DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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Transcrição:

Universidade Cândido Mendes Pró-reitoria de Planejamento e Desenvolvimento Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu O PAPEL DA EQUIPE PSICOSSOCIAL DO TJDFT NA ASSESSORIA AOS JUÍZES NOS CASOS DE ABUSO SEXUAL DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL Autor: LUCIANA BATISTA JUNQUEIRA Orientadora: Adriana Spinelli Data de entrega:novembro de 2009

2 Universidade Cândido Mendes Pró-reitoria de Planejamento e Desenvolvimento Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu O PAPEL DA EQUIPE PSICOSSOCIAL DO TJDFT NA ASSESSORIA AOS JUÍZES NOS CASOS DE ABUSO SEXUAL Monografia apresentada ao Instituto a Vez do Mestre Universidade Cândido Mendes como parte dos requisitos para a obtenção do Grau de Especialista em Saúde da Família Curso SAÚDE DA FAMÍLIA LUCIANA BATISTA JUNQUEIRA

3 AGRADECIMENTOS Aos meus colegas do SERAV que são capazes de tornar mais leve o dia a dia de um trabalho que envolve tamanha responsabilidade e intenso sofrimento. E, em especial à Michelle, pelo imenso apoio, disponibilidade e amizade.

4 DEDICATÓRIA Às crianças e adolescentes, vítimas de abuso sexual que têm, de forma involuntária, suas vidas marcadas para sempre e que nos ensinam diariamente o poder de superação do ser humano.

5 RESUMO Esta pesquisa teve como objetivo o esclarecimento das expectativas dos juízes quanto ao papel da equipe psicossocial do TJDFT nos casos de abuso sexual. Buscou-se também ter acesso à percepção que os magistrados entrevistados têm a respeito do trabalho que vem sendo realizado por essa equipe no atendimento a casos de processos criminais. Foram realizadas entrevistas com 4 (quatro) juízes do TJDFT por meio de questionários e posteriormente foi realizada uma avaliação qualitativa das respostas. Concluímos que as expectativas dos juízes entrevistados não parecem estar tão distantes do entendimento que tem a equipe técnica do SERAV quanto a seu papel de intervenção nos casos de abuso sexual, bem como da direção para a qual a metodologia da equipe vem se desenvolvendo. Entretanto, sabe-se que este é apenas um pequeno passo no início de uma longa jornada que só terá sentido se percorrida em conjunto.

6 METODOLOGIA O instrumento utilizado para realização da pesquisa foi um questionário estruturado (Anexo, p. 49) composto por 9 (nove) questões abertas, respondidas por 4 (quatro) juízes, sendo 2 (dois) juízes de Varas Criminais e 2 (dois) de Juizados Especiais Criminais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Três dos magistrados entrevistados são juízes titulares e um é juiz substituto. A escolha dos juízes teve como critério a disponibilidade de tempo para serem entrevistados. Todas as entrevistas foram realizadas pela autora, psicóloga do Serviço de Atendimento a Famílias em Situação de Violência SERAV do TJDFT. Em dois casos, o encontro ocorreu em dias e horários previamente agendados e nos casos restantes o contato foi feito com o juiz alguns momentos antes, por meio do diretor de cartório, possibilitando assim a realização do trabalho. As entrevistas foram realizadas entre os dias 29 de junho e 17 de julho de 2009. Elas aconteceram no gabinete dos juízes ou na sala de audiências, e todas foram gravadas em fitas cassete e, posteriormente, transcritas para análise. Para a análise dos dados, optou-se pela pesquisa qualitativa como método para investigação vez que, compreende a subjetividade do discurso dos pesquisados. De forma a melhor fundamentar as argumentações do presente trabalho foi realizado levantamento bibliográfico sobre o tema do abuso sexual contra crianças e adolescentes, utilizando-se prioritariamente de produções científicas. Os autores mais citados foram HABIGZANG, SUMMIT, GABEL e FURNISS que oferecem inúmeras contribuições teóricas, bem como dados de pesquisas que considerados referenciais no estudo da temática aqui vislumbrada.

7 SUMÁRIO Introdução...08 Capítulo I - Violência sexual contra crianças e adolescentes...10 Capítulo II - Impactos do abuso sexual e consequências da revelação...16 Capítulo III - Interface Psicologia e Direito...21 Capítulo IV - Atuação do SERAV nos casos de abuso sexual...27 Capítulo V - Discussão dos resultados...32 Conclusão...40 Anexo...45 Referências Bibliográficas...46

8 INTRODUÇÃO Desde a aprovação da Lei Federal 8.069/90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente ECA tem-se observado em todo o país, um crescente movimento das pessoas em busca da garantia dos direitos e da proteção das crianças. Essa nova posição diante do sujeito em desenvolvimento acarreta um aumento na demanda por atendimento público a essa clientela nas mais diversas instâncias: serviços de saúde, Juizados da Infância e da Juventude, Conselhos Tutelares, Delegacias de Polícia e escolas. Além disso, os profissionais que lidam com essa clientela estão mais atentos a situações que possam sugerir ou confirmar a ocorrência de violência sexual contra crianças e adolescentes. Diante disso, o aprofundamento do tema torna-se obrigatório para profissionais que lidam com o assunto e que estejam interessados em contribuir para a redução de tais ocorrências e para a minimização dos danos emocionais e sociais que se seguem a tais fatos. Assim, o tema central neste trabalho foi esclarecer o papel da equipe técnica do Serviço de Atendimento a Famílias em Situação de Violência - SERAV do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios TJDFT diante das múltiplas solicitações dos juízes. Com isso pretende-se subsidiar a equipe com informações que lhe permitam aprimorar sua atuação no Tribunal de Justiça, tanto diante das expectativas dos magistrados quanto diante das necessidades dos jurisdicionados. Buscou-se, ainda, avaliar o impacto do trabalho que vem sendo realizado no andamento dos processos judiciais do ponto de vista dos Juízes, verificando se o trabalho realizado pela referida equipe tem atendido tais demandas. No primeiro capítulo procurou-se apresentar o conceito de violência sexual contra crianças e adolescentes, e descrever os principais fatores que

