Halpern GM. Evaluation of in vitro IgE testing to diagnose atopic diseases. Clin Rev Allergy 1989; 7 (1), 23-48. 27. Johansson SGO, Yman L. In vitro assays for immunoglobulin E. Clin Rev Allergy 1988; 6 (2), 93-139. 28. Mancini I, Solé D, Naspitz CK. Níveis séricos de IgE total em crianças brasileiras normais no primeiro ano de vida. J Pediatr (Rio J.) 1996; 72 (2): 98-102. 29. Prado IB, Mello JF, Machado ML, Carvalho MDT, Leão RC. Estudo da IgE total e específica em crianças com manifestações sugestivas de atopia. Rev Bras Alerg Imunopatol 1990; vol 13, 253-282. 30. Kartasamita CB, Rosmayudi O, Demedts M. The respiratory disease working group. Total serum IgE and eosinophil count in children with and without a history of asthma, wheezing, or atopy in an urban community in Indonesia. J Clin Immunol 1994; 94: 981-988. 31. Bernd LAG, Baggio D, Kosminsky V et al. IgE response to house dust mites in scabies patients. Allergy Clin Immunol News 1994; Suppl 2: 169 (Abstract). 32. Bernd LAG, Spalding SM, Wald V, Barbiero JP, Ambrozio LC. Total IgE and mite specific IgE response: influence of the sanitation condition. J Allergy Clin Immunol 1997; 99, Nº 1, Part 2, S86 (Abstract). 33. Sherril DL, Lebowitz MD, Halonen M et al. Longitudinal evaluation of the association between pulmonary function and total serum IgE. Am J Resp Crit Care Med 1995; 152: 98-102. 34. Bruno G, Cantani A, Ragno V et al. Natural history of IgE antibodies in children at risk for atopy. Ann Allergy Asthma Immunol 1995; 74: 431-436. 35. Mendes E. Avaliação clínica do paciente alérgico - Métodos usados na identificação dos alérgenos. In: Mendes E. Alergia no Brasil, alérgenos regionais e imunoterapia, Ed. Manole, 1989, 1-20. 36. Saxon A. Immediate hypersensitivity: approach to diagnosis. In: Lawlor GL, Fischer TJ, eds. Manual of allergy and immunology, 2 ed., A Little, Brown Co. 1988; 15-35. Rev Ass Med Brasil 2000; 46(2): 93-7 97