ALTA FREQUÊNCIA DE PLAQUETOPENIA E FATORES A ELA ASSOCIADOS EM PACIENTES COM MALÁRIA CAUSADA PELO PLASMODIUM VIVAX

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Transcrição:

SORAYA BYANA REZENDE DA SILVA ALTA FREQUÊNCIA DE PLAQUETOPENIA E FATORES A ELA ASSOCIADOS EM PACIENTES COM MALÁRIA CAUSADA PELO PLASMODIUM VIVAX UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO Faculdade de Ciências Médicas Coordenação de Programas de Pós-Graduação Cuiabá - MT Dezembro, 2009

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ii UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO Faculdade de Ciências Médicas Coordenação de Programas de Pós-Graduação ALTA FREQUÊNCIA DE PLAQUETOPENIA E FATORES A ELA ASSOCIADOS EM PACIENTES COM MALÁRIA CAUSADA PELO PLASMODIUM VIVAX Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Ciências da Saúde Área de Concentração Doenças Infecciosas e Tropicais SORAYA BYANA REZENDE DA SILVA ORIENTADOR: PROF.DR.COR JÉSUS FERNANDES FONTES Cuiabá - MT Dezembro, 2009

iii FICHA CATALOGRÁFICA Rezende, SB Fatores associados à plaquetopenia em pacientes com malária causada pelo Plasmodium vivax./ Soraya Byana Rezende da Silva 2009.... f ;.. cm. Orientador: Prof. Dr. Cor Jesus Fernandes Fontes. Dissertação (mestrado) Universidade Federal de Mato Grosso, Faculdade de Ciências Médicas, Pós-graduação em Ciências da Saúde, Área de concentração: Doenças tropicais e infecciosas. Bibliografia: f.. -... Malária Plasmodium vivax Plasmodium falciparum Plaquetopenia Ficha elaborada por:

iv UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO Faculdade de Ciências Médicas Coordenação de Programas de Pós-Graduação Reitora: PROFa.Dra. MARIA LUCIA CAVALLI NEDER Vice-Reitor: PROF. Dr. FRANCISCO JOSÉ DUTRA SOUTO Pró-Reitora de Pós-Graduação: PROFa.Dra. LENY CASELI ANZAI Diretor da Faculdade de Ciências Médicas: PROF. Dr. ANTONIO JOSÉ DEAMORIM Coordenador da Pós-Graduação em Ciências da Saúde: PROF.Dr. COR JÉSUS FERNANDES FONTES Vice-Coordenadora da Pós-Graduação em Ciências da Saúde: PROFa. Dra. ROSANE CHRISTINE HAHN COLEGIADO DO MESTRADO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE PROF.Dr. COR JÉSUS FERNANDES FONTES (Presidente) PROFa. Dra. ROSANE CHRISTINE HAHN (Área de Concentração: Doenças Infecciosas e Tropicais) PROF. Dr. DOMINGOS TABAJARA DE OLIVEIRA MARTINS (Área de Concentração: Farmacologia) PROF. Dr. JOSÉ EDUARDO AGUILAR NASCIMENTO (Área de Concentração: Cirurgia, Metabolismo e Nutrição) PROF. Dr. SEBASTIÃO FREITAS DE MEDEIROS (Área de Concentração: Reprodução Humana) Discente: JOÃO PAULO XXXXX

S U M Á R I O Página Lista de Abreviaturas Lista de Tabelas Lista de Figuras Lista de Anexos RESUMO... xx 1. INTRODUÇÃO... 1 1.1.Aspectos epidemiológicos... 9 1.2 Aspectos biológicos da malária 1.3. Aspectos clínicos... 11 1.3.1 Malária pelo P.vivax... 13 1.3.2 Malária pelo P. falciparum... 15 1.3.3 Malária pelo P. malariae... 18 1.4 Aspectos diagnósticos 18 1.5 Aspectos hematológicos 19 2. OBJETIVOS... 35 2.1. Objetivo geral... 37 2.2. Objetivos específicos... 38 3. PACIENTES E MÉTODOS... 39 3.1. Tipo e local do estudo de estudo... 40 3.2. Pacientes amostrados e obtenção das informações... 40 3.3. Exame clínico... 42 3.4 Avaliação laboratorial... 48 3.5 Aspectos éticos... 55 3.6 Procedimentos de análise dos resultados... 58 4. RESULTADOS... 61 5. DISCUSSÃO... 97 5.1. Prevalência de plaquetopenia entre os pacientes do estudo... 99 5.1.1. Destruição periférica e consumo plaquetário... 101 5.1.2. Coagulação intravascular disseminada... 104 5.1.3. Plasmodium vivax mais negligenciado que o P.falciparum... 106 5.1.4. Infecção mista com P.falciparum, não diagnosticada pela gota espessa... 107

ii 5.1.5. Dismielopoiese associada à malária... 5.1.6. Destruição indireta das plaquetas pelo parasito... 112 5.2. Fatores associados à plaquetopenia entre os pacientes do 116 estudo... 5.3. Limitações do estudo... 120 6. CONCLUSÕES... 126 ABSTRACT... 130 ANEXOS... 134 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 145 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS UTILIZADAS NESTE TEXTO Anti-RESA - Anticorpos contra o antígeno de superfície do eritrócito parasitado com formas em anel de Plasmodium falciparum DP - Desvio padrão DO - Densidade ótica EDTA - Ácido N,N -etilenodiamino-diacético ELISA - Ensaio imunoenzimático FUNASA - Fundação Nacional de Saúde IBGE - Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística IC95% - Intervalo de confiança ao nível de 95% de confiança IPA - Índice parasitário anual IP-anti-RESA - Índice percentual de anticorpos anti-resa no ELISA OMS - Organização Mundial de Saúde ParaSight-F - Teste rápido imunocromatográfico para detecção de PfHRP-2 de P.falciparum PBS - PBS-T - PCR - pdhl - PfHRP-2 - Q1-Q3 - QBC - RC - RESA - VPN - VPP - Solução salina fosfatada e tamponada Solução salina fosfatada e tamponada com Tween-20 Reação em cadeia da polimerase Desidrogenase do ácido lático dos plasmódios Proteína 2 rica em histidina do P.falciparum Primeiro quartil terceiro quartil Quantitative buffy coat Razão de chance antígeno de superfície do eritrócito parasitado com formas em anel de P.falciparum Valor preditivo negativo Valor preditivo positivo

