CONSCIENTIZAÇÃO E PREVENÇÃO DA DOENÇA DE CHAGAS

Documentos relacionados
Trypanosoma cruzi Doença de Chagas

RESUMOS DE PROJETOS

protozoonoses AMEBÍASE MALÁRIA DOENÇA DE CHAGAS Saúde, higiene & saneamento básico 003 Doenças adquiridas transmissíveis Transmissão & profilaxia

Febre Amarela: O que você precisa saber sobre a doença

Maria Paula Scipioni Capiotti 2, Jaqueline Urban Moura 3, Renata Pereira 3, Juliana Fleck 4 e Daniela Bitencourt Rosa Leal 5 RESUMO

Toxoplasmose. Zoonoses e Administração em Saúde Pública. Prof. Fábio Raphael Pascoti Bruhn

Risco da transmissão da Doença de Chagas por via oral

Viviane Alexandre do Nascimento

Agente etiológico. Leishmania brasiliensis

OCORRÊNCIA DE DOENÇA DE CHAGAS AGUDA NAS DIFERENTES MACRORREGIÕES DO BRASIL: AINDA UMA REALIDADE APÓS CENTENARIO DE SUA DESCRIÇÃO

AVALIAÇÃO DA CONTAMINAÇÃO DA POLPA DE AÇAÍ E DO CALDO DE CANA-DE-AÇÚCAR PELO Trypanosoma cruzi EM PALMAS TO

Plano de Ensino-Aprendizagem Roteiro de Atividades Curso: Medicina

Universidade Federal de Pelotas Departamento de Veterinária Preventiva Toxoplasmose Zoonoses e Administração em Saúde Pública

1º EM BIOLOGIA PROFESSOR JOÃO C5, 8 H19, 29, 30 PROTOZOOSES. Biologia Professor João

FEBRE AMARELA O QUE É FEBRE AMARELA?

Artigo ANÁLISE DOS ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS E HISTÓRICOS DO CONTROLE DA DOENÇA DE CHAGAS

BIOLOGIA. Qualidade de Vida das Populações Humanas. Principais doenças endêmicas no Brasil. Prof. ª Daniele Duó.

MALARIA Malária é uma doença infecciosa febril aguda transmitida pela picada da fêmea do mosquito Anopheles, infectada por Plasmodium. Transmissão A t

Febre maculosa febre carrapato

Classificação ALGAS PROTOZOÁRIOS

Doença de Chagas Agente etiológico: Vetores: Morfologia e biologia do T. cruzi: Ciclo biológico

Brasil reduz em 38% casos de malária em relação a 2018

E d i t o r i a l. Chagas Disease: past, present and future. Alberto Novaes Ramos Jr. 1, Diana Maul de Carvalho 2

Doenças Infecciosas e Transmissão de Doenças: Conceitos Básicos

Vírus associados à surtos alimentares (Rotavirus, Norovirus e Hepatite A)

INCIDÊNCIA E PREVALÊNCIA DA DOENÇA DE CHAGAS NO BRASIL INCIDENCE AND PREVALENCE OF CHAGAS DISEASE IN BRAZIL

Protozoários. Paramecium. Plasmódio. Trichomonas vaginalis. Tripanossomo

Vigilância da doença causada pelo zika vírus nos Estados Unidos

CISTICERCOSE BOVINA EM PROPRIEDADES RURAIS DO MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA-MG: INVESTIGAÇÃO E FATORES DE RISCO

Vigilância Epidemiológica Informar para conhecer. Profª Sandra Costa Fonseca

Vigilância e prevenção das Doenças de transmissão vertical 2016/2017

Flagelados do sangue: Trypanosoma cruzi

FEBRE AMARELA VACINE-SE PREVENIR SAIBA COMO CONHEÇA OS SINTOMAS E

FEBRE AMARELA. A Doença. Diagnóstico e tratamento. Sintomas. Vacinação. cartilha de prevenção

Cadeia epidemiológica

Palavras-chaves: Doença cutânea, mosquito-palha, doenças tropicais, Leishmania.

