REFLEXÕES SOBRE ATOS PERFORMATIVOS DE MENINAS E MENINOS NO CONTEXTO ESCOLAR

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Transcrição:

REFLEXÕES SOBRE ATOS PERFORMATIVOS DE MENINAS E MENINOS NO CONTEXTO ESCOLAR Elisete Santana da Cruz França 1 Este artigo encontra sua gênese na análise de algumas narrativas de professoras/es sobre as performances observadas no contexto escolar. Vale salientar que essas narrativas surgiram das entrevistas realizadas em um Colégio da Rede Pública Estadual de Ensino Médio, na cidade de Salvador-Ba, no período de 2010 2011. Nos relatos, observam-se as influências dos valores culturais na definição de papéis que mulheres e homens devem desempenhar na sociedade. Para essa reflexão dialogo com Louro (2007), que discute sobre gênero e sexualidade, Messeder (2008), que faz um estudo sobre atos performativos, e Butler (2001), que problematiza a construção dos gêneros centrada na matriz da heterossexualidade. Palavras-chave: Atos Performativos. Gênero. Sexualidades. Formação Identitária. A sexualidade é parte fundamental da vida desde os primórdios, e as discussões em torno da temática fascinaram e fascinam médicos, psiquiatras, pesquisadores que buscaram e buscam compreender a sexualidade humana. Neste sentido, compreendo que a sexualidade como processo construído culturalmente, conforme afirma Weeks (2010), [...] a sexualidade é, na verdade, uma construção social, uma invenção histórica, a qual, naturalmente, tem base nas possibilidades do corpo: o sentido e o peso que lhe atribuímos são, entretanto, modelados em situações sociais concretas. Isso tem profundas implicações para a nossa compreensão do corpo, sexo e da sexualidade [...]. (WEEKS, 2010, p.40). Sendo assim, é importante salientar que para falar sobre sexualidade é preciso relacioná-la com o poder patriarcal heterossexista que se utiliza de mecanismos para 1 Mestre em Crítica Cultural, pedagoga, professora da Fundação Visconde de Cairu, Membro do Grupo Enlace e do grupo de pesquisa FORMACI/UNEB, doutoranda do Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento - UFBA e Coordenadora Pedagógica SMED/SEC. E-mail: zetefranca26@gmail.com 1

controlar as sexualidades. Ou seja, a sociedade se utiliza do dispositivo da sexualidade 2, buscando controlar, vigiar e punir o corpo do prazer. Assim, Foucault (1988) comenta que os dispositivos utilizados pela tecnologia política não apresenta um funcionamento simétrico, visto que, esses dispositivos produzem efeitos diferenciados para cada classe já que a sexualidade é originária e historicamente burguesa e que induz, em seus deslocamentos sucessivos e em suas transposições, efeitos de classe específicos. (FOUCAULT, 1988, p.139). A história da sexualidade é resultado da nossa subjetividade, com a visão que a sociedade tem sobre nossos corpos e suas potencialidades. Então, na medida em que a sociedade evolui, ela se preocupa com a criação de novos dispositivos de controle e disciplinamento do corpo e da vida sexual dos indivíduos. Assim, compreendo que a sexualidade resulta da complexidade tecida nos processos sociais, culturais e históricos e está presente na escola, onde é policiada, vigiada e ocultada; e que este espaço exerce função crucial no desempenho dos papéis sociais que influem na constituição identitária dos sujeitos. Assim, este texto busca problematizar no âmbito escolar, as questões de sexualidade e gênero, associados aos atos performativos dos/das estudantes, tentando desvelar alguns dispositivos utilizados para a imposição da heteronormatividade e silenciamento das sexualidades, já que essas categorias encontram-se desde inicio são marcadas pelas normas heterossexual. Neste momento saliento que compreendo performatividade como prática reiterativa e citacional pela qual o discurso produz os efeitos que ele nomeia (BUTLER, 2 Para facilitar a compreensão desta expressão, inicio atribuindo o significado de dispositivo para Foucault. Este termo refere-se a um conjunto heterogêneo que abrange desde organizações arquitetônicas, instituições, leis e deliberações regulatórias, passando pelos discursos presentes nos âmbitos científicos, morais, filosóficos, religiosos, políticos. O dispositivo é o entrelaçamento das teias que se constituem entre os elementos descritos. Assim, todo e qualquer dispositivo tem uma função estrategicamente dominante, pois são pensados para atender a questões urgentes de uma sociedade em um dado momento histórico. Sendo assim, ele produz efeitos positivos ou negativos; por isso, requer uma contínua reestruturação em prol dos objetivos estabelecidos pelo poder hegemônico. Desta forma, o dispositivo da sexualidade está associado à redução do prazer que busca vigiar e controlar os procedimentos reprodutivos, subsidiando uma teoria do sexo que atende ao discurso hegemônico. Assim, a sexualidade torna-se um dispositivo de sujeição milenar. 2