iii Tabela 1 LISTA DE TABELAS Características demográficas dos pacientes com malária por P. vivax, atendidos no Hospital Universitário Júlio Muller, Cuiabá (MT) no período de outubro de 2003 a janeiro de 2009. Tabela 2 Manifestações clínicas dos pacientes com malária por P. vivax, atendidos no Hospital Universitário Júlio Muller, Cuiabá (MT) no período de outubro de 2003 a janeiro de 2009 Tabela 3 Tabela 4 Resultado da avaliação laboratorial dos pacientes com malária por P. vivax, atendidos no Hospital Universitário Júlio Muller, Cuiabá (MT) no período de outubro de 2003 a janeiro de 2009. Características de exposição anterior à transmissão de malária de pacientes com malária por P. vivax, atendidos no Hospital Universitário Júlio Muller, Cuiabá (MT) no período de outubro de 2003 a janeiro de 2009. Página Tabela 5 Níveis de plaquetimetria dos pacientes com malária por P. vivax, atendidos no Hospital Universitário Júlio Muller, Cuiabá (MT) no período de outubro de 2003 a janeiro de 2009. 67 Tabela 6 Tabela 7 Tabela 8 Fatores associados à plaquetopenia em pacientes com malária por P. vivax, atendidos no Hospital Universitário Júlio Muller, Cuiabá (MT) no período de outubro de 2003 a janeiro de 2009 Resultado da análise multivariada dos fatores associados à plaquetopenia em pacientes com malária por P. vivax, atendidos no Hospital Universitário Júlio Muller, Cuiabá (MT) no período de outubro de 2003 a janeiro de 2009 56 57 58 64 71 72 73

iv Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 Ciclo biológico Mapa LISTA DE FIGURAS Histograma da distribuição do número de plaquetas dos pacientes com malária por P. vivax, atendidos no Hospital Universitário Júlio Muller, Cuiabá (MT) no período de outubro de 2003 a janeiro de 2009 Relação entre o nível de parasitemia por Plasmodium e contagem de plaquetas ciruculantes dos pacientes com malária por P. vivax, atendidos no Hospital Universitário Júlio Muller, Cuiabá (MT) no período de outubro de 2003 a janeiro de 2009 Página 10 12 13 14 41

v LISTA DE ANEXOS Página Anexo 1 Roteiro de entrevista clínico epidemiológica 135 Anexo 2 Termo de autorização do CEP-HUJM 139 Anexo 3 Termo de consentimento livre e esclarecido 140

vi Resumo O presente estudo teve como objetivo estudar fatores clínicos, epidemiológicos e laboratoriais associados à plaquetopenia de pacientes com malária causada pelo P.vivax, no intuito de contribuir para o entendimento dessa complicação. Es tudaramse todos os 397 pacientes portadores de malária causada pelo P.vivax em monoinfecção, que demandaram o Ambulatório de Infectologia do Hospital Universitário Júlio Müller, no período de março de 2003 a janeiro de 2009. Foram obtidos dados clínicos e epidemiológicos relativos à sua doença. A plaquetopenia, definida como plaquetimetria igual ou inferior a 150.000/mm3, foi encontrada em 77,1% dos pacientes, e plaquetopenia grave (contagem de plaquetas inferior a 50.000/mm3), em 14,6% dos pacientes do estudo. A distribuição do número circulante de plaquetas foi assimétrica à esquerda, predominando contagens inferiores a 150.000/mm3. De 12 pacientes foi possível observar que a contagem das plaquetas retornou aos valores normais após sete dias do início do tratamento. Em geral os pacientes com plaquetimetria menor que 150.000/mm3 referiram maior (p=0,03) tempo de início de sintomas (mediana=5, Q1-Q3=3-8) e maior (p<0,001) nível de parasitemia. Entre indivíduos com menos de 1000 parasitos/mm3 à microscopia do sangue, a proporção de plaquetopenia foi 64,3%. Essa proporção aumentou para 74,2% e 88,3% quando as parasitemias cresceram para 1001-5000 parasitos/mm3 e superior a 5000 parasitos/mm3, respectivamente. As chances de indivíduos com plaquetopenia apresentarem parasitemia entre 1001-5000 parasitos/mm3 ou superior a 5000/mm3 de sangue foram de 1,6 (p=0,199) e 4,2 (p=0,0003) vezes maiores, respectivamente, quando comparadas aos pacientes com

vii parasitemia inferior a 1000 parasitos/mm3. Esse achado foi corroborado pela observação, em análise de regressão linear simples, que cada aumento de uma unidade no nível de parasitemia circulante resulta em redução aproximada de 2,8 plaquetas/mm3 (ß=2,86; IC95%: -4,19 1,55; p<0,001). Após ajuste em análise multivariada, observou-se que permaneceu independentemente associada à plaquetopenia apenas a parasitemia. Conclui-se que foi alta a freqüência de plaquetopenia, em especial plaquetopenia grave, em pacientes com malária causada pelo P.vivax, porém não associada a complicações hemorrágicas.

Capítulo 1 I N T R O D U Ç Ã O

2 1.1. Aspectos epidemiológicos A malária é a doença parasitária de maior importância e prevalência na atualidade, ocorre nas áreas tropicais e subtropicais do mundo. Entretanto, sua distribuição nessas regiões não é homogênea. Acomete principalmente países com baixo desenvolvimento socioeconômico, como na maioria dos países endêmicos Africanos ou áreas de conflitos sociais e de movimentos migratórios, como os países tropicais da Ásia, América Latina e Caribe. É na África onde o problema assume maior importância, onde ocorrem 90% das mortes por malária do mundo, principalmente em crianças e jovens. Cerca de 350 a 500 milhões de novos casos de malária ocorrem anualmente nas áreas tropicais e subtropicais do globo, sendo a maioria destas infecções causadas pelo Plasmodium vivax e Plasmodium falciparum (WHO, 2007). Anualmente, 1,5 a 2,7 milhões de pessoas morrem por complicações decorrentes da malária, sendo 1 milhão crianças menores de 5 anos de idade. No Brasil, em 2007, foram notificados 457.659 casos de malária (Sivep Malária/SVS/MS), aproximadamente 99,5% dos casos de malária ocorrem na Amazônia Legal. A espécie prevalente no Brasil é o Plasmodium vivax, que no ano de 2006 foi responsável por

3 aproximadamente 73,3% dos casos. P. falciparum é a segunda espécie com maior número de casos (25%). As infecções mistas causadas por P. vivax e P. falciparum respondem por 1,6% das infecções notificadas e o Plasmodium malariae, por apenas 0,1%. 1.2 Aspectos biológicos da malária A malária é uma doença parasitária transmitida na natureza pela picada de fêmeas de mosquitos do gênero Anopheles infectadas por protozoários do gênero Plasmodium, Classe Sporozoa. Quatro espécies causam a doença no homem: Plasmodium vivax, Plasmodium falciparum, Plasmodium malariae e Plasmodium ovale. O Plasmodium ovale ocorre apenas em regiões restritas do continente africano. No Brasil, somente as primeiras três espécies são encontradas (Bruce- Chwatt, 1985). A infecção pelos parasitos da malária inicia-se quando esporozoítos infectantes são inoculados no homem por mosquitos do gênero Anopheles. Estas formas desaparecem da circulação sangüínea do indivíduo suscetível dentro de 30 a 60 minutos para alcançarem os hepatócitos, onde evoluem. Após invadirem a célula hepática, os esporozoítos se diferenciam em trofozoítos pré-eritrocíticos. Estes se

