Boneca Flor: atendimento psicoprofilático de grupo de gestantes



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Transcrição:

Boneca Flor: atendimento psicoprofilático de grupo de gestantes Michele Carmona Aching 1 Tereza Marques de Oliveira 2 Vivian Marques Figueira de Mello 3 A oficina Boneca Flor e uma proposta de atendimento psicoterapêutico a um grupo de gestantes em situação de risco bio-psicossocial que encontram-se alojadas em um lar social do município de São Paulo através de uma parceria com a organização não-governamental HABITARE 4. O atendimento tem como objetivo promover a saúde emocional das gestantes, a partir de um ambiente acolhedor para que angústias, sentimentos e pensamentos relacionados ao período gestacional possam ser experenciados. Sao realizados encontros semanais com duração de uma hora, com um grupo de até oito gestantes e uma dupla de terapeutas. A proposta é apresentar a possibilidade da confecção de um boneca cuja cabeça é uma flor. Na literatura psicanalítica o uso da Boneca-Flor é apresentado pela psicanalista Françoise Dolto 5 (1949) que relata suas experiências com o uso da Boneca-flor em contexto terapêutico, como facilitador da expressão de conteúdos mais primitivos ou que se revelassem difíceis para um determinado paciente comunicar. A proposta veiculada por este projeto é também inspirada no trabalho de Granato & Aiello-Vaisberg (2002) com gestantes e desenvolve-se em grupo, uma vez que este consiste em um lugar intermediário entre o individual e o coletivo e como 1 Psicóloga graduada pela Universidade Mackenzie com aprimoramento clínico em Atendimento de Adultos na abordagem Fenomenologia Existencial pela PUC SP. Especializanda em Psicologia da Infância pela UNIFESP. 2 Psicóloga graduada pela Universidade Estadual de Londrina, com aprimoramento em Intervenção Precoce na relação pais-bebês pelo Instituto Sedes Sapientae. Especializanda em psicologia da infância pela UNIFESP e em dinâmica de grupo pela Sociedade Brasileira de Dinâmica de Grupo. 3 Psicóloga Doutora em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Psicanalista infantil pelo Instituto Sedes Sapientiae. Especialista em Psicologia do Bebê pela Universidade Paris XIII e Universidade de São Paulo. Fundadora e Presidente da Ong Habitare e professora universitária. 4 Organização não-governamental Centro de Atendimento, Estudo e Pesquisa em Psicanálise e Psicossomática. Tem como objetivo principal à prevenção em saúde mental de gestantes, mãe e crianças de zero à três anos em situação de risco biopsicossocial. 5 Em seu livro "No jogo do desejo" (1949).

espaço transicional entre o intrapsíquico e o intersubjetivo (Bento, 2006). Dessa forma, a intersubjetividade do próprio grupo torna esse enquadre um acesso privilegiado aos conflitos emocionais e o decorrente sofrimento psíquico, potencializando a terapêutica do encontro. A Oficina Boneca Flor oferece um espaço para que as gestantes possam entrar no estado de preocupação materna primária, este espaço potencial é proporcionado através do uso da materialidade-mediadora 6, que permite que as gestantes relaxem e tenham experiências de cuidado. Experienciar a preocupação materna primária só é possível quando existe um ambiente que acolhe e permite que a mãe deixe de se preocupar com o mundo externo e preocupe-se somente com seu bebê. A materialidade-mediadora Boneca Flor é apresentada tal qual propunha Winnicott, em o Jogo do rabisco, em pequenas doses, como uma mãe apresenta o mundo a seu bebê, e oferece as gestantes a oportunidade de brincar. Segundo Winnicott (1971) é apenas no brincar que o indivíduo pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral, é sendo criativo que ele descobre sua pessoalidade 7 (self). Nesse sentido, promove-se o brincar experiência ligada à saúde emocional de todos os seres humanos em todos os momentos da vida - em um ambiente acolhedor que permite que a pessoa seja espontânea e use seu gesto criador como forma de colocar-se no mundo, com sua gestualidade espontânea e pessoal. Assim como Winnicott fundamentou sua teoria a partir da prática clínica, também partiremos da experiência para então articular teoricamente. O mundo Boneca Flor: apresentação em pequenas doses FOTO MATERIAL No primeiro encontro é estabelecido o contrato: dia, horário, sigilo, etc. Então, as gestantes são convidadas a confeccionar a Boneca Flor, o molde lhes é apresentado, assim como opções de tecidos e material de costura, não há uma boneca pronta, visto que o objetivo é que elas possam criar a partir de sua própria subjetividade. O tempo de escolha do material é, também, subjetivo e revela seus estados emocionais. 6 O termo materialidade-mediadora se baseia em materialidade-rabisco, material com o qual mantém um vínculo especial, pessoal e corporal, que permite que o self do analista presentifique-se no encontro (Aiello-Vaisberg; Ambrosio, 2009, p. 178) 7 Pessoalidade: é um termo conhecido como construção do self. (Winnicott, 1960).

