SINAIS E SINTOMAS DE DISFUNÇÃO TEMPOROMANDIBULAR EM CRIANÇAS PORTADORAS DE PARALISIA CEREBRAL



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Transcrição:

ISSN 1413-3555 Rev. bras. fisioter. Vol. 9, No. 3 (2005), 341-346 Revista Brasileira de Fisioterapia SINAIS E SINTOMAS DE DISFUNÇÃO TEMPOROMANDIBULAR EM CRIANÇAS PORTADORAS DE PARALISIA CEREBRAL Ries, L. G. K. 1 e Bérzin, F. 2 1 Universidade do Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina- UDESC, SC; Programa de Biologia Buco-Dental - FOPIUNICAMP, SP 2 Faculdade de Odontologia de Piracicaba- FOPIUNICAMP-SP Correspondência para: Lílian Gerdi Kittel Ries, Av. Campeche, 2423, Bairro Campeche, CEP 88056-333, Florianópolis, SC, e-mail: d2lgkr@udesc.br Recebido: 21/3/05 -Aceito: 617/05 RESUMO Objetivo: O objetivo deste estudo foi analisar os sinais e sintomas de disfunção temporomandibular em crianças portadoras de paralisia cerebral. Material e Métodos: Foram avaliadas 22 crianças entre 5 e 13 anos, sendo I O portadoras de paralisia cerebral espástica (9, I ± 2,64 anos) e 12 normais (7,91 ± 0,99 anos). Foram colhidas informações sobre mastigação, dor muscular c articular e ruídos articulares. Também foi determinado o índice de disfunção clínica de Helkimo e o grau de espasticidade por meio da Escala de Espasticidade Ashworth Modificada. Resultados: Os resultados indicam que não há diferença significativa (p = 0,231) na máxima abertura bucal entre os grupos. Contudo, no movimento lateral direito (p = 0,00 I), no movimento lateral esquerdo (p = 0,048) e na protrusão (p = 0,009) observou-se significativa diferença. Conclusão: Muitas crianças com paralisia cerebral não realizaram o movimento de protrusão (50%) e a lateralidade para um dos lados (40%), mas a severidade da disfunção temporomandibular não está relacionada com a severidade da espasticidade. Palavras-chave: disfunção temporomandibular, crianças, paralisia cerebral. ABSTRACT Signs and symptoms of temporomandibular dysfunction in children with cerebral palsy Objective: To analyze the signs and symptoms of temporomandibular dysfunction in children with cerebral palsy. Methoel: Twentytwo children ageel 5 to 13 years were evaluated, of whom ten had spastic cerebral palsy (9.1 ± 2.64 years) and twelve were normal (7.91 ± 0.99 years). Information on rnastication, muscle and joint pain anel joint noise was collected. The Helkimo clinicai dysfunction inelex and the degree of spasticity using the modified Ashworth spasticity scale were also eletermined. Re~ults: The results indicateel that there was no significant difference (p = 0.231) in the maximum mouth opening between groups. Howcver, in the right lateral movement (p = 0.00 I), the left lateral movement (p = 0.048) anel the protrusi v e movement (p = 0.009), there were significant elifferences. Conclusion: Many chilelren with cerebral palsy did not make the protrusive movement (50%) anel the lateral movement to one si de (40% ), but the severity o f temporomandibular dysfunction was not rei ateei to the severity o f the spasticity. Key words: temporomandibular dysfunction, children, cerebral palsy. INTRODUÇÃO Vários estudos têm sido publicados sobre os distúrbios funcionais do sistema mastigatório de adultos 1-4 e crianças.'-x Entretanto, são escassos os estudos da disfunção temporomandibular relacionada à criança com paralisia cerebral. A paralisia cerebral (PC) está diretamente relacionada ao dano patofisiológico ocorrido no sistema nervoso central que acarreta conseqüências no sistema neuromuscular e esquelético. No sistema muscular são evidentes os prejuízos em relação à insuficiente geração de força, espasticidade, extensibilidade anormal e hiperatividade reflexa. 9