4 multiplicam por reprodução assexuada do tipo esquizogonia, dando origem aos esquizontes teciduais e posteriormente a milhares de merozoítos que invadirão os eritrócitos. Esta primeira fase do ciclo é denominada exo-eritrocítica, precedendo o ciclo sanguíneo do parasito. O desenvolvimento nas células do fígado requer aproximadamente uma semana para o P. falciparum e P. vivax e cerca de duas semanas para o P. malariae. Nas infecções por P. vivax e P. ovale, o mosquito vetor inocula populações geneticamente distintas de esporozoítos: algumas se desenvolvem rapidamente, enquanto outras ficam em estado de latência no hepatócito, sendo por isso denominadas hipnozoítas. Estes hipnozoítas são responsáveis pelas recaídas tardias da doença, que ocorrem após períodos variáveis de incubação, em geral dentro de seis meses para a maioria das cepas de P. vivax (Krotoski et al., 1982). O desenvolvimento intra-eritrocítico do parasito dá-se também por esquizogonia, com conseqüente formação de merozoítos que invadirão novos eritrócitos. O ciclo sangüíneo se repete sucessivas vezes, a cada 48 horas nas infecções pelo P. falciparum e P. vivax e a cada 72 horas, nas infecções pelo P. malariae. Depois de algumas gerações de merozoítos sangüíneos, ocorre a diferenciação em estágios sexuados, os gametócitos, que não mais se dividem e que seguirão o seu desenvolvimento no mosquito vetor, dando origem aos esporozoítos.

5 Figura 1: Representação esquemática do ciclo evolutivo do Plasmodium vivax. Fonte: Guia prático de tratamento da malária no Brasil. Ministério da Saúde. Jing-Bo Jiang, 1988.

Mapa atualizado com a distribuição de malária no Brasil 6

7 1.3. Malária 1.3.2.. Aspectos clínicos As manifestações clínicas da malária são dependentes de vários fatores, entre os quais destaca o status de imunidade específica do paciente à doença. Isto significa que a intensidade e a gravidade do quadro clínico estão relacionadas à exposição prévia dos indivíduos à infecção, sendo mais intensas nas crianças, nas gestantes ou em indivíduos não imunes que se deslocam para as áreas endêmicas. Por outro lado, adultos com história de prolongada exposição ao parasito podem tornar-se resistentes aos efeitos da doença e apresentar infecções oligossintomáticas ou mesmo assintomáticas (Grobusch & Kremsner, 2005). O período de incubação da malária varia de acordo com a espécie de plasmódio, sendo de 9 a 14 dias para P. falciparum, 12 a 17 dias para P. vivax e 18 a 40 dias para P. malariae. Uma fase sintomática inicial, caracterizada por mal-estar, cefaléia, cansaço e mialgia, geralmente precede a clássica febre da malária. Esses sintomas são comuns a muitas outras infecções, não permitindo um diagnóstico clínico seguro. O ataque paroxístico agudo, coincidente com a ruptura das hemácias ao final da esquizogonia sangüínea, é geralmente acompanhado de calafrio, sudorese, palidez e cianose labial. Dura de 15 minutos a uma hora e é

8 seguida por uma fase febril que pode atingir temperatura corpórea de 40ºC ou mais, acompanhada de cefaléia e mialgia intensas, taquicardia, taquipnéia, tosse, lombalgia, náusea, vômitos, dor abdominal e até mesmo delírio. Num intervalo de duas a seis horas ocorre defervescência da febre e o paciente sente-se melhor. Após a fase inicial, a febre assume um caráter intermitente, podendo evoluir para uma periodicidade regular do quadro clínico, que passa a ser dependente do tempo de duração dos ciclos eritrocíticos de cada espécie de plasmódio: 48 horas para P. falciparum, P. vivax e P. ovale e 72 horas para P. malariae. Contudo, a constatação dessa regularidade é pouco comum nos dias atuais, em decorrência de tratamento precoce, sendo a febre cotidiana e irregular o padrão mais observado na malária. Ao exame físico, o paciente apresenta-se pálido e com fígado e baço palpáveis. A anemia, apesar de freqüente, apresenta-se em graus variáveis, sendo mais intensa nas infecções por P. falciparum. O exame dos aparelhos cardiovascular e respiratório é normal na maioria dos pacientes. Entretanto, taquicardia e sopro sistólico podem estar presentes em conseqüência de febre, anemia e desidratação. Outros achados físicos, de ocorrência menos freqüente, incluem icterícia, hemorragia

9 conjuntival, urticária e rash cutâneo petequial. Durante a fase aguda da malária, é comum a ocorrência de herpes simples labial. 1.3.2. Malária pelo P. vivax Em geral, a malária por P. vivax tem evolução benigna e raramente é fatal. Todavia, em indivíduos não imunes, suas manifestações clínicas podem ser debilitantes e complicações como anemia e plaquetopenia podem surgir (Warrel et col. 1993; Rodríguez- Morales et col. 2005). A hepatoesplenomegalia é, em geral, discreta e pouco dolorosa, podendo estar associada à icterícia discreta. Em raras ocasiões, o baço pode apresentar um rápido aumento de volume e sua ruptura pode acontecer, associada ou não a trauma abdominal. Essa complicação manifesta-se com dor abdominal, anemia aguda e choque, sendo responsável pela maior parte dos óbitos causados por essa espécie de parasito. Cerca de 60% dos pacientes não tratados ou inadequadamente tratados para o P. vivax, os sintomas clínicos e a parasitemia recorrem após um período de latência de 8 a 10 semanas após o ataque inicial, podendo ser até mais longo, como 30 a 40 semanas ou, em raras ocasiões, após vários anos. Essa recorrência da doença caracteriza a recaída da malária pelo P. vivax, responsável por

10 importante parcela dos casos de malária registrados anualmente em nosso país (Durante-Mangoni et col. 2003). 1.3.2 Malária pelo P. falciparum Adultos não-imunes, bem como crianças e gestantes, quando infectados pelo P. falciparum, podem apresentar manifestações graves da infecção, sendo letal em cerca de 1% dos casos. O principal fator determinante das complicações na malária por P. falciparum é o atraso de seu diagnóstico e postergação da terapêutica específica. O aparecimento de convulsões, anemia intensa, sangramentos, dispnéia, vômitos repetidos, hipotensão arterial, oligúria, icterícia e distúrbio da consciência constituem os sinais clínicos de alerta para a malária grave e podem preceder diferentes formas clínicas da malária complicada. 1.3.3 Malária pelo P. malariae A participação do P. malariae como espécie causadora de malária no Brasil tem sido pequena nos últimos anos. Essa espécie de plasmódio tende a apresentar parasitemias baixas e sintomatologia mais branda, podendo prolongar-se, se não tratada, por até 20 a 30 anos. Não infreqüente, a malária por P. malariae pode apresentar recrudescência tardia, indicando a existência de perfeito equilíbrio entre parasito e hospedeiro, capaz de manter parasitemia assintomática durante muitos anos após o episódio primário da doença.

