O Desempenho financeiro das distribuidoras de energia elétrica e o processo de revisão tarifária periódica

Documentos relacionados
DESTAQUES. Após tornar-se efetiva a operação, a EDF Internacional remanescerá com 10% das ações da Companhia.

Causas e consequências do Terceiro Ciclo de Revisão Tarifária das Distribuidoras Brasileiras 1.

Energisa Borborema - Distribuidora de Energia S/A Resultados do 1º trimestre de 2016

COMENTÁRIO DE DESEMPENHO DA COMPANHIA NO TRIMESTRE. Análise de Resultados. CPFL Energia (Controladora)

Apresentação Institucional 1T de maio de 2015

RELATÓRIO DE CONJUNTURA: TARIFAS

Energisa Nova Friburgo - Distribuidora de Energia S/A Resultados do 1º trimestre de 2016

Políticas de inovação tecnológicas para segmento de distribuição de energia elétrica 1

O desempenho financeiro das distribuidoras de energia elétrica e o processo de revisão tarifária periódica

Apontamentos Basilares da Reestruturação e Regulação do

A busca do equilíbrio financeiro no segmento da distribuição de energia elétrica. Prof. Thereza Aquino

Cooperativa de Eletrificação e Desenvolvimento da Região de Itu Mairinque Inscrição Estadual: CNPJ / Rod.

Energisa Nova Friburgo - Distribuidora de Energia S/A Resultados do 1º semestre de 2015

Resume-se a seguir o desempenho econômico-financeiro da Companhia no primeiro trimestre de 2015 e 2014: Descrição 1T15 1T14 Variação %

DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS REGULATÓRIAS

Energisa Paraíba Distribuidora de Energia S/A

Resume-se a seguir o desempenho econômico-financeiro da Companhia no primeiro semestre: Descrição 6M14 6M13 Variação %

Empresa de Distribuição de Energia Vale Paranapanema S.A. Demonstrações Financeiras Regulatórias em 31 de Dezembro de 2012 e 2011

COPEL. Copel Distribuição S.A.

Energia faturada por classe de consumidores (em GWh)

Apresentação de Resultados 1T18. Maio, 2018

AES Sul Distribuidora Gaúcha de Energia S.A. Demonstrações Contábeis Regulatórias

DFP - Demonstrações Financeiras Padronizadas - 31/12/ CIA BRASILIANA DE ENERGIA Versão : 1. Composição do Capital 1. Proventos em Dinheiro 2

COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS PRONUNCIAMENTO TÉCNICO CPC 42 CONTABILIDADE EM ECONOMIA HIPERINFLACIONÁRIA

EARNINGS RELEASE 2009 Cemig D

Celesc Distribuição S.A. CNPJ / Balanço Patrimonial

Demonstrações Financeiras 1º Trimestre de 2005

Energisa Tocantins - Distribuidora de Energia S/A Resultados do 1º trimestre de 2015

Energisa Nova Friburgo - Distribuidora de Energia S/A Resultados do 3º trimestre de 2016

COPEL. Copel Distribuição S.A.

COMPANHIA PIRATININGA DE FORÇA E LUZ

Material Informativo Confidencial 1/75

RIO GRANDE ENERGIA S.A. NOTAS EXPLICATIVAS ÀS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS REGULATÓRIAS PARA OS EXERCÍCIOS FINDOS EM 31 DE DEZEMBRO DE 2013 E DE

TELE NORDESTE CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A. ANUNCIA OS RESULTADOS DO PRIMEIRO TRIMESTRE DE 2000

RELATÓRIO DE CONJUNTURA: TARIFAS

Resume-se a seguir o desempenho econômico-financeiro da Companhia no primeiro trimestre de 2016 e 2015: Descrição 1T16 1T15 Variação %

Earnings Release 3T13

Rua Capitão Salomão, n.º 314. Fax (0XX) Telegramas SULGIPE N.º / N.º

Aperfeiçoamentos ao Modelo de Comercialização de Energia

Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo S.A. Demonstrações Contábeis Regulatórias

Energisa Tocantins - Distribuidora de Energia S/A Resultados do 1º semestre de 2016