342 Ries, L. G. K. e Bérzin, F Rev. bras. jisiotet: Mesmo que o dano cerebral não seja progressivo, a incapacidade decorrente da lesão pode aumentar ao longo do tempo. Estas anormalidades resultam em um atraso do desenvolvimento neuropsicomotor que engloba a musculatura oro facial. A etiologia da disfunção temporomandibular é multifatorial e num estudo com crianças de 4 a 16 anos, a maioria apresentou trauma (79%) seguido de doença articular degenerativa (5%), distúrbios do crescimento (5%), tumores benignos (3%) e de origem desconhecida (8%)." Há ainda associação da disfunção temporomandibular com a presença de parafunções, tais como os hábitos de roer unhas e chupar o polegar na dentição mista e o bruxismo na dentição permanente. 7 De acordo com Côrrea~<> e Mcdonald & Avery, 11 não existem alterações bucais específicas em crianças com paralisia cerebral. Contudo, como não seguem as etapas normais do desenvolvimento psicomotor, estas crianças apresentam dificuldade na deglutição, mastigação, fonação e salivação excessiva. O desequilíbrio entre a musculatura intra e peribucal e a falta de controle muscular também leva a um aumento da incidência de maloclusões, alterações na articulação temporomandibular e bruxismo. No estudo de Ray, 12 todas as crianças com paralisia cerebral foram diagnosticadas como tendo desordens orofaciais miofuncionais que foram caracterizadas por uma mordida anterior e uma postura anormal de língua e lábios. Neilson et a/.1: 1 observaram clara ação do reflexo de estiramento tônico em músculos do fechamento mandibular durante a abertura da mandíbula. A maioria das pesquisas que envolvem a paralisia cerebral enfoca os membros superiores ou inferiores. Então, o objetivo deste estudo foi comparar os movimentos mandibulares, ruídos articulares, dor nos músculos da ma~tigação e nas articulações temporomandibulares, entre crianças normais e com paralisia cerebral. Também foi observado se a severidade da disfunção temporomandibular está relacionada com o grau de comprometimento da criança com PC. Sujeitos MATERIAIS E MÉTODOS Vinte e duas crianças entre 5 e 13 anos, sendo I O com paralisia cerebral espástica (9, I ± 2,64 anos) e 12 normais (7,91 ± 0,99 anos) sem qualquer comprometimento neurológico, musculoesquelético e/ou do sistema vestibular. Foram excluídos desta pesquisa voluntários com histórico de traumas na face e na articulação temporomandibular, luxação, doenças sistêmicas como artrite, artroses e diabetes, uso de medicamentos analgésicos e antiinflamatórios, uso de toxina botulínica, cirurgia ortopédica seis meses antes do estudo e que não tenham o controle cefálico instalado. Após prévia autorização da Comissão de Ética em Pesquisa da FOP/UNICAMP (protocolo nº 086/2004 ), os pais ou responsáveis pela criança foram solicitados a assinar termo de consentimento assistido após esclarecimento e concordância em participar do estudo, conforme a resolução 196/96 do CNS. As crianças normais foram recrutadas nas dependências da Faculdade de Odontologia da UNICAMP e as crianças com paralisia cerebral foram recrutadas na Clínica de Fisioterapia da UNIMEP e no Centro de Reabilitação de Piracicaba. Procedimento Experimental As crianças junto com seus acompanhantes foram submetidas a uma anamnese 14 para informações sobre mastigação, dor muscular e articular e ruídos articulares. Também foram submetidas a uma avaliação clínica em que a severidade dos sintomas foi graduada de acordo com o índice de disfunção clínica de Helkimo. 15 Este índice é dividido em 5 questões que incluem alterações nos movimentos mandibulares, ocorrência de ruídos e dor muscular, articular estática e dinâmica. Cada indivíduo apresentou um escore de O a 25 pontos e foi classificado em assintomático (O pontos), portador de disfunção leve ( 1-4 pontos), moderada (5-9 pontos) e severa (I O a 25 pontos). Para avaliar o grau de comprometimento da criança com PC mediu-se o grau de resistência para movimentos passivos dos membros superiores e inferiores. Essa resistência foi graduada em uma escala ordinal de zero a cinco baseada na Escala de Espasticidade Ashworth Modificada. 