Resumo. Abstract. Desmistificando questões de eficácia e segurança no tratamento da alopecia androgenética na mulher. At u a l i z a ç ã o



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Desmistificando questões de eficácia e segurança no tratamento da alopecia androgenética na mulher Demystifying questions of effectiveness and safety in the treatment of androgenetic aopecia in woman At u a l i z a ç ã o Resumo A alopecia androgenética (AAG) na mulher, também conhecida como calvície feminina ou queda de cabelo hormonal difusa, constitui entidade clínica de interesse relevante, sobretudo por razões cosméticas e por perda da auto-estima. Clinicamente, apresentase como rarefação capilar determinada geneticamente, condicionada ao androgênio, nas regiões fronto-parietais, porém sem a formação de áreas de calvície típica. Acomete cerca de 20% das mulheres em diferentes faixas etárias, relacionando-se em particular aos estados hiperandrogênicos, ao ciclo gravídico-puerperal e ao climatério. O diagnóstico etiológico da calvície feminina requer ampla investigação clínica e laboratorial, com ênfase no diagnóstico diferencial das alopecias relacionadas a causas sistêmicas, como o lúpus eritematoso sistêmico, a dermatomiosite, a anemia ferropriva, as doenças carenciais e debilitantes, o diabetes e a doença de Addison. A abordagem terapêutica inclui a utilização de fármacos por via sistêmica e tópica, muitas vezes em associação, incluindo aqueles com características antiandrogênicas e substâncias tópicas como o 17 a-estradiol. O conhecimento dos preceitos básicos acerca do diagnóstico e tratamento da AAG por parte do ginecologista possibilita melhor interação com o dermatologista na orientação de pacientes portadoras dessa afecção clínica. Rogério Bonassi Machado 1 Denise Steiner 2 Nilson Roberto de Melo 3 Carmelia Reis 4 Eugênio Galdino M. Reis Filho 4 Palavras-chave Alopecia androgenética Calvície feminina Queda de cabelos Keywords Androgenetic alopecia Female baldness Hair loss Abstract Androgenetic alopecia (AA), also known as female baldness or diffuse hair loss, constitutes interesting clinical disease for cosmetic reasons and impaired self esteem. Clinically, it is presented as thinning hair linked to androgens, involving the crown region without formation of areas of typical male baldness. It occurs in around 20% of women in different ages, related to hyperandrogenic disorders, pregnancy and menopause. Diagnosis requires clinical and laboratorial approach distinguishing alopecia related to systemic diseases, as lupus, dermatomiosytis, anemia, debilitating illnesses, diabetes and Addison s disease. The therapeutical approach includes systemic and topic drugs, many times in association, including anti-androgenic and topical substances as the 17 a-estradiol. The knowledge of basic rules concerning the diagnosis and treatment of AA by the gynecologist makes possible a better interaction with the dermatologist in the orientation of patients with the disease. 1 Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí (SP) 2 Disciplina de Dermatologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí (SP) 3 Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (SP) 4 Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário de Brasília Universidade de Brasília (DF) FEMINA Fevereiro 2007 vol 35 nº 2 95

Introdução A alopecia androgenética feminina, também conhecida como calvície feminina ou queda de cabelo hormonal difusa, representa a mais comum afecção quantitativa e qualitativa dos pêlos, atingindo cerca de um terço das mulheres (Orfanos, 1990). Diferentemente da calvície masculina, nas mulheres os cabelos tornam-se mais finos, havendo rarefação difusa nas regiões fronto-parietais, porém sem a formação de áreas de calvície típica. Embora existam várias tentativas de se relacionar os quadros de alopecia androgenética feminina com alterações endócrinas, particularmente dos níveis androgênicos, em aproximadamente 40% dos casos não há hiperandrogenismo (Kasick et al., 1983; Mortimer et al., 1984; Futterweit et al., 1988). De outra parte, a maior atividade do receptor androgênico e/ou de enzimas correlatas pode representar fatores importantes na regulação da expressão gênica na alopecia androgenética feminina (Rushton, 1993). Estima-se que mais de 30% das mulheres brancas apresentem quadros de alopecia androgenética antes dos 50 anos de idade (Mortimer et al., 1984). A alopecia androgenética e o eflúvio telógeno crônico respondem por quase 90% das queixas relacionadas a perdas de cabelos. Incluem-se, nas causas restantes, as disfunções tireoideanas, a alopecia areata e as alopecias cicatriciais (Rushton, 1993). Embora não existam dados precisos da real incidência no consultório ginecológico, a elevada prevalência da alopecia androgenética feminina faz com que muitas mulheres procurem inicialmente seu ginecologista, visando melhor orientação sobre o problema. De fato, nos últimos anos a alopecia androgenética feminina parece ter aumentado (Pomerantz, 2000). Avaliando 1.006 mulheres caucasianas em clínicas dermatológicas e salões de beleza, Norwood (2001) observou que o padrão feminino de alopecia é relativamente comum, inciando-se ao final da terceira década e atingindo praticamente 30% das mulheres acima dos 30 anos de idade (Tabela 1). Embora o cabelo não seja essencial à sobrevivência do ser humano, seu desaparecimento, queda e afinamento causam transtornos emocionais inimagináveis. Estudos revelam que o impacto da queda de cabelo sobre a qualidade de vida assemelha-se aos quadros de psoríase entre as mulheres, fundamentalmente pela piora em sua auto-estima (Poot, 2004). Por outro lado, ao estresse crônico atribui-se grande parte do início dos quadros de alopecia androgenética, demonstrando a importante relação da doença com aspectos relacionados ao psiquismo. Alopecia androgenética (AAG) A alopecia androgenética corresponde à alteração genética com influência hormonal (androgênica) a partir da puberdade. A expressão genética instala-se, provocando a miniaturização do fio. O processo é crônico, gradativo e muitas vezes sem causar queda de cabelo. Isto porque, à medida que o ciclo capilar ocorre, os fios vão afinando até atrofiarem, provocando fibrose do folículo e endurecimento do couro cabeludo. A etiopatogenia da AAG é multifatorial, envolvendo fatores de ordem genética e hormonal. O quadro clínico de queda dos cabelos é o resultado da distribuição geneticamente determinada dos folículos pilosos com Tabela 1 - Incidência da alopecia androgenética em 1006 mulheres caucasianas (Norwood, 2001). Grupo etário (anos) Nº de pacientes examinadas Nº de pacientes com alopecia androgenética Porcentagem 20-29 121 4 3 30-39 196 34 17 40-49 251 39 16 50-59 144 33 23 60-69 154 39 25 70-79 80 22 28 80-89 0 19 32 Total 1.006 190 19 96 FEMINA Fevereiro 2007 vol 35 nº 2

sensibilidade especifica aos andrógenos e seus próprios receptores finais sensibilizados. Observou-se que a AAG é causada por gene único autossômico e dominante com penetrância reduzida no sexo feminino. Essa herança mendeliana, contudo, não se processa de maneira tão simples como parece. Estudos demonstram que a doença possui o traço autossômico dominante e consideraram a AAG exemplo clássico de origem poligênica (Sinclair & Dawber, 2001). O resultado clínico da perda de cabelo na AAG resulta de uma característica genética da distribuição nos folículos pilosos de estruturas que apresentam sensibilidade específica aos andrógenos. Durante as modificações hormonais da puberdade, os andrógenos atuariam no interior dos folículos geneticamente programados e localizados na região fronto-parietal, levando à diminuição do tempo da fase anágena após diversos ciclos. Quanto à embriogênese dos cabelos, encontraram-se diferenças na origem entre os da região fronto-parietal e os da região occipitotemporal (Sinclair & Dawber, 2001). A derme frontoparietal é derivada da crista neural, e a da occipitotemporal, do mesoderme. Essa diferença quanto à origem embriológica pode também influenciar as conhecidas respostas dos folículos pilosos nessas regiões, no que se refere a AAG. A doença manifesta-se nos locais em que a unidade pilosebácea androgênico-dependente possui receptores específicos e, no caso dos pêlos, em áreas definidas do couro cabeludo, face, membros, púbis e axilas. Os cabelos respondem à ação dos andrógenos por sua diminuição, resultando em AAG, enquanto os pêlos respondem a essa mesma ação com crescimento normal para os homens e anormal para as mulheres com