3. Sobre as 5 Forças de Porter é correto dizer:

Energisa Borborema - Distribuidora de Energia S/A Resultados do 1º semestre de 2015

Concessionária: COMPANHIA PAULISTA DE FORÇA E LUZ

Djalma Bastos, nosso presidente disse:

Teleconferência. Resultados do 2T de Agosto de 2011

Elekeiroz S.A. Demonstrações contábeis de acordo com as práticas contábeis adotadas no Brasil e com o IFRS em 31 de dezembro de 2013

Contatos. Telefones: Site: Realizável de Longo Prazo Página 1 de 11

TELE CELULAR SUL PARTICIPAÇÕES S.A. DIVULGA OS RESULTADOS DO PRIMEIRO TRIMESTRE DE 1999.

Energisa Sul-Sudeste - Distribuidora de Energia S/A Resultados proforma do 3º trimestre de 2017

Energisa Nova Friburgo - Distribuidora de Energia S/A Resultados do 3º trimestre de 2018

Caderno de Prova 04, Tipo 001

CEMIG DISTRIBUIÇÃO S/A

Energisa Sul-Sudeste - Distribuidora de Energia S/A Resultados do 3º trimestre de 2018


ANÁLISE DO RESULTADO CONSOLIDADO NO PERÍODO DE JANEIRO A MARÇO DE 2003 EM COMPARAÇÃO AO PERÍODO DE JANEIRO A MARÇO DE 2002

1 Perfil do negócio e destaques econômico-financeiros

A Dinâmica da Oferta e Demanda de Energia Elétrica no Brasil em

Brasil Pharma. Conferência de Resultados 1T16 12 de maio, 2016

Caiuá Distribuição de Energia S/A Resultados do 1º semestre de 2015

DFP - Demonstrações Financeiras Padronizadas - 31/12/ AES TIETE ENERGIA S.A. Versão : 1. Composição do Capital 1. Proventos em Dinheiro 2

Energisa Sul Sudeste - Distribuidora de Energia S/A Resultados do 1º trimestre de 2019

ELETROPAULO METROPOLITANA ELETRICIDADE DE SÃO PAULO S.A. Companhia Aberta CNPJ/MF nº / NIRE nº

Earnings Release 1T14

III Seminário Internacional Desafios da Regulação no Setor Elétrico

Banco Santander (Brasil) S.A.

FEA- USP, 30 de setembro de AVALIAÇÃO INTERMEDIÁRIA: EAE 422 Análise e Elaboração de Projetos Prof. Dr. Eduardo Luzio. Nome:

COMENTÁRIO DE DESEMPENHO DA EDP BANDEIRANTE NO PERÍODO DE JANEIRO A SETEMBRO DE 2011(*)

DEMONSTRAÇÃO DAS ORIGENS E APLICAÇÕES DE RECURSOS (DOAR)

DISTRIBUIDORAS DE ENERGIA ELÉTRICA ESTUDO DOS INDICADORES FINANCEIROS

DFP - Demonstrações Financeiras Padronizadas - 31/12/ CIA BRASILIANA DE ENERGIA Versão : 2. Composição do Capital 1. Proventos em Dinheiro 2

ESTUDO DAS DISTRIBUIDORAS INDICADORES ECONÔMICO-FINANCEIROS

Material Informativo Confidencial 1/75

Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo S.A. Demonstrações Contábeis Regulatórias

Apresentação de Resultados 3T de Outubro de 2018

Energisa Nova Friburgo - Distribuidora de Energia S/A Resultados do 1º trimestre de 2018

DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS REGULATÓRIAS

Resultados 3T17. Rio de Janeiro 9 de novembro de 2017

Fronteira Oeste Transmissora de Energia S.A. - FOTE. Demonstrações contábeis regulatórias em 31 de dezembro de 2014

Investment Grade: Impactos na Economia Brasileira e no Setor Elétrico Brasileiro 1

Energisa Tocantins - Distribuidora de Energia S/A Resultados do 1º semestre de 2015

Resultados do 3T09. Novembro, 2009

ULTRAPAR PARTICIPAÇÕES S.A.