9º ano em AÇÃO. Assunção contra o mosquito!

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS CASOS DE HEPATITE A NOTIFICADOS EM UM ESTADO NORDESTINO

INFECÇÕES. Prof. Dr. Olavo Egídio Alioto

Giardíase Giardia lamblia

AS MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS EM SNC, NA REATIVAÇÃO DA DOENÇA DE CHAGAS, EM PORTADORES DE HIV/AIDS

NOTA TÉCNICA FEBRE AMARELA SESA/ES 02/2017. Assunto: Informações e procedimentos para a vigilância de Febre Amarela no Espírito Santo.

PARASITOLOGIA CLÍNICA

RESSALVA. Atendendo solicitação do autor, o texto completo desta tese será disponibilizado somente a partir de 04/04/2016.

Emergência do Zika vírus no Brasil: Consequências, Enfrentamento e Processo de Produção de Conhecimento

Toxoplasmose. Zoonose causada por protozoário Toxoplasma gondii. Único agente causal da toxoplasmose. Distribuição geográfica: Mundial

ÍNDICE DE INFECÇÃO POR SÍFILIS EM MULHERES NO MUNICÍPIO DE VIÇOSA M.G. Introdução

ANÁLISE DA SOROPREVALÊNCIA DA DOENÇA DE CHAGAS EM UMA CIDADE DO NORTE DE MINAS GERAIS DURANTE O PERÍODO DE 2012 A 2014

SOROEPIDEMIOLOGIA DA DOENÇA DE CHAGAS NO PORTO FIGUEIRA DISTRITO DE ALTO PARAÍSO - PARANÁ

Aula Prática II: Protozoários - Família Trypanosomatidae.

CAPACITAÇÃO AGENTE COMUNITÁRIOS

01 Ed. 01 JANEIRO EVENTOS INTERNACIONAIS Zika (Pág. 04) EVENTOS NACIONAIS Dengue ( Pág. 01) Febre amarela (Pág. 02) Gripe H7N9 (Pag.

UNOESC NA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA PALESTRA SOBRE DENGUE, CHIKUNGUNYA E ZIKA

ALERTA EPIDEMIOLÓGICO Nº 01/2018 DIVEP/SUVISA/SESAB

Estudo aponta alta eficácia de medicamento contra malária

b) Triatomíneo c) Sabethes d) Biomphalaria e) Flebotomíneo

ROTAVÍRUS Juliana Aquino

Doença de Chagas: A culpa é do Açaí?

Epidemiologia. Disciplina: Higiene e profilaxia animal. Fábio Raphael Pascoti Bruhn

COES Febre Amarela CENTRO DE OPERAÇÕES DE EMERGÊNCIAS EM SAÚDE PÚBLICA SOBRE FEBRE AMARELA

14/06/12. Esta palestra não poderá ser reproduzida sem a referência do autor

ENFERMAGEM DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS. ZIKA VIRUS Aula 2. Profª. Tatiane da Silva Campos

Nota Técnica nº 13 LEISHIMANIOSE VICERAL

BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO 001/2015

INCIDÊNCIA E FATORES DE RISCO PARA A SÍFILIS CONGÊNITA NO ESTADO DA PARAÍBA

Mortes de macacos e a prevenção da febre amarela no Brasil, 2007 e 2008.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA CÓDIGO DISCIPLINA REQUISITOS BIO 405 PARASITOLOGIA HUMANA --

CONTAMINAÇÃO DA DOENÇA DE CHAGAS NO BRASIL

Os sintomas da dengue hemorrágica são os mesmos da dengue comum. A diferença ocorre quando acaba a febre e começam a surgir os sinais de alerta:

Febre Amarela Informações (18/01/2018)

EPIDEMIOLOGIA E SAÚDE PÚBLICA HISTÓRIA NATURAL E PREVENÇÃO DE DOENÇAS

Vigilância Epidemiológica das Doenças Negligenciadas e das Doenças relacionadas à pobreza 2018

