Gil Vicente Farsa de Inês Pereira Professor Agostinho Santos
Conceito de Farsa Peça com a intenção de ridicularizar e criticar a sociedade, retratando cenas da vida popular ou burguesa de forma realista um género pertencente ao modo dramático que apresenta normalmente o tema do engano Peça com uma intriga bastante simples, sem necessidade de marcar a unidade de tempo ou de espaço ou de estabelecer uma divisão cénica um género dramático que representa cenas da vida profana, simultaneamente agressivas, pela sátira contundente, e festivas, pelo cómico hilariante Peça cómica curta, com um escasso número de personagens centra-se no relacionamento humano, familiar e amoroso, na oposição dos valores tradicionais e convencionais a valores individuais e pessoais e no recurso frequente a um triângulo amoroso Professor Agostinho Santos 2
Ponto de partida: Gil Vicente foi desafiado a escrever um texto dramático que ilustrasse um dito popular muito comum na época: «Mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube.» marido ingénuo e simples (Pero Marques) que aceda às suas vontades marido violento e orgulhoso (Escudeiro Brás da Mata) Comédia de costumes Crítica à leviandade das raparigas que desejam ascender socialmente através do casamento Professor Agostinho Santos 3
Estrutura interna: quadros 1. Vida de Inês, ainda solteira, com a mãe 2. Conselhos de Lianor Vaz sobre o casamento 3. Apresentação e entrada de Pêro Marques 4. Recusa da proposta de casamento por Inês 5. Anúncio entrada de um novo pretendente 6. Casamento de Inês com o Escudeiro José Ruy, Farsa de Inês Pereira, vinheta (1988). 7. Desencanto com o casamento 8. Viuvez de Inês Pereira 9. Nova vida de casada com Pêro Marques 10. Concretização do desejo de Inês Professor Agostinho Santos 4
EXPOSIÇÃO CONFLITO CONFLITO Área disciplinar de português DESENLACE Estrutura interna: sequências Sequência de episódios unicamente ligados pela personagem central: Inês Inês fantasiosa Inês malmaridada Inês quite e desforrada Apresentação das ambições e sonhos de Inês (casar com um homem avisado) A proposta do Escudeiro, Brás da Mata, corresponde às suas expectativas (quer afidalgar-se através do casamento) Nova proposta de Pero Marques O casamento traz-lhe liberdade e conforto Proposta de Pero Marques, que Inês considera desinteressante Recusa da proposta de Pero Marques Desilusão com a vida matrimonial agressiva Liberdade: morte do marido Aventuras extraconjugais com o ermitão Professor Agostinho Santos 5
As personagens Inês Pereira; Mãe de Inês; Lianor Vaz (alcoviteira) Pero Marques; Latão e Vidal (judeus); Escudeiro; Moço; Ermitão Moças e mancebos que cantam no casamento de Inês Professor Agostinho Santos 6
Relações entre as personagens Inês/Mãe relação de hierarquia e autoritarismo. Inês/Brás da Mata autoritarismo, violência, prepotência e subserviência marital. Inês/Pêro Marques desigualdade emocional. Ele ama a sua esposa e esta desrespeita-o, sendolhe infiel. Mãe/Lianor cumplicidade. Moço/Brás da Mata - autoritarismo e crítica, lealdade do Moço em relação ao seu amo. Lianor/Pêro Marques interesse (objetivo é conseguir casá-lo com Inês a fim de receber algum benefício com isso). Judeus casamenteiros/brás da Mata interesse (obje3vo é conseguir casá-lo com Inês a fim de receberem algum benefício com isso). Inês/Ermitão amor (reencontro de um amor antigo). Professor Agostinho Santos 7
Relações entre as personagens Inês solteira (recusa Pero Marques) MÃE Lianor Vaz Inês casada (com o Escudeiro) Judeus e o moço Inês viúva (do Escudeiro) Inês casada (com Pero Marques) Lianor Vaz Professor Agostinho Santos 8
Caracterização das personagens Inês Pereira Início da peça: indolente / não cumpre as tarefas sonhadora e romântica Pretende casar-se para se libertar da sua vida se unir ao homem ideal Mostra ser rebelde e determinada: não ouve os conselhos da Mãe desposa o pretendente que deseja Casamento com o Escudeiro: submetida a um tratamento cruel desencantada e desiludida Casamento com o Lavrador: sente-se livre; comete adultério Professor Agostinho Santos 9
Mãe Voz da experiência Pragmática (afirma que um casamento implica sustento material) e prudente Mostra o seu afeto maternal por Inês (pede ao Escudeiro que seja afetuoso com a filha) Professor Agostinho Santos 10
Lianor Vaz Alcoviteira (propõe a Inês o casamento com Pero Marques) Astuta e determinada Pragmática (sugere que Inês case com Pero Marques, pois ele pode sustentá-la) Michiel Sweerts, Jovem e a Alcoviteira (1660). Professor Agostinho Santos 11
