SURDOS: CONTRADIÇÕES NA INCLUSÃO CULTURAL E IDENTITÁRIA NA ESCOLA



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Transcrição:

SURDOS: CONTRADIÇÕES NA INCLUSÃO CULTURAL E IDENTITÁRIA NA ESCOLA Resumo DUTRA LINS. Eliane de das Graças Santos 1 - FAEL/PMC SCHUBERT, Silvana Elisa de Morais 2 - FAEL/PMA COELHO, Luiz André Brito 3 - UNC Grupo de Trabalho : Cultura, Currículo e Saberes- Agência Financiadora: não contou com financiamento O presente trabalho tem por objetivo evidenciar aspectos relacionados a cultura e identidade surda, nas interações existentes no ambiente educacional, bem como destacar a insatisfação dos sujeitos quando a escola não alcança êxito nessas interações. Traz a luz as deficiências desse espaço, o qual nem sempre está preparado para recebê-los com suas especificidades e singularidade linguística. Permite aos leitores conhecimento sobre características, modo de ser, viver, compreender e experienciar o mundo e as contradições que estão presentes nas relações quando adentram os espaços educacionais. Para alcançar o objetivo, fez-se uso de entrevistas através das quais os surdos foram convidados a falar sobre diversos aspectos e vivências cotidianas, tanto sociais quanto educacionais, através da Libras as quais foram traduzidas para a língua portuguesa e recortes serão utilizados, buscando levar o leitor à reflexão sobre a cultura surda quando emerge na escola, a partir dos sujeitos pertencentes a essa cultura, um modo de compreensão do interior para o exterior, destacando o anseio dos sujeitos por uma educação bilíngue, de qualidade, onde os surdos não fiquem excluídos ou segregados em tempos em que as políticas estampam inclusão. O trabalho apresenta breve histórico sobre os sujeitos surdos e personagens que marcaram a educação e a cidadania desses, superando um tempo histórico de exclusão e extermínio; bem como questões referentes ao espaço de sala de aula e comunidade escolar, formação e desenvolvimento linguístico do professor; políticas públicas voltadas para os surdos e o anseio por uma 1 Professora da rede pública do município de Curitiba, especialista em educação especial, graduada em pedagogia, com cursos adicionais em educação infantil e deficiência da áudio comunicação, intérprete de Língua de Sinais Brasileira nível superior - FAEL. E-mail: nanylins1@yahoo.com.br. 2 Mestra em Educação pela UTP, Intérprete de Libras, professora da educação especial, especialista em: Educação Especial, Educação Infantil e Educação Bilíngue para surdos. Pesquisadora da área da surdez. Trabalha na Prefeitura Municipal de Araucária. E-mail: silschubert@yahoo.com.br. 3 Professor Surdo, especialista em educação bilíngue para surdos, Licenciado em matemática e em Letras com habilitação licenciatura em Língua Brasileira de Sinais, Professor de Libras, ministrante de cursos de Libras nos diferentes níveis. Coordenador social da Associação dos surdos de Curitiba, Possui certificado de Proficiência em Língua Brasileira de Sinais. Professor na Universidade de Contestado Mafra/SC. E-mail: landre68@msn.com

7015 educação que alcance a todos. Trata-se de um convite a imersão na comunidade surda, e a compreensão da cultura dos sujeitos, da identidade surda e língua de sinais. Intenta-se desvelar e superar contradições e mistérios, enquanto outros estão sendo construídos na dialética da educação. Palavras-chave: Surdos. Língua de Sinais. Cultura Surda. Escola. Introdução: Nas vivências cotidianas, no ambiente educacional e nos diferentes espaços sociais, pode-se observar sem restrições a sinalização, a produção de discursos, o fluir da cultura e múltiplas identidades surdas, as quais até aproximadamente a década de 80 do século XX permaneciam à margem, sem o devido valor linguístico e identitário que merecem. Os sujeitos surdos ascendem no cenário social, engendrando políticas, lutando ativamente em favor de seus direitos, repensando o modo de ensino, ganhando vez e voz, onde antes a sociedade compreendia como silêncio; atuando como reais agentes de mudança. A medida em que se posicionam, já não bastam discursos prontos sobre inclusão, isso não é satisfatório para o que almejam enquanto direitos, os quais não atendem satisfatoriamente as especificidades, características, as necessidades linguísticas, culturais e identitárias dos surdos. O artigo tem como objeto de pesquisa os surdos em suas múltiplas relações e as contradições na compreensão social a respeito do sujeito surdo. Intenta contribuir para a propagação dessa cultura encantadora e envolvente. Para tanto se discutirá brevemente a história dos surdos e as políticas públicas que sustentam o modelo de educação inclusiva tão divulgada na sociedade contemporânea. Posteriormente abordar-se-á os temas: tecnologias, vida social e educacional, bem como o modelo de ensino que é ofertado aos surdos. Fatores que podem contribuir ou excluir o surdo dentro ou fora do ambiente educacional. Utilizou-se a literatura existente sobre o tema e os discursos surdos, que possibilitam um repensar no modo como se organiza o ensino, os materiais, o currículo e a avaliação dos surdos no espaço escolar. Os recortes de entrevistas ressaltam opiniões, comportamentos e argumentos dos surdos, produtos de investigação dos autores pertencentes à comunidade surda; onde se obteve a colaboração de surdos de diferentes faixas etárias e escolaridades, os quais argumentaram sobre cultura, educação, identidade, hábitos e costumes.

