Patofisiologia do Pênfigo Foliáceo em cães: revisão de literatura

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Transcrição:

Medicina Veterinária ISSN 1809-4678 Patofisiologia do Pênfigo Foliáceo em cães: revisão de literatura [Pathophysiology of Perfingo foliaceous in dogs: review article] Revisão/Review 1 MVF Barbosa, 2 FLP Fukahori, 2 MBMC Dias, 3 ER Lima 1 Médica Veterinária autônoma, Recife-PE/Brasil. 2 Programa de Pós-Graduação em Ciência Veterinária/UFRPE, Recife-PE/Brasil. 3 Departamento de Medicina Veterinária/UFRPE, Recife-PE/Brasil. Resumo O pênfigo foliáceo, também conhecido como doença do fogo selvagem, é uma das dermatoses autoimunes mais comuns, apesar de que se comparada a outras doenças, é uma das mais raras. Os animais comumente afetados são os cães e gatos, mas há relatos de casos em equinos e caprinos. Ela provoca calor, rubor e edema manifestando-se principalmente na epiderme por bolhas, pústulas, vesículas e esfoliação, causando prurido, ardência, calor e desconforto no animal. Altas doses de glicocorticoides são usadas inicialmente e doses mais baixas são utilizadas como terapia de manutenção quando a doença está sob controle. Medicamentos imunossupressores mais potentes, como a ciclofosfamida ou azatioprina, são usados concomitantemente em casos que não respondem os corticoides. Animais que respondem mal ao tratamento inicial, ou exigem doses elevadas de fármacos para controlar as lesões, têm um pior prognóstico. O objetivo esperado neste trabalho é atualizar os conceitos referentes aos principais aspectos do pênfigo foliáceo, sua importância entre as dermatopatias autoimunes, e a determinação precoce do diagnóstico diferencial, direcionando o caso para um prognóstico satisfatório e posterior sucesso no tratamento escolhido. Palavras Chaves: Complexo Pênfigo, doença autoimune, dermatologia. Abstract Pemphigus foliaceus, also known as wildfire disease is one of the most common autoimmune dermatoses, although when compared with other diseases, is one of the rare. The animals commonly affected are the dogs and cats, but there are reports of cases in horses and goats. It causes heat, redness and edema manifesting itself mainly in the epidermis by blisters, pustules, blisters and exfoliation, causing itching, burning, heat and discomfort in animal. High doses of glucocorticoids are used initially, and later replaced by lower doses on alternate days as maintenance therapy when the disease is under control. More potent immunosuppressive drugs such as cyclophosphamide or azathioprine with glucocorticoids are used in cases unresponsive to steroids. Animals that respond poorly to initial treatment, or require high doses of drugs to control the lesions have a worse prognosis. The objective expected of this work is update the concepts regarding the main aspects of pemphigus foliaceus, its importance among the skin diseases autoimmune, early detection and differential diagnosis, directing the case to a satisfactory prognosis and subsequent success in the treatment of chosen. Key- Words: Complex Pemphigus, autoimmune disease, dermatological. Introdução A dermatologia é um segmento da medicina veterinária em expansão nos últimos anos, representando cerca de 30% dos atendimentos clínicos de cães e gatos, de acordo com diferentes estudos envolvendo afecções do sistema (HILL et al., 2006; MONTTIN et al., (*)Autor para correspondência/corresponding author: e-mail: (virginia.lima25@gmail.com) Recebido em: 17 de agosto de 2012. Aceito em: 23 de setembro de 2012.