Material Informativo Confidencial 1/75

ESTUDO DOS INDICADORES FINANCEIROS DAS DISTRIBUIDORAS DE ENERGIA ELÉTRICA

QUANTIDADE DE CONSUMIDORES POR CLASSE Trimestres. Comentário de Desempenho Companhia Energética de Brasília S.A CEB 1º Trimestre de

Bradespar S.A. Resultados do 3º Trimestre de 2008

Cooperativa de Crédito de Livre Admissão de Associados de Caçador SICOOB CAÇADOR SC Rua Carlos Sperança, n 76 Caçador SC CNPJ:

Energisa Sul-Sudeste - Distribuidora de Energia S/A Resultados do 2º trimestre de 2018

Divulgação de Resultados 2017

ENASE 2017 O modelo setorial, o consumidor e o futuro setor elétrico A ótica do Regulador

DFP - Demonstrações Financeiras Padronizadas - 31/12/ GOL LINHAS AEREAS INTELIGENTES SA Versão : 1. Balanço Patrimonial Ativo 1

Banco Santander (Brasil) S.A.

Unidade I AVALIAÇÃO DE EMPRESAS. Prof. Rubens Pardini

Material Informativo Confidencial 1/75

DESEMPENHO 1T19x1T18:

Energisa Sul Sudeste - Distribuidora de Energia S/A Resultados do 1º trimestre de 2018

1. Destaques financeiros

Indenização a transmissoras pode causar alta média de 9% nas contas de luz

Transcrição:

Texto de Discussão do Setor Elétrico nº. 34 O Desempenho financeiro das distribuidoras de energia elétrica e o processo de revisão tarifária periódica Nivalde J. de Castro Roberto Brandão Luiz Ozório Rio de Janeiro Maio de 2011

Índice Introdução... 3 I Amostra das Empresas de Distribuição... 5 II Performance Econômica Financeira das Distribuidoras... 7 III- Ativos e Passivos Regulatórios... 10 IV Impactos do Balanço Regulatório sobre as Distribuidoras... 12 Conclusão... 15 2

O Desempenho financeiro das distribuidoras de energia elétrica e o processo de revisão tarifária periódica Nivalde J. de Castro 1 Roberto Brandão 2 Luiz Ozório 3 Introdução A Aneel está realizando audiência pública do terceiro ciclo de revisões tarifárias das concessionárias de distribuição de energia elétrica. O processo de revisão tarifária ocorre aproximadamente a cada quatro anos e o resultado final é a fixação, pela Aneel, da remuneração básica das empresas de distribuição a partir de uma metodologia única. Merece assinalar que anualmente são realizados reajustes de tarifas que se limitam a definir, segundo metodologia já consagrada, o repasse ao consumidor dos chamados custos não gerenciáveis, principalmente o custo da energia comprada dos geradores. Do ponto de vista estratégico o processo de revisão tarifária periódica é bem mais importante porque ele define e fixa os parâmetros dos quais dependem essencialmente a 1 Professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do GESEL Grupo de Estudos do Setor Elétrico. 2 Pesquisador sênior do GESEL-IE-UFRJ. 3 Professor do IBMEC e pesquisador sênior do GESEL-IE-UFRJ. 3

lucratividade das distribuidoras nos quatro anos subseqüentes 4. A proposta da Aneel para o terceiro ciclo de revisão tarifária é crítica e polêmica. A resultante final da proposta da Aneel deverá ser em uma substancial redução das margens das distribuidoras. O Agente Regulador pretende capturar as melhorias significativas das condições de mercado do setor de energia elétrica e do cenário macroeconômico do Brasil e repassá-los para a modicidade tarifária, em benefício do consumidor. A face mais visível (porém não a única) deste ajuste deverá ser a redução do custo médio ponderado de capital utilizado para cálculo das tarifas, que diminuirá dos atuais 9,95% ao ano (taxa livre de inflação) para 7,57% refletindo o novo status macroeconômico nacional. As distribuidoras têm questionado e resistido, como é natural, à iminente diminuição de suas margens operacionais. Um dos argumentos que vem sendo utilizados pelas empresas é que as novas tarifas serão um desestímulo ao investimento e, portanto, uma ameaça à qualidade do serviço prestado. Trata-se de uma preocupação relevante e que merece ser analisada a fundo. Neste sentido, o presente estudo tem por objetivo central investigar a situação financeira de um conjunto restrito, mas qualitativamente importante, de distribuidoras tendo por base a análise de seus demonstrativos financeiros. Desta forma, a partir desta amostra 4 Há também distribuidoras onde a revisão tarifária ocorre em períodos de três e outras de cinco anos. No entanto, todas estarão submetidas aos mesmos critérios metodológicos que estão sendo definidos para o 3º ciclo de revisão. 4

