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Transcrição:

Disciplina: Metodologia da Pesquisa Docentes: Rodolfo Pamplona e Nelson Cerqueira Discente: Rodrigo Maia Santos Autor(a) examinado(a): NIETZSCHE, Friedrich. Obra examinada: O NASCIMENTO DA TRAGÉDIA FICHAMENTO A esses homens sérios sirva-lhes de lição o fato de eu estar convencido de que a arte é a tarefa suprema e a atividade propriamente metafísica desta vida, no sentido do homem a quem, como o meu sublime precursor de luta nesta via, quero que fique dedicado este escrito. (p. 33). A seus dois deuses da arte, Apolo e Dionísio, vincula-se a nossa cognição de que no mundo helênico existe uma enorme contraposição, quanto a origens e objetivos, entre a arte do figurador plástico [Bildner], a apolínea, e a arte não figurada [unbildlichen] da música, a de Dionísio: (p. 34). Para nos aproximarmos mais desses dois impulsos, pensemo-los primeiro como os universos artísticos, separados entre si, do sonho e da embriaguez, entre cujas manifestações fisiológicas cabe observar uma contraposição correspondente à que se apresenta entre o apolíneo e o dionisíaco. (p. 35). Essa alegre necessidade da experência onírica foi do mesmo modo expressa pelos gregos em Apolo: Apolo, na qualidade de deus dos poderes configuradores, é ao mesmo tempo o deus divinatório. (p. 37). essas pobres criaturas não têm, na verdade, idéia de quão cadavérica e espectral fica essa sua sanidade, quando diante delas passa bramando a vida candente do entusiasta dionisíaco. (p. 39-40).

O homem não é mais artista, tornou-se obra de arte: (p. 41). por um lado, como o mundo figural do sonho, cuja perfeição independe de qualquer conexão com a altitude intelectual ou a educação artística do indivíduo, por outro, como realidade inebriante que novamente não leva em conta o indivíduo, mas procura inclusive destruí-lo e libertá-lo por meio de um sentimento místico de unidade. (p. 41). todo artista é um imitador, e isso quer como artista onírico apolíneo, quer como artista extático dionisíaco, ou enfim como por exemplo na tragédia grega enquanto artista ao mesmo tempo onírico e extático: (p. 41-42). De outra parte, não precisamos falar apenas em termos conjeturais para desvelar o enorme abismo que separa os gregos dionisíacos dos bárbaros dionisíacos. (p. 43). Com esse espelhamento da beleza, a vontade helênica lutou contra o talento, correlato ao artístico, em prol do sofrer e da sabedoria do sofrer: e como monumento de sua vitória, ergue-se diante de nós Homero, o artista ingênuo. (p. 52). Apolo, porém, mais uma vez se nos apresenta como o endeusamento do principium individuationis, no qual se realiza, e somente nele, o alvo eternamente visado pelo Uno-primordial, sua libertação através da aparência: ele nos mostra, com gestos sublimes, quão necessário é o inteiro mundo do tormento, a fim de que, por seu intermédio, seja o individual forçado a engendrar a visão redentora e então, submerso em sua contemplação, remanesça tranqüilamente sentado em sua canoa balouçante, em meio ao mar. (p. 54).

Apolo, como divindade ética, exige dos seus a medida e, para poder observála, o autoconhecimento. (p. 55). O indivíduo, com todos os seus limites e medidas, afundava aqui no autoesquecimento do estado dionisíaco e esquecia os preceitos apolíneos. (p. 56). E foi assim que, em toda parte onde o dionisíaco penetrou, o apolíneo foi suspenso e aniquilado. (p. 56). O artista plástico, e simultaneamente o épico, seu parente, está mergulhado na pura contemplação das imagens. O músico dionisíaco, inteiramente isento de toda imagem, é ele próprio dor primordial e eco primordial desta. (p. 61). Por isso, na canção e na disposição líricas andam em maravilhosa e desordenada mistura o querer (o interesse pessoal nos fins) e a pura contemplação da ambiência oferecida: relações entre ambos são procuradas e imaginadas; a disposição subjetiva, a afecção da vontade, comunicam à ambiência contemplada suas cores em reflexo e vice-versa: a canção autêntica é a expressão de todo esse estado de alma tão mesclado e dividido. (p. 64). Portanto, todo o nosso saber artístico é no fundo inteiramente ilusório, porque nós, como sabedores, não formamos uma só e idêntica coisa com aquele ser que, na qualidade de único criador e espectador dessa comédia da arte, prepara para si mesmo um eterno desfrute. (p. 65-66). Mas o que é a canção popular em contraposição à poesia épica [epos] totalmente apolínea? (p. 66).