9 nele se fazem presentes oferecendo, assim um breve um panorama introdutório sobre o tema. No capítulo seguinte pretendeu-se elencar as trágicas implicações que a vivência da criança ou do adolescente perante o abuso sexual pode acarretar. O terceiro capítulo inclui reflexões sobre o atual movimento das ciências do Direito e da Psicologia em direção a ações mais próximas e coordenadas e as implicações desta mudança no trabalho da pericial de psicólogos com casos de abuso sexual no judiciário. Como exemplo da possível integração desses saberes em prol de vítimas de violência consta nesse tópico a experiência do TJRS que vem desenvolvendo há alguns anos o inovador Projeto Depoimento Sem Dano. O quarto capítulo descreve o trabalho que vem sendo desenvolvido no SERAV TJDFT nos casos de abuso sexual e no capítulo cinco estão os resultados da pesquisa qualitativa com discussões baseadas na análise do discurso dos juízes entrevistados. Por fim, na conclusão buscou-se realizar algumas reflexões a partir da comparação entre os resultados obtidos e as hipóteses que nortearam o presente trabalho.

10 I VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES A concepção de infância como uma fase com características e necessidades específicas diferentes do adulto surgiu muito recentemente. Foi só no século XX com a criação da escola, que o interesse pelo estudo da criança passou a ser difundido. A partir daí, com o maior conhecimento das peculiaridades da infância, vem se desenvolvendo em todo o mundo também a noção de defesa dos direitos da criança (Braun, 2002). Ao longo da história da humanidade, crianças têm sofrido todo tipo de violência independentemente da cultura ou classe social em que vivem. Submetidas à tutela da família ou do estado que deveriam atuar como seus protetores e responsáveis, é frequente que estejam expostas a negligência, violência física, psicológica, sexual. Por serem estruturalmente dependentes dos adultos (Furniss, 1993) podem ser usadas como objeto de maus-tratos sob a justificativa do uso do poder como fonte de proteção e cuidado, mas que se transforma em abuso de poder coercitivo. O conceito de maus-tratos infligidos à infância inclui tudo o que uma pessoa faz que contribua para o sofrimento e a alienação da outra (Gabel,1997). Segundo Kaplan & Sadock (1990) os maus-tratos na infância podem variar desde a privação de alimentos, roupas, abrigo e amor parental, até incidentes nos quais as crianças são fisicamente maltratadas por um adulto, resultando em traumas e podendo levar à morte. A violência sexual, portanto, se insere nesse quadro, sendo um tipo de maus-tratos na infância que vem se tornando cada vez mais visível, envolvendo implicações psicossociais, legais e médicas (Kaplan & Sadock, 1990; Gabel, 1997).

11 Na definição de Azevedo e Guerra (2000) violência sexual é todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual entre um ou mais adultos e uma criança menor de 18 anos, tendo por finalidade estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa. Essa conceituação permite substituir o termo adultos por pais biológicos ou por afinidade, responsáveis e parentes, abrangendo assim os diversos tipos de relacionamento possíveis entre os atores envolvidos. A violência sexual contra crianças e adolescentes pode se manifestar de diversas formas: com contato físico por meio de toques, carícias, manipulação de genitais, relações com penetração anal, vaginal ou digital, sexo oral; sem contato físico (voyerismo, assédio, exibicionismo, utilização da criança para elaboração de material pornográfico ou obsceno Habigzang e cols, 2005; Balone, 2003); com contato físico com violência nos casos de estupro, brutalização, assassinato (Azevedo e Guerra, 1988). Habigzang e cols (2005) entendem abuso sexual contra crianças e adolescentes como qualquer contato ou interação entre uma criança ou adolescente e alguém em estágio psicossexual mais avançado de desenvolvimento, na qual a criança ou adolescente estiver sendo usado para estimulação sexual do perpetrador. De acordo com o contexto, o abuso sexual pode ser definido como extra familiar quando ocorre, por exemplo, na casa da pessoa que toma conta da criança, ou na casa de um vizinho, de um conhecido, de um professor, ou pode ser perpetrado também por um desconhecido. Todavia, mais frequentemente, os abusos acontecem dentro da própria família da vítima e envolvem pais, padrastos, irmãos, avós, ou seja, pessoas de confiança da criança e da família e que têm a função de cuidadores dessas crianças. Esses abusos são considerados intrafamiliares ou incestuosos, já que, mesmo sem haver laços consaguíneos, envolvem uma criança e um adulto por ela responsável (Braun, 2002; Habigzang e cols, 2005) Além disso, os abusos podem acontecer de forma repetitiva e prolongada, atravessando fases determinantes do desenvolvimento da criança, ou podem ocorrer como um ato acidental e único (Bouhet, Pérard e Zorman, 1997) e logo virem à tona por meio de uma denúncia ou descoberta.

12 Assim, quando se fala em abuso sexual, necessariamente está-se tocando em temas como violência, agressão, uso de força e coerção sexual que invadem e destroem o direito alheio. Segundo Faleiros e Faleiros (2001): (...) as práticas de violência sexual interpessoal e comercial contra crianças e adolescentes são uma violação dos direitos humanos e sexuais, e dos direitos particulares de pessoa em desenvolvimento. Além de violação à integridade física e psicológica, ao respeito, à dignidade, à sexualidade responsável e protegida, é violado o direito ao processo de desenvolvimento físico, psicológico, moral e sexual sadios. A violência sexual na família é uma violação ao direito a uma convivência familiar protetora (pág.9). No abuso sexual, não estão envolvidos jogos sexuais ou trocas afetivas próprios do desenvolvimento saudável da sexualidade. Summit (1983) afirma que o molestamento de crianças não pode ser considerado nem mesmo, um gesto cuidadoso de desvelo, mas uma busca desesperada e compulsiva de aceitação e submissão. Assim, pode-se dizer que esse tipo de violência constitui uma interação na qual o uso do poder do abusador sobre sua vítima está implícito e é utilizado como instrumento para permitir a ocorrência dos abusos, sua repetição e a manutenção do segredo. O adulto em geral, independentemente de seu sexo, detém poder sobre a criança que aprende a obedecer aos pedidos dos mais velhos, sem saber se quer ou não fazer o que lhes é pedido (Saffioti, 2000). Além disso, quando o abuso sexual acontece dentro da família, a ameaça da perda do amor ou da segurança familiar, caso a violência venha a ser descoberta, é mais assustadora para a criança do que qualquer ameaça de violência (Summit, 1983). Nesses casos, a situação abusiva envolve um perpetrador que está em uma posição de confiança e, aparentemente, de amor. Assim, nesse tipo de relacionamento existe um misto de autoridade e afeto entre o abusador e a criança vitimizada e o desequilíbrio de poder da relação torna-se ainda mais claro, aumentando o desamparo da criança (Summit, 1983).