7016 Para coleta dos depoimentos, fez-se uso de questões semiestruturadas, registradas em vídeo pela língua de sinais, L1, ou seja; primeira língua dos surdos e traduzidas para a língua portuguesa. Segundo Severino (2007), a entrevista promove um diálogo mais descontraído, permitindo ao informante sentir-se a vontade e sem constrangimentos para expressar-se. Os resultados são apresentados do desenvolver do texto. A inclusão está posta? Segundo a LDB 9394/96 (BRASIL, 1988, LDB n. 9.394/96), a educação é direito de todos, para tanto não oferece apenas o acesso, mas deve garantir a qualidade e a permanência para os estudantes da nação independente da idade ou de necessidades especiais. Assim, não é raro deparar-se com gestores que se orgulham em declarar que a instituição que gerenciam trata-se de ambiente de educação inclusiva, mesmo que não tenham conhecimento aprofundado de quem se inclui e das reais necessidades que apresentam. O texto irá tratar especificamente da inclusão do surdo no ensino regular, e das contradições existentes entre a teoria e a prática que vem sendo aplicada. A inclusão dos surdos traz a diversidade para a sala de aula, uma língua sinalizada, um novo modo de organizar as aulas, de se relacionar com o outro, de interagir entre estudante professor - instituição e os anseios dos surdos por uma educação bilíngue 4. Anterior ao século XVI, os surdos, assim como as demais pessoas com deficiência eram excluídos socialmente, até mesmo exterminados dependendo da cultura de cada região, não eram considerados como cidadãos, portanto, impedidos de casar-se, receber heranças, participar de comunhão e não se acreditava na potencialidade surda para a aprendizagem. No século XVI um médico italiano comprovou publicamente que o surdo poderia ser educado (SACKS, 1990; LANE, 1992; STROBEL, 2008), Segundo Strobel (2008), o médico Gerolamo Cardano teve seu primeiro filho acometido de surdez, então se preocupou em comprovar que o surdo era educável em uma época em que não eram socialmente aceitos. Como Cardano era um homem de prestígio, encontrou a fórmula para a manutenção do poder, mantendo sua herança no seio familiar. Foi um marco da medicina para a educação ao comprovar que não havia impedimento para a aprendizagem. 4 Entende-se educação bilíngue como a educação que corresponde aos anseios e necessidades dos surdos, onde a língua de instrução seja a Língua de sinais e a língua portuguesa escrita seja trabalhada enquanto segunda língua, o Decreto 5626/05 (BRASIL, 2005), trata do assunto.

7017 No século XVIII a língua de sinais emerge no ambiente educacional, pelas mãos do abade L Epée, o qual concedeu regras e a organizou para a instrução e seu método obteve sucesso significativo. L Epée, divulgou para o mundo, a língua sinalizada, possibilitando a formação de profissionais, professores surdos, que passaram a ocupar cargos cada vez mais elitizados. Em termos de Brasil, foi fundado no século XIX a primeira instituição para atender surdos, em 1855, a convite de Dom Pedro II veio ao Brasil Eduard Huet, professor francês, surdo, o qual fundou o Instituto Imperial de Surdos Mudos, no Rio de Janeiro, que, posteriormente, passou a chamar Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES); conforme destaca Schubert (2012, p. 87), como os demais personagens que investiram na educação de surdos, Dom Pedro II tinha no seio de sua família um genro com surdez, possivelmente, por esse motivo houve interesse na educação de pessoas surdas; garantindo, a partir desta educação, à aceitação social, mas também a manutenção do controle, o poder e a honra das elites dominantes, visto que ter na família um deficiente era sinônimo de exclusão e vergonha. No cenário mundial, o fato mais importante relacionado à cultura e linguagem dos surdos, foi no século XX que a linguagem de sinais no mundo passa a ser chamada de língua de sinais, após estudos do linguísta Willian Stokoe em 1960. Voltando ao solo brasileiro, embora já na Declaração de Salamanca (1994), os países firmaram o compromisso com a educação inclusiva, no Brasil, foi somente no ano 2000, que a lei de acessibilidade dá destaque às necessidades dos surdos visando à quebra das barreiras comunicativas pela Lei 10.098/00. Posteriormente a língua de sinais foi oficializada pela Lei 10.436/02 e regulamentada pelo Decreto 5626/05. A inclusão do surdo, precisa ser compreendida como algo que traz a diversidade para dentro das nossas classes, que nos aproxima do outro, mesmo que durante muitos séculos, a surdez, assim como, as demais deficiências, foi motivo de exclusão nos moldes mais radicais. Com intento de normalização, presenciamos até o ano de 2002, o retrato histórico da medicina e a ciência dos sons, ditando regras sobre os surdos, como: o melhor método de ensinar, imposição de aparelhos amplificadores sonoros, encaminhamentos para implante coclear, entre outros, que lembram figuras como Itard e Grahan Bell. Jean Marc Itard realizou experiências invasivas com os surdos, desde descargas elétricas nos ouvidos, urina de cabra e inserção de sanguessugas, tido na literatura ouvinte