Barbosa et al., Patofisiologia do Perfingo Foliácea em cães: Revisão de Literatura...27 2008). As doenças imunológicas da pele são divididas em primarias ou autoimunes, secundárias ou imunomediadas. As dermatoses imunomediadas parecem resultar de um evento imunológico que não age diretamente contra os auto antígenos, não sendo a pele o antígeno primário (SCOTT et al., 2001). JÁ as afecções cutâneas autoimunes decorrem da produção de anticorpos e/ou da ativação de linfócitos contra os componentes próprios da pele (VAL, 2006). O pênfigo foliáceo também denominado de Doença de Cazenave é das doenças do Complexo Pênfigo, a mais frequente, correspondendo a 1,0-1,5% da casuística de atendimento dos serviços de referência em dermatologia. (SCOTT et al., 2001), acomete várias espécies, sendo a canina a mais comum (MACEDO et al., 2008; MEDLEAU e HNILICA, 2009), na qual anticorpos são dirigidos contra componentes da epiderme, em especial os desmossomos, que são os responsáveis pela a adesão dos queratinócitos. Quando os queratinócitos são destruídos, perdem a sua estrutura normal, promovendo o depósito de imunoglobulinas entre as células levando à acantólise e consequente formação de vesículas sob o extrato córneo (HARVEY e MCKEEVER, 2004; BALDA et al., 2008; MEDLEAU e HNILICA, 2009). É mais comum em animais de meia idade a senil e as raças predispostas são Akita, Bearded Collie, Chow Chow, Dachshund, Doberman, Terra Nova. A predisposição genética parece ser fator importante no desenvolvimento da auto-imunidade, fato este que explicaria a maior incidência em determinadas raças. Outros fatores são arrolados, dentre estes se têm: infecções virais, medicamentos, imunógenos e condições inflamatórias de decurso crônico principalmente as dermatopatias alérgicas (ALEXANDRINO, 2011). Acomete a pele e às vezes a mucosa. As lesões cutâneas mais comuns são crostas melicéricas, pústulas e formação de vesículas, o prurido varia de moderado a intenso. O exame para confirmar o diagnóstico é o histopatológico que deve ser preferencialmente coletado de uma pústula integra. Observando no exame a presença de células acantolíticas o diagnóstico é confirmado (TILLEY e SMITH Jr., 2003). Atualizar os principais aspectos do pênfigo foliáceo, devido a sua importância entre as dermatopatias auto-imunes e tornar essa afecção mais conhecida para melhor diagnostico diferencial dentre as afecções cutâneas, direcionando o diagnóstico e posterior sucesso no tratamento escolhido, promovendo assim a satisfação profissional e do proprietário é o objetivo esperado neste trabalho. Fisiopatologia Mais recentemente, pênfigo foliáceo tem sido proposto como o termo geral para todas as formas superficiais de pênfigo, uma vez que existe uma semelhança de características clínicas, histológicas e imunológicas entre todas as condições superficiais de pênfigo. A etiologia do pênfigo pode está associada ao uso de alguns fármacos, doenças crônicas ou até mesmo sem causa definida (SCOTT et al., 2001), afeta a epiderme que é composta principalmente de queratinócitos fortemente aderidos, os desmossomas são responsáveis pela adesão intercelular das células do epitélio e os Hemidesmossomos que liga os queratinócitos epidérmicos profundos ou basilar à membrana basal (SCOTT et al., 2001). No animal, a hipersensibilidade desenvolvida é do tipo II, onde as Imunoglobulinas G estão presentes. As proteínas desmogleína I, glicoproteína de 150 Kd, do grupo das caderinas, que compõem as moléculas de adesão, constituintes dos desmossomos são os principais antígenos envolvidos. Após a ligação dos auto-anticorpos com os antígenos do pênfigo, há a internalização e fusão com lisossomos intracelulares. Este evento resulta na liberação e ativação do fator de ativação (uroquinase) do plasminogênio que converterá plasminogênio em plasmina. A plasmina é a responsável pela hidrólise das moléculas de adesão intercelular,