pretende-se avaliar os possíveis impactos de uma redução da margem de distribuição na saúde financeira das empresas e na dinâmica de fusões e aquisições do setor. O trabalho está estruturado em quatro seções. A primeira explicita os critérios para a seleção da amostra de empresas de distribuição utilizadas como objeto analítico. A segunda seção apresenta os principais dados agregados da performance econômica e financeira das empresas para o ano de 2009. A terceira define os conceitos de ativos e passivos regulatórios, essenciais para uma análise financeira apurada. A quarta seção examina os impactos dos ativos e passivos regulatórios sobre os demonstrativos financeiros das empresas. Por fim são apresentadas as conclusões do estudo que indicam uma forte tendência à consolidação do setor de distribuição em torno dos grupos econômicos financeiramente mais sólidos. I Amostra das Empresas de Distribuição O universo das mais de 60 distribuidoras que operam no Brasil é nitidamente heterogêneo. As principais distribuidoras que atuam em mercados economicamente consolidados e com maior escala apresentam uma situação e performance financeira excelente. No entanto, há empresas em situação financeira pior, em grande parte a atuando nas regiões norte, nordeste e centro oeste. Ali o crescimento da demanda de energia elétrica é mais intenso, exigindo investimentos significativos para expandir a rede elétrica em vastas áreas geográficas de concessão 5

onde, no entanto, o consumo é relativamente pequeno e as tarifas relativamente altas. Entretanto, a maior parte do mercado brasileiro de distribuição é atendido por distribuidoras de grande porte, atuando em áreas com boa densidade de consumo e controladas por grupos econômicos verticalmente integrados sob a forma de holdings e financeiramente sólidos. O primeiro critério do GESEL-UFRJ para selecionar a mostra das empresas foi a disponibilidade de demonstrativos financeiros publicados no site da CMV para o ano 2009. O segundo critério foi a partir deste subconjunto separar as empresas que tiveram a última revisão tarifária antes de 2009. Desta forma, os demonstrativos financeiros analisados refletem plenamente a margem operacional correspondente ao segundo ciclo de revisões tarifárias. Como resultado foi possível analisar um grupo de nove distribuidoras de seis estados: São Paulo: Eletropaulo, Bandeirante, CPFL, Rio de Janeiro: Light, Minas Gerais: CEMIG, Rio Grande do Sul: AES Sul e RGE, Bahia: Coelba e Ceará: Coelce. 6

II Performance Econômica Financeira das Distribuidoras A partir desta amostra foram copilados e sistematizados dados agregados de receita e desempenho econômico e financeiro destas empresas que estão apresentados na Tabela 1. Tabela 1 Indicadores de receita e desempenho das distribuidoras selecionadas: 2009 (em R$ bilhões e em %) Indicadores Valores Receita líquida 35,21 Lucro 4,09 Dividendos pagos 3,85 Patrimônio líquido 14,22 Aquisição de ativos imobilizados* 3,39 Lucro/Patrimônio líquido 28,8% Dividendos/Lucro em 2009 93,9% * Líquida da variação das Obrigações Vinculadas à Concessão. Elaboração: Gesel-IE-UFRJ com base nos demonstrativos financeiros das distribuidoras selecionadas. Nestes termos pode-se constatar que para 2009 o conjunto das distribuidoras obteve uma receita líquida de R$ 35,2 bilhões e auferiu um lucro total de R$ 4,1 bilhões. A lucratividade destas empresas é alta, alcançando 28,8% do patrimônio líquido total. Níveis tão altos de lucratividade sobre o patrimônio líquido são raros, ainda mais em um ano de crise econômica como 2009 e em especial em um setor regulado 7