13 Ao se abordar o tema do abuso sexual de adultos contra crianças estáse diante de uma situação que envolve parceiros com funcionamento assimétrico e características físicas muito diferentes (Lamour, 1997). Na infância e adolescência, as funções afetivas e cognitivas do sistema nervoso central não amadureceram e não foram ainda totalmente reguladas (Inoue e Ristum, 2008). Tal condição resulta em uma qualidade diferente nas comunicações das crianças e em sua maneira de comportar-se, relacionar-se e pensar (Furniss, 1993). Existiria, assim, um grande desequilíbrio das relações de poder, já que a vítima, não se encontra em pleno desenvolvimento de sua capacidade emocional, social e cognitiva que a permita consentir, impedir ou julgar o que está acontecendo da mesma forma que um adulto o faria. Como se viu, o assunto da violência sexual infantil é um fenômeno bastante complexo. Além das questões descritas, o tema envolve fatores como a dificuldade em se falar sobre sexualidade infantil, o medo dos adultos em se deparar com falhas em seu papel de protetores, o tabu do incesto, a dinâmica abusiva que envolve o segredo mantido por meio de ameaças à criança e a adição que consiste no comportamento compulsivo e incontrolável do abusador. Ainda que Freud tenha jogado luz sobre a existência da sexualidade também nessa fase de desenvolvimento, sabe-se que ainda hoje as famílias abordam o assunto com dificuldades. São comuns dúvidas como: "Será que tanta informação não acabará por estimular meu filho na direção errada?", ou "Quem deve falar com a criança? Qual a idade ideal para se dar início à conversa sobre sexo com meus filhos?, Que palavras devo usar?" Em geral parece mais fácil abordar o assunto do ponto de vista biológico vinculando as explicações à reprodução. Porém, abordar a sexualidade como uma construção histórica e cultural estabelecida por meio das experiências de vida das pessoas, ainda é uma conquista a ser feita por muitas famílias. E essa barreira resulta em grandes obstáculos na prevenção de violências sexuais contra as crianças. Outra questão envolvida nesse intrincado tema é que, pelo fato de as crianças estarem em geral sob os cuidados dos pais ou outros responsáveis da

14 família, quando a violência sexual sofrida vem à tona, esses adultos muitas vezes se sentem desqualificados no exercício do papel parental resistindo a considerar a possibilidade de encarar um abuso em sua família, o que muitas vezes torna impossível a intervenção de terceiros no sentido de auxiliar na interrupção da dinâmica abusiva. O tabu do incesto é um dos conceitos mais comuns e difundidos entre todas as sociedades humanas. Na situação de violência sexual intrafamiliar, que ocorre em segredo, a criança não é capaz de reagir e só lhe resta submeter-se. Assim surgem os sentimentos de vergonha, humilhação e inferioridade, medo de violência contra si ou contra alguém que ama, medo de que não acreditem nela, etc., o que contribui para a manutenção do segredo e aumenta a probabilidade de que os abusos continuem a ocorrer(braun, 2002). Na dinâmica do abuso sexual, a imposição do segredo está diretamente ligada à psicopatologia do abusador. Por gerar intensa reprovação social, o agressor se esconde utilizando-se de ameaças e barganhas à criança abusada como forma de garantia do segredo. Complementarmente a criança é usada para obter excitação sexual e alívio das tensões gerando dependência psicológica e negação da dependência. Para isso, o agressor precisa que ela guarde segredo para a continuação da adição (Habigzang e cols, 2005). O abuso sexual pode ser caracterizado por uma progressão ascendente em suas formas de manifestação que inicia quando a criança é muito pequena e envolve brincadeiras e carícias mais sutis. À medida que a criança cresce, passa-se para uma fase de interação sexual com manipulação dos genitais e até relações sexuais orais ou genitais frequentemente na adolescência. Tudo isso mantido às escondidas por meio de ameaças, compensações, imputação de medo ou vergonha (Habigzang, 2005). Segundo pesquisas (Summit, 1983, Ballone, 2003, Habigzang, 2005) a maioria dos casos de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual são do sexo feminino e estas são vitimadas mais frequentemente do que os meninos no ambiente familiar (Bouhet, Pérard e Zorman, 1997, Habigzang, 2005). Na maior parte dos casos o agressor é do sexo masculino e é conhecido da vítima (Summit, 1983, Bouhet, Pérard e Zorman, 1997, Balone, 2003,

15 Habigzang, 2005) contrariando a ideia de que a ameaça se encontra em pessoas estranhas e com aparência amedrontadora. Os pais biológicos são os abusadores mais freqüentes seguidos dos padrastos das vítimas. Segundo a literatura (Summit, 1983) tal incidência pode ser compreendida considerandose a impotência da criança em dizer não a uma figura paterna ou materna que é tida como referência de confiança e fonte de afeto. Como fatores de risco para a ocorrência do abuso sexual são considerados o desemprego, o abuso de álcool e drogas, dificuldades econômicas, famílias reconstituídas e a presença de outras formas de violência (Habigzang, 2005). Habigzang (2005) e Summit, (1983) afirmam ainda que, embora a maior incidência de violência sexual ocorra quando as vítimas têm menos de 12 anos, é na adolescência que a maioria dos casos é revelada. Assim, os abusos sexuais são mantidos em segredo por anos, até que a vítima consiga revelar os abusos ou algum adulto não-abusivo suspeite e realize a denúncia. A maior parte do abuso sexual que está acontecendo nunca é revelado, pelo menos nunca fora da família imediata. Os casos tratados, denunciados ou investigados são a exceção não a regra. A revelação é consequência de um conflito familiar avassalador, da descoberta acidental por terceiros ou através do esforço cuidadoso e da educação comunitária de agências protetoras de crianças. (Summit, 1983, pags 13 e 14) Assim, sabe-se que embora a visibilidade do assunto na mídia venha crescendo enormemente por meio de uma avalanche de reportagens em jornais, revistas, televisão, a subnotificação ainda é uma realidade em nosso país, e isso se deve a fatores como sentimentos de culpa, vergonha, tolerância da vítima; relutância de alguns médicos em reconhecer os fatos e denunciá-los; insistência de tribunais por regras estritas de evidências e o medo da dissolução da família se o abuso for descoberto, entre outros.

