A manifestação da violência no espaço escolar

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Transcrição:

Artigo original A manifestação da violência no espaço escolar Monique Pessanha de Sales 1 e Carlos Eduardo Batista de Sousa 2 1 Estudante do Curso de Licenciatura em Pedagogia e bolsista CNPq pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, da Universidade Estadual do Norte Fluminense. 2 Professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense, Doutor em Filosofia (epistemologia) pela Universität Konstanz, Alemanha, Mestre e Bacharel em Filosofia pela UFRJ RESUMO: O ambiente escolar é um espaço destinado ao desenvolvimento cognitivo, pessoal e social. Entretanto, algumas interações apresentam aspectos de violência, tanto física quanto psicológica. As ações que caracterizam essas manifestações violentas incluem uma diversificada gama de comportamentos e, atualmente, têm adquirido grande importância em nossa sociedade, embora a relação entre violência e educação não tenha recebido a devida atenção. Por meio da análise do bullying, busca-se identificar o que faz com que tais eventos violentos ocorram no espaço escolar. Diante de tal contexto, a presente pesquisa pretende levantar questões que venham contribuir para o entendimento deste fenômeno e suas implicações na prática pedagógica, objetivando a intervenção com o auxílio da prevenção e redução dos casos de agressividade nas escolas, além da identificação dos fatores desencadeantes do comportamento agressivo e seu impacto nas vítimas. Palavras-chave: Educação, Comportamento, Bullying. ABSTRACT: The demonstration of violence in the school. The social environment is space designated to development of cognitive, personal and social abilities. However, is some social interactions negative factors are present such as violence, even physical and psychological. In general, the actions are characterized as violent behavior and they include several types of behavior. This kind of behavior has attracted attention of researches, in despite of the relationship between violence and education did not received proper attention. In order to analyze the bullying, we aim to identify what are mechanisms that trigger violent actions and allow their occurrences. This research is an attempt to understand this phenomenon by means of raising some questions concerning bullying and how to avoid it. We search a mean to contribute to the pedagogical practice in order to give support for the educators. Keywords: Education, Behavior, Bullying. 1 Introdução A atividade de educar é uma prática social complexa. A prática educacional deve ser constantemente debatida para que possibilite o desenvolvimento de diversos aspectos, principalmente, no que tange à valorização do contexto

56 Sales e Sousa escolar responsável por uma formação cidadã. O objetivo pedagógico baseia-se no seguinte tripé: escola-famíliasociedade. A partir deste tripé, deverse-ia compreender o ambiente escolar como um espaço de desenvolvimento cognitivo, pessoal e social. Entretanto, algumas interações neste ambiente apresentam aspectos violentos de ordem física e psicológica. O termo bullying é normalmente utilizado para designar comportamentos agressivos nos casos de violência escolar. As ações que caracterizam as manifestações violentas incluem uma diversificada gama de comportamentos e, à semelhança de outros comportamentos agressivos, caracteriza-se pela intenção deliberada de magoar alguém que tenha se tornado o alvo da prática agressiva. Atualmente, o bullying tem adquirido grande importância em nossa sociedade, devido à multiplicação de ocorrências em diversas escolas. No entanto, a relação entre violência e educação ainda não recebeu a devida atenção. Bullying, nas palavras de Pereira (8, p.16), pode ser definido por: Comportamentos agressivos de intimidação e que apresentam um conjunto de características comuns, entre as quais se identificam várias estratégias de intimidação do outro e que resultam em práticas violentas exercidas por um indivíduo ou por pequenos grupos, com caráter regular e frequente. Tal fenômeno também pode ser descrito como: Bullying é um termo utilizado na literatura psicológica anglo-saxônica, para designar comportamentos agressivos e antissociais, nos estudos sobre o problema da violência escolar. Universalmente, o bullying é conceituado como sendo um "conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais alunos contra outro(s), causando dor, angústia e sofrimento, e executadas dentro de uma relação desigual de poder, tornando possível a intimidação da vítima (FANTE; PEDRA, 8, p.8). Atitudes envolvendo maus-tratos de ordem física, verbal, sexual, moral, psicológica, material e virtual, como apelidar, ofender, humilhar, chutar, assediar, ameaçar, difamar, constranger, excluir, discriminar, chantagear, empurrar, amedrontar, ignorar, esconder, quebrar, furtar ou roubar objetos, são consideradas práticas características do bullying. Assim como os demais tipos de violência, o bullying pode acarretar danos irreparáveis às vítimas, comprometendo, além do desenvolvimento cognitivo, a saúde física e mental. Ademais, o sofrimento oriundo das práticas abusivas e agressivas, reflete na formação do caráter, nos valores morais, na vida pessoal, profissional e social do indivíduo. 2 A manifestação da violência na escola O bullying é uma prática distinta das brincadeiras consideradas normais entre as pessoas. Sua principal característica