com garantias de remuneração mínima dadas nos contratos de concessão. Convém ponderar a este respeito que o setor de distribuição é caracterizado por investimentos com longo prazo e que grande parte dos ativos estão lançados a valores históricos, que foram desvalorizados pela inflação, o que se reflete em valores contábeis subavaliados tanto para o ativo imobilizado como para o patrimônio líquido. Não obstante, para uma atividade com baixo risco em um setor da economia que tem regulação estável e madura, a margem de lucro das empresas parece excessiva, sobretudo quando se atenta para o volume de dividendos distribuídos. De acordo com a Tabela 1, o conjunto das distribuidoras estudado distribuiu dividendos de R$ 3,8 bilhões, correspondentes a 93,9% do lucro de 2009. Por outro lado, as empresas investiram na aquisição de ativos imobilizados R$ 3,4 bilhões, volume de recursos semelhante aos de 2007 e 2008 (3,3 bilhões), mesmo tendo distribuído 94% dos lucros via dividendos. Portanto, em uma aproximação analítica preliminar, as tarifas de distribuição de 2009, derivadas da metodologia do segundo ciclo de revisões tarifárias parecem elevadas. Estas tarifas aparentemente viabilizaram em 2009 simultaneamente uma distribuição maciça de dividendos e a manutenção de níveis de investimentos elevados, conforme atestam os dados da Tabela 1. No entanto, uma análise mais refinada demonstra que os altos dividendos pagos em 2009 não são resultado apenas de um patamar tarifário elevado. Na verdade, naquele ano a variação dos ativos e 8

passivos regulatórios gerou um caixa expressivo, que permitiu simultaneamente a distribuição de grande volume de dividendos e custeou vultosos investimentos sem necessidade de aumento do endividamento nem uso de caixa. Esta dinâmica financeira pode ser verificada através da Tabela 2. Tabela 2 Fluxo de caixa das distribuidoras selecionadas: 2009. (Em R$ bilhões.) Conta Valor Lucro 4,09 + Depreciação 1,43 + Variação de ativos e passivos regulatórios 2,19 + Outros* -0,35 = 1) Fluxo de caixa operacional 7,35 2) Fluxo de caixa de investimentos -3,56 Imobilização -3,39 Outros -0,16 3) Fluxo de caixa do financiamento -3,77 Dividendos -3,85 Novos Empréstimos 0,04 Outros 0,04 Aumento de caixa (1 + 2 + 3) 0,03 Caixa ao fim de 2008 2,54 Caixa ao fim de 2009 2,57 * Variações do capital de giro, variações do realizável de longo prazo e do passivo não circulante não oneroso, excluindo variações de ativos e passivos regulatórios. Elaboração: Gesel-IE-UFRJ com base em dados dos demonstrativos financeiros das distribuidoras estudadas. O grupo de empresas estudado teve um fluxo de caixa operacional de R$ 7,35 bilhões em 2009. Este número expressa o volume de dinheiro gerado pela operação das distribuidoras, já líquido de todos os custos e 9

impostos. Com esses recursos as distribuidoras estudadas investiram R$ 3,56 bilhões e distribuíram dividendos de R$ 3,85 bilhões. O aumento do endividamento (novos empréstimos) e a variação do caixa foram desprezíveis. É preciso ressaltar, porém, que quase 30% do fluxo de caixa operacional de 2009 (R$ 2,19 bilhões) foi resultante de variações não recorrentes de ativos e passivos regulatórios. Sem estes recursos, não seria possível distribuir dividendos tão altos e ao mesmo tempo investir tanto. A menos, é claro, que fossem contraídas novas dívidas no valor equivalente a R$ 2,19 bilhões. Em suma, as distribuidoras só conseguiram manter o caixa sem contratar novos empréstimos devido a um fato fortuito: em 2009 verificaram-se grandes entradas de caixa originadas da variação de ativos e passivos regulatórios. III- Ativos e Passivos Regulatórios Para compreender o que efetivamente ocorreu em 2009 é preciso entender como funcionam os ativos e passivos regulatórios. Trata-se de contas registradas na contabilidade das distribuidoras 5 que controlam direitos e obrigações reconhecidos pelo Agente Regulador, e que só serão 5 Com a transição para o novo padrão contábil (IFRS), os ativos e passivos regulatórios deixaram de ser contemplados pela contabilidade societária a partir dos demonstrativos financeiros de 2010. Por esta razão preferiu-se aqui estudar as contas das distribuidoras no ano de 2009. 10