2010, p. 154). Ou seja, é a regulação do sexo na materialização dos corpos tendo como padronização a matriz da heterossexualidade. É no contexto da normatização e materialização do sexo ao corpo de forma linear e pautada na matriz da heterossexualidade presente na escola que realizei minhas interlocuções com professoras/professores sobre as questões das sexualidades e de gênero, e nesses diálogos foram evidenciadas algumas questões sobre a temática que está corroborada nas narrativas dos sujeitos sociais entrevistados 3. Ao conversar com a professora de história Ana acerca das discussões sobre sexualidade e gênero na escola, ela narra que: Vejo que a escola não está preparada para discutir sobre sexualidade e nem homossexualidade. Hoje percebo meninas e meninos se assumindo mais que na minha geração. Fico feliz porque os acho com muita coragem. Tenho um aluno à tarde que pinta unha, se maquia e todos respeitam! Não vejo ninguém agredir ele! Acho isso um ato de coragem. Na outra escola que atuo no noturno tenho um aluno gay que é o líder da escola toda e nos auxilia na manutenção da ordem da escola. Na sala de aula falo porque acho necessário, trato como um assunto extracurricular, às vezes você tem um aluno homossexual que está perdido, então eu discuto. Acho que falo mais por questão de militância do que por um projeto pedagógico. (Ana,). Ana menciona sobre os estudantes de hoje, que têm se assumido mais que na geração dela, considerando-os bastantes corajosos, uma vez que expressar sua sexualidade na escola, onde impera a tecnologia política que controla os corpos e que os mantêm em constante vigilância, é um grande desafio, visto que, fomos educados para termos atração apenas pelo sexo oposto. Por isso Ana considera a atitude dos estudantes um ato de coragem. Na sua narrativa ela ainda apresenta um ponto fundante para as discussão acerca da temática na escola, que se refere à forma como os/as estudantes materializam seu 3 Utilizarei nomes fictícios para os professores e professoras que participaram da pesquisa 3

sexo nos seus corpos. Ela toca na questão performatividade pública de gênero, que são atuações desempenhadas pelos atores sociais conforme as exigências da heteronormatividade. Neste sentido Messeder (2009, p, 70) comenta que: As regras discursivas da heterossexualidade normativa produzem desempenhos de gênero, que as pessoas reiteram e citam; a própria sexualização dos corpos deriva de tais performatividades. Nesse processo de reiterada performatividade de gênero, algumas pessoas passam a ser constituídas como abjetas, fora do binário heterossexual. (MESSEDER, 2009, p. 70). A normatização da heterossexualidade se faz tão presente nas nossas crenças, que o fato dos estudantes utilizarem artefatos que foram estabelecidas culturalmente para mulheres, a cultura estigmatiza esses corpos que não se inserem a norma estabelecida. A narrativa da professora Ametista, que leciona biologia na escola no turno da noite, faz referência também à questão e performatividade pública. Elisete: como a escola trabalha com as questões relacionadas à diversidade sexual? Ametista: aqui na escola vejo que não discutimos sobre sexualidade. Você sabe que aqui na escola eu trabalho mais com o noturno. Já que está discutindo esse tema, olha bem, seria interessante ir lá à sala, tenho umas duas alunas que, sei lá, são assim... São lésbicas (nesse momento a expressão do rosto da professora se modifica demonstrando cuidado para pronunciar a palavra lésbica e demora alguns segundos). Elisete: Como você sabe que elas são lésbicas? Ametista: A forma de elas serem, toda a de um macho. Mais uma vez observamos valores culturais na definição de papéis que mulheres e homens devem desempenhar na sociedade. Na sua narrativa, Ametista corrobora a importância atribuída à performatização de cada autor social na sociedade ocidental. Nas palavras de Messeder (2009, p. 70), [...] Atuar como homem e ou/mulher no contexto da heterossexualidade compulsória requer um repertório disponível de saberes e significados que é percebido como formas socialmente apropriada para atores heterossexuais. Este processo organiza e disciplina, encarna e incorpora tais formas, vinculadas ao 4