hiperandrogenismo cutâneo, resultando em hirsutismo. O diagnóstico etiológico da calvície feminina requer ampla investigação clínica e laboratorial. Nesse aspecto, deve-se salientar a importância do diagnóstico diferencial das alopecias relacionadas a causas sistêmicas, uma vez que a alopecia difusa pode ocorrer no lúpus eritematoso sistêmico, na dermatomiosite, na anemia ferropriva, em doenças carenciais e debilitantes, no diabetes e na doença de Addison. O exame do couro cabeludo determina o tipo de alopecia, que pode ser localizada, generalizada ou cicatricial. Devem-se pesquisar alterações como tonsura, descamação, infiltração, atrofia e inflamação. Nesse exame, também é possível constatar se há afinamento do cabelo e rarefação. O início da queda de cabelo pode muitas vezes coincidir com deficiência de ferro e tiroidite de Hashimoto. A investigação laboratorial reveste-se de importância, particularmente nos pacientes jovens, podendo-se dosar a testosterona total, sulfato de dehidroepiandrosterona (DHEAS), anticorpo antinuclear (ANA), hemograma, VHS, ferro sérico, ferritina, transaminases, lipidograma, glicemia, TSH, T4 livre, VDRL e FAN. Os quadros de AAG caracterizam-se pela normalidade das provas laboratoriais. Tratamento da AAG A associação da AAG a perturbações hormonais, particularmente nos estados hiperandrogênicos, na menopausa e na gravidez, determina elevada freqüência da queixa de queda de cabelos na prática ginecológica. Nesse sentido, o conhecimento da linha de pesquisa diagnóstica e do tratamento representa importantes ferramentas para a condução e melhor orientação diante de pacientes com AAG. A alopecia androgenética, por suas características, pode ser tratada pelas formas tópica e sistêmica. Na presença de estado hiperandrogênico predominante, a terapêutica sistêmica pode ser utilizada. Ressalte-se que menos de 40% das mulheres com calvície têm hiperandrogenismo, e dessa forma, podem responder variadamente aos antagonistas androgênicos. Existem poucos estudos mostrando a ação inibitória dos antiandrógenos e 5-alfa-redutase em mulheres com padrão de queda de cabelo; alguns mostram a eficácia em mulheres com hiperandrogenismo, particularmente quando há hirsutismo associado (Finn et al., 2006). A espironolactona, o acetato de ciproterona e a finasterida são as mais freqüentemente utilizadas. A finasterida, efetiva no controle da AAG masculina, não provou o mesmo efeito na mulher. Em mulheres na pós menopausa com AAG, a finasterida na dose de 1 mg/dia não foi superior ao placebo após um ano de tratamento (Finn et al., 2006). Por outro lado, nos estados hiperandrogênicos típicos, como na síndrome dos ovários policísticos, a finasterida parece ser mais efetiva (Finn et al., 2006). Pacientes no menacme podem ainda beneficiar-se de contraceptivos orais, mormente aqueles contendo progestagênios anti-androgênicos, como o acetato de ciproterona, a drospirenona e a clormadinona. Medidas gerais, como a higienização do couro cabeludo, são fundamentais, como o primeiro passo para o tratamento tópico na queda de cabelo. Adequar a temperatura da água, usar xampus neutros em veículos com detergência reduzida para não agredir cabelo e couro cabeludo, além do uso de pentes com dentes largos, de preferência de madeira, não abusar de secadores e condicionadores e controlar a seborréia (se presente) com xampus redutores, representam FEMINA Fevereiro 2007 vol 35 nº 2 97

medidas adicionais imprescindíveis aos tratamentos tópico e sistêmico da AAG. O tratamento tópico da AAG na mulher recai sobre a utilização de substâncias que visam intervir no processo bioquímico subjacente para a normalização do ciclo capilar. Diversas soluções contendo estrogênios, como o benzoato de estradiol, o valerato de estradiol, o 17 α e o 17 β-estradiol são comumente utilizados e comercializados na Europa e em outros países (Hoffmann et al., 2002). O provável mecanismo de ação dos estrogênios exógenos resulta na redução da 5αredutase e, desta forma, com a diminuição da quantidade da 5α-DHT biologicamente ativa. O risco potencial da utilização do 17 β-estradiol, do benzoato e do valerato de estradiol recai sobre os efeitos estrogênicos: em homens pode determinar ginecomastia e, em mulheres, efeitos estrogênicos somatórios como a