incorporados na tarifa no futuro. Os ativos e passivos regulatórios são de dois tipos: i. Direitos e obrigações que foram constituídos no passado com o propósito de evitar um aumento abrupto das tarifas em um determinado ano e; ii. Direitos e obrigações que decorrem da diferença entre a estimativa para os custos não gerenciáveis feita anualmente pela Aneel e os valores efetivamente verificados. Dentro do primeiro grupo estavam, por exemplo, os ativos e passivos regulatórios originados à época do racionamento de 2001. Na ocasião se decidiu ressarcir as distribuidoras das perdas de faturamento ocasionadas pelo racionamento. Também foi decidido o repasse ao consumidor dos altos custos de energia do Mercado Atacadista de Energia (MAE) vinculados à crise do racionamento de 2001-2002. Porém os volumes financeiros envolvidos eram de tal ordem que seria impossível repassá-los de uma única vez às tarifas. Optou-se por constituir um ativo regulatório que foi progressivamente sendo pago pelo consumidor, de tal forma que em 2009 esta conta já se encontrava zerada. O primeiro grupo de direitos e obrigações também inclui outros casos semelhantes. A CEMIG, por exemplo, teve parte do reajuste tarifário de 2003 diferido no tempo, só sendo totalmente ressarcido à distribuidora, via tarifa, em 2009. O segundo grupo de ativos e passivos regulatórios é a Conta de Compensação de Variação de Valores de Itens da Parcela A (CVA). Esta conta trata da diferença entre os valores previstos para os custos não 11

gerenciáveis das distribuidoras e os custos verificados. Normalmente a maior parte da CVA diz respeito ao custo energia. Uma parte dos custos da energia para o ano seguinte é estimado por ocasião do reposicionamento tarifário anual, mas os valores verificados podem ser substancialmente diferentes. Isto pode ocorrer, por exemplo, para a energia comprada da Itaipu Binacional. Trata-se de uma energia cotada em dólar e, por isso, seu custo efetivo em reais varia a cada mês de acordo com a taxa de câmbio. Outro exemplo de ativo do segundo tipo é está relacionado à previsão para pagamento de Encargo de Serviços de Sistema (ESS), que depende em grande medida do despacho de termoelétricas, que é difícil de prever antecipadamente. Assim, se em um dado ano os gastos com energia são superiores ao estimado pela Aneel, constitui-se no balanço das distribuidoras um ativo regulatório, que será posteriormente ressarcido à distribuidora via tarifa. Se, ao contrário, o custo da energia e de outros custos não gerenciáveis for menor que o previsto pela Aneel, as distribuidoras acumulam um excedente de caixa. Este excedente de caixa dará origem a um passivo regulatório, a ser ressarcido ao consumidor posteriormente por meio de uma tarifa mais baixa. IV Impactos do Balanço Regulatório sobre as Distribuidoras No ano de 2009, o grupo das distribuidoras selecionadas diminuiu os ativos líquidos do primeiro tipo (ativos relacionados ao diferimento de reajustes tarifários) R$ 819 milhões, representando uma entrada líquida 12

extraordinária neste mesmo montante. A maior beneficiada foi a CEMIG, que recebeu em 2009 um expressivo volume de créditos formados na primeira metade da década. Os ativos e passivos relacionados à Parcela A custos não gerenciáveis das distribuidoras geraram por sua vez um caixa de R$ 1,37 bilhões. Dois fatores podem ter contribuído para formar este valor. Por um lado, houve ao longo de 2008 um gasto extraordinário com geração termoelétrica que gerou o Encargo de Serviços de Sistema (ESS) que atingiu valores globais de R$ 2 bilhões e que seguramente não havia sido contemplado na fixação da tarifa naquele ano. Este gasto extraordinário foi arcado pelas distribuidoras, sendo ressarcido, via reajuste anual, apenas no ano de 2009. Por outro lado, é possível que o custo da energia de Itaipu tenha sido estimado, por ocasião do reposicionamento tarifário de 2009, com base na elevada cotação do dólar de fins de 2008. A valorização do real em 2009 também pode ter gerado um excedente de caixa para as distribuidoras, dando, neste caso, origem a um passivo regulatório a ser compensado na tarifa de 2010. Porém, mesmo com a contribuição expressiva dos ativos e passivos regulatórios para a geração de caixa das distribuidoras em 2009, permanece o seguinte diagnóstico: As tarifas praticadas no segundo ciclo de revisões tarifárias mostraram-se bastante confortável para o grupo de distribuidoras estudado. Para efeito de exemplificação, se em 2009 não houvesse variações de ativos e passivos regulatórios, ainda assim seria possível custear todos os investimentos e distribuir dividendos equivalentes a mais de 40% do 13