11 1.3 Aspectos diagnósticos O diagnóstico de certeza da malária só é possível pela demonstração do parasito ou de antígenos relacionados no sangue periférico do paciente. Em geral, a parasitemia é detectável após 11 dias da inoculação do esporozoíto, quando a concentração de Plasmodium no sangue periférico excede a 20-50 parasitos/µl. A forma mais tradicional e simples de se fazer o diagnóstico da malária é o exame microscópico da gota espessa de sangue, corada por Giemsa. Além da visualização da espécie causadora da doença, esse exame permite a determinação da densidade parasitária, a qual é útil para a avaliação prognóstica e da resposta terapêutica do paciente. Nos últimos anos, métodos rápidos, práticos e sensíveis vêm sendo desenvolvidos para o diagnóstico da malária. Em geral, são testes imunocromatográficos e baseiam-se na detecção de antígenos específicos do parasito por meio de anticorpos mono e policlonais dirigidos contra componentes antigênicos específicos dos parasitos da malária. Possuem altas sensibilidade e especificidade, sendo úteis para a triagem e mesmo para a confirmação diagnóstica da malária, principalmente em áreas com pouca disponibilidade de serviço de saúde e para turistas que visitam áreas endêmicas. São de realização simples e rápida e apresentam resultados objetivos e de fácil interpretação. Todavia, têm a desvantagem

12 de não discriminar todas as espécies do parasito e não serem adequados para a identificação de infecção mista por Plasmodium (OMS, 2004). Com o desenvolvimento da tecnologia de amplificação do DNA, o diagnóstico da malária baseado na reação em cadeia da polimerase (PCR) tem mostrado, nos últimos anos, grande progresso em termos de sensibilidade e especificidade. As técnicas de extração e purificação de DNA têm sido aprimoradas e simplificadas, reduzindo o trabalho e tempo de execução da técnica. No entanto, é método de diagnóstico da malária é ainda restrito aos laboratórios de pesquisa ou de referência, em virtude de custo elevado e maior complexidade dos equipamentos exigidos. 1.5 Aspectos hematológicos Um aspecto laboratorial importante da malária são as anormalidades hematológicas, apresentando anemia (hemoglobina <12g/dL), leucopenia (leucócitos < 4.000/µL) e plaquetopenia (contagem de plaquetas < 150.000/µL). A plaquetopenia em pacientes com infecções maláricas, tanto por P. vivax quanto por P. falciparum, é uma característica comum. Em experimentos com macacos, foi visto que a queda na contagem das plaquetas é o primeiro distúrbio hematológico observado durante a

13 infecção, antes mesmo da queda na contagem de eritrócitos (Contamin et al., 2000). Nos últimos anos, vários relatos de caso têm sido publicados na literatura, destacando a presença de plaquetopenia associada ao P.vivax. No entanto, pouco se conhece sobre as suas causas e manifestações clínicas, em especial quando a contagem de plaquetas é inferior a 50.000 µ/l. Também não se sabe se há diferença entre a gravidade da plaquetopenia provocada por P.vivax e P.falciparum (Rodriguez- Morales, 2005). Malária por P.vivax é frequentemente diagnosticada no Ambulatório de Infectologia do HUJM. O achado de plaquetopenia também tem sido observado em vários pacientes, com contagem de plaquetas variando de 3.000 a 150.000/mm3. O presente estudo tem como objetivo estudar fatores clínicos, epidemiológicos e laboratoriais associados a essa condição, no intuito de contribuir para o entendimento dessa potencialmente grave complicação da malária causada pelo P.vivax.

14 Capítulo 2 O B J E T I V O S

15 2.1 Objetivo Geral Descrever a freqüência e os fatores associados à plaquetopenia de pacientes com malária causada pelo P.vivax. 2.2 Objetivos Específicos - Descrever os dados demográficos, clínicos e epidemiológicos dos pacientes diagnosticados com malária causada pelo P.vivax no Ambulatório de Infectologia do HUJM, no período de 2003 a 2009. - Descrever a freqüência de plaquetopenia e identificar fatores clínicos, epidemiológicos e laboratoriais a associados, em pacientes diagnosticados com malária causada pelo P.vivax no Ambulatório de Infectologia do HUJM, durante o período de 2003 a 2009.

16 Capítulo 3 P A C I E N T E S E M É T O D O S

17 3.1. Tipo e local do estudo Estudo epidemiológico de corte transversal, realizado na população de pacientes portadores de malária causada pelo P.vivax, que demandaram o Ambulatório de Infectologia do Hospital Universitário Júlio Müller, no período de março de 2003 a janeiro de 2009. 3.2. Pacientes amostrados e obtenção das informações Foram incluídos todos os 397 pacientes que demandaram o serviço no período do estudo e com diagnóstico confirmado de malária causada pelo P.vivax. De cada paciente foram obtidos dados clínicos e epidemiológicos relativos à sua doença. Essa avaliação clínica foi feita, em geral, pelos residentes e alunos de medicina envolvidos com a prática ambulatorial de infectologia, utilizando formulário de entrevista especificamente elaborado para este estudo (Anexo 1). Nesse formulário foram obtidos dados demográficos, clínicos e de exposição passada à malária, contemplando as seguintes variáveis: Demográficas: idade, gênero, cor, estado civil; Procedência e migração: estado de naturalidade e de residência prévia;

18 Exposição passada à malária: tempo de vida em área endêmica de malária, tempo decorrido desde a primeira malária na vida, número de episódios pregressos de malária, tempo decorrido da última malária, espécies de parasito já contraídas na vida e espécie de plasmódio da última malária; Clínicas: sintomas nos últimos dias, tempo decorrido entre o início dos sintomas e o tratamento antimalárico e uso de medicamento anterior ao diagnóstico da malária. 3.3. Exame clínico O exame clínico caracterizou-se por anamnese minuciosa, com ênfase na história da doença atual, antecedentes de uso de medicamentos, verificação do peso e palpação esplênica. Todos os dados do exame clínico foram registrados no mesmo formulário utilizado para a entrevista. 3.4. Avaliação laboratorial Foram colhidos 5 ml de sangue por punção venosa, em tubos tipo "vacutainer" com anticoagulante (EDTA), para avaliação hematológica e

19 confecção de esfregaços em lâminas de vidro. Os hemogramas foram realizados imediatamente no Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Universitário Júlio Müller, em aparelho automatizado (Blood Cell Count - Pentra, Horiba Diagnostics, Kyoto, Japan), com avaliação da série branca, vermelha e plaquetária. Para evitar variação da contagem de plaquetas, em todos os pacientes, a contagem de plaquetas foi realizada em um mesmo aparelho, conforme sugere Oliveira, 2000. Para excluir a possibilidade de pseudoplaquetopenia, um evento considerado raro, que ocorre entre 0,07 e 0,11%, teve-se o cuidado de evitar venóclise traumática e também com a mistura correta e precoce do sangue com o anticoagulante, já que a principal causa dessa falsa redução celular é a sua aglutinação dependente do EDTA (Shahad et AL., 1998; Zucatto, 2000). Plaquetopenia foi considerada quando a plaquetimetria foi inferior a 150.000/µL e foi estratificada, segundo Lee et al. (2008), em leve (150.000-100.000/µL), moderada (100.000-50.000/µL) e grave (inferior a 50.000/µL). 3.5. Aspectos éticos