A canção popular, porém, se nos apresenta, antes de mais nada, como espelho musical do mundo, como melodia primigênia, que procura agora uma aparência onírica paralela e a exprime na poesia. (p. 67). Com isso assinalamos a única relação possível entre poesia e música, palavra e som: a palavra, a imagem, o conceito buscam uma expressão análoga à música e sofrem agora em si mesmos o poder da música. (p. 68). Devemos agora transportar esse processo de uma descarga da música em imagens para uma massa popular no vigor da juventude, lingüisticamente criativa, a fim de chegarmos a uma idéia de como se origina a canção estrófica popular e de como todo o tesouro verbal é excitado pelo novo princípio de imitação da música. (p. 69). Tal é o fenômeno do lírico: como gênio apolíneo, interpreta a música através da imagem do querer, enquanto ele próprio, totalmente liberto da avidez da vontade, é puro e imaculado olho solar. (p. 70-71). Justamente por isso é impossível, com a linguagem, alcançar por completo o simbolismo universal da música, (p. 71). Essa tradição nos diz com inteira nitidez que a tragédia surgiu do coro trágico e que originariamente ela era só coro e nada mais que coro; (p. 72). Tememos que o nascimento da tragédia não possa ser explicado nem por uma alta estima da inteligência moral da massa nem pela noção do espectador sem espetáculo, (p. 74-75). A introdução do coro é o passo decisivo pelo qual se declara aberta e lealmente guerra a todo e qualquer naturalismo na arte. (p. 75).

No entanto, não se trata de um mundo arbitrariamente inserido pela fantasia entre o céu e a terra; mas, antes, de um mundo dotado da mesma realidade e credibilidade que o Olimpo, com os seus habitantes, possuía para os helenos crentes. (p. 76). feiticeira da salvação e da cura, a arte; só ela tem o poder de transformar aqueles pensamentos enojados sobre o horror e o absurdo da existência em representações com as quais é possível viver: são elas o sublime, enquanto domesticação artística do horrível, e o cômico, enquanto descarga artística da náusea do absurdo. (p. 79). A metáfora é para o autêntico poeta não uma figura de retórica, porém uma imagem substitutiva, que paira à sua frente em lugar realmente de um conceito. (p. 83). Toda e qualquer outra lírica coral dos helenos é apenas uma extraordinária intensificação do solista apolíneo, ao passo que no ditirambo se ergue diante de nós uma comunidade de atores inconscientes que se encaram reciprocamente como transmudados. (p. 85). Nos termos desse entendimento devemos compreender a tragédia grega como sendo o coro dionisíaco a descarregar-se sempre de novo em um mundo de imagens apolíneo. (p. 85). O homem, alçando-se ao titânico, conquista por si a sua cultura e obriga os deuses a se aliarem a ele, porque, em sua autônoma sabedoria, ele tem na mão a existência e os limites desta. (p. 93).