1 " 17 Foi medida a espasticidade dos músculos flexores dos joelhos e cotovelos, de ambos os lados, em decúbito dorsal. As articulações foram movidas passivamente de uma posição de encurtamento para uma posição de alongamento. Para testar os músculos llexores do joelho, os quadris e joelhos foram mantidos em flexão e, a seguir, o examinador estabilizou uma coxa com uma mão e com a outra segurou abaixo do tornozelo para mover o joelho até a máxima extensão. Para testar os músculos tlexores do cotovelo, o examinador colocou uma mão abaixo do cotovelo e a outra mão na porção inferior do antebraço e a articulação foi movida de uma posição de flexão para uma de extensão com supinação. Essas quatro medidas foram somadas para dar um índice para cada indivíduo (máxima pontuação é 20 no nível mais alto de espasticidade). Análise dos Dados Os dados foram analisados estatisticamente por meio de técnicas descritivas com distribuição de freqüência dos dados obtidos para cada um dos subitens avaliados. O teste t de Student em nível de 5% de significância foi usado para

Yol. 9 No. 3, 2005 Sinais e Sintomas de DTM em Crianças com Paralisia Cerebral 343 comparar as diferenças nos movimentos mandibulares entre os grupos. O coeficiente de correlação de Spearmann foi usado para examinar a relação entre a disfunção temporomandibular e a espasticidade. RESULTADOS A Tabela I mostra os valores médios e os desvios-padrão dos movimentos mandibulares de crianças normais e crianças com paralisia cerebral. O teste t de Student sugere que não há diferença significativa (p = 0,231) na abertura mandibular entre os grupos. Contudo, no movimento lateral direito (p = 0,00 I), no movimento lateral esquerdo (p = 0,048) e na protrusão (p = 0,009) observou-se diferença significativa. Não se encontrou limitação de abertura mandibular vertical entre as crianças normais. Entre as crianças com PC observou-se limitação ( < 40 mm) apenas em uma criança (I 0% ). Contudo, o movimento lateral direito foi limitado ( < 7 mm) em 16,6% nas crianças normais e em 60% nas crianças com PC. O movimento lateral esquerdo foi limitado ( < 7 mm) em 25% nas crianças normais e em 50% nas crianças com PC. A protrusão foi limitada ( < 7 mm) em 50% nas crianças normais e em 90% nas crianças com PC. Dor na articulação temporomandibular ou nos movimentos mandibulares foi referida por apenas 8,33% de crianças normais. Ruídos articulares foram encontrados em 8,33% de crianças normais e I 0% de crianças com PC. A Tabela 2 mostra o número de crianças com desvio na abertura mandibular e com assimetria da capacidade de mobilidade lateral. No grupo de crianças com PC, também observou-se que 20% não movimentaram a mandíbula para a lateral direita e outras 20% não movimentaram para a lateral esquerda. Também 50% das crianças com PC não realizaram o movimento de protrusão. A Figura I mostra a freqüência do índice de disfunção clínica de Helkimo de crianças normais e com paralisia cerebral. A Figura 2 mostra a relação entre a soma total da escala modificada de Ashworth de cada indivíduo e a pontuação do índice de disfunção clínica de Helkimo (n = I 0). O coeficiente de correlação de Spearmann (rs = -0, 13; p = 0,7) sugere que a severidade da disfunção temporomandibular não está relacionada com a severidade da espasticidade da criança com PC. Tabela 1. Média (desvio-padrão) dos movimentos mandibulares (mm) de crianças normais (n = 12) e com PC (n = I 0). Crianças normais Crianças com PC Abertura Movim. lateral Movim. lateral mandibular direito* esquerdo* Protrusão* 48,29 9,08 7,91 4,45 (4.74) *Diferença signiticativa (p < 0,05) entre os dois grupos. (I,85) (2,26) (2,76) 46.25 5,0 5,3 1,45 (7,39) (3,26) (4, 16) (2,49) 7 Índice de Disfunção Clínica 6 O normais 5 4 O com PC 3 2 1 o A DL DM DS Figura 1. Distribuição de freqüências do índice de disfunção clínica (A = assintomático; DL= disf. leve; DM = disf. moderada; DS = disf. severa) de crianças normais (n = 12) e com PC (n = I 0).