20 O presente estudo foi analisado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller (Anexo 2). A participação do paciente foi voluntária e atestada pela assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido (Anexo 3). Não houve risco para o participante, uma vez que apenas colheita de sangue venoso foi necessária para a execução do estudo. O desconforto da colheita de sangue foi devidamente explicado ao paciente. Todos os pacientes participantes foram atendidos pela equipe do Ambulatório do HUJM, sendo garantida a adequada assistência à sua saúde e o pronto tratamento de sua doença. 3.6. Procedimentos de análise dos resultados Todos os dados do estudo foram digitados, tabulados e analisados em microcomputador, com auxílio do software Epidata (versão 3,1). Para analisar os fatores associados à plaquetopenia compararam-se as distribuições das diferentes variáveis do estudo com a distribuição da plaquetimetria de todos os pacientes, valendo-se da regressão linear simples, quando a variável de exposição era contínua e do teste t de Student quando a variável de exposição era categórica. A análise multivariada foi realizada pelo pacote estatístico Stata (versão 6.0),

21 incluindo-se manualmente no modelo apenas as variáveis que apresentaram associação com plaquetopenia na análise univariada, com probabilidade de erro alfa = 20%, além da idade.

22 Capítulo 4 R E S U L T A D O S

23 Durante o período de outubro de 2003 a janeiro de 2009, 397 pacientes portadores de malária causada pelo P.vivax foram diagnosticados e tratados no Ambulatório de Infectologia do HUJM, sendo 335 (84,4%) do sexo masculino e 62 (15,6%) do sexo feminino. Cento e dezesseis pacientes (29,2%) procederam do estado de Mato Grosso e os demais (70,8%) de vários municípios da Amazônia Legal, incluindo os estados de Rondônia (42,9%), Pará (10,4%), Amazonas (8,2%), Acre (2,5%), Amapá (0,5%) e Roraima (0,2%). Houve também pacientes regressando de outros países, tais como Guiana Francesa (2,3%), Guiana Inglesa (1,3%), Bolívia (0,5%), Suriname (0,5%), Venezuela (0,2%) e do Continente Africano (0,2%). Predominaram indivíduos das cores branca (33,5%) e preta (37,3%), com idade variando de 2 a 80 anos, média (DP) de 36,8 (14,2) anos, peso médio (DP) de 73,1 (13,3) kg e sem ocupação específica predominante (Tabela 1). O tempo médio (DP) referido pelos pacientes, entre o início dos sintomas e a procura do diagnóstico foi de 7,3 (8,3) dias. Os sintomas mais frequentemente relatados foram febre (96,5%), calafrio (83,5%), sudorese (79,2%), cefaléia (86,3%), mialgia (84,1%), astenia (75,2%) e a artralgia (64,8%). Sinais e sintomas de maior gravidade, tais como vômitos e tonteira, foram menos referidos (Tabela 2). Na avaliação laboratorial dos pacientes observaram-se parasitemia média (DP) de 4.704 (4.572) parasitos/µl, hemoglobina média (DP) de 12,9 (1,9) g/dl, hematócrito médio de 37,9% (5,8%), leucometria média (DP) de 5.639 (1.991)/mm 3 e plaquetimetria média (DP) de 108.747 (59.875)/mm 3. A mediana e quartis 1 e 3 desses parâmetros laboratoriais estão descritos na tabela 3.

24 Tabela 1 Características demográficas dos pacientes com malária por P. vivax, atendidos no Hospital Universitário Júlio Muller, Cuiabá (MT) no período de outubro de 2003 a janeiro de 2009. Características n % Sexo Masculino 335 84,4 Feminino 62 15,6 Cor (n=397) Branca 133 33,5 Parda 102 25,7 Preta 148 37,3 Amarela 14 3,5 Ocupação Trabalhador rural 128 33,5 (n=382) Motorista 46 12,1 Doméstica 30 7,8 Garimpeiro 16 4,2 Comerciante 39 10,2 Estudante 24 6,3 Outros 159 41,7 Idade em anos (média±dp) 36,8 ± 14,2 Peso em kg (média±dp) (n=121) 73,1 ± 13,3 Obs: Variação no n deve-se à falta de informação na variável.

25 Tabela 2 Manifestações clínicas dos pacientes com malária por P. vivax, atendidos no Hospital Universitário Júlio Muller, Cuiabá (MT) no período de outubro de 2003 a janeiro de 2009 Sinal/Sintoma n % Febre 381 96,5 Calafrio 330 83,5 Sudorese 313 79,2 Cefaléia 340 86,3 Mialgia 332 84,1 Artralgia 256 64,8 Epigastralgia 285 43,5 Tonteira 181 45,9 Náusea 191 48,3 Vômito 134 33,9 Hiporexia 231 58,5 Fraqueza 297 75,2 Tempo de sintomas (dias) 7,3 ±8,3 (Média±DP) Obs: Sinal/sintoma referido para as últimas 24 horas.

26 Tabela 3 Resultado da avaliação laboratorial dos pacientes com malária por P. vivax, atendidos no Hospital Universitário Júlio Muller, Cuiabá (MT) no período de outubro de 2003 a janeiro de 2009. Características Média ± DP Mediana (Q1-Q3) Parasitemia (parasitos/µl) n=366 periférica 4.704 ± 4.572 3.316 (1.550-6.175) Hemoglobina (g/dl) 12,9 ± 1,9 13,1 (11,9-14,2) Hematócrito (%) 37,9 ± 5,8 38,6 (35-42) Leucócitos (x1000/ µl) 5.639 ± 1.991 5.400 (4.300-6.800) Plaquetas (x1000/ µl) 108.747 ± 59875 98.000 (67.000-143.000) DP: desvio padrão; Q1-Q3: quartis 2 e 3

27 As medidas de exposição anterior à transmissão de malária mostraram os seguintes valores: média (DP) de 5 (8,8) episódios prévios de malária, sendo que 91 (22,9%) dos pacientes apresentavam-se em primoinfecção por Plasmodium; 15,4 (39,7) meses de residência em área endêmica de malária; e 9,4 (11,3) anos de exposição intermitente à transmissão em área endêmica de malária (Tabela 4). A plaquetopenia, definida como plaquetimetria igual ou inferior a 150.000, foi encontrada em 77,1% dos pacientes (Tabela 5). A distribuição do número circulante de plaquetas foi assimétrica à esquerda, predominando contagens inferiores a 150.000/mm 3 (Figura 1). De 12 pacientes foi possível observar que a contagem das plaquetas retornou aos valores normais após sete dias do início do tratamento (dados não mostrados). A idade mediana (Q1-Q3) dos indivíduos plaquetopênicos foi de 36 (26-48) anos, semelhante a dos indivíduos com contagem de plaquetas normais (p=0,727). Não houve diferença das proporções de pacientes plaquetopênicos nos diferentes grupos etários avaliados, isto é, crianças, adultos jovens e idosos. Os tempos medianos (Q1-Q3) de exposição contínua e intermitente à transmissão de malária dos pacientes com plaquetopenia foram de 2,5 (1-7) meses e 12 (0-204) meses, respectivamente. Esses valores não foram diferentes dos constatados para os indivíduos sem plaquetopenia (p=0,708 e 0,186, respectivamente). Da mesma forma, não houve associação entre as proporções de indivíduos com e sem plaquetopenia entre os diferentes grupos de tempo de exposição contínua à transmissão de malária. O número de episódios de malária referido pelos pacientes plaquetopênicos (mediana=2, Q1-Q3=1-5) também foi semelhante (p=0,468) ao observado entre aqueles com plaquetas normais (mediana=2, Q1-Q3=1-6). Entre os primoinfectados,