7018 como um herói, os surdos o tomam por vilão, pois não respeitou, nem se importou com as características específicas do povo surdo. Grahan Bell, inventor do telefone, tinha mãe e esposa com surdez (SACKS, 1990; LANE, 1992); foi o principal responsável pela imposição do oralismo em 1880, no evento conhecido como Congresso de Milão. No Congresso não fora permitido a participação de surdos, assim, Grahan Bell discursou sobre a proibição da sinalização e a importância de oralizá-los; ficou determinado naquela data que o oralismo seria o método para ensiná-los, a partir do resultado, foi aproximadamente um século de insucessos na educação de surdos, os professores que segundo Sacks (1990;p.32) em 1869 eram 550 professores surdos em todo o mundo, só nos Estados Unidos 41% dos professores eram surdos, foram abolidos das escolas juntamente com a língua de sinais e os estudantes eram afastados de seus pares linguísticos para evitar a sinalização. A supressão da língua de sinais e a imposição do oralismo acarretaram deterioração no aproveitamento educacional das crianças surdas e na instrução geral desse grupo e os resquícios ainda são evidentes no nosso século. No século XX, por volta de 1968, se inseriu no âmbito educacional, a comunicação total, por meio da qual a língua de sinais passou a ser aceitável, ficando conhecido como método combinado ou simultâneo, utilizava da soletração, sinalização, leitura labial, fala e amplificação dos sons, tudo ao mesmo tempo, mas o método não foi eficiente para o ensino dos surdos (SCHUBERT, 2012b). Dentro da comunicação total encontra-se o Bimodalismo, também conhecido como Português Sinalizado (no Brasil); utiliza a língua de sinais, organizada e estruturada, na gramática da língua oral, essa estrutura é inadequada, não é capaz de atender às necessidades comunicativas dos surdos, ainda que seja de modalidade visuogestual; pois ela faz uso da estrutura, das regras e da base da língua oral, o que a torna incompreensível para os surdos. A partir dessa observação, das lacunas deixadas pelo modelo da comunicação total, os estudiosos começam a investigar a completude da língua de sinais, entre eles Willian Stokoe, pois compreendendo que a língua de sinais tem suas regras e suas singularidades, dá-se início à educação para surdos, dentro de uma proposta bilíngue de ensino, não nos moldes de língua estrangeira oral, mas bilíngue e multicultural, a qual o sujeito tem sua língua natural (sinalizada, gestual) como língua de instrução, a língua do país na forma escrita, mas também

7019 suas particularidades, sua identidade e sua cultura como ponto de partida para o trabalho dentro das instituições, a qual a CNE/CNB n.02/2001 aponta, logo após a lei 10.098/00. Mesmo tendo oficializada a língua de sinais e delegada tarefa principal de ensinar a área educacional, os clínicos ainda são os mais procurados pelos familiares de surdos para indicação do melhor modo de ensinar, ou seja; para ditar regras no ambiente educacional, o que já não é aceito com passividade pelos professores e pelos próprios surdos. A inclusão educacional dos surdos apresenta-se com muitas falhas, onde os principais interessados não são chamados ao debate, mesmo as políticas públicas tratando de suas necessidades. Quando destacamos o valor das políticas públicas, cabe lembrar um marco político já citado, trata-se do Decreto 5626/05, pois o mesmo faz distinção clara entre os sujeitos no cenário social e educacional, uma ação positiva, destacada no Capítulo 1, Artigo 2, sobre os sujeitos e o modo de compreendê-los: Art. 2. Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais Libras. Único. Considera-se deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (db) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz (BRASIL, 2005). O Decreto destaca que não é a sociedade, o professor ou a instituição que define quem é o sujeito, pois tanto o deficiente auditivo quanto o surdo são identificados pela perda auditiva, mas o que os define além da língua de sinais são as experiências visuais, a cultura e a identidade. Compreendem-se, por meio da Lei, que perdas auditivas são características de ambos (surdos e deficientes auditivos) em termos clínicos e normalizadores, mas em termos culturais, o sujeito é o único capaz de se autodefinir, cabe-nos acatar. Para subsidiar a formação dos surdos, insere-se na educação o intérprete de Libras de acordo com a Lei 12.319/10 (BRASIL, 2010), profissional que sempre coexistiu com os surdos, no entanto sem garantias legais ou definição de sua função. O intérprete é aquele que dá voz ao que antes era silenciado por barreiras comunicativas; mas, apesar desse profissional ser inserido na educação, os surdos anseiam por uma educação efetivamente bilíngue.