16 II IMPACTOS DO ABUSO SEXUAL E CONSEQUÊNCIAS DA REVELAÇÃO A vivência do abuso sexual pode ter um impacto dramático para a vítima e suas conseqüências físicas e psicológicas podem ser devastadoras e perpétuas (Kaplan & Sadock, 1990). Segundo Habigzang e cols. (2005), o desenvolvimento de crianças e adolescentes pode ser afetado de diferentes formas, já que algumas demonstram implicações mínimas ou aparentemente nulas, enquanto outras desenvolvem graves problemas emocionais, sociais e/ou psiquiátricos em função do abuso. Contudo, dificilmente uma criança sexualmente abusada não apresentará sintomas (Amazarray e Koller, 1998). Mesmo que uma vítima de tal violência não evidencie sintomas externos, não significa que ela não sofra ou não venha a sofrer com os efeitos dessa experiência, já que suas conseqüências podem estar ainda latentes e talvez venham a se manifestar em um momento posterior da vida. Por exemplo: diante de uma crise evolutiva ou situacional ou frente ao estresse. Apesar da complexidade e da quantidade de variáveis envolvidas no impacto do abuso sexual na criança, é possível encontrar na literatura a descrição das conseqüências emocionais mais freqüentes da vitimização sexual como depressão, ansiedade generalizada, estresse pós-traumático, déficit de atenção e hiperatividade e transtornos de conduta (Habigzang e col, 2009). Amazarray e Koller (1998), em revisão bibliográfica mencionando outros estudiosos afirmam que as principais reações de vítimas mulheres adultas logo após a violência sexual são: medo, depressão, ansiedade, raiva, hostilidade e comportamento sexual inapropriado. Mulheres adultas, sexualmente abusadas quando crianças manifestam: depressão, comportamento autodestrutivo,

17 ansiedade, sentimentos de isolamento e estigmatização, baixa auto-estima, tendência à revitimação e abuso de substâncias. Wright e Scalora (1996), citados em Amazarray e Koller (1998) apontam conseqüências para as crianças a curto e a longo prazos: alta atividade sexual quando ainda crianças, perdurando até a adolescência e vida adulta; confusão e ansiedade quanto à identidade sexual no caso dos que sofreram abuso homossexual (especialmente no caso de meninos); dificuldades no ajustamento sexual adulto (dificuldades conjugais, impotência, ansiedade sexual, menor satisfação sexual, evitação de sexo ou desejo compulsivo por sexo) e confusão quanto aos valores sexuais. Amazarray e Koller (1998) afirmam ainda que muitos autores enfatizam o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) como uma implicação a curto prazo muito comum do abuso sexual. Tal reação extrema seria uma tentativa da vítima de organização do sentido da experiência traumática, o que geraria condutas ou estruturas de pensamento patológicas. Nesse mesmo texto Amazarray e Koller (1998) demonstram que o comportamento sexual inadequado é um sintoma muito característico de crianças sexualmente abusadas e inclui brincadeiras sexualizadas com bonecas, introdução de objetos ou dedos no ânus ou na vagina, masturbação excessiva e em público, comportamento sedutor, conhecimento sexual inapropriado para a idade e pedido de estimulação sexual para adultos ou outras crianças. Furniss (1993) e Habigzang e cols.(2005), fazendo referência a outros estudiosos, afirmam que os danos emocionais do abuso sexual da criança podem advir de diversos fatores: a idade do início do abuso; a duração da violência sexual a que a criança foi submetida; o grau de violência ou ameaça de violência; a diferença de idade entre a pessoa que cometeu o abuso e a criança que sofreu o abuso; o quão estreitamente a pessoa que cometeu o abuso e a criança eram relacionadas; a ausência de figuras parentais protetoras; o grau de segredo; a saúde emocional prévia da criança; o tipo de atividade sexual imposta à criança; a reação dos outros após a descoberta dos fatos; a possibilidade de dissolução da família depois da revelação; o fato de a

18 vítima receber recompensa pelo abuso e a negação por parte do perpetrador de que o abuso tenha acontecido. Além dessas implicações, em crianças sexualmente abusadas os sentimentos de culpa são comuns estando entre os mais graves efeitos emocionais resultantes da interação abusiva, especialmente se essa foi incestuosa e durou muito tempo (Amazarray e Koller, 1998). Segundo Amazarray e Koller (1998), ainda em sua revisão bibliográfica, o comportamento social das vítimas também é afetado em função da vivência de abuso sexual. Por exemplo, a dificuldade em confiar nos outros é uma conseqüência comum. Além disso, crianças sexualmente abusadas compartilham menos, ajudam menos, e se associam menos a outras crianças, quando comparadas com crianças não abusadas. Outras conseqüências no que diz respeito ao comportamento interpessoal incluem o retraimento e relacionamentos superficiais, além do risco de tornarem-se adultos abusadores. Entre as possíveis conseqüências físicas da violência sexual da criança Braun (2002) cita: a) lesões físicas como hematomas, contusões, fraturas, queimaduras de cigarro; b) lesões genitais sendo a laceração da mucosa anal, a mais freqüente; c) gravidez. Essas gestações costumam ser problemáticas tendo complicações orgânicas de origem psicossomática que podem levar a mortalidade materna e fetal; d) doenças sexualmente transmissíveis: gonorréia, sífilis, herpes genital, AIDS; e) disfunções sexuais causadas por seqüelas orgânicas que dificultam ou impedem a concretização do ato sexual. Estas decorrências também merecem atenção e cuidados por parte dos adultos responsáveis pela criança, já que sua gravidade pode acarretar ainda mais danos psicológicos. (Amazarray e Koller, 1998).