28 78,0% apresentam-se plaquetopênicos. Contudo, os demais grupos, com relato de 2-3, 4-9 ou >10 episódios prévios de malária na vida, também apresentaram-se plaquetopênicos, em proporções de 79,6%, 72,2%, 75,4%, respectivamente. As diferenças observadas, contudo, não foram estatisticamente significantes (Tabela 6). Em geral os pacientes com plaquetimetria menor que 150.000/mm 3 referiram maior (p=0,03) tempo de início de sintomas (mediana=5, Q1-Q3=3-8) e maior (p<0,001) nível de parasitemia (mediana=3.955, Q1-Q3=1.825-7.025 parasitos/mm 3 ), quando comparados com os demais pacientes. Entre os pacientes com menos de 48 horas de sintomatologia a proporção de plaquetopenia foi de 60,0%, inferior àqueles com 49-120 horas (83,9%) e >120 horas (80,2%). A chance de indivíduos com contagem de plaquetas inferior a 150.000/mm 3 estarem com 49-120 horas ou mais que 120 horas de início de sintomas foi de 3,5 vezes ou de 2,7 vezes maiores, respectivamente, do que a observada para indivíduos com tempo igual ou inferior a 48 horas de sintomatologia (p<0,0001 e p=0,001) (Tabela 6). Entre indivíduos com menos de 1000 parasitos/mm 3 à microscopia do sangue, a proporção de plaquetopenia foi 64,3%. Essa proporção aumentou para 74,2% e 88,3% quando as parasitemias cresceram para 1001-5000 parasitos/mm 3 e superior a 5000 parasitos/mm 3, respectivamente. As chances de indivíduos com plaquetopenia apresentarem parasitemia entre 1001-5000 parasitos/mm 3 ou superior a 5000/mm 3 de sangue foram de 1,6 (p=0,199) e 4,2 (p=0,0003) vezes maiores, respectivamente, quando comparadas aos pacientes com parasitemia inferior a 1000 parasitos/mm 3 (Tabela 6). Esse achado foi corroborado pela observação, em análise de regressão linear simples, que cada aumento de uma unidade no nível de parasitemia circulante

29 resulta em redução aproximada de 2,8 plaquetas/mm 3 (ß=2,86; IC95%: -4,19 1,55; p<0,001) Figura 2. Após ajuste em análise multivariada, observou-se que tanto a exposição intermitente à transmissão quanto o maior tempo de sintomas deixaram de apresentar associação com plaquetopenia. Nessa análise permaneceu independentemente associada à plaquetopenia apenas a parasitemia (Tabela 7).

30 Tabela 4 Características de exposição anterior à transmissão de malária de pacientes com malária por P. vivax, atendidos no Hospital Universitário Júlio Muller, Cuiabá (MT) no período de outubro de 2003 a janeiro de 2009. Características Média ± DP Mediana (Q1-Q3) Número de episódios prévios de malária 5,0 ± 8,8 2 (1-6) Tempo de exposição à malária 9,4 ± 11,3 2 (0-18) Tempo de vida em área endêmica (meses) 15,4 ± 39,7 2 (1-7) Primoinfecção por Plasmodium n (%) 91 (22,9%) DP: desvio padrão; Q1-Q3: quartis 1 e 3

31 Tabela 5 Níveis de plaquetimetria dos pacientes com malária por P. vivax, atendidos no Hospital Universitário Júlio Muller, Cuiabá (MT) no período de outubro de 2003 a janeiro de 2009. Plaquetimetria n % % acumulada 3.000-50.000 58 14,6 14,6 50.001-100.000 143 36,0 50,6 100.001-150.000 105 26,5 77,1 > 150.000 91 22,9 100,0

32 Percentual 0 5 10 15 20 25 3 30 60 90 120 150 180 210 240 350 Plaquetimetria Plaquetas/mm3 (x 10 3 ) Figura 3 Histograma da distribuição do número de plaquetas dos pacientes com malária por P. vivax, atendidos no Hospital Universitário Júlio Muller, Cuiabá (MT) no período de outubro de 2003 a janeiro de 2009

33 Tabela 6 Fatores associados à plaquetopenia em pacientes com malária por P. vivax, atendidos no Hospital Universitário Júlio Muller, Cuiabá (MT) no período de outubro de 2003 a janeiro de 2009 Fator n (%) Plaquetimetria <150.000 =150.000 OR IC 95% p Idade (anos) 2-14 14 (77,8) 4 (22,2) 1,0 15-50 224(73,9) 79 (26,1) 1,3 0,4-3,9 1,000* >50 65 (90,3) 7 (9,7) 0,4 0,1-1,5 0,220* Exposição contínua à transmissão de malária (meses) 0-3 150 (79,4) 39 (20,6) 1,0 Exposição intermitente à transmissão de malária 4-12 35 (74,5) 12 (25,5) 1,3 0,6 2,8 0,595 12-60 27 (81,8) 6 (18,2) 0,8 0,3 2,2 0,929 >60 20 (76,9) 6 (23,1) 1,1 0,4 3,1 0,976 (meses) 0-3 86 (81,1) 20 (18,9) 1,0 4-12 29 (76,3) 9 (23,7) 1,3 0,5 3,3 0,689 12-60 14 (82,4) 3 (17,6) 0,9 0,2 3,5 1,000* >60 100 (72,5) 38 (27,5) 1,6 0,9 3,0 0,154 Número de episódios prévios de malária 0 71 (78,0) 20 (22,0) 1,0 2-3 133 (79,6) 34 (20,4) 0,9 0,5 1,7 0,885 4-9 52 (72,2) 20 (27,8) 1,4 0,7 2,8 0,502 > 10 49 (75,4) 16 (24,6) 1,2 0,5 2,5 0,847 Dias de sintomas = 48 h 51 (60,0) 34 (40,0) 1,0 49-120 h 120 (83,9) 23 (16,1) 3,5 1,9 6,5 0,0001 > 120 h 130 (80,2) 32 (19,8) 2,7 1,5 4,8 0,001 Parasitemia (mm 3 ) < 1000 36 (64,3) 20 (35,7) 1,0

34 1001-5000 141 (74,2) 49 (25,8) 1,6 0,9 3,0 0,199 > 5000 106 (88,3) 14 (11,7) 4,2 1,9 9,2 0,0003 * Valor de p calculado pelo teste exato Fisher 0 100000 200000 300000 400000 Plaquetas/ mm 3 0 5000 10000 15000 20000 parasit Parasitemia/mm 3 Figura 4 Relação entre o nível de parasitemia por Plasmodium e contagem de plaquetas ciruculantes dos pacientes com malária por P. vivax, atendidos no Hospital Universitário Júlio Muller, Cuiabá (MT) no período de outubro de 2003 a janeiro de 2009

35 Tabela 7 Resultado da análise multivariada dos fatores associados à plaquetopenia em pacientes com malária por P. vivax, atendidos no Hospital Universitário Júlio Muller, Cuiabá (MT) no período de outubro de 2003 a janeiro de 2009 Fator OR IC 95% p Idade em anos 1,02 0,99 1,05 0,063 Sexo 0,82 0,36 1,82 0,619 Anos de exposição à malária 0,98 0,95 1,00 0,142 Dias de sintomas 1,02 0,98 1,06 0,412 Parasitemia por mm 3 1,001 1,000 1,002?0,001 Obs: Incluídas no modelo as variáveis que apresentaram p = 0,20 na análise univariada, além da idade.