COES Febre Amarela CENTRO DE OPERAÇÕES DE EMERGÊNCIAS EM SAÚDE PÚBLICA SOBRE FEBRE AMARELA

Aprimorando em Medicina Veterinária, Fundação Educacional de Ituverava Faculdade Dr. Francisco Maeda (FAFRAM),

Conceito de Ecoepidemiologia Prof. Claudia Witzel

PERCEPÇÃO DOS ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL DE UMA ESCOLA MUNICIPAL (ARARA-PB) SOBRE ALGUMAS DOENÇAS CAUSADAS POR VÍRUS (DENGUE, ZIKA, CHIKUNGUNYA)

DOENÇA DE CHAGAS LIGA ACADÊMICA DE CLÍNICA MÉDICA JOÃO LEANDRO E MARINA PALMA

Sarampo. Transmissão Sintomas Tratamento Vacinação e Prevenção

ARTIGO ORIGINAL. ÍNDICE DE TRIATOMÍNEOS POSITIVOS PARA Trypanosoma cruzi, EM MONTE CARMELO (MG), NO PERÍODO DE 2005 A 2009

Palavras-chave: canino, tripanossomíase, Doença de Chagas Key-words: canine, trypanosomiasis, chagas disease

Ministério da Saúde confirma segundo caso de febre do Nilo no país

Expansão da febre amarela para o Rio de Janeiro preocupa especialistas

1. SOBRE A HISTÓRIA NATURAL DA DOENÇA, DIFERENCIE PERÍODO EPIDEMIOLÓGICO DE PERÍODO PATOLÓGICO. 2. CONCEITUE: A. AGENTE ETIOLÓGICO: B.

ENFERMAGEM DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS. OUTRAS DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS Aula 2. Profª. Tatiane da Silva Campos

PREVINA-SE CONTRA FEBRE TIFÓIDE

Investigação de Surtos e Epidemias

Profa. Carolina G. P. Beyrodt

CADERNO DE EXERCÍCIOS 1D

Com baixa procura por vacinação, verão traz risco de novo surto de febre amarela

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR 1

Epidemiologia. Disciplina: Higiene e profilaxia animal. Fábio Raphael Pascoti Bruhn

Módulo: Nível Superior Dezembro/2014 GVDATA

A VIGILÂNCIA NO CONTEXTO DA SAÚDE. Herlon Guimarães Diretor da DUVAS

TÍTULO: CINÉTICA DA INFECÇÃO CHAGÁSICA EXPERIMENTAL PELA VIA ORAL CATEGORIA: CONCLUÍDO ÁREA: CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E SAÚDE SUBÁREA: ENFERMAGEM

DOENÇAS CAUSADAS POR VÍRUS

Chikungunya: o próximo desafio

Cecília Lorenzo de Siqueira. Orientada por: Inez Costa Alexandre Federici Elaine Machtyngier

Vírus do Nilo Ocidental Nova ameaça à segurança transfusional? West Nile virus A new threat to transfusion safety?

Transcrição:

CONSCIENTIZAÇÃO E PREVENÇÃO DA DOENÇA DE CHAGAS Lourival dos Santos Filho Graduando em Farmácia Faculdades Integradas de Três Lagoas - FITL/AEMS Aline Rafaela da Silva Rodrigues Machado Biomédica, Doutora em Clínica Médica (Investigação Biomédica) - USP. Docente das Faculdades Integradas de Três Lagoas - FITL/AEMS RESUMO O presente artigo trata-se de uma pesquisa bibliográfica sobre a doença de Chagas, muito comum no Brasil, na América Latina e em alguns países de clima tropical. A pesquisa incluiu artigos acadêmicos e sites especializados, com o intuito de corroborar a difusão da informação a respeito da doença e sua prevenção. Para tanto, a conscientização é essencial, diante da pesquisa podemos entender o desenvolvimento do processo infeccioso e como podemos realizar a prevenção. PALAVRAS-CHAVE: doença de chagas, prevenção, conscientização. 1 INTRODUÇÃO A prevenção é assunto primordial quando se trata de qualquer tipo de doença que possa se estabelecer no ser humano. Para tanto é necessário que haja uma conscientização a respeito de como tal patologia pode gerar problemas diversos, ou seja, para se prevenir de qualquer doença deve-se conhecê-la de maneira correta antes que se faça a prevenção. A conscientização é um processo longo que precisa ser pensado de forma ampla, para que possa atingir o maior número de pessoas possível, sendo assim para que uma prevenção possa ser realizada é preciso conhecer o assunto. Não há como falar sobre doença de Chagas sem mencionar Carlos Ribeiro Justiniano das Chagas, o cientista brasileiro que descobriu a doença e descreveu o ciclo biológico do parasita ano de 1908. Esta descoberta está intimamente relacionada à campanha inicial para a prevenção de malária, entretanto, o cientista citado identificou um protozoário do gênero Trypanosoma, que causava doenças em pessoas e animais, o qual foi denominado de Trypanosoma cruzi (REY, 2001; NEVES et al., 2005; KROFT, 2009).