machismo, sexismo, à homofobia, na matriz da heterossexualidade. (MESSEDER, 2009, p. 70). Sendo assim, a atitude de Ametista diante da identificação de uma lésbica se apoia na lógica da sociedade patriarcal heteronormativa. Lógica essa, que se respalda no contexto cultural, assim, outro social desempenha um papel crucial na formação identitária do Ser Mulher e do Ser Homem. E a cultura se incumbe de elaborar o produto final das identidades; evidenciando que a passividade e a docilidade é característica essencialmente da mulher 'feminina'. Logo, a figura de uma mulher masculinizada não faz parte do imaginário dessa sociedade. Sendo assim, escola ao lado de outras instituições do Estado influi na constituição e definição de papéis identitárias que cada sujeito social deve desempenhar na sociedade. Através da sua pedagogia da heteronormatividade, a escola autodisciplinar os corpos Divulgando e fixando a identidade heterossexual como único modelo de identidade sexual. Determinando assim em grande parte como deve o sujeito se constituir como Ser Feminino e Ser masculino. Este dispositivo regulatório da sexualidade se apresenta também na fala do professor Francisco. [...] Eu vejo, nos corredores, meninas se agarrando com rapazes e vice-versa. Eu não vejo nenhuma mudança no que diz respeito à parte física, ou seja, eu não vejo o aluno ficar alterado. Assim, vamos dizer a potência dele ser colocada em prática. Acho que talvez seja devido a essa banalização do sexo, da sexualidade. Hoje as pessoas se queixam muito da falta de rapazes disponíveis, as meninas se queixam muito. Porque hoje me parece que... Sei lá, os homens estão diminuindo. (Francisco). O professor Francisco comenta que hoje existe uma banalização do sexo, e acredita que essa banalização tenha interferido na sexualidade dos adolescentes. Neste sentido, ele chama atenção para a performatividade do Ser Homem na sociedade, questionando exatamente o poder da masculinidade, que para ele está na demonstração pública da ereção peniana: é ela que definirá se o adolescente é heterossexual ou homossexual. E 5

isto é de fato uma demonstração do que a sociedade considera como característica fundamental da masculinidade, ou seja, são as crenças sendo divulgadas pelos atores sociais de forma a contribuir para naturalização do poder da masculinidade. O professor Tiago descreve a escola invisibiliza as homossexualidades presentes no seu contexto. Eu acho que a escola fecha os olhos. O maior problema da homossexualidade é a falta de postura. Não é questão de ser homofóbico ou não, é a postura do indivíduo, não precisa estar toda hora no agarra- agarra ou se quebrando todo. Torno a dizer aqui na escola não é local para isso, a família precisa orientar e depois a escola. (Tiago) Tiago afirma que a escola fecha os olhos a diversidade sexual, salientando que o maior problema da pessoa que tem práticas homossexuais é a falta de postura, ou seja, sua opinião os homossexuais devem disciplinar os seus corpos. O professor Francisco comenta que a escola oferece uma liberdade para que as/os estudantes expressem suas sexualidades. Olhe, aqui existe todo tipo de opções sexuais, sempre teve. Desde que eu entrei aqui, eu sempre observei isso. E vejo um pouco de liberdade na atividade, principalmente no homossexual de ser declarado e aqui não tem nem um tipo de censura. A não ser quando se torna assim, um pouco assim exagerado, porque o pessoal latino americano, eles confundem muito o fato de ser homossexual com ser afeminado. A pessoa ser afeminada não tem nada haver com a pessoa ser homossexual. O veado vamos dizer assim o homossexual brasileiro é que acha que para ser homossexual, para ter relação homossexual, deve ter trejeitos femininos. O que eu não concordo. Entendeu? Nem a mulher tem que ter aquele jeito masculino, sapatão, como se fala. Ele pode ter a sua identidade como gênero masculino e ter sua preferência pelo sexo homossexual sem que haja esse problema de como é que se chama? O problema de dupla personalidade, sou homem num aspecto e sou veado em outro, é complicado. (Francisco) Francisco, por sua vez, aponta a existência na escola de estudantes homossexuais e heterossexuais. E acredita que a presença dos homossexuais deva-se à liberdade que a escola lhes proporciona. Salienta também que essa liberdade é cerceada na medida em 6

que aquelas e aqueles estudantes homossexuais exageram na forma de lidar com os seus corpos. Vale salientar que as diferenças e o controle sobre os corpos também são construídos na escola através do modo como os professores orientam os estudantes a assentar-se nas cadeiras, pegar o material didático, andar e interagir com o colega. A escola escolariza os corpos. A todo o momento eles estão sendo monitorados. Logo, corpo não pode fugir à norma da sua escolarização, visto que é através do seu controle que é negada a sua sexualização, garantindo assim uma invisibilização que silencia as discussões sobre as sexualidades na escola. Refletir sobre as sexualidades, na escola é uma provocação da contemporaneidade, pois é fundamental ressignificar e questionar os discursos presentes na sociedade que tem por base o patriarcado heterossexual. Essas reflexões no âmbito escolar podem possibilitar uma desconstrução dos valores já estabelecidos; no entanto, sabemos que a escola não está preparada para lidar com essas ressignificações, pois, ela evolui servindo e atendendo às exigências da sociedade. Sendo assim, respalda as suas bases curriculares de acordo com as seguintes premissas: controle do saber pela classe dominante, autoritarismo e sexismo, além da supervalorização da cultura europeia, que perpetua nas escolas a ideia de naturalização das desigualdades, ou seja, o poder inscreve-se no interior da cultura escolar. A escola, como já narrado pelos/pelas participantes da pesquisa, não está preparada para lidar com as diversidades. Ela é organizada para invisibilizar as sexualidades, sendo assim, as homossexualidades são reprimidas, pois causam uma instabilidade na cultura escolar. E a escola está habituada e condicionada a conviver no centro 4 e não com o excêntrico; neste sentido, lidar com o diferente requer um reconhecimento que a cultura não é homogênea, mas sim múltipla e inacabada e que as novas identidades culturais nos permite a desconstruir a homogeneização e o rigor estabelecido pela sociedade ocidental, pois, como comenta Louro (2008) essas 4 O conceito de centro vincula-se, frequentemente, noções de universalidade, de unidade e de estabilidade. (LOURO, 2008, p.44). 7