lucro. Em outras palavras, as tarifas mostraram-se suficientemente altas para custear integralmente os investimentos sem necessidade de recorrer a nenhum endividamento adicional. Entretanto na prática o que se poderia esperar seria uma distribuição de dividendos bastante superior a 40% do lucro. Isto porque a realização de novos investimentos é reconhecida pelo Agente Regulador, que incorpora a remuneração dos investimentos dos novos ativos à tarifa. Como os novos investimentos levam necessariamente a um aumento da receita, direito garantido regulação do setor, os investimentos em distribuição possuem fundamentos sólidos para viabilizar o financiamento via capital de terceiros. Dito de outro modo, um aumento do endividamento de uma distribuidora será sustentável sempre que ele for proporcional ao aumento do volume dos ativos líquidos investidos na concessão, uma vez que o aumento dos ativos resulta necessariamente em aumento correspondente na tarifa. Como se prevê que o terceiro ciclo de revisão tarifária irá determinar uma redução nas margens das empresas, o fluxo de caixa operacional das distribuidoras sofrerá diminuição. A conseqüência não deve ser, porém, um menor nível de investimentos, como tem sido propalado pelas distribuidoras, mas sim a adoção de um novo mix de financiamento ao investimento: uma parte dos lucros precisará ficar retido para suportar parte dos novos investimentos. As distribuidoras passarão a custear os investimentos através de um mix de lucros retidos e novo endividamento. 14

O crescimento do endividamento das distribuidoras para financiar investimentos deve ser encarado de forma natural. Trata-se de um endividamento saudável, com risco baixo, possivelmente um dos menores da economia brasileira, na medida em que a tomada de empréstimos no mercado de capitais estará respaldada por um aumento de receitas garantido pela regulação. Conclusões O terceiro ciclo de revisão tarifária tem amplo espaço para contribuir para a redução do custo de energia para as famílias e empresas sem criar desequilíbrio econômico para as distribuidoras. Entretanto, o setor de distribuição não se resume, à amostra das empresas selecionadas e analisadas. Há também um conjunto de empresas com problemas, seja devido à gestão deficiente ou a um endividamento excessivo. Tais empresas encontrarão problemas para absorver margens mais estreitas, tornando-se fortes candidatas à aquisição por grupos mais fortes e com bom histórico de administração de concessões de distribuição. A força financeira dos grupos controladores tende a se tornar um diferencial competitivo importante com o novo ciclo de revisões tarifárias. O acesso a capital de terceiros a preços e condições favoráveis se tornará cada vez mais importante. Por um lado, será preciso administrar bem as dívidas para viabilizar investimentos em expansão e 15

melhoria da rede. Por outro lado, também será essencial contar com solidez financeira para suportar aumentos não antecipados nos custos não gerenciáveis em alguns anos. Isto porque quando, por exemplo, a ESS aumentar acima do esperado ou quando eventualmente ocorrer desvalorização acentuada do real, as distribuidoras precisarão reforçar o caixa, captando volumes não previstos de novas dívidas. Isto não será dificuldade para grupos sólidos, na medida em que a regulação garante que tais gastos serão ressarcidos com correção no(s) próximo(s) ano(s). Mas pode ser problemático para empresas frágeis que só conseguem se endividar a custos proibitivos. Neste sentido, há uma forte tendência à consolidação no segmento de distribuição do setor elétrico brasileiro, fato em si que corrobora a lógica capitalista de concentração de capital. 16