Os pretendentes de Inês Pero Marques Lavrador abastado Escudeiro Fanfarrão e mentiroso Ingénuo, ignorante e um pouco grosseiro Interesseiro Determinado (não desiste do seu desejo de casar com Inês) Autoritário, despótico (humilha e oprime Inês após o casamento) Cruel para com o Moço que o serve Cobarde (é morto por um pastor quando fugia da batalha) Professor Agostinho Santos 12
Moço Funciona como contraponto do Escudeiro (através dos comentários do Moço, sabe-se a condição miserável em que vive o Escudeiro) Irónico Latão e Vidal, os judeus casamenteiros Astuciosos e eloquentes Têm uma função semelhante à de Lianor Vaz (persuadir Inês) Ermitão Sedutor Tem um comportamento imoral, semelhante ao do clérigo referido no início da farsa Professor Agostinho Santos 13
Representação do quotidiano a prática religiosa (ida à missa); o hábito de recorrer a casamenteiros (Lianor Vaz e os Judeus); a falta de liberdade da rapariga solteira, confinada à casa da mãe e a viver sob o jugo desta; a ocupação da mulher solteira em tarefas domésticas (bordar, coser); o casamento como meio de sobrevivência e de fuga à submissão da mãe; diferentes conceções de vida e de casamento diferenças intergeracionais; a tradição da cerimónia do casamento, seguida de banquete; a submissão ao marido da mulher casada e o seu «aprisionamento» em casa; modo de vida popular (Pêro Marques) vs modo de vida cortês (Brás da Mata); a inércia da nova burguesia que nada fazia para adquirir mais cultura; a decadência da nobreza que procurava enriquecer através do casamento e buscava o prestígio perdido na luta contra os mouros; a devassidão do clero; a corrupção moral de mulheres que se deixavam seduzir por elementos do clero; o episódio relatado por Lianor Vaz; o adultério. Professor Agostinho Santos 14
Dimensão satírica Presença da sátira, fonte de cómico Mundo as avessas / subversão da ordem social estabelecida crise de valores (hipocrisia, tirania, adultério, devassidão do clero, culto da aparência) conflitos sociais em potencia (casamento entre pessoas de classes sociais distintas) Mecanismos Personagens tipo (tipos sociais característicos da época) Recurso ao cómico (de situação, de caracter e de linguagem) A sátira, estreitamente ligada ao cómico, ao riso e ao caricatural, recai principalmente sobre as personagens de Inês Pereira, Pêro Marques e Brás da Mata. Professor Agostinho Santos 15
Dimensão satírica Questões sociais da época de Gil Vicente Duplicidade e aparências As personagens aparentam ser algo que não são: o Escudeiro finge ser galanteador, distinto e valente (revela ser autoritário, arrogante e cobarde) o clérigo e o Ermitão fingem ser celibatários (revelam-se licenciosos) Dissolução dos costumes Ambição sem escrúpulos Valorização excessiva do dinheiro Imoralidade do clero Decadência dos comportamentos: Inês torna-se adúltera O casamento encarado como um negócio Professor Agostinho Santos 16
Casamento Projeto de vida de Inês: ter um marido «discreto» ascender na escala social libertar-se da condição em que vivia tornar-se independente Primeiro casamento: ilusão e desilusão com a violência a que é sujeita Segundo casamento: pragmatismo, liberdade e adultério Relação mãe-filha Relação condicionada pelas regras sociais da época Inês vive na dependência e sob autoridade da Mãe Relação com momentos de tensão e conflito: Inês não cumpre as suas tarefas Relação com momentos de afeto e proteção: conselhos que a Mãe dá à filha sobre o pretendente a escolher Professor Agostinho Santos 17
O cómico Cómico de situação Cómico de carácter Cómico de linguagem Pero Marques senta-se na cadeira ao contrário e de costas para Inês e sua Mãe As interrupções e repetições constantes de Vidal e Latão, com a pressa de persuadirem Inês Pero Marques, deslocado Linguagem de no contexto em que é Pero Marques colocado Discurso repetitivo O Escudeiro, dissimulado, de Vidal e Latão com o seu discurso elaborado e o seu talento para cantar Ironia do Moço que serve e tocar o Escudeiro Pero Marques, descalço, transporta Inês às costas para o encontro amoroso desta com o Ermitão e canta enquanto o faz Professor Agostinho Santos 18
Estilo e linguagem Língua em transição Presença de arcaísmos medievais e inovações renascentistas. Registos de língua variados Linguagem dos lavradores rústicos: Pero Marques não respeita a estrutura frásica. Linguagem dos judeus casamenteiros: introdução de fórmulas hebraicas no discurso. Linguagem familiar: o registo popular que a Mãe e Lianor Vaz partilham. Linguagem cortês do Escudeiro: discurso elaborado, utiliza fórmulas corteses, mostrando o seu estatuto social. Coloquialidade Expressões populares, provérbios, interjeições; ironia e sarcasmo. Professor Agostinho Santos 19