identidades passaram a ganhar relevância na, ou seja, tornaram-se novos centros de atenções, assim, a multiplicidade e marca fundante em tempos pós-modernos. escola. O professor Jean salienta na sua narrativa que a existência da homofobia na Nós temos turmas que tem aluno homossexual. Por que Eles são assumidos, eles usam roupas, eles têm trejeitos, usam que eu digo assim o perfil deles não tem como negar. Agora assim, convive de maneira harmoniosa com os outros colegas, mas de vez em quando nós sentimos uma piadinha, que já é a homofobia, Então a homofobia existe também. Quando eu presencio, eu chamo a atenção, e digo para eles na sala: você tem que respeitar o outro, por que o que seria o eu sem o outro? Então você tem que respeitar o outro. Embora você tenha que conscientizar esse aluno, de que ele está numa sociedade, ele faz parte de uma sociedade, ele faz parte de um ambiente, que ele tem normas a cumprir, que ele não pode ultrapassar. (Jean) O professor Jean fala da presença de estudantes homossexuais na escola salientando que são que o são porque eles usam roupas e têm trejeitos, assim, não tem como negar que são homossexuais Neste sentido, Butler (2010, p.154) comenta: As normas regulatórias do sexo trabalham de uma forma performativa para construir a materialidade dos corpos e, mais especificamente, a materialidade dos corpos, para materializar a diferença sexual a serviço da consolidação do imperativo heterossexual [...] (BUTLER, 2010, p. 154). Assim, mais uma vez observamos que existe uma necessidade de a escola educar os corpos e que os papéis estabelecidos para mulheres e homens culturalmente estão arraigados nas nossas ações, sejam elas pedagógicas ou não. E assim, a homofobia fazse presente a partir do incentivo da construção da masculinidade na escola, que muitas vezes ocorre quando fomentamos nos estudantes a exorcização da feminilidade. Ele afirma sempre presenciar atos homofóbicos na sala de aula, nos quais ele próprio interfere exaltando o respeito ao ser humano e às suas diferenças. Neste sentido, Weeks (2010) nos diz que: a sexualidade é moldada a partir da nossa subjetividade (a percepção de si e do mundo) com social (institucional o existencial 8

que materializa os corpos); elas estão imbricadas, tendo como ponto centra o corpo e suas potencialidades. Assim, a medida aumentou a preocupação da sociedade capitalista com a população aumentou também a preocupação em emoldurar os comportamentos a partir dos valores morais e éticos da sociedade heteronormativa, ou seja, a preocupação volta-se para o disciplinamento dos corpos. REFERÊNCIAS BUTLER, Judith. Corpos que pensam: sobre os limites discursivos do sexo. In: LOURO, Guacira Lopes (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autentica, 2001. p. 151-172. FOUCAULT. Michel. Historia da sexualidade I: a vontade de saber. Tradução de Thereza da Costa Albuquerque. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1988. LOURO, Guacira Lopes. Teoria queer: uma política pós-identitária para educação. Estudos Femininos, Florianópolis, ano 9, n. 2, p. 541-553, 2001. Disponível em: <www.scribd.com/doc/32474142/teoria-queer-uma-politica-pos-identitaria-para-a- Educação-Guacira-Lopes-Louro>. Acesso em 15 maio 2010.. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.. O corpo educado: pedagogias da sexual. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. MESSEDER, Suely Aldir. Ser ou não ser: uma questão para pegar a masculinidade. Salvador: EDUNEB, 2009. PRADO. Marco Aurélio Máximo. Preconceitos contra homossexualidades: a hierarquia da invisibilidade. São Paulo: Cortez, 2008. WEEKS. Jeffery. O Corpo e a sexualidade. In: LOURO, Guacira Lopes. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva. 3. ed. Belo Horizonte: Autentica, 2010. 9