Barbosa et al., Patofisiologia do Perfingo Foliácea em cães: Revisão de Literatura...28 resultando na perda da coesão entre os queratinócitos (fenômeno denominado de acantólise) e consequentemente, à formação de lacunas intraepidérmicas, a acantólise ocorre nas camadas mais superficiais da epiderme, fato este que explica a fragilidade das vesículas ou bolhas que facilmente são rompidas levando a formação de lesões crostosas (OLIVRY e CHAN, 2001; SCOTT et al., 2001; HAVERY e MCKEEVER, 2004; ROSENKRANTZ, 2004; VAL, 2006; BALDA et al., 2008; MEDLEAU e HNILICA, 2009). A ligação dos auto-anticorpos com o antígeno leva à ocorrência de acantólise, perda da coesão entre as células epidérmicas com desprendimento célula a célula levando à formação de vesículas subcorneais ou intraepidermicas e a ativação da cascata do sistema complemento, onde C3a e C5a são anafilatoxinas degranuladoras de mastócitos que liberam aminas vasoativas, fator quimiotático de eosinófilos e neutrófilos, encontrados nas vesículas intradérmicas que causam as bolhas e pústulas (ROSENKRANTZ, 1993; THOMPSON, 1997; ROSENKRANTZ, 2004). Exposição aos raios ultravioleta do sol é um gatilho ambiental potencial para pênfigo foliáceo. As lesões de pele em cães com pênfigo foliáceo podem piorar no verão e melhorar no inverno, pois radiação ultravioleta B (UVB) resulta em acantólise epidérmica aumentada, justificando a menor prevalência de caninos com pênfigo foliáceo em regiões mais frias em comparação com regiões mais quentes onde há maior exposição ao sol. A fenilbutazona e penicilamina são medicamentos mais comumente envolvidos no desencadeamento da doença em cães (LARSSON et al., 1998). Epidemiologicamente, não há aparente predisposição sexual em cães, no entanto, 65% dos casos se manifestam nos primeiro cinco anos de vida (IHRKE et al., 1985; LARSSON et al., 1998; GOMEZ et al., 2004). Segundo Scott et al. (2001) o PF canino apresenta varias etiologias, a idiopática que ocorre frequentemente em cães da raça Chow Chow e Akita, a mediada por drogas, dentre elas as sulfas potencializadas e aquelas que são diagnosticadas em cães com histórico anterior de dermatopatias crônicas. Esses cães parecem evoluir por anos com algum dos tipos de dermatopatia alérgica e, inopinadamente, ocorre uma brusca mudança do quadro lesional, diagnosticado, subsequentemente, como PF. Tais pacientes também são mais expostos a medicamentos e, portanto tal desencadeamento pode ser igualmente, estimulado por drogas (WERNER, 1999). Sinais Clínicos A doença pode apresentar vários quadros clínicos, pois tem vários fatores desencadeadores dela e também há grande variação conforme a gravidade. Lesões pustulares são efêmeras devido a menor espessura da epiderme canina, quando comparada àquela do homem, consequentemente torna-se muito mais frequente a observação de lesões secundárias quase sempre representadas por lesões pápulocrostosas e em colarete epidérmico decorrente da ruptura pustular (SCOTT et al., 2001). Inicialmente, as lesões são observadas na face e pavilhões auriculares, podendo haver hiperqueratose com fissura dos coxins palmoplantares, depois pode ocorrer envolvimento de membros, região abdominal e em cerca de 60% dos animais, torna-se multifocais ou generalizadas dentro de seis meses. Também pode ocorrer comprometimento ungueal. O envolvimento de mucosas e junções mucocutânea é bastante raro (GOMEZ et al., 2004; MULLER et al., 2006). Manifestações sistêmicas, a exemplo de pirexia, depressão, claudicação, edema, linfoadenopatia e leucocitose neutrofílica podem ocorrer, nas formas graves e generalizadas, a dor e prurido são variáveis e é possível ocorrer infecção bacteriana secundária (LARSSON et al., 1998). Diagnostico O diagnóstico é obtido a partir da anamnese, exames físicos e laboratoriais, como: esfregaços das lesões, citologia e biopsia de fragmentos de pele de pústulas, e imunoflorescência, imunohistoquímica e