19 Acrescente-se a todos esses danos primários que acometem as crianças e adolescentes vitimados pela abusiva, mais um fator que torna o processo de vivência do abuso sexual altamente sofrido: a própria revelação dos fatos não é algo inicialmente gerador de alívio, já que é capaz de expor a vítima e sua família a outros sofrimentos. Na revelação de um abuso extrafamiliar, não apenas a descoberta de que um dos membros da família esteve envolvido em uma situação tamanha violência é geradora de angústia. Também surgem sentimentos como fracasso no papel de proteção de seus membros, vergonha de ver a intimidade do grupo familiar exposta, medo de represálias por parte do autor e a descrença no sistema judicial. Porém, a revelação nessas condições, parece ser facilitada pelo fato de não haver laços afetivos entre os envolvidos. Em contrapartida, nos casos em que o abuso sexual acontece dentro da família, outras questões devem ser consideradas, já que a revelação do abuso é capaz de provocar mudanças profundas na dinâmica e na configuração do grupo familiar que podem ir desde a separação conjugal, até mesmo o afastamento da criança de seu lar e o rompimento de importantes laços afetivos. Furniss, (1993) descreve os danos secundários que podem ocorrer a partir de intervenções profissionais não coordenadas que se seguem à revelação do abuso sexual da criança. Podem surgir situações de estigmatização social, em que a criança abusada e sua família tornam-se condenadas socialmente pelos vizinhos, escola e companheiros, além de poderem sofrer dificuldades materiais e sociais em função de o abusador deixar a família ou ser preso. A traumatização secundária no processo interdisciplinar é outro dano secundário possível. Acontece quando as crianças que sofreram abuso sexual são arrastadas para conflitos institucionais estruturais quando há discordâncias entre o sistema legal e as necessidades psicológicas e de proteção da criança. Um terceiro nível de dano secundário seria a traumatização secundária no processo família-profissionais quando as intervenções são realizadas de forma a não contemplar os aspectos circulares e relacionais do abuso sexual da criança e acabam priorizando ou apenas a punição do autor, ou apenas a proteção da

20 criança (retirando-as da convivência familiar) e excluindo assim, a possibilidade de tratamento considerando-se o contexto familiar. A traumatização secundária no processo familiar inclui os danos advindos da falta de crença na criança e da negação por parte da pessoa que cometeu abuso e dos membros da família, quando não há provas de que o abuso sexual tenha de fato ocorrido. Por fim, a traumatização secundária no processo individual ocorre quando as crianças que sofreram o abuso provocam rejeição, punição ou novos abusos por meio de seu próprio comportamento (Furniss, 1993). Além de todas as implicações que cercam a criança e sua família após a revelação da violência sexual, outro fator ainda contribui para que se considere a complexidade desse momento pelo qual passam essas pessoas: a vivência de um processo legal lento, caracterizado pela repetição incessante de depoimentos, pela falta de provas, pela falta de crédito observada nas autoridades e pela escassa oferta de apoio na rede que seja capaz de acolher a vítima e sua família, bem como propiciar um espaço de tratamento para o autor. Com tantas possíveis conseqüências nefastas tanto da experiência abusiva quanto da revelação do abuso, é importante que os profissionais da Justiça estejam atentos para não contribuir com o risco de revitimização da criança ou adolescente acentuando-se assim seu sofrimento e o sofrimento de sua família. Por revitimização entende-se tanto a vivência de novas situações abusivas às quais a vítima é submetida pelo mesmo agressor ou por outras pessoas quanto a revivência do abuso a cada vez em que a criança vítima tem que relatar os fatos ocorridos nas diversas instâncias policiais e judiciais. Nesse sentido, destaca-se a importância do desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar em que as questões legais e o tratamento relacionamse mutuamente de maneira complexa e nova (Furniss, 1993), favorecendo tanto os trâmites processuais e o poder de Justiça do Estado quanto a proteção e os cuidados integrais à criança e a sua família.

21 III INTERFACE PSICOLOGIA E DIREITO Segundo a corrente positivista da Teoria Geral do Direito, para que uma relação processual seja justa e válida o magistrado deve analisar os fatos jurídicos de um processo utilizando-se ao máximo de imparcialidade, racionalidade e objetividade para que forme seu convencimento sem interferência de qualquer elemento externo ao processo. (Costa e Granjeiro, 2007). No entanto, as pessoas que aguardam julgamento de suas ações judiciais nas Varas Criminais são participantes de fenômenos sociais cada vez mais complexos que exigem a aplicação da lei de forma que se considere a articulação entre os saberes de maneira a atender a diversidade, a unicidade, o sujeito e o seu contexto... (Costa e Granjeiro, 2007). Felizmente, uma recente aproximação entre a Psicologia e o Direito vem se delineando nos últimos anos com o aumento significativo do número de cargos de psicólogos nas organizações de justiça do país como Tribunais, Promotorias de Justiça, Delegacias e escritórios de advocacia. Nos Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina; Mato Grosso e Goiás; São Paulo e Rio de Janeiro; Pernambuco, Ceará e Piauí; Amapá, entre outros, já existem serviços psicossociais para assessoria aos magistrados. Segundo Cesca (2004) tal movimento teve seu marco em 1980, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo quando psicólogos voluntários passaram a oferecer apoio a questões familiares para pessoas encaminhadas pelo Serviço Social. Em 1985, o presidente do mesmo Tribunal apresentou à Assembléia Legislativa, um projeto criando o cargo de psicólogo judiciário. Para o TJDFT foram empossados, recentemente - 2008 e 2009-24 (vinte e quatro) psicólogos por meio de concurso público para o preenchimento de vagas (dados fornecidos pela Secretaria de Recrutamento e Seleção de Pessoal SERESE em 10 de julho de 2009). O órgão conta hoje com 70