Assim, os árias entendem o sacrilégio como homem e os semitas entendem o pecado como mulher, do mesmo modo que o sacrilégio original é perpetrado pelo homem e o pecado original pela mulher. (p. 97). E assim a dupla essência do Prometeu esquiliano, sua natureza a um só tempo dionisíaca e apolínea, poderia ser do seguinte modo expressa em uma formulação conceitual: Tudo o que existe é justo e injusto e em ambos os casos é igualmente justificado. (p. 98). A esperança dos epoptas dirigia-se, porém, para um renascimento de Dionísio, que devemos agora conceber, apreensivos, como o fim da individuação: (p. 100). a doutrina misteriosófica da tragédia: o conhecimento básico da unidade de tudo o que existe, a consideração da individuação como causa primeira do mal, a arte como a esperança jubilosa de que possa ser rompido o feitiço da individuação, como pressentimento de uma unidade restabelecida. (p. 100-101). Com a morte da tragédia grega, ao contrário, surgiu um vazio enorme, por toda parte profundamente sentido; (p. 104). descobrir aquela duplicidade mesma como fonte e essência primordiais da tragédia grega, como expressão dos dois impulsos artísticos entramados entre si, o apolíneo e o dionisíaco. (p. 113). Dionísio já havia sido afugentado do palco trágico e o fora através de um poder demoníaco que falava pela boca de Eurípides. Também Eurípides foi, em certo sentido, apenas máscara: a divindade, que falava por sua boca, não

era Dionísio, tampouco Apolo, porém um demônio de recentíssimo nascimento, chamado SÓCRATES. (p. 115). Tais excitantes são frios pensamentos paradoxais em vez das introvisões apolíneas e afetos ardentes em lugar dos êxtases dionisíacos e, na verdade, são pensamentos e afetos imitados em termos altamente realistas e de modo algum imersos no éter da arte. (p. 117). essência do socratismo estético, cuja suprema lei soa mais ou menos assim: Tudo deve ser inteligível para ser belo, como sentença paralela à sentença socrática: Só o sabedor é virtuoso. (p. 117-118). Tudo predispunha para o pathos e não para a ação, e aquilo que não predispunha ao pathos era considerado reprovável. (p. 119). o seu princípio estético, tudo deve ser consciente para ser belo, é, como já disse, o lema paralelo ao princípio socrático: Tudo deve ser consciente para ser bom. Em conseqüência disso, Eurípides deve valer para nós como o poeta do socratismo estético. Sócrates, porém, foi aquele segundo espectador, que não compreendia a tragédia antiga e por isso não a estimava; aliado a ele, atreveu-se Eurípides a ser o arauto de uma nova forma de criação artística. Se com isso a velha tragédia foi abaixo, o princípio assassino está no socratismo estético: na medida, porém, em que a luta era dirigida contra o dionisíaco na arte mais antiga, reconhecemos em Sócrates o adversário de Dionísio, o novo Orfeu, (p. 121-122). Com espanto, reconheceu que todas aquelas celebridades não possuíam uma compreensão certa e segura nem sequer sobre suas profissões e seguiam-nas apenas por instinto. Apenas por instinto : por essa expressão tocamos no coração e no ponto central da tendência socrática. (p. 124).

Enquanto, em todas as pessoas produtivas, o instinto é justamente a força afirmativa-criativa, e a consciência se conduz de maneira crítica e dissuasora, em Sócrates é o instinto que se converte em crítico, a consciência em criador (p. 125). Como Platão, ele a incluía nas artes aduladoras, que não representam o útil, mas apenas o agradável, e por isso exigia de seus discípulos a abstinência e o rigoroso afastamento de tais atrações, tão pouco filosóficas; e o fez com tanto êxito que o jovem poeta trágico chamado Platão queimou, antes de tudo, os seus poemas, a fim de poder tornar-se discípulo de Sócrates. (p. 128). Virtude é saber; só se peca por ignorância; o virtuoso é o mais feliz ; nessas três fórmulas básicas jaz a morte da tragédia. Pois agora o herói virtuoso tem de ser dialético; agora tem de haver entre virtude e saber, crença e moral, uma ligação obrigatoriamente visível; (p. 131). que o coro só pode ser entendido como causa primeira da tragédia e do trágico em geral. (p. 131). A dialética otimista, com o chicote de seus silogismos, expulsa a música da tragédia: quer dizer, destrói a essência da tragédia, essência que cabe interpretar unicamente como manifestação e configuração de estados dionisíacos, como simbolização visível da música, como o mundo (p. 132). Será que a arte não é até um correlativo necessário e um complemento da ciência? (p. 135). Por isso Lessing, o mais honrado dos homens teóricos, atreveu-se a declarar que lhe importava mais a busca da verdade do que a verdade mesma: com o