Chagas concluiu que o protozoário não era o Trypanosoma minasense, mas sim, uma nova espécie de tripanossoma, que chamou de cruzi em homenagem ao seu mestre. Ao suspeitar que o novo parasito pudesse causar uma doença humana, Chagas fez exames sistemáticos nos moradores de Lassance. No dia 14 de abril de 1909, identificou o Trypanosoma cruzi no sangue de Berenice, uma criança de dois anos que estava 4 com febre (KROFT, 2009. p.5) O processo de descoberta da doença por Carlos Chagas iniciou-se em 1907 quando o referido pesquisador se instalou na cidade de Lassance, localizada no norte de Minas Gerais. O objetivo inicial do trabalho de Carlos Chagas foi orientar os trabalhadores da estrada de ferro Central do Brasil sobre as formas de prevenção e combate à malária, moléstia que desencadeou a morte de milhares de operários. Durante seu trabalho experimental e decorrido um ano de sua presença na região norte de Minas Gerais, após controlar o surto de malária, um inseto hematófago vulgarmente chamado de barbeiro chamou a atenção de Carlos Chagas. Alertado para a presença desses insetos no interior das habitações humanas da região, mais precisamente nas frestas de casas de pau-a-pique, habitações comuns na região, o pesquisador resolveu investigar a possibilidade de eles transmitirem algum parasito ao ser humano (COUTINHO; DIAS, 1999). Entre os anos 1909 e 1912, Carlos Chagas descreveu completamente esta nova enfermidade, incluindo seu agente etiológico, seus reservatórios naturais e seu transmissor, fato inédito na medicina mundial até os dias atuais, e um marco na história, já que a descoberta foi feita na sequência inversa do que é usual, pois a descoberta das doenças geralmente antecede a de seus agentes causais. A descoberta de Carlos Chagas foi premiada em 1912, recebendo o prêmio Schaudinn, concedido pelo Instituto de Moléstias Tropicais de Hamburgo, Alemanha (CHAGAS FILHO, 1968; 1993; AMATO, PASTERNAK, 2009; COSTA et al., 2010). A singularidade da trama científica que levou à descoberta da nova doença tropical tem sido, desde então, reiteradamente destacada. Teria sido a primeira vez na história da medicina que um mesmo pesquisador identificava o vetor (o inseto conhecido como barbeiro ), o agente etiológico (o protozoário Trypanosoma cruzi) e a doença causada por esse parasito, nesta seqüência que também se apresentava como singular na medida que contrariava a ordem das descobertas habituais, em que se parte da identificação de uma doença para em seguida determinar-lhe o vetor que a transmite e o agente que a provoca. (KROPF et al.2000, p.349).