Neste grupo observamos que havia uma urgência em encontrar o tecido/riscar/cortar e rapidamente iniciar suas bonecas. Essa atitude indicou que não houve um período para pensar em suas escolhas, e levando em consideração a realidade de desamparo que vivenciam, parecem aceitar indiscriminadamente qualquer oferta do ambiente. Assim como a falta de confiança na continuidade dos cuidados ambientais, tentavam apropriar-se de tudo o que era oferecido, como se aquela oportunidade não fosse se repetir, mesmo quando já contratado a presença semanal das psicólogas. Costurando o próprio corpo FOTO S. realizou sua boneca em apenas dois encontros (é comum que as gestantes levem no mínimo um mês e meio) e a fez sem refletir sobre suas escolhas e sem solicitar ajuda. Ao costurar sua boneca, a construiu de forma fragmentada, primeiro costurou cada pedaço do corpo para então costurá-los entre si. A forma fragmentada e dividida, com as costuras aparentes pareceu refletir o modo como S. se sentia a respeito de sua própria história e também como apresentouse à nós, contando fragmentos de um história de sofrimento que pareceu poder ser costurada e aos poucos integrada. Comentou que estava refazendo o próprio corpo, e fez uma analogia com o fato de que elas, como gestantes, também seriam costuradas no parto. Sua fala era desorganizada e fragmentada como sua produção, falava de histórias do passado e todo o sofrimento que carregava, encontrando na Oficina um espaço para tentar integrar essas experiências. Quando sua fala ficava extremamente confusa a reprovação das outras gestantes, pareciam lhe dar dados de realidade e S. tentava se organizar. S. falava de seu relacionamento com uma pessoa que a deixou por alguém, mais nova, trazia também o relato de uma cena que tinha em sua mente sobre uma menina sendo abusada sexualmente, assim como outros temas: as diversas famílias que cuidaram dela, os muitos filhos que não foi capaz de cuidar e são cuidados por outras pessoas. Segundo Winnicott (1971), vivemos a vida na área transicional, formada pela

realidade compartilhada - área de repouso para o indivíduo, onde não há necessidade de colocar em questão se as experiências vividas são parte da realidade ou fruto da imaginação pessoal de cada um. S. parecia viver nessa área onde as experiências traumáticas que relatava diziam muito mais sobre seu desamparo e necessidade de cuidados do ambiente, para conseguir integrar todas essas sensações, do que questioná-la se de fato passou ou não por tais histórias. No decorrer das sessões S. conseguiu encontrar um espaço de acolhimento e de sobrevivência do objeto quando despejava em nós conteúdos primitivos e permanecíamos ao seu lado, lhe foi oferecido continência para aos poucos integrar-se, dessa forma, quando coneguiu contar de forma mais organizada sobre sua história, isso se refletiu no modo de costurar: já entendi como deve fazer para costurar, tenho que escolher a cor da linha de acordo com a cor do tecido (sic). Dessa forma pudemos compreender neste caso o que Aiello-Vaisberg & Vitali. (2003) afirmam sobre o trabalho com materialide-mediadora que a oficina facilita a expressão emocional afim de diminuir dissociações, ou seja, promove a intergração pessoal. Quando as linhas se enrolam E. é uma adolescente de dezoito anos, que está em sua primeira gestação. Relata ser muito apegada à sua família e que sua mãe é sua única amiga. Chegou à instituição para ficar alojada alegando que seu ex-marido a persegue, a gestante e sua família consideraram mais seguro permanecer ali até o nascimento da criança. Durante os encontros não queria conversar e dizia que não confiava em mais ninguém, que não fosse sua mãe, ouve a história das outras gestantes e faz alguns comentários com o objetivo de provocar ou chocar tanto as gestantes como as psicólogas. Após três dias de participação na oficina, chegou a uma sessão e dizendo que não estava bem, estava com muita saudades de sua mãe, e queria ir embora do alojamento. Permaneceu em silêncio, reafirmando não gostar de contar nada a ninguém que não seja sua própria mãe. Dividiu com as psicólogas que estava nervosa e irritada e fez a costura de sua boneca com força, demonstrando agressividade. Conforme relatava seus sentimentos