que ficou descoberto o segredo fundamental da ciência, para espanto, sim, para desgosto dos cientistas. (p. 137). Pois a periferia do círculo da ciência possui infinitos pontos e, enquanto não for possível prever de maneira nenhuma como se poderá alguma vez medir completamente o círculo, o homem nobre e dotado, ainda antes de chegar ao meio de sua existência, tropeça, e de modo inevitável, em tais pontos fronteiriços da periferia, onde fixa o olhar no inesclarecível. Quando divisa aí, para seu susto, como, nesses limites, a lógica passa a girar em redor de si mesma e acaba por morder a própria cauda então irrompe a nova forma de conhecimento, o conhecimento trágico, que, mesmo para ser apenas suportado, precisa da arte como meio de proteção e remédio. (p. 140-141). Em oposição a todos aqueles que se empenham em derivar as artes de um princípio único, tomado como fonte vital necessária de toda obra de arte, detenho o olhar naquelas duas divindades artísticas dos gregos, Apolo e Dionísio, e reconheço neles os representantes vivos e evidentes de dois mundos artísticos diferentes em sua essência mais funda e em suas metas mais altas. Vejo Apolo diante de mim como o gênio transfigurador do principium individuationis, único através do qual se pode alcançar de verdade a redenção na aparência, ao passo que, sob o grito de júbilo místico de Dionísio, é rompido o feitiço da individuação e fica franqueado o caminho para as Mães do Ser, para o cerne mais íntimo das coisas. Essa imensa oposição que se abre abismal entre a arte plástica, como arte apolínea, e a música, como arte dionisíaca, se tornou manifesta a apenas um dos grandes pensadores, na medida em que ele, mesmo sem esse guia do simbolismo dos deuses helênicos, reconheceu à música um caráter e uma origem diversos dos de todas as outras artes, porque ela não é, como todas as demais, reflexo [Abbild] do fenômeno, porém reflexo imediato da vontade mesma e, portanto, representa, para tudo o que é físico no mundo, o metafísico, e para todo o

fenômeno, a coisa em si (Schopenhauer, O mundo como vontade e representação, I, p. 310). (p. 143-144). A música é, por conseguinte, quando encarada como expressão do mundo, uma linguagem universal no mais alto grau, que inclusive está para a universalidade dos conceitos mais ou menos como esses conceitos estão para as coisas individuais. (p. 146). Assemelha-se nisto às figuras geométricas e aos números, os quais, enquanto formas universais de todos os possíveis objetos da experiência e a todos aplicáveis a priori, não são, apesar de tudo, abstratos, porém intuitivos e inteiramente determinados. (p. 146). chamar o mundo todo tanto de música corporificada quanto de vontade corporificada: (p. 147). Nisso repousa o fato de se poder sotopor à música uma poesia como o canto ou uma representação intuitiva como a pantomima ou ambas as coisas como a ópera. Tais imagens individuais da vida humana, sotopostas à linguagem universal da música, nunca se lhe unem ou correspondem com necessidade completa, mas mantêm com ela apenas uma relação de um exemplo qualquer com um conceito universal: (p. 148). essência da arte, tal como ela é concebida comumente, segundo a exclusiva categoria da aparência e da beleza, não é possível derivar de maneira alguma, honestamente, o trágico; somente a partir do espírito da música é que compreendemos a alegria pelo aniquilamento do indivíduo. (p.151) Pois Nós acreditamos na vida eterna, assim exclama a tragédia; enquanto a música é a Idéia imediata dessa vida. (p.151)