Barbosa et al., Patofisiologia do Perfingo Foliácea em cães: Revisão de Literatura...29 imunopatologia, para a obtenção de diagnóstico diferencial. Para se chegar ao diagnóstico de doença auto imune, diversas outras dermatopatias com sinais semelhantes devem ser excluídas. Os exames de escolha É preciso interpretar a presença de acantócitos com cautela, pois o processo de acantólise pode ocorrer em outras dermatites pustulares (VAL, 2006). O exame histopatológico é o de eleição (LARSSON et al., 1998; SCOTT et al., 2001; ROSENKRANTZ, 1993; BALDA et al., 2008), porém para obter o resultado esperado são necessários instrumentos, manejo e fixação do material adequados, a escolha apropriada do local da coleta para a biopsia, sendo múltiplas coletas necessárias, preservando a superfície da lesão, também é fundamental para um exame bem feito, além de informar a história, os sinais clínicos, os tratamentos anteriores e suas respostas a estes (CONCEIÇÃO et al., 2004). A obtenção das amostras de diferentes áreas, evitando aquelas onde as imunoglobulinas estão frequentemente presentes no tecido normal, como acontece nos coxins dos cães é recomendada (SCOTT et al., 2001). É essencial a biópsia de lesões primárias (como bolhas e pústulas), por serem lesões frágeis e transitórias, às vezes se faz necessário realizar várias biópsias com ou sem internação do animal, de modo que ele possa ser cuidadosamente examinado periodicamente até que sejam identificadas as lesões primárias, e então a biópsia deve ser realizada imediatamente (ALEXANDRINO, 2011). O histopatológico confirma o diagnóstico evidenciando a acantólise subcorneal ou intragranulosa, que resulta na formação de fendas que são clinicamente retratadas pelo surgimento de lesões pustulares e, também, pela presença de acantócitos. Os métodos de imunofluorescência direta e indireta e imunoistoquímica são também exames complementares para o diagnóstico, porém são pouco empregados, na dermatologia veterinária, face ao custo e à técnica trabalhosa (ALEXANDRINO, 2011). Os resultados das reações de imunofluorescência em cães com PF são para diagnóstico de pênfigo são: citologia de aspirados ou esfregaço, biópsias, de pele lesionadas e histopatológico (TILLEY e SMITH Jr., 2003). geralmente negativos, mas outros autores sugerem que titulações sequenciais de anticorpos séricos podem ser úteis na monitoração da atividade do PF canino (BALDA, et al., 2008). Diagnóstico Diferencial Na maioria das afecções o diagnostico diferencial é estabelecido pelo exame histopatológico da pele, pois a distribuição das lesões, o local do depósito das imunoglobulinas na epiderme e a localização das fendas formadas pela acantólise, auxiliam na diferenciação do pênfigo foliáceo das outras afecções do complexo pênfigo, do lúpus eritematoso discoide, da dermatite linear por IgA, da dermatomiosite, da foliculite bacteriana, da leishmaniose cutânea, das dermatofitoses, das doenças seborreicas da pele, da piodermite superficial, do eritema migratório necrolitico superficial e pustelose eosinofílico. No caso do linfoma epiteliotrópico cutâneo, o diagnóstico diferencial deve ser feito através da citologia das lesões e quanto ao lúpus eritematoso sistêmico, o exame de eleição para fazer o diagnostico diferencial é o imunohistoquímico (OLIVRY e CHAN, 2001; SCOTT et al., 2001; HAVERY e MCKEEVER, 2004; ROSENKRANTZ, 2004). A ausência de lesões na boca e a natureza generalizada das lesões de pele tendem a diferenciar pênfigo foliáceo do pênfigo vulgar (VAL, 2006; COUTO, 2006; BALDA, et al., 2008; MEDLEAU e HNILICA, 2009). Tratamento O tratamento para pênfigo foliáceo é a supressão imune. Em cerca de 50% dos pacientes isto é conseguido com doses elevadas de corticosteróides (prednisona ou dexametasona). Infecções secundárias são