Assim como a doença levou um período para ser identificada é preciso que ações de difusão sejam realizadas, como o presente artigo que visa informar sobre a doença, fazendo assim o trabalho de conscientização e auxilio na prevenção, quanto mais um determinado assunto for discutido e de conhecimento do grande público maior serão as possibilidades de prevenção. A difusão do conhecimento é essencial para que atitudes prevencionistas possam ser tomadas e de pronto estabelecer maneiras que possibilitem ações para ampliar as possibilidades de prevenção. 2 A DOENÇA DE CHAGAS A doença de Chagas ocorre exclusivamente no continente Americano, por isso, é conhecida também como tripanossomíase americana. É uma infecção parasitária causada pelo Trypanosoma cruzi, um protozoário flagelado, pertencente à família Trypanosomatidae. O parasita possui um complexo ciclo biológico, que envolve dois hospedeiros, um invertebrado e um vertebrado, apresentando três morfologias distintas: a epimastigota, tripomastigota e amastigota (AMATO, PASTERNAK, 2009; COSTA et al., 2010). Uma doença infecciosa parasitária que se apresenta em fase aguda, podendo durar, em média 2 meses, e se apresenta ainda em fase crônica, que se estabelece normalmente de 4 a 8 semanas após a infecção inicial. Tanto a Organização Mundial da Saúde quanto o Ministério da Saúde concordam que a Doença de Chagas precisa de mais atenção no que diz respeito a conhecimento e divulgação sobre a mesma e, adicionalmente, na América Latina a doença de Chagas apresenta o quarto maior impacto social entre todas as doenças infecciosas e parasitárias, atrás somente das doenças respiratórias, diarreias e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) (SCHMUNIS, 1999; OMS, 2002). Na maioria dos casos, a fase aguda da doença é oligossintomática, principalmente em adultos, não sendo valorizada pelo paciente ou pelo agente de saúde. Pode ainda não haver instalação de uma fase aguda clássica, uma vez que está relacionada diretamente com o número de parasitas inoculados. Quando esta se manifesta, apresenta um quadro febril ou outras manifestações clínicas, tais como miocardite, alterações eletrocardiográfcas, linfadenopatia e hepatoesplenomegalia (DIAS; DESSOY, 2009, p.2445).

Ao contrário de outras doenças transmitidas por insetos hematófagos, à infecção pelo Trypanossoma cruzi não ocorre pela inoculação direta do agente etiológico junto com a saliva do triatomíneo. Quando o barbeiro pica, ao exercer a hematofagia, ele defeca durante ou logo após a sucção do sangue, eliminando as formas infectantes do parasito nas fezes. As formas infectantes podem penetrar pelo orifício causado pela picada, através das mucosas (dos olhos, nariz ou boca) ou por pequenas feridas e arranhaduras na pele. Embora a transmissão pela via vetorial seja a forma mais importante, a transmissão também pode ocorrer através de transfusão de sangue, via transplacentária, através de transplante de órgãos, pela ingestão acidental de triatomíneos ou de alimentos contaminados por suas fezes, por acidentes de laboratório, ou ainda por manuseio sem proteção de carcaças de animais infectados (DIAS, 2001). As formas habituais de transmissão da doença de Chagas para o homem são: a vetorial, a transfusional, a transplacentária (congênita) e, mais recentemente, a transmissão pela via oral, pela ingestão de alimentos contaminados pelo T. cruzi. Mecanismos de transmissão menos comuns envolvem acidentes de laboratório, manejo de animais infectados, transplante de órgãos sólidos e leite materno. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, CADERNO 10, p.2). Após exercer a hematofagia, o barbeiro saciado defeca próximo ao local da picada e essas fezes podem conter as formas infectantes do T. cruzi. As formas infectantes podem penetrar por lesões na pele ou através das mucosas e, ao alcançarem a corrente sanguínea os parasitos são transportados até os músculos ou diferentes órgãos, afetando principalmente o coração e trato digestivo, onde se multiplicarão causando as lesões iniciais decorrente da infecção primária. A penetração do T. cruzi pode levar ao surgimento dos chamados sinais de porta de entrada, que são reações características da transmissão vetorial, entretanto, detectados em apenas cerca de 20% a 50% dos casos da transmissão vetorial. O Chagoma de inoculação pode aparecer nos membros, tronco e face na forma de lesões furunculóides, não supurativas, com uma leve elevação e com diâmetro de alguns centímetros, hiperêmicas e/ou hipercrômicas. Outro importante sinal é um edema bipalpebral unilateral, que corresponde a uma reação inflamatória local frente à penetração e difusão do parasito na conjuntiva ocular e adjacente, com grande edema, sinal também chamado de Romaña, em homenagem ao seu descobridor,

