RENATO FROTA O DISCURSO ADEQUADO

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Transcrição:

RENATO FROTA O DISCURSO ADEQUADO PRIMEIRA EDIÇÃO 2011

TÍTULO ORIGINAL: O DISCURSO ADEQUADO - Copyright 2011 - Renato Guimarães Frota Cordeiro ISBN-13: 978-1466428959 Registro Biblioteca Nacional N 526690 Revisão: Débora Chavinski Ilustração: Studios Finart Capa: Escultura de Aristóteles e do Deus Brahma Editora Finart Cultural Ltda. - Brasil - Todos os direitos reservados e protegidos pela lei n 9610 de 19 de fevereiro de 1998 È proibido a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem a autorização prévia e por escrito do autor. contato@odiscursoadequado.com.br

Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa. Foucault

PREFÁCIO Em toda sociedade é comum a presença de grupos que se organizam de diversas formas, familiar e social, como trabalhadores, comerciantes, políticos ou militares, intelectuais e religiosos. Estes grupos se organizam a partir de classes ou castas e em ambas, existe uma ordem hierárquica. Esse modelo organizacional acompanha o discurso humano desde os tempos mais remotos, e qualquer indivíduo que investigue a essência desses sistemas, passa invariavelmente a compreender as bases fundamentais de sua cultura, economia, política e religião. Pensando nisso, esta obra apresenta a intrínseca ligação existente entre o Sistema de Castas ainda vigente na longínqua Índia, e as principais obras do filósofo grego Aristóteles, oferecendo a possibilidade da identificação do indivíduo e seu papel no interior do grupo social em que está inserido, bem como, diante do discurso

proferido, se adequado, poder vir a ser uma poderosa ferramenta de comunicação interpessoal. Essa obra é enriquecida com os fundamentos históricos que permeiam a origem do sistema de castas e suas implicações, apresentando-as a partir da relação do puro e do impuro, e avançando pelo contexto dos motivos higiênicos, religiosos e ideológicos. Além disso, por meio das pesquisas de filósofos que estudaram exaustivamente sobre a Poética, a Retórica, a Dialética e a Lógica legados por Aristóteles a mais de dois mil anos vem como as descrições do sistema de castas da Índia, feitas por antropólogos e sociólogos renomados que observaram que as castas são compostas pelos Sudras; trabalhadores comuns que nutrem desejos pelas coisas corpóreas, pelos Vaixás; comerciantes sempre sequiosos por dinheiro, pelos Xátrias; militares ou políticos eternamente ansiosos por poder, e pelos Brâmanes, sacerdotes guardiões das escrituras sagradas ou intelectuais em suas eternas buscas por conhecimento. Diante da construção do paralelo a ser apresentado, se verificará que na sociedade ocidental em que vivemos também podemos nos identificar como Sudras por termos um discurso poético, marcado pelo mundo das sensações e pela linguagem simbólica e metafórica, como

Vaixás; pelo discurso retórico, pois é necessária a persuasão como ferramenta de negociação. Os Xátrias, por sua vez, pelo uso do discurso dialético que é a unidade e luta entre os contrários, dos opostos, pois, avaliam os prós e os contras, sempre protelando suas decisões, sempre pensando em quem ganha e quem perde; e por fim, o Brâmane, que domina o discurso lógico, que por meio das provas admitidas, dá a palavra final, apodítica, indiscutível. Com isso, ficará evidenciado que o modelo proposto por essa obra poderá ser aplicado a qualquer agrupamento de indivíduos, servindo tanto como instrumento de identificação daqueles que compõe um grupo familiar, corporativo ou social, quanto uma ferramenta de adequação do discurso e da linguagem nas comunicações relacionais. O que esse estudo seminal tentará demonstrar é que, invariavelmente, seja no oriente, ou no interior da nossa sociedade ocidental individualista e libertária, que se imagina se apropriar do oposto do sistema hierárquico, por se tornar igualitária, também existe um sistema de castas no qual estamos todos fadados a permanecer eternamente vinculados. O autor

