BREVE DISCUSSÃO SOBRE O IMPACTO DE SE TER UM IRMÃO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO



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Transcrição:

BREVE DISCUSSÃO SOBRE O IMPACTO DE SE TER UM IRMÃO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO BRIEF DISCUSSION ABOUT THE IMPACT OF HAVING A SIBLING WITH AUTISM SPECTRUM DISORDER Rodrigo Romano de Araujo João Roberto de Souza-Silva Maria Eloisa Famá D'Antino Sobre os autores Rodrigo Romano de Araujo Psicólogo e mestrando em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie romanoaraujo@hotmail.com João Roberto de Souza-Silva Psicólogo e Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor das Faculdades Claretianas SP Maria Eloisa Famá D'Antino Pedagoga pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Mestre em Educação pela USP, Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP e Pós- Doutorado pela Universidade de Santiago de Compostela/Espanha. Professora Titular do Programa de Pós- Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Presbiteriana Mackenzie Apoio Financeiro: CAPES/PROESP Mackpesquisa RESUMO O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) compreende um transtorno do desenvolvimento que afeta a interação, comunicação e comportamento do indivíduo e pode se tornar perceptível desde os primeiro meses de vida, alterando assim profundamente o ambiente familiar. Irmãos de um indivíduo com TEA tendem a alterar seu papel tradicional, tanto no âmbito familiar como no escolar e social. O objetivo deste artigo foi discutir o impacto de se ter um irmão com diagnóstico de TEA em indivíduos sem deficiência, uma vez em que a produção científica sobre o assunto pode auxiliar em propostas de intervenções de apoio à família. O método baseou-se em um levantamento bibliográfico nas bases de dados da Bireme com os descritores: Autismo, Transtornos Globais do Desenvolvimento, Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, Transtornos do Espectro do Autismo e irmãos, no período compreendido entre 2005 e 2011. Observou-se que os estudos apontam resultados antagônicos em relação a como se manifesta o impacto e como o irmão de um indivíduo com autismo se adapta, sendo que tal divergência pode ser devida principalmente às diferenças na metodologia empregada nas pesquisas. Por outro lado, essas pesquisas convergem quanto ao fato de que de alguma forma esse impacto ocorrerá. Palavras-chave: Transtorno artístico, relações entre irmãos, família. ABSTRACT The Autism Spectrum Disorder (ASD) comprises a developmental disorder that affects the interaction, communication and behavior of the individual and can became noticeable since the first months of life, causing a strong impact in the family environment. Siblings of a person with ASD tend to change their traditional role within the family, educational and social environment. The aim of this article was to discuss the impact of having a sibling with ASD in siblings without disabilities, once studies about this topic could help to propose interventions of family support. The method was based on the literature of Bireme`s database with the descriptors: Autism, Pervasive Development Disorders, Pervasive Developmental Disorders, Autism Spectrum Disorders and siblings, between 2005 and 2011. It was noted that studies show conflicting results about how can be noticed the impact and adjustment of siblings of a person with autism; this divergence may be due to differences in methodology between the surveys. However they converge on the fact that somehow this impact will occur. Keywords: Autistic Disorder, Sibling Relations, Family. 9

1- INTRODUÇÃO O autismo é um transtorno do desenvolvimento crônico que envolve comprometimento na interação social, na comunicação e um repertório restrito de atividades e interesses, apresentando manifestações que variam de grau de intensidade para cada caso (DSM-IV, 2002). Segundo Sifuentes e Bosa (2010), trata-se de um distúrbio do desenvolvimento complexo e pode ser identificado como uma síndrome comportamental de etiologias múltiplas com graus variados de severidade. O autismo está classificado como Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) no manual de Classificação Estatística de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10ª Rev. (CID-10) ou como Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD), no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, 4ª ed. (DSM-IV-TR). O diagnóstico é feito por meio de critérios clínicos na tríade comunicação, interação e comportamento restrito. Os TGD, de acordo com o DSM-IV-TR, são classificados em transtorno autista, transtorno de Rett, transtorno desintegrativo da infância, transtorno de Asperger e transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação (TGD-SOE). Segundo Mecca e colaboradores (2011), devido à complexidade do transtorno autista, muitos casos avaliados não preenchem todos os critérios diagnósticos sugeridos pelo manual. Assim, o grupo de trabalho da Associação Americana de Psiquiatria do DSM- V propõe a criação de uma nova categoria diagnóstica para incluir o autismo: Transtornos do Espectro do Autismo (TEA). Desse modo, seria excluído dos TGD o transtorno de Rett e o transtorno desintegrativo da infância e seriam incluídos na condição de TEA o transtorno autista, o transtorno de Asperger e o transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação (TGD-SOE). Deve ser ressaltado, que esta classificação seria subdividida em duas subcategorias: TEA tipo I, para casos típicos de autismo e TEA tipo II, para casos atípicos (MECCA e cols.; 2011). Indivíduos com diagnóstico de TEA costumam demonstrar menos interesse em relacionar-se com os demais, o que compromete a interação social recíproca. Com relação à comunicação, pode haver um déficit parcial ou ausência completa da comunicação verbal, além de prejuízos na comunicação não-verbal. Estereotipias motoras e verbais são também frequentes, assim como concentração da atenção em partes de objetos ou por movimentos repetitivos de algum objeto inanimado, indicando um repertório restrito de atividades e interesses (MERCADANTE, GAAG e SCHWARTZMAN, 2006). A partir do momento em que a família se depara com o diagnóstico de TEA ou de qualquer outra deficiência, ocorre uma crise familiar. De acordo com Barbosa e colaboradores (2012), o nascimento e a assimilação de um diagnóstico de uma criança com deficiência, abala a identidade, o funcionamento e a estrutura familiar. A família se vê despreparada para lidar e enfrentar esta nova situação, uma vez em que ocorre uma quebra de expectativas. É fundamental ressaltar que, observando a família sob a perspectiva de um grupo, cada membro familiar terá que se adaptar às necessidades desta criança, podendo implicar numa alteração dos papeis tradicionais tanto dos pais como também do irmão sem deficiência. A demanda de atenção ao filho deficiente não se minimizará à medida que a criança cresce. De acordo com Barbosa e colaboradores (2012), existem famílias que apresentam mais dificuldades para se reorganizar que outras, podendo aparecer desesperança, desânimo e cansaço nesta jornada. É comum que a estrutura familiar fique ameaçada devido à fragilidade de alguns de seus membros. Tal fato necessariamente influenciará no padrão típico dos comportamentos do irmão sem deficiência, inclusive no aspecto emocional, ainda mais se 10

essa for uma criança ainda em período de desenvolvimento. 3. MÉTODO Segundo Rao e Beidel (2009), a literatura indica que o impacto de se ter um irmão com TEA entre irmãos com o desenvolvimento normal é controverso. Por meio de uma revisão de literatura sobre o tema, as autoras indicam por um lado alguns estudos em que não se observaram efeitos negativos em se ter um irmão com TEA e por outro, estudos que indicam maior nível de depressão, problemas comportamentais e solidão nos irmãos com desenvolvimento normal. Para McIntyre e Quintero (2010), os resultados controversos encontrados na literatura sobre o tema podem ser devido a diferenças metodológicas entre as pesquisas, tais como as características da amostra, a comparação entre grupos com composições distintas, os diferentes instrumentos utilizados para coleta de dados e os fatores familiares, como a idade dos irmãos e a ordem de nascimento. Os autores salientam, inclusive, a importância da produção científica sobre o tema do ajuste entre irmãos, sendo um deles com diagnóstico de TEA, para melhores propostas de intervenções de apoio a família. Para que isso seja possível, pesquisas devem buscar caracterizar melhor as famílias cujos filhos fazem parte da amostra, usar múltiplos informantes e minimizar a variabilidade das características dos irmãos (MCINTYRE; QUINTERO, 2010). 