um médico argentino (TATTO et al., 2007; AMATO, PASTERNAK, 2009; COSTA et al., 2010). Na doença de Chagas podemos identificar três fases distintas da doença: a aguda, a indeterminada e a crônica, no entanto alguns autores consideram apenas duas fases, a aguda e a crônica. Durante a fase aguda, em torno de 3 a 4 semanas, a infecção varia de uma forma assintomática ou com manifestações muito leves, normalmente apenas um estado febril, sintomas que podem passar despercebidos, a uma forma severa que pode ser fatal e atinge principalmente crianças ou indivíduos debilitados ou imunocomprometidos. Além de febre, outros sintomas como diarreia e vômitos podem aparecer quando o trato digestivo é afetado. A evolução natural desta fase, mesmo quando não tratada, geralmente culmina no desaparecimento espontâneo da febre e da maior parte das outras manifestações. A fase indeterminada é caracterizada por baixa parasitemia e ausência de sinais clínicos. A forma crônica surge de 10 a 15 anos após a fase aguda. Nessa fase a cardiopatia Chagásica é a manifestação mais comum, já a forma digestiva produz visceromegalias, especialmente o megaesôfago e o megacólon (DIAS, 1989; AMATO, PASTERNAK, 2009; COSTA et al., 2010). 3 EPIDEMIOLOGIA DA DOENÇA DE CHAGAS NO BRASIL E MATO GROSSO DO SUL O país possui algumas regiões endêmicas para a doença de Chagas e o estado de Mato Grosso do Sul está entre elas de acordo com alguns estudiosos. Em um inquérito sorológico nacional sobre a doença de Chagas, realizado no período 1975-1980, estimou-se em 2,5% a soroprevalência para todo estado do Mato Grosso do Sul (Camargo et al., 1984). Posteriormente, no inquérito sorológico realizado em estudantes com idade entre 7 a 14 anos, no período 1994-1997, estimou-se a soroprevalência em 0,05%, com a detecção de dois casos em 3.891 estudantes examinados (SILVEIRA; VINHAES, 1998). Aguiar e Aguiar, 1999, identificaram uma soropositividade de 1,1% em primodoadores cadastrados no Hemosul de Campo Grande, no período de julho de 1984 a fevereiro de1985. Borges-Pereira et al., 2001, realizaram um perfil sorológico no estado de Mato Grosso do Sul, identificando anticorpos do isotipo IgG,

destacando os distritos com um maior número de ocorrência da doença. Entre os casos autóctones e alóctones, foram avaliados 14.709 pacientes, com a identificação de 270 pacientes com sorologia positiva, representando 1,83%. O maior número de ocorrência da doença de Chagas no Mato Grosso do Sul foi identificada nos municípios de São Gabriel, Pedro Gomes e Bandeirantes, com respectivamente as taxas de 2,39; 2,31; 2,09 (BORGES-PEREIRA et al., 2001). Em relação à morbidade estabelecida pela doença de Chagas, Pompilio et al. 2005, revisando 200 prontuários de pacientes chagásicos atendidos no ambulatório do Hospital Universitário da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, durante o período de 1986 a 1996, observou que 1% dos pacientes possuíam um diagnóstico de doença de Chagas aguda, 45,5% forma crônica indeterminada, 39,5% forma cardíaca crônica; 11% forma digestiva crônica e 3% forma mista, com acometimento cardíaco e digestivo. Com a extensão do estudo de No Distrito Sanitário de Rio Verde/MS, Borges-Pereira et al., 2001 encontraram uma prevalência de 24,6% de cardiopatia desenvolvida exclusivamente à doença de Chagas. Com este cenário, a doença de Chagas no país e no estado de Mato Grosso do Sul precisa ser vista como algo preocupante, representando um alerta para a população e, assim com há discussões acerca de doenças tropicais como Dengue, Malária e Zika vírus, a doença de Chagas não pode ser negligenciada, devido principalmente à morbidade da doença. Para Dias (2007) as migrações e invasões que ocorrem nos ambientes de mata que passam a se tornar urbanos, assim como o acesso dos moradores ao sistema de saúde contribui para o aumento e disseminação da doença, ou como o autor chama sua globalização. Fato do desmatamento para se edificar cidades pode levar o hospedeiro para perto das pessoas, o que ocorre nessas cidades do estado onde a vida silvestre e a urbana andam em conjunto em determinados pontos. O Brasil é um país com vasto território que apresenta características favoráveis para a propagação da doença de Chagas e de outras doenças tropicais, e o estado de Mato Grosso do Sul, por possuir também uma ampla extensão territorial e condições favoráveis para o desenvolvimento da doença, deve estabelecer medidas de controle e prevenção junto ao Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais de Saúde, visando evitar a propagação da doença e, em conjunto,