7020 A educação para surdos deve ser aquela que além de valorizar a língua de sinais, compreenda e acolha a diversidade surda, a cultura e as identidades surdas existentes, a questão é o que a escola privilegia? Conhece e reconhece a cultura surda? Cultura surda e características surdas: A cultura surda sempre foi motivo de debates, marcada por estereótipos, bases que buscavam estabelecer uma compreensão nos referenciais ouvintes, impondo uma normalização que limita, impede e torna o sujeito realmente deficiente, ignorando suas especificidades, assim sendo, não surpreende que ainda se diga que não há cultura surda, a sociedade atual, não valoriza a cultura do outro, compreendido como diferentes. Certamente, não se trata de uma cultura única e homogênea, um único modelo, assim como, a identidade, a cultura surda é multifacetada, e traz consigo especificidades que vão além da língua de sinais. Cultura Surda é transformação, despontar e despertar, permitir que as novas gerações de surdos possam fazer uso e aprimorar os instrumentos e a historicidade vivida, desenvolvida e acumulada pelas gerações anteriores. Ela modifica-se, atualiza as mudanças na própria língua de sinais, o modo de ser surdo hoje, de lutar pelos direitos, de exercer e buscar sua cidadania, seu lugar no mundo do trabalho para além da linha de produção (STROBEL, 2008; SCHUBERT, 2012b). A cultura surda tira o homem da zona de conforto e faz dele mais humanizado, mais sábio e esse conhecimento aparece cada dia mais por intermédio das mãos dos sujeitos surdos. Para compreender os surdos, para longe da visão deficiente importa destacar as características surdas, desde o ambiente familiar até a sala de aula. No ambiente familiar, entende-se que se concentram aí as maiores dificuldades relacionais dos surdos, isso porque cerca de 95% dos nascidos surdos, pertencem à famílias ouvintes. Destaca-se que o relacionamento familiar pode ser considerado o primeiro local de exclusão da criança surda, pois na família geralmente ela é compreendida como diferente, defeituosa e esse fato nem sempre é consciente. O surdo, desde o nascimento está condicionado à área clínica, encaminhado prontamente a intensos treinamentos de fala e imposições ouvintistas 5, tende a passar a maior 5 Segundo Skliar (1999; 2005), ouvintismo é o modo de olhar e narrar o sujeito, tendo como ideal a normalização, as imposições ouvintistas, tendem a impor o modelo de quem ouve, da sociedade em sua maioria ouvintes, como o mais apropriado, assim os surdos são obrigados a aprender, a conviver e a desenvolver-se

7021 parte do tempo nas mãos de clínicos que durante muitos séculos vêm ditando regras, de como e com quem devem se relacionar, qual o melhor modelo de linguagem e até mesmo, como deverá ser ensinado, fato que já foi destacado anteriormente. Pais surdos que tem em sua família um filho ouvinte, não lhe negam cultura e linguagem oral, reconhecem as necessidades e facilitam a aprendizagem e interação de seu filho também com a cultura ouvinte, não o isolam, nem o restringem ao uso da língua de sinais, visto que tem consciência de que deve aprender a se comunicar com eficiência na língua oral, sem desprezar a língua e as características dos pais. Devido à história de subalternização de identidade e de cultura, de exposição a intensos treinamentos de fala e de leitura labial, os surdos estão habituados a enfrentar a sociedade tal como ela é. Ainda que, almejem mudanças e lutem pela efetivação das leis que já estão regulamentadas, os sujeitos surdos vão aos mais diversos lugares na sociedade, buscam modos de comunicar-se e fazer-se entender, o que demonstra que não é o nascimento do filho ouvinte, o sinônimo de libertação e de comunicação social para o surdo, esta batalha comunicativa, já está definida. Um filho ouvinte para família surda é, simplesmente, o nascimento de um filho, será amado, respeitado e inserido em duas culturas, ninguém lhe nega o acesso ou a língua. Mas quando o contrário acontece e nasce um filho surdo em uma família de ouvintes, ele, normalmente, é privado de interações sociais que atendam às suas necessidades e às características visuais, ou seja, ele é obrigado a modificar seu modo de interagir e de experienciar o mundo. Esses resquícios ficam aparentes quando adentra os espaços educacionais. No ambiente escolar: Há um desejo entre os sujeitos que se definem como surdos, em serem compreendidos como pessoa surda e não deficiente conforme destaca o Decreto 5626/05, de ter sua cultura e língua valorizadas. Segundo Skliar (2005) a surdez entendida pela deficiência imobiliza e cala a voz, nega as identidades e as características culturais, como o uso, importância e completude que caracteriza a língua de sinais brasileira. A identidade surda pode ser vista de modo plural e multifacetada, onde as identidades que surgem num determinado grupo são negociadas entre seus membros e suas histórias particulares e individuais. A constituição da identidade dependerá de muitos fatores e de como se fossem ouvintes. Imposições ouvintistas limitam a cultura e impedem o desenvolvimento sólido de uma identidade surda no sujeito.