estimulação endometrial (Orfanos & Wünster, 1975). Por outro lado, o 17 α-estradiol é isento de efeitos estrogênicos adicionais, sendo há tempos utilizado no tratamento da AAG. O 17 α-estradiol [(estra-1,35[10-trieno-3,17αdiol; trans-estradiol) corresponde ao estéreo-isômero do hormônio sexual feminino 17β-estradiol ([17β]-(estra-1,3,5 [10]-trieno-3,17-diol; cis-estradiol), cuja principal característica é a ausência de atividade hormonal estrogênica. Os mecanismos de ação do 17 β-estradiol na AAG são a inibição da 5 alfa-redutase e estímulo indireto da aromatase, propiciando transformação de androgênios em estrogênios (Hoffmann et al., 2002). O 17 β-estradiol liga-se fracamente ao receptor estrogênico, não exercendo ação significativa, não sendo, portanto, classificado como um hormônio sexual feminino. O uso dessa substância vem sendo avaliado em vários países, demonstrando segurança e isenção de efeitos adversos. Preconiza-se o uso diário com os cabelos limpos e úmidos, tendo o cuidado de massagear a área onde se distribuiu o medicamento por um minuto. Orfanos & Vogel (1980), em estudo controlado, randomizado, duplo cego, avaliaram 51 pacientes com alopecia androgenética e queda aumentada de cabelo (taxa telogênica maior que 20%) que foram tratados com aplicações locais de loções capilares com e sem 17α-estradiol (0,025%), por um período de pelo menos seis meses. Em 63% dos pacientes tratados foi observada redução dos cabelos telogênicos, enquanto que, no grupo controle, a mesma redução foi encontrada em apenas 37% dos casos. De forma semelhante, no grupo tratado, somente 11% dos pacientes apresentaram agravamento, em contraste com 50% dos pacientes do grupo não tratado, que apresentaram aumento da taxa telogênica (> 10%). A quantidade de crescimento de cabelos anagênicos e de seborréia não apresentou mudanças significativas em ambos os grupos. Não foram observados efeitos colaterais. Estes achados indicam que as loções capilares contendo 17α-estradiol podem apresentar valor terapêutico na redução da queda de cabelo androgenética, caso sejam aplicadas de forma tópica durante um longo período de tempo. Outro tratamento tópico, recentemente aprovado nos Estados Unidos, corresponde ao minoxidil, em formulações de 2 e 5%. O mecanismo de ação do minoxidil é ainda desconhecido, e na mulher seu uso é restrito a concentração de 2%, devido à elevada incidência de hipertricose nas outras formulações (Sinclair & Dawber, 2001). Interação ginecologista-dermatologista no diagnóstico e tratamento da alopecia androgenética feminina O caráter generalista da ginecologia e obstetrícia traz aos profissionais dessas especialidades desafios que extrapolam suas áreas de atuação, havendo necessidade de atualização e, não raramente, aprofundamento em questões com as quais nem sempre o tocoginecologista está familiarizado. Nos últimos anos, em particular devido ao estudo do climatério, aspectos das doenças cardiovasculares e da osteoporose, entre outros, fazem parte do cotidiano do ginecologista. Doenças que acometem freqüentemente mulheres são motivos constantes da primeira abordagem e aconselhamento do ginecologista, muitas vezes reconhecido como o clínico da mulher. Nesse sentido, a relação com outras especialidades vem sendo cada vez mais necessária, visando a proposta terapêutica e adequado seguimento. Essa visão inter ou multidisciplinar tem fundamental relevância na atualidade, sendo bastante freqüente a interação entre as especialidades de ginecologia e obstetrícia e a dermatologia. Na maior parte das vezes, a atuação conjunta é complementar, visto que diferentes especialistas, com experiências distintas, podem contribuir sobremaneira com detalhes que ao final determinam maior efetividade no tratamento proposto. A elevada prevalência da alopecia androgenética feminina, aliada a pormenores quanto ao seu diagnóstico, justifica a abordagem interdisciplinar. Muitas mulheres tendem a procurar inicialmente seu ginecologista, visando esclarecimento sobre a queda de cabelos. Sem dúvida, as principais causas podem ser identificadas pelo ginecologista a partir da história, de exame físico e de alguns exames laboratoriais da paciente. Por meio de exames laboratoriais simples, podem 98 FEMINA Fevereiro 2007 vol 35 nº 2