22 (setenta) Analistas Judiciários Apoio Especializado Psicólogo e 72 (setenta e dois) Analistas Judiciários Apoio Especializado Serviço Social. Já há postos de atendimento da Secretaria Psicossocial nos Fóruns de algumas cidades satélites de Brasília e a tendência parece ser a descentralização dos serviços desta Secretaria, de forma a garantir a presença cada vez mais próxima dos profissionais nas comunidades atendidas pelos juízos. A presença de número tão expressivo desses profissionais em um Tribunal de Justiça revela a crescente valorização dada pela instituição a outras áreas de conhecimento em busca de uma maior efetividade nas decisões judiciais. O Sistema Judiciário parece estar buscando, além da solução jurídica dos processos, o auxílio e o atendimento a necessidades mais amplas dos atores envolvidos nas Ações Judiciais. Contudo, grandes diferenças são ainda observadas e parecem estar na base das intervenções dos profissionais já citados. O psicólogo, por exemplo, ao analisar a situação abusiva com base em sua formação acadêmica, tende a considerar as dinâmicas relacionais e sociais envolvidas, optando por ampliar seu olhar sobre os fatos. Parte-se do pressuposto que, isoladamente, os fatos são destituídos de significado e que não abrangem aspectos subjetivos, afetivos e interacionais da dinâmica que os comportam. Para os operadores do Direito, porém, o foco em um processo de abuso é a descoberta da verdade por meio de provas e o alargamento do olhar sobre os fatos pode não ser desejável. Sabe-se que nos casos em que ocorre o abuso sexual de crianças e adolescentes, o mais comum é que não haja testemunhas, já que tal crime acontece em regra - às escondidas, longe da presença de terceiros. Ademais, o abuso sexual pode não deixar evidências físicas. Assim, muitas vezes o processo judicial conta apenas com o testemunho do ofendido, que nesses casos é uma criança ou adolescente. De acordo com Jacinto (2008), em um processo, o depoimento da vítima não tem o mesmo peso como prova, que o depoimento de terceiros. Além disso, se as palavras de um adulto podem gerar dúvidas, a confiabilidade na palavra da criança ainda é mais frágil na cultura adultocêntrica em que vivemos. Nucci (2008, p. 444, citado em JACINTO, 2008) informa que, quando

23 se trata de crianças, tem-se a expectativa de um depoimento fantasioso, podendo estar sugestionado por um adulto, mal-intencionado ou não, já que falta à criança, maturidade para compreender o significado e as conseqüências da sua atitude. Ademais, seu relato pode estar sujeito a divergências advindas de sua tentativa de proteger o agressor que, na maioria dos casos é um membro da família ou alguém por quem nutre algum tipo de afeto. Jacinto (2008) afirma ainda que, é considerando tais possibilidades que surgem as incertezas do magistrado em realizar o julgamento tendo como conjunto probatório apenas a palavra da referida vítima. A mesma autora revela uma questão interessante: em pesquisa realizada nos Tribunais de Justiça de Santa Catarina, Distrito Federal, Minas Gerais, Paraná, e Rio Grande do Sul, além dos julgados no STJ, nos processos de abuso sexual contra a criança nos quais há ausência de prova material e quando o depoimento da vítima é um dos poucos indícios constantes do conjunto probatório, a palavra da criança vítima de abuso sexual tem influenciado a decisão dos juízes quando coerente e corroborada por outras provas constantes dos autos, sendo raras as situações em que decidem com base unicamente no seu depoimento, embora aconteça, mas, ainda assim, é exigida forma lógica e sem contradições. Ou seja, quando, na fala da criança, observam-se incoerências e relatos não apoiados por outra prova, seu testemunho ainda é visto como fabulação ou sugestionabilidade, não sendo considerada a possibilidade de a criança estar confusa, reação natural diante da violência da qual foi vítima. Contrariando tais crenças, porém a literatura afirma o contrário. Segundo Summit (1983) a imensa maioria das acusações de abuso sexual contra crianças e adolescentes investigadas mostra ser válida. Furniss, (1991), corroborando tal afirmação diz que a experiência clínica mostra que, geralmente as crianças que fazem declarações de terem sofrido abuso sexual na família não mentem, mas falam a verdade. Em nosso país existe legislação que dispõe sobre a proteção da criança e do adolescente contra qualquer forma de violência e prevê penalidades tanto

24 para os que praticam o ato quanto para os que se omitem (Constituição Federal, Código Penal Brasileiro, Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA). Porém, ao contrário do que o ECA e a Constituição Federal preconizam, a intervenção judicial não prioriza a proteção à criança, e sim as investigações dos fatos e a responsabilização do agressor. O fato de não existir normativa processual que diferencie a inquirição de adultos da oitiva de crianças e adolescentes dá espaço para expô-las a novas situações de vitimização, por meio da insensibilidade com que são tratadas e por serem desconsideradas em sua condição de pessoa em desenvolvimento (Cezar, 2007). Além da forma de inquirição ser potencialmente danosa para a vítima, os interrogatórios múltiplos a que é submetida (família, escola, Conselho Tutelar, delegacia, Instituto Médico Legal, serviço psicossocial, audiências) podem significar novas fontes de estresse ou sofrimento para a criança ou adolescente. Com base nessa preocupação, países como Inglaterra, França, Espanha, Argentina, Chile, EUA, Canadá, vêm buscando desenvolver práticas alternativas não-revitimizantes de tomada de depoimento de crianças e adolescentes que tenham sido alvo de violência (Santos e Gonçalves, 2008). No Brasil, encontra-se em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 4.126, de 2004 que garante a tomada especial de depoimentos de crianças e adolescentes e permite adaptar as técnicas jurídicas às necessidades das psicossociais das crianças envolvidas (Santos e Gonçalves, 2008). A Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre RS possui trabalho pioneiro no país na inquirição de crianças e adolescentes envolvidos em processos judiciais com a implantação de Projeto Depoimento Sem Dano que acontece desde 1999 (Cezar, 2007). Intervenções semelhantes vêm sendo experimentadas em outros Tribunais ao redor do Brasil, inclusive no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. O Projeto Depoimento Sem Dano consiste na realização da oitiva da criança fora do ambiente formal da sala de audiências, em uma sala especialmente projetada para tal fim. Este cômodo deverá estar ligado por vídeo e áudio ao local onde se encontram o Juiz, o Promotor de Justiça e o