344 Ries, L. G. K. e Bérzin, F. Rev. bras. jisio/i Tabela 2. Distribuição de freqüências de movimentos mandibulares assimétricos de crianças normais (n = 12) e de crianças com PC (n = I 0). Crianças normais Crianças com PC Máxima abertura Movimento lateral Desvio para Desvio para Sem desvio Maior para Maior para direita esquerda direita esquerda Simétrico 2 9 7 2 3 8 2 4 4 ro (.) c 25 u 20...: (/) "O Q) "O Q) (.) 15 10 5 "O c o o 5 10 15 20 Soma da escala modificada de Ashworth Figura 2. Relação entre a soma da escala modificada de Ashworth e a pontuação do índice de disfunção clínica de Helkimo (n = I 0). DISCUSSÃO Neste estudo, 66,66% das crianças normais avaliadas e 90% das crianças com PC apresentaram pelo menos um sinal ou sintoma de disfunção temporomandibular. Esse resultado foi superior ao encontrado por Akeel & Al-Jasser, 1 x em que houve prevalência de 41 o/o em crianças com idades de 8, 14 e 18 anos. Também foi muito superior ao achado por Bonjardim et al.,x que encontraram a prevalência de 34,34% de crianças com 3 a 5 anos. Essa maior prevalência pode ser justificada, além da maior idade, pelos valores mais altos considerados como movimentos limitados. O índice de disfunção clínica de Helkimo é muito usado na avaliação clínica da disfunção do sistema mastigatório" e avalia não somente os distúrbios dos movimentos da mandíbula, mas também a presença de dor e ruídos. 15 Dor na articulação temporomandibular ( 4,5%) e estalido (9%) foram encontrados nas crianças examinadas. Esse resultado é muito inferior ao observado por Akeel & Al-Jasser, 1 x que encontraram a prevalência de 15% e 32%, sendo este último o sinal e sintoma mais comum. Contudo, ruídos articulares caracterizados como estalidos foram encontrados, em estudo anterior, 19 em 5,2% das 533 crianças avaliadas com média de idade de 5, I anos (±2,6). Apesar de a habilidade de abertura mandibular ser menor em crianças do que em adultos, 5 20 os valores encontrados na máxima abertura vertical nos dois grupos avaliados podem ser considerados normais. Neste estudo os valores de abertura mandibular foram maiores do que os encontrados por Keski-Nisula et a/., 19 que obtiveram uma média de 40,3 mm (±3,9) em 532 crianças. Entre crianças, diferentes valores são considerados como capacidade de abertura mandibular limitada como< 34 mmx e< 40. 5 6 Não se encontrou limitação na abertura mandibular entre as crianças normais e em apenas I 0% das crianças com PC foi menor que 40 mm. Este resultado se aproxima ao encontrado por Solberg et a/., 21 em que a abertura interincisal menor do que 40 mm foi o sinal menos freqüente (3,5% ), e estes consideram que apenas a associação com outros sinais e sintomas indica sua utilidade no exame funcional. Contudo, encontrou-se uma significativa diminuição nos movimentos laterais e protrusão das crianças com PC. A protrusão das crianças normais também foi considerada pequena e não pode ser considerada normal para crianças e adolescentes.x Neste estudo observou-se alta incidência de crianças com paralisia cerebral que não realizaram o movimento de protrusão (50%) e que não realizaram a lateralidade para um dos lados (40%). Em outro estudo, com