ser observados parâmetros fundamentais que, dentro da normalidade, são necessários para o crescimento normal dos cabelos. Incluem-se, entre esses, a contagem normal de eritrócitos, folato em concentrações normais, níveis de hemoglobina acima de 13,0 g/dl, ferritina sérica igual ou maior a 70 ng/ml e concentrações de vitamina B12 entre 300 e 1000 ng/l (Rushton, 1993). A avaliação da função tireoideana também ocupa lugar de destaque. Dosagens de androgênios séricos nem sempre são necessárias, uma vez que na maior parte das vezes encontram-se dentro da normalidade. Em situações clínicas nas quais existem dúvidas, particularmente quando há associação entre seborréia, hirsutismo e queda de cabelos, as dosagens de testosterona total e livre podem ser realizadas. A partir desse roteiro diagnóstico, pode-se classificar a queda de cabelo como reversível, parcialmente reversível ou irreversível. Os quadros reversíveis referem-se ao eflúvio telógeno crônico, à alopecia pós-parto, às menores taxas de ferritina e às doenças da tireóide. A AAG feminina enquadra-se na categoria parcialmente reversível, e as alopecias cicatriciais representam as irreversíveis (Rushton, 1993). Quando diagnosticada a AAG, o tratamento, na maior parte das vezes, é proposto pelo dermatologista, podendo incluir a utilização de substâncias antiandrogênicas. Em mulheres na pós-menopausa sob terapia hormonal de reposição que apresentam quadros de alopecia androgenética, o uso de progestagênios estruturalmente derivados de androgênios (como os 19 nortestosterona derivados) pode atenuar os benefícios do tratamento dermatológico. Essa situação prática exemplifica a fundamental importância do diálogo e da interação positiva entre os dois especialistas para a escolha adequada da modalidade terapêutica a ser empregada. Do mesmo modo, mulheres com quadros de hiperandrogenismo ou sob o uso de androgênios necessitam da avaliação concomitante do ginecologista, monitorizando as formulações hormonais referentes ao tratamento. Adicionalmente, orientações de ambos os especialistas, mesmo as mais simples, são relevantes. Um exemplo refere-se ao uso da solução de 17 β-estradiol tópico, muitas vezes confundido por pacientes como o hormônio feminino 17 β-estradiol. O mínimo aconselhamento, mostrando que a substância não apresenta as mesmas características dos hormônios usados para a reposição hormonal, é suficiente para melhorar a adesão ao tratamento. Por fim, o suporte psicológico, quando necessário, deve ser motivo de avaliação e seguimento conjunto por profissional devidamente capacitado, em virtude do elevado impacto psicossocial determinado pelo quadro de AAG em mulheres. Leituras suplementares 1. 2. 3. 4. 5. Finn DA, Beadles-Bohling AS, Beckley EH et al. A new look at the 5alpha-reductase inhibitor finasteride. CNS Drug Rev 2006; 12(1): 53-76. Futterweit W, Dunaif A, Yeh HC et al. The prevalence of hyperandrogenism in 109 consecutive female patients with diffuse alopecia. J Am Acad Dermatol 1988; 19(5 Pt 1): 831-6. Hoffmann R, Niiyama S, Huth A et al. 17alphaestradiol induces aromatase activity in intact human anagen hair follicles ex vivo. Exp Dermatol 2002; 11(4): 376-80. Kasick JM, Bergfeld WF, Steck WD, Gupta MK. Adrenal androgenic female-pattern alopecia: sex hormones and the balding woman. Cleve Clin Q 1983; 50(2): 111-22. Mortimer CH, Rushton H, James KC. Effective medical treatment of common baldness in women. Clin Exp Dermatol 1984; 9(4): 342-50. 6. Norwood OT. Incidence of female androgenetic alopecia (female pattern alopecia). Dermatol Surg 2001; 27(1): 53-4. 7. Orfanos CE, Wünster H. Penetration um Nebenwirkungen lokaler Östrogen-Applikation bei Alopecia androgenetica. Hautarzt 1975; 26: 367-9. 8. Orfanos CE. Androgenetic alopecia: clinical aspects and treatment. In: Orfanos CE, Happle R (eds.) Hair and hair diseases. Springer, Berlin Heidelberg New York, 1990. p. 458-527. 9. Pomerantz C. Hair loss in women. Hair Transplant Forum 2000; 10: 62. 10. Poot F. Psychological consequences of chronic hair diseases. Rev Med Brux 2004; 25(4): A286-8. 11. Rushton DH. Management of hair loss in women. Dermatol Clin 1993; 11(1): 47-53. 12. Sinclair RD, Dawber RP. Androgenetic alopecia in men and women. Clin Dermatol 2001; 19(2): 167-78. FEMINA Fevereiro 2007 vol 35 nº 2 99