25 Advogado do acusado que têm a possibilidade de interagir durante o depoimento. A entrevista com a criança é realizada por técnicos devidamente preparados para tal tarefa evitando-se assim, que a vítima se exponha a perguntas inapropriadas, impertinentes e agressivas, tornando mais tranqüilo o momento de seu depoimento, respeitando-se suas condições pessoais e oferecendo maior fidedignidade na coleta das declarações (Cezar, 2007). Apesar de não haver ainda consenso entre as entidades de classes dos psicólogos e assistentes sociais a respeito da conveniência da participação desses profissionais no momento da realização da produção de provas processuais, como propõe o Projeto Depoimento Sem Dano do TJRS, é preciosa a discussão gerada em torno da necessidade de serem criadas novas formas de se ouvir crianças na Justiça. É evidente o desconforto e o estresse psicológico que as crianças e adolescentes vítimas de violência sexual sofrem durante a oitiva no sistema processual vigente. Esse desconforto, por sua vez, dificulta o depoimento das vítimas por incluir sentimentos de medo, vergonha, raiva, ressentimento, culpa e pode comprometer a obtenção de provas consistentes, gerando assim baixos índices de responsabilização de pessoas que cometem violência sexual contra esses indivíduos. Dessa maneira, o desconforto, o estresse psicológico e o medo que crianças e adolescentes sentem ao depor em processos judiciais, conectam-se com a impunidade (Santos e Gonçalves, 2008). Froner e Ramires (2008) entendem que o atendimento às crianças vítimas de violência sexual no cenário do Judiciário exige competências múltiplas dos profissionais, que devem estar emocionalmente preparados e tecnicamente capacitados para a realização de intervenções adequadas com crianças. Em revisão bibliográfica revelam ainda a importância de o profissional que realiza a escuta ter conhecimento teórico e prático na área da saúde mental, além de empatia e sensibilidade para lidar com as crianças em sofrimento e com o fenômeno do abuso independente da área em que este profissional atue. Destacam ainda a importância de que o profissional tenha conhecimento da legislação específica para realizar a escuta das crianças na esfera jurídica.

26 Infelizmente, por maiores que sejam os esforços investidos para evitar a prática da violência sexual contra as crianças e adolescentes, os abusos sexuais continuarão a acontecer longe dos olhos da maioria de nós. Os profissionais de psicologia trabalham em respeito ao sujeito humano e seus direitos fundamentais, buscando eliminar quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Código de Ética Profissional do Psicólogo). Assim, especialmente os que atuam na Justiça não podem fechar os olhos para a atual abordagem judicial que vem sendo realizada nos processos jurídicos que envolvem crianças e adolescentes. Nesse sentido, acredita-se que, o caminho que levará às mudanças processuais necessárias para a garantia do bem-estar e não-revitimização das crianças está no desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar que compreenda que o conhecimento não é virtude apenas de um ramo da ciência, mas inclui diferentes entendimentos e visões.

27 IV ATUAÇÃO DO SERAV NOS CASOS DE ABUSO SEXUAL METODOLOGIA ATUAL No Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios - TJDFT a Secretaria Psicossocial Judiciária conta com a equipe do Serviço de Atendimento a Famílias em Situação de Violência SERAV para atendimento de casos com a temática da Violência Doméstica. Nesse setor são atendidas situações de violência contra a mulher, maus-tratos à criança e ao adolescente, violência intrafamiliar e o abuso sexual que é o tema desse trabalho. Nos últimos anos, tem-se observado o crescimento expressivo do número de determinações judiciais para que sejam realizadas intervenções psicossociais a casos de abuso sexual. Por conseguinte, o aumento da demanda tem provocado no Serviço a necessidade de uma delimitação mais clara do papel que a equipe psicossocial deve exercer diante dessa tarefa. O SERAV tem como atribuição principal executar atividades de assessoria técnica aos Juízes dos Juizados Especiais e das Varas Criminais. Formada por psicólogos e assistentes sociais, a equipe tem em seu perfil a característica da constante busca da excelência em seu trabalho, o que os têm levado a procurar responder aos pedidos dos magistrados sem perder de vista a preocupação com a ética e o bem-estar emocional das vítimas. Percebe-se, que teor das determinações encaminhadas ao SERAV para intervenção nos casos de abuso sexual é extremamente variado. A equipe recebe solicitações que vão desde avaliação psicológica e tratamento da vítima; até confecção de relatório, elaboração de estudo psicossocial e resposta a quesitos formulados pelo Ministério Público e Defensoria Pública, além da presença de profissionais em audiências. Essa diversidade de solicitações tem gerado uma série de inquietações na equipe - vale dizer, sempre muito bem-vindas. A equipe do SERAV, ao

28 mesmo tempo em que necessita se reconhecer e ser reconhecida perante os magistrados por meio de uma identidade grupal que norteie sua atuação diante dos pedidos de intervenção nos casos encaminhados, busca ao máximo evitar a rígida padronização das práticas, procurando dar espaço para a expressão de liberdades teóricas diversas, comum em um grupo com grande número de profissionais. Nesse momento a equipe do SERAV tem considerado as seguintes frentes de intervenção nos casos de abuso sexual encaminhados ao serviço: 1) Avaliação psicossocial: Avaliação pericial das condições e danos psicológicos e sociais sofridos pelas vítimas e suas famílias em função da violência sexual. Realizada por meio de visitas domiciliares, entrevistas com a vítima e familiares, com profissionais que porventura os acompanhem, profissionais da escola e de outras instituições que tenham conhecimento do caso em questão; 2) Coleta de testemunho no SERAV: Entrevista na qual a vítima é ouvida pelos profissionais da equipe psicossocial. Por meio da aplicação de técnicas específicas, são colhidas evidências baseadas na memória dos fatos. Estas evidências, posteriormente são encaminhadas ao Magistrado sob a forma de Relatório. Recentemente, a equipe deu início ao emprego de uma forma mais acurada de oitiva da vítima/criança com base nos estudos de Stein, Pergher, & Feix, (2009). Trata-se de um protocolo específico de entrevista forense com crianças que prevê o registro em áudio e vídeo do depoimento. Nesses casos, a gravação é feita somente após com autorização dos pais da criança, mediante assinatura do termo de consentimento. 3) Participação em audiência: Pode ocorrer de várias maneiras a depender do procedimento adotado pelo juiz à luz da compreensão que tem dos atos processuais aplicáveis aos casos de violência sexual. Uma destas formas é a preparação da criança/adolescente para a audiência, explicando-lhe o papel dos operadores do Direito, buscando contextualizar os objetivos da audiência e também procurando enfatizar sua desresponsabilização diante de