Yol. 9 No. 3, 2005 Sinais e Sintomas de DTM em Crianças com Paralisia Cerebral 345 crianças severamente comprometidas, a maioria também apresentou ausência do movimento lateral da mandíbula durante a alimentação. 22 A imobilidade ou predominância de padrões de movimentos estereotipados pode desenvolver mudanças estruturais de grupos musculares afetados e, assim, diminuir sua capacidade funcionaly As condições funcionais da articulação temporomandibular dependem de seu equilíbrio biomecânico com as estruturas do aparelho estomatognático e demais peças musculoarticulares do crânio e da coluna cervical. 24 Apesar das limitações 2 'i da escala de espasticidade Ashworth modificada, a soma da pontuação obtida em diferentes articulações tem sido usada em outros estudos. 26 Neste estudo uma pontuação mais alta na escala de espasticidade de Ashworth nem sempre foi associada com uma disfunção mais acentuada no índice de Helkimo, como foi o caso de uma criança com PC (Ashworth = 16 e Helkimo = I). Ocorre uma grande variabilidade na severidade da disfunção temporomandibular em crianças com espasticidade, assim como em crianças sem alterações em seu tônus postura!. Mesmo não havendo relação com a severidade da espasticidade, as alterações nos movimentos mandibulares ativos das crianças com PC são excessivas e devem ser consideradas. A alteração do tônus muscular na criança com paralisia cerebral leva à adoção de posturas e movimentos anormais que interferem no desenvolvimento neuromuscular global. A musculatura não coordenada e hiperativa são fontes primárias de forças de compressão e tensão repetitivas entre as estruturas do sistema mastigatório. 27 O sistema mastigatório é parte integrante do sistema neuromuscular e necessita de uma acurada avaliação multidisciplinar. Os profissionais que trabalham com crianças com paralisia cerebral necessitam de maior conhecimento sobre a disfunção temporomandibular. Se houver um desequilíbrio de forças musculares muito acentuado e/ou um tratamento inadequado, pode haver o estabelecimento de uma deformidade. Assim sendo, grandes desequilíbrios musculares e a possibilidade de, na infância, se tornarem progressivos determinam a cuidadosa prevenção da diminuição da amplitude articular e da hipoextensibilidade da musculatura mastigatória. CONCLUSÃO Por meio da análise dos dados obtidos no presente estudo, pode-se concluir que a abertura mandibular entre as crianças normais e com paralisia cerebral é semelhante, assim como a ocorrência de ruídos articulares e dor nos músculos da mastigação e nas articulações temporomandibulares. Contudo, observou-se diferença significativa no movimento de protrusão e no movimento lateral direito e esquerdo entre os grupos. Observou-se, também, que a severidade da disfunção temporomandibular não está relacionada com a severidade da espasticidade da criança com PC. Este estudo aponta para a necessidade de maior atenção multidisciplinar dos profissionais que trabalham com crianças com paralisia cerebral à disfunção temporomandibular. Agradecimentos- A todas as crianças e familiares que concordaram em participar deste estudo e aos profissionais da Clínica de Fisioterapia da UNlMEP e do Centro de Reabilitação de Piracicaba que facilitaram o contato entre os pesquisadores e as famílias. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS I. Pedroni CR, de Oliveira AS, Guaratini Ml. Prevalence study of signs and symptoms of temporomandibular disorders in university students. Journal of Oral Rehabilitation 2003; 30: 283-289. 2 Oliveira AS, Bermudez CC, Souza RA, Souza CMF, Dias EM, Castro CES, Berzin F. Impacto da dor na vida de portadores de disfunção temporomandibular. J Appl Oral Sei 2003; li (2): 138-143. 3 Bevilaqua-Grosso D, Monteiro-Pedro V, De Jesus Guirro RR. A Physiotherapeutic approach to craniomandibular disorders: a case report. 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