A história da gênese da tragédia grega nos diz agora, com luminosa precisão, que a obra de arte trágica dos helenos brotou realmente do espírito da música: pensamento pelo qual cremos fazer justiça, pela primeira vez, ao sentido originário e tão assombroso do coro. (p. 153) Por meio desse novo ditirambo a música foi convertida, de forma hedionda, em retrato imitativo da aparência, por exemplo, de uma batalha, de uma tempestade no mar, e com isso viu-se totalmente despojada de sua força criadora de mitos. (p. 156-157). A pintura sonora é, portanto, em todos os sentidos, o inverso da força criadora de mitos, da verdadeira música: por seu intermédio, a aparência se faz ainda mais pobre do que é, enquanto, através da música dionisíaca, a aparência singular se enriquece e se alarga em imagens do mundo. (p. 158). Na tragédia antiga fazia-se sentir no fim o consolo metafísico, sem o qual não há como explicar de modo algum o prazer pela tragédia: (p. 159). A uma consideração mais severa, essa funesta influência da ópera sobre a música coincide precisamente com o conjunto do desenvolvimento musical moderno; o otimismo espreitante na gênese da ópera e na essência da cultura por ela representada logrou, com angustiante rapidez, despir a música de sua destinação universal dionisíaca e imprimir-lhe um caráter divertidor, de jogo de formas: alteração com a qual só se deveria comparar, porventura, a metamorfose do homem esquiliano no homem serenojovial alexandrino. (p. 176-177). Assim, a difícil relação entre o apolíneo e o dionisíaco na tragédia poderia realmente ser simbolizada através de uma aliança fraterna entre as duas

divindades: Dionísio fala a linguagem de Apolo, mas Apolo, ao fim, fala a linguagem de Dionísio: com o que fica alcançada a meta suprema da tragédia e da arte em geral. (p. 195). queira, com todo o rigor, pôr-se a si mesmo à prova, a fim de saber o quanto é aparentado ao verdadeiro ouvinte estético ou se pertence à comunidade dos homens socrático-críticos, deve apenas perguntar-se sinceramente qual o sentimento com que recebe o milagre representado na cena: se por acaso sente nisso ofendido o seu sentido histórico, orientado para a causalidade psicológica rigorosa, ou se com uma benevolente concessão, por assim falar, admite o milagre como um fenômeno compreensível para a infância, mas que se tornou para ele estranho, ou se experimenta alguma outra coisa. Nisso, o mito, porém, toda cultura perde sua força natural sadia e criadora: só um horizonte cercado de mitos encerra em unidade todo um movimento cultural. Todas as forças da fantasia e do sonho apolítico são salvas de seu vaguear ao léu somente pelo mito. (p. 202-203). Deles tomamos por empréstimo até agora, para a purificação de nosso conhecimento estético, aquelas duas imagens de deuses, das quais cada uma rege por si um reino estético separado e acerca de cujo contato e intensificação recíprocos chegamos a ter uma idéia graças à tragédia grega. (p. 206).

QUESTÃO PARA DEBATE 1. Explique em que consistem as visões apolínea e dionisíaca e exemplifique situações em que elas podem ser aplicadas para questões jurídicas. A visão apolínea é inspirada no deus da mitologia grega Apolo, o deus da perfeição, moderação, forma, do belo, da evolução. Nietzsche adjetiva seu adorador como sonhador, que vive das aparências. A visão dionisíaca é inspirada no deus da mitologia grega Dionísio, o deus da alegria eufórica, do exagero, da transformação. Nietzsche adjetiva seu adorador como embriagado, que está mergulhado na vida de forma intensamente afirmativa, que se desprendeu do seu eu para fazer parte do todo. É plenamente aplicável nas questões jurídicas, pois, sendo uma ciência, é preciso que a ciência jurídica não seja um fim em si mesmo, preso às formas, com um véu Maia que o impede de enxergar a trágica realidade, que impede de afirma-la, integrando o homem, em sua natureza mais profunda, no processo.

REDAÇÃO DE APROVEITAMENTO O que este texto serve para minha dissertação? Talvez seja, até o momento, o texto mais útil para minha dissertação. Tratar do direito ao lazer separado do humano, demasiado humano criado por Nietzsche, o homem dionisíaco, um afirmador da tragédia que é a vida, seria fazer um trabalho visando apenas o diploma. O direito ao lazer é justamente onde o homem poderá se ocupar do humano no homem, já dizia Oswald de Andrade. E não é justamente isso que Nietzsche questiona a ciência? Ele afirma que a ciência desligando-o de sua relação com o seu outro ser, o das profundezas de sua natureza. E o direito ao lazer é justamente o direito ao tempo livre, livre para dedicar-se à sua humanidade, sua natureza mais profunda, não um mero instrumento de produção do capital.