7022 como o sujeito é interpelado pelo meio em que vive, ela surge nos encontros com outros 6 surdos. Skliar (1999, p.11), reforça que as identidades não se constroem no vazio, mas a transição ocorre no encontro com o semelhante, e assim se organizam novos ambientes discursivos Surdo/Surdo, então, ser surdo não supõe uma identidade surda 7 única e essencial, mas assume formas multifacetadas e multiculturais. Segundo Perlin (2003), há muitos fatores que identificam o surdo, entre eles, a própria cultura que é o jeito surdo de ser, de perceber, sentir, de vivenciar e transformar o mundo; Strobel destaca que a cultura surda deve ser entendida como experiência visual, compartilhamento de experiências com outros surdos, compartilhamento da língua de sinais, valores culturais, hábitos e modos de socialização próprios, construção de identidade, relacionamento mais íntimo com outros surdos. Segundo Lane (1992) sem a cultura surda, o sujeito surdo é um corpo surdo mutilado e deficiente. Quando a identidade e a cultura surda são de fato reconhecidas e aceitas socialmente, até mesmo as políticas públicas tem maior possibilidade de se ajustarem às características desse indivíduo, por isso a diferenciação dos termos Surdo e Deficiente Auditivo a partir do Decreto 5626/05, é um marco na história do povo surdo no Brasil. Para Perlin, o ambiente é um dos fatores que influencia na constituição da identidade surda, podendo até mesmo alterá-la, visto que são diferentes representações de identidades em momentos e ambientes diferentes: Diante da inclusão, a identidade surda precisa ser procurada na diferença, para além do conceito redutor ou da subordinação (...) numa concepção de diferença e de resistência (PERLIN, 1998, p.112). Quando as identidades surdas são recebidas na escola com direito garantido em Lei, numa proposta menos excludente, mas não totalmente inclusiva os estudantes surdos são os que perdem nessa relação. 6 Utiliza-se aqui a palavra outros e semelhantes (em itálico), porque uma identidade também pode ser um princípio de contradição: ou seja; aquele com quem eu me identifico, ou não. Portanto, embora defendamos que a identidade se constrói no encontro surdo/surdo, entendemos que ela tem início no encontro com a língua de sinais, até mesmo através de outros (não surdos) usuários da língua de sinais e pertencentes à comunidade surda, aqueles que se posicionam na situação de sujeito bilíngues e biculturais, que valorizam as características surdas e embora pertencentes também a outras comunidades. Ao desenvolver uma identidade própria, ele (o surdo), determina, comprova sua própria identidade, percebe afinidades e vai compartilhar ideias, sentimentos e até comportamentos com alguém, com o qual se identifica e buscará agir, pensar e comportar-se diferente daquele cuja identidade não lhe parece par. 7 Para conhecer e compreender as diferentes identidades surdas ver: PERLIN, Gladis. In: SKLIAR, 2005, p.62 a 66.

7023 Isto porque maior parte da comunidade escolar não conhece os surdos efetivamente e com isso tendem a tratá-los dentro de Uma Educação para Todos, nem sempre alcançando o entendimento e aprendizagem efetiva do estudante surdo. Segundo destaca o Decreto 5626/05, Capítulo VI, artigo 22; a educação para surdos precisa ser organizada em escolas ou classes de educação bilíngue, fato que não é uma realidade brasileira. Recentemente a comunidade surda teve acesso a Lei n.5016 de 11 de janeiro de 2013 (BRASÍLIA, 2013), a qual estabelece diretrizes para o desenvolvimento de políticas públicas educacionais voltadas à educação bilíngue para surdos, a serem implementadas no âmbito do Distrito Federal, o que despertou esperança de uma educação de qualidade, respeitando a língua, características, cultura e múltiplas identidades surdas. A Lei n.5016 de 2013, retoma o que fora proposto no Decreto 5626/05 como garantia de uma educação eficaz, qualitativa o povo surdo, no entanto, por meio dela também se pode destacar a lentidão na efetivação das leis, se as escolas ou classes bilíngues já estavam garantidas no ano de 2005, é necessário analisar a implementação de diretrizes para a educação bilíngue oito anos após o Decreto 5626; a Lei existe, mas não deu conta de especificar as necessidades do sujeito quanto a esse modelo educacional? Poder-se-ia dizer que houve progresso na política? Fica evidente que no Brasil se efetivam leis e posteriormente gera-se outras como modo de obrigar que as anteriores sejam cumpridas. Estranho progresso! A legislação de uma educação para todos, precisa considerar as especificidades daqueles que acolhe; no ambiente educacional muitas características surdas são em aprtes desconsideradas no momento de organização geral das aulas e do próprio espaço. De acordo com o Decreto 5626/05 os surdos são sujeitos que: Art. 2o Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais -Libras. (BRASIL, 2005) Pessoas que interagem com o mundo por meio de experiências visuais, mas na organização das aulas nem sempre os profissionais levam isso em consideração. O professor pode contar na educação com o apoio do intérprete de Libras, é ele que torna o ambiente acessível linguisticamente ao estudante surdo. No entanto, muitos professores delegam ao intérprete a responsabilidade pelo ensino e resultados do estudante.