a linha que estava usando enrolou-se, e apontamos esse fato, fazendo alusão as sensações e sentimentos que vivencia, a confusão de algo sem começo meio ou fim, tal qual o enrosco de sua linha. E. nos olhou de canto e voltou a costurar, permaneceu mais um período em silêncio, afirmamos que estávamos lá lhe acompanhando e se quisesse ou não falar, permaneceríamos presentes. O que oferecemos neste momento é holding afim de respeitar seu tempo, sua necessidade e acolher E. em sua pessoalidade e expressão genúina. Ao sentir que pode confiar no ambiente E. começou a contar sua história de vida, a importância de sua mãe e a necessidade de um colo, o quanto sente-se assustada com as mudanças corporais e como sente que não tem com quem compartilhar estas vivências: Eu queria poder abraçar minha mãe, é disso que eu preciso (sic) conforme conta sua história e divide suas angústias sua linha de costura parou de enrolar. Isso lhe é apontado e ela diz que acha que já está melhor. Quando chegou o momento de guardar o material, pediu para ficar mais um pouco, que teve pouco tempo mas que ainda sim foi possível costurar muita coisa. Ao ir embora, vai até as psicólogas e lhes dá um abraço. A partir deste encontro E. pode estar na oficina de uma nova forma, se antes atacava o ambiente afim de testar se este sobrevivia para acolhê-la. A vivência do cuidado oferecida, que respeiou seu tempo- o holding necessário fez com que ela mudasse a atitude e desde então relaciona-se diferentemente com psicólgoas e gestantes. Segundo Aiello-Vaisberg (2004) vivenciar o espaço brincante, reconhecido no espaço e tempo, permite que os indivíduos possam experimentar novas formas de SER e de FAZER, encontrando-se nos produtos de suas ações genuínas. E conforme Winnicott (1971) afirma é ao sentir-se real que a pessoa pode viver criativamente e ser presença no mundo através do seu FAZER. Dessa forma E. pode ter um momento brincante e dessa forma agir a partir de sua pessoalidade que ao ser acolhida em sua necessidade, pode transformar o seu ser e fazer de um nova maneira dentro do grupo. Considerações finais

Como sabemos a gravidez é considerada uma experiência que provoca mudanças de natureza biopsicossocial e solicita um trabalho psíquico que favorece a saúde mental da mãe, condição necessária para estabelecer o vínculo com o bebê (Oliveira, 2008). A dinâmica mental presente durante o período gestacional favorece o trabalho terapêutico, pois além de acolher as angústias que normalmente acompanham esse momento, as defesas psíquicas encontram-se atenuadas, permitindo novos arranjos psíquicos. A partir de objetivos psicoprofiláticos, o terapeuta atua como facilitador afim de poporcionar o desenvolvimento natural da preocupação materna primária das gestantes, portanto a gestante ao ser sustentada pode desenvolver-se como mãe. O uso da materialidade neste contexto permitiu às gestantes, encontrar um ambiente favorável, que lhes forneceu o holding necessário para sentirem-se seguras, e assim entrar em estado de preocupação materna primária. Sendo assim, a experiência com a materialidade proporcionou vivências integradoras do self, favorecendo um gesto espontâneo e criativo. Referências: AIELLO-VAISBERG, T. M. J, AMBROSIO, F. F. O Estilo clínico ser e fazer como experiencia Brincante. In: Fereira, A. M (org.) A Presença de Winnicott no viver criativo: diversidade e interlocução. São Paulo: ZY, 2009. AIELLO-VAISBERG, T. M. J; GRANATO, T. M. M. O uso da Boneca-flor pelo psicólogo em seu diálogo com a clínica winnicottiana da maternidade. Ser e Fazer- Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social- IPUSP, São Paulo, v. 1, p. 87-91, 2002. AIELLO-VAISBERG, T. M. J, VITALI, L.M. Flor-rabisco: A Oficina psicoterapêutica de arranjos florais. In: Caderno Ser e Fazer: apresentação e materialidade, Instituto de Psicologia Universidade de São Paulo, 2003. AIELLO-VAISBERG, T. M. J. SER E FAZER: enquadres diferenciados na clinica winnicottiana Aparecida, SP: Idéias e Letras, 2004.

BENTO, M. Grupos terapêuticos em instituições de saúde: a relação entre a intersubjetividade e o intrapsiquico na psicanálise. 2006. 80f. Tese (Mestrado em Psicologia) - Instituto de Piscologia da Universidade de São Paulo, São Paulo. DOLTO, F. (1949) Cura psicanalítica com a ajuda da boneca flor. In: No Jogo do Desejo. Lisboa, Relógio D Água, 1993. OLIVEIRA, T. M. Atenção Materna Primária e Consulta Terapêutica: uma proposta de prevenção comunitária. 2008. 139p. Tese (Doutorado em Psicologia) - Instituto de Psicologia da Universidade São Paulo, São Paulo, 2008. WINNICOTT, D. W. (1971) O brincar e a realidade. Rio de Janeiro. Imago, 1975. WINNICOTT, D. W (1960) Distorções do Ego em Termos de Verdadeiro e Falso Self. In: O Ambiente e os Processos de Maturação (O. Constantino Trad.). Porto Alegre, Artes Médicas.