2. OBJETIVO O presente estudo teórico tem como objetivo fazer uma breve discussão sobre o impacto de se ter um irmão com diagnóstico de TEA em indivíduos sem deficiência, considerando para a discussão os seguintes pontos: o impacto do diagnóstico na família, e no irmão sem deficiência. Trata-se de um estudo teórico, baseado em um levantamento bibliográfico nas bases de dados da Bireme, com os descritores: Autismo, Trastornos Globais do Desenvolvimento, Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, Transtornos do Espectro do Autismo e irmãos, compreendido entre o período de 2005 a 2011. Os artigos foram selecionados a partir do enfoque temático deste trabalho. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO A partir dos descritores foram selecionados cinco artigos cujas características estavam de acordo com o objetivo proposto. Estes foram agrupados em dois temas: o impacto na família e o impacto no irmão com desenvolvimento normal. O Impacto na Família O impacto na família de se ter um filho com TEA, repercute diretamente nas relações e papéis de cada membro familiar. Segundo Pizarro (2001), a família constitui-se de um grupo de pessoas que permanecem unidas devido aos laços emocionais e genéticos. As relações familiares tendem a se alterar na presença de um filho com TEA, pois cada um de seus membros compõe uma parte crucial de todo sistema familiar e, portanto, se algo significativo acontece, como a notícia de um diagnóstico, a família como um todo terá de alguma forma que adaptar-se. A criança com TEA apresenta uma série de sintomas que afetam profundamente os pais e os irmãos sem deficiência, como por exemplo, a dificuldade de interação verbal e lúdica, os comportamentos obsessivos e a negação do contato afetivo. Portanto o enfrentamento da realidade vai depender de como cada membro 11

da família reage frente às dificuldades, assim como da própria dinâmica familiar. Existe uma ampla literatura sobre estudos que comprovam que a depressão em mães com filhos com autismo é maior do que em mães com filhos sem deficiência (ALTIERE, 2006, OLSSON; HWANG, 2001). Um dos fatores agravantes desse panorama é, certamente, a incapacidade que muitos pais sentem no trato diário, tanto do filho com TEA quanto dos irmãos sem deficiência: o que fazer para tentar mudar ou pelo menos abrandar a realidade. Devido a uma grande lacuna de informações entre a pesquisa científica e o saber popular, famílias com filhos com TEA normalmente sentem uma grande dificuldade não só de entender o comportamento da própria criança, que apresenta sinais incongruentes com o desenvolvimento típico, como também em tomar providências efetivas junto aos profissionais e aos serviços de saúde. Na superação das dificuldades e no enfrentamento da realidade, a busca de apoio transita por vários níveis de proximidade, desde o mais intimamente vinculado ao ambiente imediato da pessoa com TEA, até os outros membros da família, amigos e conhecidos. O convívio familiar representa, assim, o primeiro estágio de apoio, seguido gradativamente em ordem de proximidade à família. Para Altiere (2006), o vínculo emocional entre os membros familiares é o que define o grau de coesão familiar, que por sua vez influenciará na facilidade que essa família tem de se adaptar a situações de estresse. Portanto o grau de coesão e adaptabilidade de uma família repercute diretamente na eficiência de seu funcionamento. Ainda segundo esses autores, quanto mais equilibrado estiverem esses dois fatores, maior será a probabilidade de um bom funcionamento familiar. O Impacto no Irmão com Desenvolvimento Normal Numa pesquisa realizada por Altiere e Kluge (2009), foram entrevistadas cinquenta e duas famílias com filho com TEA, com o objetivo de explorar as dificuldades e os sucessos em criar um filho com diagnóstico de TEA. Os autores observaram que muitos pais apresentaram uma grande dificuldade em prover uma vida normal também ao irmão sem deficiência. Muitos relataram comportamentos de ciúmes, uma vez em que o filho com autismo exige uma grande demanda de atenção. Outros relataram que embora reconheçam que o irmão sem deficiência busca de alguma forma ajudar nos cuidados gerais do irmão com autismo, é evidente que esse esforço gera um significativo nível de estresse nesse irmão. Segundo Altiere (2006), a maior parte da literatura sobre famílias