estabelecer estratégias visando o esclarecimento da população e ampliação da rede de diagnóstico e acompanhamento dos casos novos. 4 PREVENÇÃO E TRATRAMENTO Para a OMS (2002) um controle químico do vetor, ou seja, o uso de inseticida tem se mostrado eficaz para combater o hospedeiro, entretanto, essa é apenas uma das medidas que podem ser tomadas, entretanto, a medida mais eficaz está na melhoria da moradia e nas condições de vida dos indivíduos, inibindo assim o ciclo reprodutor do vetor. A utilização de inseticidas residuais não são mais questionados quando o vetor domiciliado é conhecido por estar presente e a transmissão está a ocorrer devendo ser prontamente controlada. O controle químico do vetor é então imperativo, tendo em conta a gravidade da doença. A melhoria física da habitação, incluindo o peridomicílio, é uma alternativa quando a infestação é geograficamente limitada e a infestação residual é persistente. (OMS, 2002, p. 70) A necessidade de melhorar as condições de vida das pessoas deve ser um dos focos em relação à prevenção da doença, pois o controle feito por inseticida não pode ser constante e não apresenta tanta eficácia na eliminação do vetor. Um esquema de prevenção eficaz consiste na disseminação do conhecimento sobre a doença e das formas de se prevenir a doença. A melhoria das condições básicas de higiene e de moradia podem prevenir inúmeras doenças. Campanhas de prevenção e higiene devem ser veiculadas em todos os meios de comunicação e nas escolas, principalmente em locais onde há um número maior de incidência da doença. No estado de Mato Grosso do Sul, por exemplo, uma ação conjunta entre a Secretaria de Saúde e Educação deve ser ampliada, visando atingir o maior número de pessoas e instruí-las para prevenir essa doença. A informação seria uma arma poderosa contra a doença de Chagas, quanto mais informados e conscientes a população estiver em relação a doença, sintomas, tratamento e formas de prevenção melhor será para o país, pois contará com um exército incansável que buscará a prevenção e assim possivelmente diminuirá os índices da doença. Após o diagnóstico da doença de Chagas o tratamento pode ser realizado no Sistema Único de Saúde (SUS), e o fármaco de escolha é o benzonidazol, que