Barbosa et al., Patofisiologia do Perfingo Foliácea em cães: Revisão de Literatura...30 secundárias são comuns e antibioticoterapia é necessária. Banhos a base de antibacterianos especiais também pode ajudar. Os efeitos colaterais de altas doses de hormônios esteroides são esperados. O paciente vai apresentar poliúria, polidpsia, polifagia e ganho de peso. Muitos cães e gatos podem desenvolver diabetes se forem expostos a doses O prognóstico do pênfigo foliáceo é favorável na maioria dos casos, sob adequada terapia e acompanhamento médico. A prednisona é indicada na dose de 1 a 4 mg/kg a cada 24 h, porém em alguns casos esse medicamento não funciona ou torna-se refratário, então se tem a indicação para uso de outros imunossupressores como azatioprina, clorambucil, entre outros (ALEXANDRINO, 2011). Animais gravemente acometidos devem ser internados e medicações imunossupressoras administradas, para inibir o ataque das células de defesa do organismo às células próprias. Evitar radiação solar também é importante (ALEXANDRINO, 2011). O tratamento medicamentoso deve ser de uso contínuo, se estendendo por toda a vida. Inicialmente com uma dose de "ataque" até a melhora dos sinais clínicos e a seguir com doses de manutenção específica para cada animal. Exames de rotina devem ser realizados, como hemograma, função renal, hepática e urinálise, devido aos riscos de efeitos colaterais das medicações imunossupressoras. Devido às reações singulares de cada paciente, esquema terapêutico deve ser individualizado e a educação do proprietário é essencial. O uso de filtros solares com fatores acima de 15 fps (fator de proteção solar) é essencial. A Vitamina E e os ácidos graxos podem ser benéficos para alguns pacientes (ALEXANDRINO, 2011). O prognóstico do PF oscila entre reservado e bom. Em muitos pacientes caninos o diagnóstico precoce e preciso, redunda em excelente controle. Infecções secundárias por bactérias são incomuns e, quando presentes devem ser tratadas com antibióticos elevadas de corticoides por tempo suficiente (GOMES et al., 2004). Em casos recorrentes e também para reduzir os efeitos colaterais do uso continuado de glicocorticoides, especialmente a prednisona ou prednisolona, nos casos de animais portadores de pênfigo foleáceo associados à obesidade é realizada associação com azatioprina (GOMES et al., 2004). apropriados como a cefalexina, a enrofloxacina e a amoxacilina, associadas ao clavulanato. Alguns cães penfigosos desenvolvem infecções profundas e necessitam de antibioticoterapia por longos períodos, principalmente devido à utilização de terapia imunossupressora (GOMES et al., 2004). A terapia ortodoxa de eleição para as doenças cutâneas autoimunes é a utilização dos glicocorticoides sistêmicos em doses imunossupressoras. Tem-se observado muitas vezes que a terapia isolada com estes esteroides não gera a remissão ansiada. Nestes casos, necessita-se de terapia heterodoxa através da associação de glicocorticoides com drogas citostáticas e em especial a azatioprina. Através desta associação, observa-se a potencialização dos efeitos antiinflamatórios e imunossupressores, além da redução da dose. Reduzindo significativamente os possíveis efeitos adversos (WERNER, 1999). Considerações Finais O pênfigo foliáceo é, dentre as dermatopatias autoimune, a mais encontrada em cães, principalmente naqueles em que enfermidades dermatológicas são erroneamente diagnosticadas, de caráter crônico e não responde a tratamentos convencionais (WERNER, 1999), causando sinais clínicos semelhantes a outras dermatopatias (SCOTT et al., 2001). Acometendo principalmente cães a partir da meia idade, sendo necessária a inclusão desta enfermidade no diagnóstico diferencial dos principais problemas que causem alterações cutâneas. Assim, quando diagnosticado precocemente e com a instituição de tratamento adequado é possível obter o controle desejado.

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