7024 Ainda que o intérprete de Libras seja professor, quando adentra a sala de aula na função de intérprete educacional, deve primar pela ética servindo ao surdo apenas como ponte linguística para que a comunicação se dê entre o estudante e os demais personagens no ambiente educacional; se o professor apresenta limitações em relação aos conteúdos, domínio de classe ou perfil geral, não cabe ao intérprete tomar o estudante surdo, ou a turma para si. O professor é o mediador, quem ministra as aulas, prepara conteúdos, adapta materiais quando necessário e o intérprete é o mediador das mediações que o professor faz, nas dúvidas, o surdo recorre primeiramente ao professor. Como ressalta L.33(SCHUBERT, 2012, p.118) diante da pergunta da pesquisadora A quem você recorre nas dúvidas? Diretamente ao professor. O intérprete não é professor. As aulas para surdos, ainda que o professor conte com o apoio de um intérprete, devem ser organizadas com recursos visuais, pois diferente das necessidades da maioria da população ouvinte, os quais registram em memória auditiva ou memória visual aquilo que lhe é ensinado, o estudante surdo lançará mão da memória visual, conforme destaca o Decreto 5626/05; quanto mais recursos visuais, imagens que produzam sentido, o professor utilizar para o ensino, maior aproveitamento tanto de surdos quanto de ouvintes. Para tanto, uma sugestão é que o professor organize suas aulas no modelo de slides (PowerPoint), com figuras, imagens e as reutilize na organização de avaliações para que o surdo possa recorrer a sua memória visual. Quanto às avaliações em sala de aula: As avaliações são difíceis de responder, eu nem sempre entendo o que perguntam, mesmo sendo muito boa em língua portuguesa. Ficaria melhor se fossem avaliações objetivas, para marcar verdadeiro, falso, ou com muitas imagens. AG.17 ( SCHUBERT, 2012b; p.28). Os estudantes surdos tem clareza de suas necessidades educacionais, do melhor modo para serem avaliados de modo que suas especificidades sejam respeitadas. O uso dos recursos visuais, avaliações o mais objetivas possíveis, no entanto não são chamados para pensar modelos e estratégias de ensino e aprendizagem. Mesmo que a legislação brasileira teoricamente ressalte um novo olhar para os sujeitos surdos, é necessário especial atenção para as solicitações dos mesmos, ouvindo as vozes do interior, as vivências surdas, vejamos o que JZ.25 traz sobre pedagogia e currículo: Quanto a pedagogia e currículo para surdos: No Brasil há apenas adaptações de pedagogia e currículo, quando deveriam ser organizados com base nas características visuais, com estratégias, métodos, planejamentos que respeitem a identidade e a cultura surda. Eu aprendo por meio de informações gerais: televisão,

7025 leitura, pesquisas e com o apoio do intérprete para esclarecer minhas dúvidas, sou surdo, mas não sou igual aos outros, acredito que somos todos diferentes. A inclusão e os métodos para os ouvintes não atendem minhas necessidades. A maior dificuldade está no método oral que todos insistem em utilizar, as barreiras comunicativas, na falta de interação direta com o professor, temos que escrever nossas dúvidas, aguardar que entendam para nos darem uma resposta. É preciso reorganizar o todo. (SCHUBERT, 2012; p.27) São as deficiências da sociedade que geram as barreiras; como destaca JZ.25, aquilo que a sociedade impõe é atendido pelos surdos, mas o ambiente educacional é um diferencial, é nele que deve ter início uma modificação da sociedade atual; para tanto o professor e a escola necessitam conhecer a língua, cultura e identidade dos sujeitos surdos, empenhando-se por desenvolver educação de qualidade, acesso e permanência desses na escola. Os s surdos demonstram desejo em estabelecer interação direta com o professor, desejo de ser ouvidos no ambiente através da língua que melhor expressa seu pensamento; a língua de sinais. Destacam as dificuldades provindas da deficiência da comunidade escolar em compreender os discursos organizados na língua de sinais, excluindo quando deveria incluir. Muitos dos profissionais da educação acreditam que o uso de aparelhos de amplificação sonoro, do implante coclear enquanto um milagre da biotecnologia, sejam a solução para o problema da surdez, no entanto as contradições, são destaque nas entrevistas com surdos: Pesquisadora: Você usa aparelho auditivo? Considera importante o uso de aparelho? AG.17: Ah, quando eu era pequena, usava sempre o aparelho auditivo, mas a medida em que fui crescendo, deixei de usar, não gosto e não quero! Então não uso mais. Me causava muitas dores na cabeça, era ruim e desconfortável. (SCHUBERT,2012b; p.18) AM.20: As vezes eu uso aparelho, mas na maior parte do tempo, não. O barulho, os sons, tudo isso me irrita, me incomoda. (SCHUBERT,2012b; p.18) Quantos as tecnologias: J.28: [...] eu faço uso de celular, do VIÁVEL, da internet, campainha luminosa, intérprete, coisas que existem hoje, mas antigamente, não tinha nada disso apenas podíamos escrever e enviar cartas entre amigos, mas hoje... batemos papo pelo MSN, pelo facebook, trocamos mensagens pelo celular, e outros. [...] quanto ao implante coclear, sou contra mesmo! Não considero importante amplificar sons, essa é a minha opinião. (SCHUBERT,2012b; p.19) Embora sejam recortes de entrevistas com surdos, a citação destaca a visão da totalidade dos surdos entrevistados, os mesmos utilizam e acreditam que as tecnologias são