SUMÁRIO INTRODUÇÃO... 7 O INDIVIDUALISMO... 11 O SISTEMA DE CLASSES... 15 O SISTEMA DE CASTAS... 21 O SISTEMA DE CASTAS NA ÍNDIA... 23 PURO / IMPURO... 30 MOTIVOS HIGIÊNICOS... 34 MOTIVOS RELIGIOSOS... 38 MOTIVOS IDEOLÓGICOS... 41 DIVISÃO DO TRABALHO... 43 REGULAMENTAÇÃO DO CASAMENTO... 45 AS QUATRO CASTAS DA ÍNDIA... 49 OS BRÂMANES... 50 OS XÁTRIAS... 53 OS VAIXÁS... 54 OS SUDRAS... 55 OS DALIT... 56 ARISTÓTELES E OS QUATRO DISCURSOS... 59 A POÉTICA... 63 A RETÓRICA... 67 A DIALÉTICA... 69 A LÓGICA... 72 TIPOLOGIA UNIVERSAL DOS DISCURSOS... 75 O DISCURSO DO LOUCO... 81 DISCUSSÃO... 82 CONCLUSÃO... 91

O DISCURSO ADEQUADO INTRODUÇÃO A cerca de três mil e quinhentos anos, caracterizada por ser rigidamente hierarquizada a partir de quatro castas, a sociedade indiana nos possibilita adentrar em um universo que classifica o indivíduo pela hereditariedade e conforme o trabalho que exerce e não pela classe social e econômica a que pertence conforme o modelo ocidental. Além disso, por ser fundamentada em preceitos religiosos e ideológicos, a Índia possui uma riqueza cultural tão ampla, que nos possibilita caracterizar cada casta com um perfil específico, de habilidades e competências. 7

RENATO FROTA Dessa forma, os Sudras são os trabalhadores comuns que tem desejo pelas coisas corpóreas, os Vaixás são os comerciantes sequiosos por dinheiro, os Xátrias são os militares ansiosos por poder e os Brâmanes, os sacerdotes e intelectuais em sua eterna ânsia por conhecimento. Mas também existem os temíveis Dálits, pessoas excluídas do sistema de castas e que exercem tarefas impuras, poluentes e contaminantes e, por essa razão, são considerados intocáveis. Dentro do sistema de castas indiano o indivíduo não pode trocar de castas e está fadado a permanecer na que nasceu durante toda sua vida, o que determina sua profissão, seu casamento e a forma de convívio social. Para compreender o sistema de castas da índia sob a perspectiva ocidental, o autor traça um paralelo entre esse sistema e quatro importantes obras do filósofo Aristóteles que escreveu, dentre outras, a Poética, que versa sobre tudo o que é possível, tudo que vem da imaginação e que surge das sensações; a Retórica, que versa sobre o verossímil, obra que trata da persuasão, de como uma pessoa pode convencer a outra, ou a si mesmo, através das palavras; a Dialética, que versa sobre o 8

O DISCURSO ADEQUADO provável, dos opostos e do contraditório; e por fim, a Lógica que versa sobre o certo, a verdade final e indiscutível. Com isso, se verá que os Sudras se apropriam do discurso poético marcado pelo mundo das sensações e pela linguagem metafórica; os Vaixás, do discurso retórico, pois para negociar, recorrem invariavelmente a persuasão; os Xátrias, se utilizam do discurso dialético, pois avaliam os prós e os contras sempre postergando uma decisão, sempre pensando em quem ganha e quem perde; e por fim, os Brâmanes, que dominam o discurso lógico, que por meio das provas admitidas, dão a palavra final. Como exemplo de aplicação do modelo teórico que se apresenta, vemos que em nosso convívio social, familiar ou profissional como ocorre no mundo corporativo, se pode tomar qualquer trabalhador que tenha um discurso retórico, sendo assim, um Vaixá, e realocá-lo ao departamento de vendas. Também aquele que tem um discurso lógico é por sua vez, um Brâmane, e lhe cabe um posto de consultor. Esta ferramenta também serve para que um indivíduo possa adequar o seu discurso em relação 9

RENATO FROTA ao de outra casta, pois, para a melhoria das comunicações interpessoais, deve-se adotar o discurso poético ao se dirigir ao Sudra, o retórico com o Vaixá, o dialético com o Xátria e o Lógico com o Brâmane. O paralelo a ser exposto, torna-se uma poderosa ferramenta que pode ser utilizada para a identificação e autopercepção da posição do indivíduo imerso na teia social mesmo nas sociedades ocidentais divididas por classes, pois ao identificar cada casta é possível, assim, adequar cada discurso a condições mais apropriadas. Desta forma, este livro pretende contribuir formando uma técnica de análise de contexto, através do desenvolvimento de uma técnica de comunicação baseada nas obras de Aristóteles e as Castas da Índia. 10