36 Capítulo 5 D I S C U S S Ã O

37 O detalhamento clínico dos pacientes com malária causada por P. vivax em nosso meio tem se tornado cada vez mais relevante, já que essa espécie tem se comportado, do ponto de vista de evolução clínica, como uma doença emergente na Amazônia brasileira (Oh et al., 2001; Echeweri et al., 2003; Daniel-Ribeiro et al., 2008). A caracterização clínico-laboratorial dos 397 pacientes portadores de malária causada pelo P.vivax atendidos no Hospital Universitário Júlio Müller no período de 2003-2009 revelou o perfil epidemiológico característico da malária que ocorre ao Sul da Amazônia Legal, como já demonstraram outros autores (Camargo et al., 1996; Fontes, 2001). Trata-se de doença predominantemente do sexo masculino e acometendo a sua faixa etária mais produtiva (Motta, 1992; Fontes, 2001; Alves et al., 2002). A grande variabilidade observada na procedência dos participantes demonstra a atual mobilidade das pessoas entre diferentes regiões do país e que pode aumentar o risco de infecção entre viajantes. Esse achado provavelmente explica o maior tempo entre o início dos sintomas relatado pelos pacientes e a busca do diagnóstico e tratamento (média de 7,3 dias), quando comparado aos dados atuais do Ministério

38 da Saúde, que já observa a maioria (67%) dos pacientes com tratamento iniciado dentro das primeiras 48 horas de sintomatologia (Ministério da Saúde, 2008). Também relacionado ao atraso do diagnóstico foi a ocorrência de manifestações clínicas sugestivas de formas graves da malária, tais como vômitos, tonteira, anemia e plaquetopenia (WHO, 2000). Quanto ao quadro clínico dos pacientes, predominou a tríade clássica da malária, isto é, febre, calafrios e sudorese. Cefaléia, mialgia e artralgia, que geralmente estão associados à síndrome febril, foram referidos com freqüência e expressam o comportamento clínico da malária observado em primoinfectados e em áreas de transmissão instável (Gilles & Warrel, 1993). Sinais e sintomas indicadores de malária grave, tais como icterícia, sonolência, sangramentos, perda de consciência e dispnéia não foram referidos pelos participantes do estudo. Esses indicadores clínicos de evolução grave são tradicionalmente descritos para a infecção por P.falciparum (Ghosh & Shetty, 2008). Contudo, foi alta a proporção de pacientes com contagem de plaquetas inferior ao limite da normalidade, sugerindo comportamento mais agressivo do P.vivax nessa população, contrariando a clássica concepção de que essa espécie é causadora de

39 infecções apenas benignas, como já vem questionando outros autores (Anstey et al., 2009; Sharma & Khanduri, 2009). As anormalidades hematológicas são comuns na malária e careacterizam-se por anemia, leucopenia e plaquetopenia. No entanto, plaquetopenia grave é comum em infecções por P. falciparum (Ghosh & Shetty, 2008) e mais rara nas infecções por P. vivax (Skudowitsz et al,, 1973; Kelton et al., 1983; Victoria et al., 1998; Kakar et al., 1999; Makkan et al., 2002; Aggarwal et al., 2005). No presente estudo, a proporção de pacientes anêmicos foi baixa, assim como pequena foi a redução dos níveis de hemoglobina. A concentração dos pacientes na idade adulta e a ausência de gestantes no estudo podem explicar esse achado, uma vez que tem sido demonstrada associação inversa da anemia com a idade dos pacientes e direta com a gravidez, principalmente quando a espécie causadora é o P.falciparum (Bouyou-Akotet et al., 2009). Praticamente não há estudos sobre a anemia secundária à malária por P. vivax. Para o P.falciparum, a anemia é descrita como uma das suas principais complicações, sendo mais intensa nas crianças e gestantes (Rogerson et al., 2007). Os mecanismos pelos quais um paciente com malária desenvolve anemia, independente da espécie causadora, ainda não estão completamente esclarecidos. Múltiplos

40 fatores tais como o stress oxidativo, auto-anticorpos e produção de citocinas mielotóxicas, resultantes da resposta imune à infecção, agem simultaneamente na patogênese da anemia. Além disso, condições comuns nas áreas endêmicas como a desnutrição, infecções parasitárias e hemoglobinopatias podem também contribuir para a ocorrência de anemia (Anstey et al., 2009; Ghosh & Shetty, 2008). 5.1. Prevalência de plaquetopenia entre os pacientes do estudo Foi alta (77,1%) a freqüência de plaquetopenia observada nos pacientes deste estudo, corroborando recentes achados de outros autores amazônicos (Alecrim et al., 2000; Lacerda et al., 2004) e de outros continentes (Horstmann et al., 1985; Richards et al,, 1998). Também foi considerável (14,6%) a proporção de pacientes com níveis críticos de plaquetopenia (inferior a 50.000/mL), frequentemente destacado na literatura nos últimos anos, para pacientes com malária por P. vivax (Kakar et al., 1999; Lacerda et al., 2004; Aggarwal et al., 2005). Como verificado por outros autores (Oh MD et al., 2001; Erhart et al., 2004), não foi observada qualquer manifestação hemorrágica entre os participantes do estudo. É importante enfatizar que a mais provável causa da plaquetopenia nesses pacientes foi a malária, uma vez a contagem de plaquetas normalizou rapidamente após tratamento,

41 conforme já demonstrado em outras séries (Makkar et al., 2002; Echeveri et al., 2003; Ríos-Orrego et al., 2005; Gonzalez et al., 2009). Possíveis explicações para a essa complicação devem incluir os seguintes aspectos: 5.1.1. Destruição periférica e consumo plaquetário É amplamente sugerido que a plaquetopenia na malária é resultado de destruição periférica e maior consumo de plaquetas. Mohanty et al. (1988) demonstraram uma relação inversa entre a contagem de plaquetas e anticorpos anti-plaquetários, suportando a hipótese de que a plaquetopenia da malária é um fenômeno imune-mediado. Complexos imunes induzidos por antígenos do parasito e ligados às plaquetas facilitariam a sua lise por macrófagos ou pelo seqüestro esplênico (Kelton et al, 1983; Looareesuwan et al., 1992; Yamaguchi et al., 1997). Níveis séricos elevados de citocinas pro e anti-inflamatórias já foram também observados em pacientes com plaquetopenia induzida pela infecção por P.vivax (Park et al., 2003). Em infecção grave por P.falciparum, já foi demonstrada associação entre nível alto de interleucina 10 (IL-10) e plaquetopenia, embora sem relação com a gravidade da doença (Kurtzals et al., 1998; Grau et al., 2003). Nesse caso, a plaquetopenia seria causada por adesão de eritrócitos infectados ao endotélio vascular, mediada pelas plaquetas (Pain et al., 2001).