7026 bem vindas, no entanto os aparelhos de amplificação sonora não fazem parte da cultura e da identidade surda, são meios tecnológicos de reabilitação. Em determinado período da vida, entre a adolescência e juventude, muitos dos sujeitos abandonam o uso dos aparelhos de amplificação, ou optam pelo seu uso apenas em determinados momentos, bem como abandonam as visitas e acompanhamentos da área clínica, fonoaudiológica, assumem identidade e cultura, buscam aproximação com seus pares, onde não há necessidade de normalização, pois entre os pares ser surdo é, ser normal. Ser surdo, na sociedade atual, onde a legislação apresenta teoricamente valorização do outro, oficialização da língua e direitos educacionais para longe da perspectiva de enfermidade, clínico terapêutica voltada para treinamento da audição e fala e reabilitação, desperta atenção para as contradições aparentes quando a cultura e identidade surdas adentram os espaços educacionais; para tanto buscaremos concluir o trabalho sem intenção de finalizá-lo. Considerações para não finalizar: Para concluir, ou melhor pausar esse trabalho, faz-se o convite para pensar a inclusão dos surdos como hoje se apresenta, destacando a entrevista de E.54: Qual a sua opinião sobre a inclusão? Na verdade, eu sou contra a inclusão porque o professor não conhece metodologias para o ensino de surdos, será que o professor consegue planejar para ouvintes e surdos uma mesma aula? Não. Então é colocado um intérprete na sala e pronto, o professor não terá que fazer nada! E a aproximação do professor e do aluno surdo, o contato direto? Eu gostaria de ver uma inclusão onde a metodologia utilizada fosse na L1 (primeira língua do surdo - Libras) e não na L2 (segunda língua português escrito) que tem outra metodologia para o ensino, o surdo deve ser trabalhado na Libras em primeiro lugar, que é de modalidade visual, o professor ouvinte consegue aprender Libras o suficiente para ensinar o surdo na L1? Não. O governo também não está preocupado com isso, o MEC lava as mãos, mas é necessário fazer projetos para que a inclusão possa dar certo, onde o professor e o aluno tenham esse contato direto. E.54 (SCHUBERT,2012; p.199) A primeira questão a ser pensada do que diz E.54, quanto ao planejamento do professor é que dificilmente o professor irá planejar de modo que atinja a todos, sem exclusão, se ele não teve formação voltada para o conhecimento e respeito as características, cultura e identidade surda, sem compreensão de quem é o sujeito surdo.

7027 Como já destacado no desenvolvimento do trabalho, diferente do que a escola tem ofertado, é necessário uso constante de recursos visuais, imagem, avaliações precisam ser mais objetivas e claras. No ambiente escolar, o uso de recursos é comumente utilizado nos anos iniciais do ensino fundamental, ou no início da educação básica, no entanto, à medida que os estudantes alcançam níveis mais elevados na educação institucionalizada, é comum que os professores abandonem ou façam pouco uso dessa prática, com isso os surdos levam maior tempo para compreensão e aprendizagem; conforme ressalta AG.17: O que é necessário para que o currículo, a pedagogia e a própria organização das aulas alcancem às necessidades do estudante surdo? AG.17: Precisamos de recursos visuais, palavras, imagens e desenhos. Os professores não fazem uso de imagens, e outra coisa é que os professores precisam estabelecer diálogo com os alunos, precisam, por exemplo, me conhecer e conversar diretamente comigo. (SCHUBERT,2012b; p.27) Para a construção qualitativa do currículo, pedagogia, organização das aulas quando há surdos, importam não somente as imagens, mas a interação direta com o professor, despertar o sentimento de valorização enquanto estudante e enquanto pessoa. Desde os anos de 1880, como destacado no Congresso de Milão, os surdos foram perdendo espaço e qualidade na educação por não serem compreendidos em suas necessidades específicas; obrigados a agir e pensar como regula e controla a hegemonia ouvinte, no entanto, com a proposta de uma educação e sociedade inclusiva, novos moldes vão sendo apresentados e a sociedade e com ela a escola passa por modificações singulares. E.54 (SCHUBERT,2012; p.199), ressalta: Eu gostaria de ver (...) ; esse é o maior objetivo dos surdos, uma educação inclusiva de fato e direito, onde não seja compreendido como um estrangeiro e até mesmo um estranho em meio a sociedade que ouve; mas que possa interagir com seu professor, expressar ideias diretamente, opinar por meio de sua língua e seja compreendido pelo professor e colegas, sem precisar tomar atalhos e/ou outros caminhos nem sempre escolhidos por ele; mas, para alcançar o objetivo é necessário que o professor aprenda Libras com eficiência para que possa ensinar e interagir por meio da primeira língua dos surdos, a Libras, desconstruindo qualquer tipo de barreira comunicativa.