deve ser ministrado em pessoas com a doença na fase aguda, assim que a mesma for confirmada, com duração de 60 dias, segundo o Ministério da Saúde. Há outro fármaco empregado o nifurtimox que não está disponível no país. Além dos fármacos, o aumento da oferta do diagnóstico e aumento dos testes de triagem deve ser realizado, pois essa doença causa um grande impacto socioeconômico (VIOTTI et al., 1994). CONSIDERAÇÕES FINAIS A doença de Chagas é uma doença comum em nosso país que pode acometer milhares de pessoas que não sabem de sua condição de saúde até apresentar uma fase mais crítica da doença. Mesmo após um século de sua descoberta, a doença ainda não é tão conhecida da população quando se comparado a outras doenças tropicais como a dengue, que apresenta campanhas massivas de conscientização e prevenção todo ano. Devido ao fato de a doença normalmente não apresentar sintomas em um primeiro momento, o número de pessoas infectadas pode ser maior do que os relatos coletados pelo sistema de saúde, ou seja, pode haver pessoas que albergam o protozoário, mas que estão na fase assintomática da doença, se tornando um hospedeiro. O tratamento é constante após a confirmação da doença, durante 60 dias o indivíduo deve se submeter ao tratamento com benzonidazol e continuar o monitoramento de seu estado de saúde. Uma doença que acomete uma parcela da população e que poderia ser evitada se a difusão das formas de prevenção da mesma atingisse um número maior de pessoas. Um trabalho em escala nacional com foco em regiões endêmicas pode ser a diferença na eficácia da prevenção desta doença, ações em conjunta de órgãos públicos e privados, podem apresentar resultados mais expressivos no combate a essa doença. REFERÊNCIAS AMATO, V. N.; PASTERNAK, J. Centenário da doença de Chagas. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 43, n. 2, Apr. 2009.

BORGES-PEREIRA, J.; ZAUZA, P. L.; GALHARDO, M. C; NOGUEIRA, J. S; PEREIRA, G. R. L; CUNHA, R. V. Doença de Chagas na população urbana do Distrito Sanitário de Rio Verde, Mato Grosso do Sul, Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 34:459-466, 2001. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretária de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Medicamentos. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. 40 p.. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigilância Epidemiológica, Caderno 10. Guia de CAMARGO, M. E.; SILVA, G. R.; CASTILHO, E. A.; SILVEIRA, A. C. Inquérito sorológico da prevalência da infecção chagásica no Brasil 1975/1980. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo 26:192-204, 1984. COSTA, M. et al. Doença de Chagas: Uma revisão Bibliográfica. Rev. Refacer v.1 n.2 (2010). CHAGAS FILHO, C. Histórico sobre a doença de Chagas, pp:5-21. In: J. Romeu Cançado (Ed.): Doença de Chagas. Editora de Cultura Médica, 1968.. Meu pai. Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 1993. 316 pp. COUTINHO, M.; DIAS, J. C. P. A descoberta da doença de Chagas. Cad Cien Tec16: 11-51, 1999. DIAS, L. C.; DESSOY, M. A. Quimioterapia da Doença de Chagas: Estado da Arte e Perspectivas no desenvolvimento de novos fármacos. Quim. Nova, Vol. 32, Nº. 9, 2444-2457, 2009. DIAS, J. C. P. Doença de Chagas, ambiente, participação e Estado. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 17 (Suplemento):165-169, 2001.. Globalização, iniquidade e doença de chagas. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23 Sup 1:S13-S22, 2007.. The indeterminate form of human chronic Chagas disease. A clinical epidemiological review. Rev Soc Bras Med Trop 1989; 22:147-56. KROPF, S. P. et al. Doença de Chagas: a construção de um fato científico e de um problema de saúde pública no Brasil*. 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 10 ago. 2016. KROPF, S. P. Carlos Chagas and the debates and controversies surrounding the disease of Brazil (1909-1923). v.16, supl.1, jul. 2009, p.205-227.

OMS. Organização Mundial da Saúde. WHO Expert Committee on the Control of Chagas Disease (2000: Brasilia, Brazil) Control of Chagas disease: second report of the WHO expert committee. Genebra, 2002. NEVES, D. P. et al. Parasitologia Humana. 11ª. São Paulo: Atheneu. 2005 POMPILIO. M. A. et al. Aspectos epidemiológicos, clínicos e parasitológicos da doença de Chagas em Mato Grosso do Sul. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 38(6):473-478, nov-dez, 2005. REY, L. Parasitologia. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara koogan. 2001. SILVEIRA, A.C.; VINHAES, M. Doença de Chagas: Aspectos epidemiológicos e de controle. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 31 (supl II):15-60, 1998. VIOTTI, R.; VIGLIANO, C.; ARMENTI, H. & SEGURA, E. - Treatment of chronic Chagas disease with benznidazol: clinical and serological evolution of patients with long term follow up. Amer. Heart J., 127: 151-162, 1994.