com filho com autismo foca na relação mãe e filho e excluem análises da relação entre os irmãos, o autor destaca a necessidade de estudos que visem maior investigação empírica a fim de compreender melhor o impacto no irmão sem deficiência de se ter um irmão com autismo. Segundo McIntyre e Quintero (2010), a mudança no papel tradicional do irmão com desenvolvimento normal, pode resultar em problemas adaptativos tanto dentro do ambiente familiar, como em ambientes sociais, como a escola por exemplo. Para esses pesquisadores, a literatura indica que irmãos de criança com autismo apresentam menos comportamentos sociais e se queixam de sentirem-se solitários, quando comparado a irmãos sem deficiência. No entanto tal diferença não é observada quando se compara irmão de criança com autismo com irmão de criança com retardo mental, Síndrome de Down ou atraso na linguagem (MCINTYRE; QUINTERO, 2010). Para Sifuentes e Bosa (2010), é comum que as mães se sintam sobrecarregadas em cuidar do filho com TEA e exercer quaisquer outras atividades, como por exemplo, dar atenção ao irmão sem deficiência. Além desse filho estar exposto a um significativo nível de estresse e depressão no ambiente familiar, o aumento de expectativas e responsabilidades e um menor envolvimento parental, também podem estar presentes (MCINTYRE; QUINTERO, 2010). 12

É comum que o irmão sem deficiência procure compensar a sobrecarga de cuidado da mãe exercendo o cuidado direto ao irmão com TEA, buscando cuidar, brincar, ajudar na limpeza higiênica ou também através de ajuda indireta, como por exemplo, nos afazeres da casa. diferença significativa. As autoras salientam, contudo, que devido o estresse familiar e depressão serem mais frequentes em famílias com filho com TEA, irmãos desse tipo de família são mais vulneráveis a possíveis dificuldades adaptativas no decorrer da vida. Torrens (2006) indica que nem sempre o irmão com desenvolvimento normal verá o papel de cuidador como algo positivo. Em alguns casos pode existir receio com relação à reação dos amigos. Também há relatos de irmãos que se preocupam com a possibilidade de contágio, principalmente em casos em que existe falta de informação sobre a deficiência. Uma das questões mais recorrentes citadas pelo autor é a de querer compensar a deficiência do irmão buscando uma independência precoce. Ainda segundo Torrens (2006), dificuldades podem emergir da relação dos pais com o irmão não deficiente. Falar da deficiência do irmão, compartilhar a atenção entre os filhos de modo que o irmão não deficiente não se sinta excluído e por fim a dificuldade de exigir responsabilidades que não serão bem aceitas; estão entre as questões mais recorrentes. Mohamed (2010) indica que há na literatura pesquisas que demonstram que muitos irmãos na família podem prejudicar ainda mais a questão da divisão de atenção entre os filhos: como o filho com autismo demanda maior atenção, o irmão sem deficiência pode sentir-se negligenciado. McIntyre e Quintero (2010) realizaram uma pesquisa com quarenta e três famílias americanas, sendo que aproximadamente metade delas têm um filho em idade pré-escolar com TEA e outro em idade escolar com desenvolvimento normal. A outra metade das famílias, constituintes do grupo controle, também tem um filho em idade pré-escolar, porém sem atraso no desenvolvimento e outro filho em idade escolar também com desenvolvimento normal. Foram comparados os relatos de pais e professores sobre a adaptação social, comportamental e acadêmica entre irmãos de famílias com ou sem filho com TEA. Não se encontrou, no entanto, nenhuma Segundo Rao e Beidel (2009), de modo geral os irmãos de crianças com TEA apresentam mais problemas comportamentais e adaptativos quando comparados ao grupo controle. Quando se comparam as diferenças entre os gêneros, irmãs apresentam melhor auto-imagem e senso de pertencimento social que os irmãos. Todavia, Altiere (2006) faz um contraponto a esse aspecto ao indicar que os próprios irmãos podem sentir como sendo recompensador cuidar do irmão autista, mesmo que a família possa achar isso uma tarefa prejudicial. Além disso, ainda segundo o autor, a ajuda do irmão sem deficiência no cuidado direto ao irmão autista suaviza a demanda de cuidado dos pais. O pai, que exerce um papel fundamental no apoio psicológico para a mãe, terá maior disponibilidade de ajudá-la e