O DISCURSO ADEQUADO O INDIVIDUALISMO A pior forma de desigualdade é tentar fazer duas coisas diferentes iguais Aristóteles Primeiramente, para que possamos entender o sistema de castas que é atualmente utilizado na Índia, é necessário que entendamos o que se passa na nossa sociedade que é essencialmente caracterizada por um sistema de classes sociais e pelo individualismo, e para que seja possível compreender o termo individualismo primeiramente é essencial compreender o indivíduo, e compreende-lo como um sujeito empírico e com valor moral. Para tanto, é preciso relacionar o individualismo como o valor da sociedade moderna, e em contrapartida o holismo nas sociedades tradicionais como a da Índia. Vemos na história da humanidade que a igreja sempre esteve ligada ao Estado estabelecendo uma relação ideológica holista. Com isso, o indivíduo que 11

RENATO FROTA buscava autonomia passou a ser considerado indivíduo-fora-do-mundo ou renunciante, criando o dualismo holismo x individualismo. Dentro da concepção moderna o indivíduo é o homem elementar, indivisível, sob sua forma de ser biológico e ao mesmo tempo de sujeito pensante. Dessa forma, cada homem particular encarna, num certo sentido, a humanidade inteira. Já na concepção sociológica tradicional observa-se a hierarquia, cada homem particular deve contribuir em seu lugar para a ordem global, e a justiça consiste em proporcionar as funções sociais em relação ao conjunto. Nesse contexto, quando o indivíduo constitui o valor supremo, compreende-se individualismo; no caso oposto, quando o valor se encontra na sociedade como um todo, compreende-se holismo. A sociedade indiana caracteriza-se por dois traços complementares: a sociedade impõe a cada um uma interdependência estreita, a qual substitui as relações constrangedoras para o indivíduo, tal como o conhecemos; mas, por outro lado, a instituição da renuncia ao mundo permite a plena independência de quem quer que escolha esse caminho. 12

O DISCURSO ADEQUADO Na figura do renunciante indiano, é possível presumir a origem do individualismo, pois é atribuído ao renunciante as inovações religiosas e sua plena independência. O renunciante basta-se a si mesmo, só se preocupa consigo mesmo. O pensamento dele é semelhante ao do indivíduo moderno, mas com uma diferença essencial: nós vivemos em um mundo social, ele vive fora dele. Esse é o renunciante indiano, um indivíduo-forado-mundo ele é um indivíduo extramundano. Comparativamente, somos indivíduos-no-mundo, indivíduos mundanos. Vale salientar que o mesmo tipo sociológico que encontramos na Índia indivíduo-fora-domundo está presente no cristianismo e em torno dele no começo da nossa era. Se tentarmos ver em paralelo a situação cristã medieval e a situação hindu tradicional, a primeira dificuldade está em que, ao passo que na Índia os brâmanes contentavam-se com sua supremacia espiritual, a Igreja no ocidente exercia também um poder temporal, sobretudo na pessoa de seu chefe, o Papa. O individualismo faz parte da realidade moderna das sociedades tradicionais ou holistas. Se 13

RENATO FROTA a extramundanidade está agora concentrada na vontade do indivíduo, pode-se pensar que o artificialismo moderno, enquanto fenômeno excepcional na história da humanidade, só pode ser compreendido como uma consequência histórica longínqua do individualismo-fora-do-mundo dos cristãos, e que aquilo a que chamamos o moderno indivíduo-no-mundo possui em si mesmo, escondido sob a sua constituição interior, um elemento não percebido, mas essencial de extramundanidade. O nosso sistema social e o de castas são opostos em ideologia central. Diferente do sistema de classes que se apresentará em seguida, o sistema de castas nos ensina um princípio social fundamental, a hierarquia, cujo oposto foi apropriado por nós, modernos, mas que é interessante para se compreender a natureza, os limites e as condições de realização do igualitarismo moral e político ao qual estamos vinculados. 14

O DISCURSO ADEQUADO O SISTEMA DE CLASSE A democracia surgiu quando, devido ao fato de que todos são iguais em certo sentido, acreditou-se que todos fossem absolutamente iguais entre si. Aristóteles O sistema de classes é um agrupamento legalmente aberto, mas na realidade semifechado; solidário; antagônico em relação a outras classes sociais; em parte organizado, mas principalmente semi-organizado; em parte consciente da sua unidade e existência, e em parte não; característico da sociedade ocidental a partir do Século XVIII; é 15