42 Dano plaquetário induzido por stress oxidativo dessas células também já foi implicado na etiopatogênese da plaquetopenia (Erel et al., 2001; Araujo et al., 2008). Essa sugestão baseou-se em achados de baixa atividade de enzimas oxidativas nas plaquetas de pacientes com infecção por P.vivax, tais como a superoxidodismutase e glutationaperoxidase, quando comparado com indivíduos normais (Erel et al., 2001). Ou mesmo pela demonstração de níveis alterados de marcadores bioquímicos oxidantes e antioxidantes, em pacientes com ou sem plaquetopenia (Araujo et al., 2008). 5.1.2. Coagulação intravascular disseminada A coagulação intravascular disseminada (CIVD) é sabidamente complicação de infecções graves, seja por bactérias, vírus ou parasitos. Desta forma, é esperada a sua ocorrência em malária grave causada pelo P.falciparum (Ghosh & Shetty, 2008) e raramente para o P.vivax (Song et al., 2007; Kasliwal et al., 2009). Mesmo nas infecções graves por P.falciparum a CIVD é considerada complicação rara e a plaquetopenia só é observada em processos avançados de doença (Lakhkar et al., 1996; Alecrim, 2000 doutorado). Outro aspecto relevante e contrário à hipótese de CIVD como causa da plaquetopenia foi a ausência de manifestações hemorrágicas

43 nos pacientes dos estudo. De fato, outros autores também já chegaram a essa conclusão, uma vez que embora ocorra aumento da atividade antitrombina e hiperfibrinólise na malária grave causada pelo P.falciparum, os níveis de anti-trombina III e de fator VIII-R estão normais, incompatível com a hipótese de CIVD e com predisposição ao sangramento (Skudowitz et al., 1973; Horstmann & Dietrich, 1985). 5.1.3. Plasmodium vivax mais negligenciado que o P.falciparum Até os anos 90, quase todos os estudos sobre a malária constantes da literatura médica priorizaram as infecções causadas pelo P.falciparum, dada a sua relevância epidemiológica e patogênica no mundo. Por essa razão é plausível interpretar a recente observação de plaquetopenia que acompanha a malária causada pelo P.vivax como resultado apenas da escassez de informação disponível sobre o tema. De fato, White (2003), em capítulo sobre a malária que escreveu para importante livro texto de medicina tropical, refere à plaquetopenia como manifestação comum às quatro espécies causadoras de malária humana. Entretanto, não faz referência à sua freqüência e nem aos seus níveis, quando a infecção é causada pelo P.vivax. Além disso, utilizou como base para essa afirmativa resultados de estudo feito apenas com pacientes portadores de P.falciparum. Da mesma forma, Erhart et al.

44 (2004), demonstraram alto valor preditivo da plaquetopenia para diagnóstico de malária por P.vivax, sugerindo ser freqüente a ocorrência dessa complicação. No entanto, esse mesmo estudo não apresenta informação sobre nos diferentes níveis de plaquetas circulantes e tampouco da ocorrência de plaquetopenia grave (Erhart et al., 2004). É aceitável admitir que pouco se sabe sobre a ocorrência de plaquetopenia causada por P.vivax. Porém, é fato que informações sobre alta freqüência e níveis baixos de plaquetopenia (inferiores a 60.000/µL) não foram suficientemente relatados, mesmo em estudos que tiveram essa preocupação em épocas mais remotas (Martelo et al., 1969). Além disso, informações sobre plaquetopenia grave na malária por P.vivax restringem-se a relatos mais recentes e de poucos casos na literatura. Por exemplo, Pukrittayakamee et al. (1989) descreveu um paciente experimentalmente infectado com a cepa Chesson de P.vivax que desenvolveu plaquetopenia de 20.000/uL. Na série de 39 casos relatada por Horstmann et al. (1991), o menor nível de plaquetas observado foi de 44.000/µL. Mais recentemente, na Índia, foram relatados dois casos que apresentaram contagem de plaquetas de 20.000 s/µl (Kakar et al., 1999) e 8.000/µL (Makkar et al., 2002). Em síntese, todas as evidências acima apresentadas sugerem que, a despeito da escassez de informação, plaquetopenia e/ou plaquetopenia

45 grave não parecem ser eventos que, de longa data, acompanham as infecções pelo P.vivax. 5.1.4. Infecção mista com P.falciparum, não diagnosticada pela gota espessa. Cerca de 2% dos casos oficialmente registrados de malária na Amazônia são devidos à infecções mistas por P.falciparum + P.vivax (Ministério da Saúde, 2008). Assim sendo, não é possível descartar, completamente, a hipótese de infecção mista como causadora da plaquetopenia nessa série de casos inicialmente diagnosticada como portadores de malária pelo P.vivax. De fato, vários estudos que revisaram o diagnóstico microscópico da malária pela PCR em área endêmica da Amazônia já demonstraram freqüências consideráveis de infecções mistas, tanto por P.vivax + P.falciparum como por P.vivax + P.malariae. Contrário a hipótese de infecção mista foi a excelente resposta terapêutica observada na grande maioria dos pacientes (dados não mostrados), impossível de acontecer caso o P.falciparum estivesse presente, uma vez que é conhecida a grande disseminação da resistência dessa espécie à cloroquina na Amazônia brasileira (Zalis et al., 1998; Vasconcelos et al., 2000; Alecrim et al.,1982; Silva et al., 1961), que foi

46 o esquizonticida sanguíneo utilizado para o tratamento de todos os pacientes do estudo. Outro aspecto importante é que a plaquetopenia que complica as infecções por P.falciparum é inversamente proporcional ao nível de parasitemia (Richards et al, 1998). Desta forma, uma possível concomitância do P.falciparum em baixa densidade parasitária, capaz de resultar resultados falsos negativos para infecção mista ao exame microscópico, dificilmente seria capaz de induzir plaquetopenias tão intensas, quanto às observadas no estudo. 5.1.5. Dismielopoiese associada à malária Alterações medulares sugestivas de diseritropoiese já foram demonstradas e imputadas como causa da anemia da malária (Dörmer et al., 1983; Ghosh & Shetty, 2008). Pode-se especular, portanto, que uma possível trombocitopoeise esteja ocorrendo nesses casos e seria uma explicação para o baixo número de plaquetas observado. No entanto, não existem estudos que confirmem essa hipótese. Pelo contrário, relato de série de casos de malária atendidos em Goiás (1966) e Rio de Janeiro (1980), nos quais minucioso estudo da medula óssea foi realizado, não demonstraram alterações importantes na série megacariocítica (Naveira, 1970; Netto, 1970).