29 conseqüências que podem advir sobre os indiciados. A preparação da criança/adolescente visa auxiliá-la no enfrentamento do desgaste e do estresse de ser ouvido em um contexto desconhecido, ameaçador, decisório e que a leva a recordar a dolorosa situação vivida. Em seguida, realiza-se o diálogo com os operadores do Direito no qual se procura destacar algumas questões importantes, como a disponibilidade da vítima para falar, sua capacidade de rememoração e a necessidade de evitar a presença do acusado em audiência durante a oitiva da vítima. Durante a audiência podem ou não ser feitas intervenções dos profissionais. Outra forma de participação da equipe do SERAV durante as audiências é por meio da realização da oitiva da vítima, na presença do magistrado, do representante do Ministério Público e do advogado do acusado, sobre os fatos citados nos Autos. Nesse caso, como na coleta de testemunho feita no SERAV, após o estabelecimento do rapport e da explicação dos procedimentos da audiência, dá-se início ao questionamento, utilizando-se também de técnicas específicas que permitam a maior fidedignidade das respostas. Durante esse tipo de oitiva, tem-se em mente a busca da minimização para a vítima das conseqüências emocionais deletérias oriundas da múltipla exposição de seu drama em diferentes contextos (escola, família, delegacia, conselho tutelar, justiça...). Para a execução dessas ações os seguintes procedimentos metodológicos vêm sendo utilizados: a) Leitura do processo Nesse procedimento são pesquisados nos Autos aspectos considerados relevantes para as intervenções, quais sejam: o relato da criança e do autor na delegacia e em outras oitivas já realizadas na Justiça, levando-se em consideração a data do fato e a idade da criança à época dos fatos, o tempo transcorrido desde a chegada do processo neste serviço, a relação entre o acusado e a vítima, o autor da denúncia, a existência de exames de corpo delito no IML, a urgência em proceder ao atendimento em função da situação do autor do fato (se preso ou em liberdade).

30 b) Atendimentos individuais e/ou familiares Com esse procedimento pretende-se compreender a dinâmica relacional da família, investigar a situação emocional da vítima e dos familiares próximos à criança e realizar encaminhamentos. Busca-se, ainda, detectar questões que possam ter contribuído para a situação do abuso, criar um espaço de escuta para que a criança/adolescente reconte o abuso vivido a fim de instruir os autos, levando-se em consideração o respeito ao estado emocional da vítima e o que ela deseja e consegue expressar naquele momento. São feitas orientações de prevenção a novos episódios de abuso visando à proteção da criança/adolescente. Os encaminhamentos têm o sentido de oferecer apoio tanto psicológico quanto social às necessidades da família. c) Visitas domiciliares São utilizadas como substitutos aos atendimentos individuais e/ou familiares, para coletar os mesmos dados acima citados, nos casos em que as partes não comparecem aos atendimentos no SERAV. Este tipo de intervenção se propõe a ser acolhedora do sofrimento e das inquietações gerados pela situação traumática, oferecendo atenção especial às pessoas que foram expostas a situações de desproteção. O fato de a vítima e sua família serem freqüentemente chamados a comparecer à Justiça, sem, contudo, perceberem que o processo traz resultados esperados contribui para que se sintam punidos e faltem aos atendimentos. Observamos também que, em alguns casos, as vítimas e familiares não comparecem aos atendimentos como forma de proteger de novamente entrar em contato com a dor e o sofrimento gerado por esta vivência, o que reflete mais uma contradição presente nesses casos (busca de justiça X desconforto e sofrimento pela exposição de questões de âmbito privado). d) Contatos com a Vara da Infância e da Juventude, Escolas, Casa Abrigo São realizados a fim de se adquirir uma compreensão mais ampla do estado emocional da vítima sob diversos aspectos e em diversos momentos do processo judicial. Estes contatos visam evitar situações de exposições e relatos

31 repetidos que possam causar danos psicológicos secundários à criança/adolescente. Ressaltamos que, quando o caso é encaminhado ao SERAV a denúncia já se encontra formulada nos autos e, em muitos casos, já houve oitiva da criança em delegacia especializada, Conselho Tutelar e, em algumas situações, na VIJ, bem como exame no IML. A maior parte dos casos atendidos, diz respeito a fatos que ocorreram anos antes do recebimento da determinação judicial pelo SERAV. Assim, buscando-se evitar a duplicidade de procedimentos no âmbito do Tribunal de Justiça, caso se tenha a informação de que a vítima já tenha sido ouvida em outro Serviço do TJDFT, sugere-se ao Magistrado levar em conta o trabalho já realizado. e) Contato com instituições da rede de apoio nas comunidades Acontece a fim de realizar encaminhamentos adequados para todos os envolvidos, de acordo com as necessidades observadas. Estes encaminhamentos se justificam com base nas reações das vítimas, como: sintomas físicos, sentimentos ambíguos com relação ao abusador que pode ser ao mesmo tempo fonte de afeto e violência; culpa pelo sofrimento familiar e/ou pela separação dos pais e medo de punição. f) Elaboração de relatórios técnicos São confeccionados com base nos procedimentos acima citados, de forma a reportar ao Magistrado e ao Representante do Ministério Públivo Promotor informações e percepções pertinentes ao caso. Esses relatórios contêm, além de recomendações que auxiliam no processo de tomada de decisão legal, conceitos teóricos da área psicossocial objetivando ampliar a visão dos operadores do Direito e contribuir para a construção de uma linguagem e prática mais próximas entre Direito, Psicologia e Serviço Social.