como consequência o nível de estresse familiar tenderá a diminuir. Uma pesquisa realizada por Gomes e Bosa (2004), também sustenta esse mesmo ponto de vista. Os autores realizaram um estudo com o objetivo de investigar a presença de indicadores de estresse e qualidade das relações familiares em irmãos de indivíduos com e sem TGD. A amostra foi composta de sessenta e duas crianças e adolescentes entre as idades de oito a dezoito anos e foi dividida em dois grupos, o primeiro composto de trinta e dois irmãos de crianças com TGD e o segundo, o grupo controle, composto de trinta irmãos de crianças com desenvolvimento típico, sendo que em ambos os grupos metade era composta por homens e a outra metade por mulheres. Os autores utilizaram diversos instrumentos, tais como uma ficha sobre dados demográficos e identificação de estressores, uma ficha sobre informações sobre o portador de TGD, Escala de Estress Infantil ESI e um inventário de Rede de Relações. Os resultados encontrados 13

apontam para uma ausência de indicadores de estresse em ambos os grupos. Os autores discutem os resultados sugerindo que os benefícios provenientes dos serviços de saúde utilizados pelas famílias do primeiro grupo, justificam tal ausência. Essa fonte de apoio social, por sua vez, além de suavizar os fatores estressantes no irmão sem deficiência, faz com que o advento de se ter um irmão com TEA não seja tão adverso. 5- CONSIDERAÇÕES FINAIS O nascimento ou diagnóstico de uma criança com deficiência é um fator desestruturante no âmbito familiar, observa-se inclusive que estudos apontam resultados divergentes em relação a como se manifesta o impacto e ajuste no irmão de um indivíduo com autismo. Entretanto, a literatura encontrada converge quanto ao fato de que o impacto de se ter um irmão com TEA de alguma forma influenciará no comportamento típico do irmão sem deficiência, tendo em vista que o estresse familiar e a depressão são mais frequentes em famílias com filho com TEA ou outras deficiências. Assim, fazem-se necessárias pesquisas de campo para se escutar os irmãos das pessoas com TEA com o propósito de se discutir intervenções com a participação também dos irmãos, bem como desenvolver propostas que os auxiliem a lidar com as questões provocadas pelo tema. Com este artigo, espera-se poder contribuir com esta discussão, tão necessária e inacabada que é o impacto para o individuo sem deficiência de se ter um irmão com TEA. 6- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALTIERE, Matthew J.; KLUGE, Silvia Von. Searching for acceptance: Challenges encountered while raising a child with autism. Journal of Intellectual & Developmental Disability, v.34, p.142 152, jun. 2009. AMERICAN Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders DSM-IV. 4ª ed. rev. Washington, DC: APA; 2002. GOMES, Vanessa Fonseca; BOSA, Cleonice. Estresse e relações familiares na perspectiva de irmãos de indivíduos com Transtornos Globais do Desenvolvimento. Estudos de Psicologia, Rio Grande do Sul, vol.9, n.3, p.553-561, 2004. MCINTYRE, Laura Lee; QUINTERO, Nicole. Sibling adjustment and maternal well-being: an examination of families with and without a child with an autism spectrum disorder. Focus Autism Other Dev Disabl. Oregon, v. 25, n. 1, p. 37 46, 2010. MECCA, Tatiana Pontrelli et al. Rastreamento de sinais e sintomas de transtornos do espectro do autismo em irmãos. Rev. Psiquiátrica Rio Grande Sul, Porto Alegre, v. 33, n.2, 2011. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_artt ext&pid=s010181082011000200009&lng=pt& nrm=iso>. acessos em 09 abr. 2012. MERCADANTE, Marcos T.; GAAG, Rutger J. Van der e SCHWARTZMAN, Jose S. Transtornos invasivos do desenvolvimento não-autísticos: síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância e transtornos invasivos do desenvolvimento sem outra especificação. Rev Bras Psiquiatr.; v.28(i), p.12-20, 2006. MOHAMED, Sufi. Autism and the impact on family: a developmental perspective. Academia.edu., ago. 2010. ALTIERE, Matthew J. Family functioning and coping behaviors in parents of children with autism. Masters Theses and Doctoral Dissertations, Paper 54, 2006. OLSSON, M. B., HWANG, C. P. Depression in mothers and fathers of children with intellectual disability. Journal of Intellectual Disability Research, v.45, p. 535-543, 2001. 14

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