7028 Quando a escola se pauta apenas na inclusão de direito, tende a deixar de lado as especificidades culturais e identitárias dos surdos, para seguir listas de regras contidas nos documentos legais o que historicamente nunca foi eficiente. Para atender os estudantes surdos, é preciso compreender sua essência visual, dar ênfase a memória visual do sujeito, diferente da sociedade ouvinte que dá importância maior ao que é audível. Assim, importa pensar a organização das aulas com o máximo de recursos visuais, avaliações que retomem os recursos utilizados durante as aulas, a importância e intensidade do toque, a língua de modalidade visual espacial a qual todo ambiente precisa aprender com eficiência para que os discursos aconteçam do modo mais natural possível. Se não houver real conhecimento de quem é o sujeito tomando como base questões como cultura e identidade, a história inicial do surdos enquanto deficientes, rejeitados e excluídos poderá tomar formas de inclusão, revestindo-se de modernidade e repetindo a opressão historicamente construída. Para pausar o presente trabalho e esclarecer modos de atender a cultura e identidade surda na escola, escolhemos ressaltar em tópicos o que é necessário: - Ensino e aprendizagem qualitativa da Libras. - Utilização de recursos visuais e imagens na organização das aulas, nas atividades, reutilizando-as no preparo de avaliações. Registro e apresentação de trabalhos por meio de vídeo na primeira língua do sujeito, garantindo participação ativa do estudante surdo. - Além de figuras e imagens, nas disciplinas de: história pode-se fazer uso da linha do tempo; em geografia, não dispensar o uso dos mapas; em ciências fazer uso de experiências e em matemática, prever tempo entre a explicação visual no quadro e a explicação oral ou sinalizada posterior. - Registrar no quadro em qualquer nível de escolaridade: trabalhos, datas, prazos, respeitando a memória visual do estudante. - O toque é essencial, bem como a interação direta do professor, gestão escolar, colegas e outros, com o estudante surdo. Ainda que você conheça basicamente a Libras; o estudante surdo simplifica ou seja; minimiza seu vocabulário e sinalização para que você o compreenda. - Olhos nos olhos, sempre; ainda que esteja acompanhado de um intérprete, todas as falas devem ser direcionadas ao surdo.

7029 - A língua portuguesa (na forma escrita) é sempre um desafio para o surdo, é segunda língua e requer tempo para o aprendizado, é comum precisar de interpretação de um texto, frase ou palavra, pois muitas vezes sente dificuldade por não compreender a pergunta elaborada pelo professor e não por não entender o conteúdo. -A comunidade escolar precisa fazer uso adequado do intérprete, ele é o mediador de mediações que o professor faz, é acesso comunicativo entre o surdo e o ambiente escolar, não se deve delegar a ele funções relacionadas ao ensino, cuidado com os estudantes, substituição de professores e outras, o domínio da classe, preparação de materiais e a tarefa de ensinar, é do professor regente ainda que o intérprete seja professor pela formação, no momento em que assume a função de intérprete, a função de professor não pode prevalecer, o professor regente é o responsável pela classe, o intérprete um recurso humano que torna o ambiente linguisticamente acessível ao surdo e a toda comunidade escolar. - O ambiente precisa ser inclusivo, contendo ao menos sinal luminoso que permita ao surdo observar trocas de aula, horário de intervalos, enfim, a rotina escolar. Apresentadas algumas dicas, para superar as dificuldades apresentadas nesse ambiente, convidamos os leitores a pensar as condições oferecidas pela escola e o que é preciso para superar o que está posto. Quanto mais próximos do estudante surdo através da cultura e do respeito as suas características e modo singular de linguagem e aprendizagem de essência visual, mais próximos da possibilidade e desafio de ultrapassar a visão idealista da inclusão, caso contrário, retrocedemos revestidos em inclusão e os surdos permanecem entre o que se prega através da lei e a angústia das dúvidas nunca sanadas, do diálogo nunca desenvolvido, de uma inclusão que nunca o incluiu de fato. REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto n. 5.296 de 2 de dezembro de 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-006/2004/decreto/d5296.htm>. Acesso em: 6 de abril de 201a.. CONSTITUIÇÃO 1988 art. 208 inciso III. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%c3%a7ao.htm>. Acesso: 6 de Abril de 2013.. DECRETO 5626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no

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