RENATO FROTA multivinculado, unido por dois liames univinculados, o ocupacional e o econômico e por um vínculo de estratificação social no sentido da totalidade dos seus direitos e deveres basicamente diferentes das outras classes sociais. A classe social é definida como o conjunto dos agentes sociais colocados nas mesmas condições no processo de produção e que têm afinidades ideológicas e políticas. A divisão da sociedade em classes é consequência dos diferentes papéis que os grupos sociais têm no processo de produção. É do papel ocupado por cada classe que depende o nível de fortuna e rendimento, o gênero de vida e numerosas características culturais das diferentes classes. As classes caracterizam-se pela ideologia de classe conjunto de traços culturais, englobando doutrinas, crenças, princípios morais, ideais, etc. Alguns sociólogos aceitam que uma classe social só existe plenamente quando toma consciência da sua existência através da luta, nuns casos para manter os privilégios, noutros para destruir a dominação que sobre ela se exerce. A luta de classe é, assim, um elemento essencial da sua afirmação e tomada de consciência. 16

O DISCURSO ADEQUADO A classe social representa uma divisão efetiva da sociedade, e não meramente metodológica, que implica lutar contra a classe antagônica. O conceito de classe que mais frequentemente aparece nas discussões é o conceito marxista, baseado em duas classes sociais em permanente conflito; a classe proprietária e a classe operária. Essa definição de classe social se baseia num grupo na sociedade que é dono da maior parte do capital (ou meios de produção) e a classe operária que apenas é dono da sua mão de obra. Os dois grupos vivem em conflito contínuo porque a classe proprietária quer lucrar o máximo possível em cima da classe operária. O problema desta definição do conceito de classe é que é difícil aplicar na sociedade de hoje. Enfoca principalmente os fatores econômicos da sociedade e perde assim outras dimensões que também existem na sociedade de classe. Além disto, há grupos profissionais na sociedade atual que não se encaixam em nenhuma dessas categorias. Porém há outro conceito de classe desenvolvido que mostra mais aspectos da sociedade de classe. É mais complexo, mas oferece uma melhor imagem das condições reais. 17

RENATO FROTA A existência de diferenças culturais entre as classes sociais, o que revela mais obstáculos que os econômicos, e que a propriedade real apenas é uma parte do conceito de classe. As diferentes classes criam diferentes culturas que dificultam a ascensão dentro do sistema de classes. É chamado de capital simbólico, porque as estruturas de poder são construídas por símbolos. O valor da pessoa é sinalizado pela formação, título e outros símbolos que dão uma posição na sociedade. Um exemplo é o caso uma pessoa de origem humilde que fique muito rica ganhando muito capital em um sorteio ou herdando uma grande fortuna de um parente distante, ela possivelmente não será reconhecida entre a classe alta como um deles. O outro extremo é o de uma pessoa de família tradicional que não dispõe um capital próprio. Ela ainda será tratada de classe alta por causa dos estados herdados, neste caso um nome. A posição social torna-se neste contexto mais importante que a propriedade ou o dinheiro acumulado. Assim, existem várias dimensões no conceito de classe. 18

O DISCURSO ADEQUADO Na sociedade atual, o diretor de uma empresa nem sempre é o dono. A pessoa tem poder baseado num capital que não é propriedade dela. O acesso torna-se nesta análise tão importante quanto a propriedade. Outros símbolos importantes podem ser o bairro onde a pessoa mora, o carro que dirige e os interesses nas horas de lazer, ir a uma exibição de arte ou num jogo de futebol. Eis um aspecto que o conceito marxista não toma em conta. A sociedade de classe se reproduz e passa de geração a geração e toda a sociedade participa deste processo. A ambição do sistema educacional de tratar todo mundo igual de fato, dá aos que vêm de outras classes sociais, piores condições que os que vêm da classe dominante. O sistema favorece os grupos fortes enquanto os fracos têm que lutar, e isto contribui na reprodução da sociedade de classes. Vendo o conceito de classe como mais amplo que a propriedade de capital (ter dinheiro) torna-se importante visualizar os símbolos que representam o poder e criar consciência sobre o fato que os símbolos mantém as estruturas de poder. 19