A manifestação da violência no espaço escolar 57 é a intenção de agredir o outro, seja verbal ou fisicamente, com determinada freqüência. O medo é fator determinante e resulta da experiência sofrida pela vítima e, como tal, sinaliza a constância da prática abusiva. Não é comum que o bullying se origine a partir de uma discussão ou desentendimento entre os pares. Geralmente, inicia-se quando os agressores elegem uma vítima que seja incapaz de se defender de modo firme, ou que possua características físicas ou psicológicas que resultem em certa fragilidade (FANTE; PEDRA, 8, p.12). Em nível institucional, o bullying ocorre onde normalmente há um outro tipo de violência: a negligência profissional (manifestada pelo desprezo, desinteresse, despreparo ou incompetência) pela violência, sendo ignorados os sinais de risco e de existência de processos violentos" (FALEIROS, FALEIROS, 8, p.38). A escola tem a função de zelar e proteger os alunos e, acima de tudo, intervir e prevenir potenciais e reais casos de bullying, por meio da implementação de projetos pedagógicos, com o fim de conscientizar alunos, funcionários e famílias sobre a amplitude do problema. A direção dos estabelecimentos de educação, públicos ou particulares, assim como os professores, possuem responsabilidade civil mediante os casos de violência que ocorrem no espaço escolar, conforme o estabelecido nos artigos 932 e 933 do Código Civil: Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos (BRASIL, 2). Em de setembro de 1, o governo estadual do Rio de Janeiro decretou a Lei nº 5824, que prevê a notificação aos órgãos competentes, nos casos de violência contra a criança e o adolescente. Art.1º Fica criada a obrigação de notificação compulsória à autoridade policial e ao Conselho Tutelar da localidade, por parte das direções dos estabelecimentos de ensino e de saúde públicos e privados, localizados no Estado do Rio de Janeiro, nos casos de violência contra a criança e o adolescente. (...) Art. 6º O não cumprimento do disposto nesta Lei sujeitará as unidades de saúde e de educação, públicas e privadas, do

58 Sales e Sousa Estado do Rio de Janeiro e, solidariamente, seus respectivos agentes, às sanções administrativas e legais previstas no Art. 245 da Lei nº 8.69, de 13 de julho de 199 (ALERJ, 1). Contudo, é necessário que os educadores conheçam a fundo a prática do bullying para que possam diferenciar o fenômeno de brincadeiras corriqueiras. Dentre as práticas pedagógicas adequadas a esta nova realidade, o educar para a diversidade é o ponto chave. Para tanto, os educadores devem rever seus conceitos acerca de assuntos como homossexualismo, discriminação racial, religiosa e social. Cabe ressaltar que a escola deve ser preparada, inclusive, para os casos de bullying contra os próprios educadores. Sobre as possíveis consequências dessas agressões, a cartilha lançada pelo Conselho Nacional de Justiça, Bullying - Projeto Justiça nas Escolas, nos dá a seguinte informação: As consequências são as mais variadas possíveis e dependem muito de cada indivíduo, da sua estrutura, de vivências, de predisposição genética, da forma e da intensidade das agressões. No entanto, todas as vítimas, sem exceção, sofrem com os ataques de bullying (em maior ou menor proporção). Muitas levarão marcas profundas provenientes das agressões para a vida adulta, e necessitarão de apoio psiquiátrico e/ou psicológico para a superação do problema. Os problemas mais comuns são: desinteresse pela escola; problemas psicossomáticos; problemas comportamentais e psíquicos como transtorno do pânico, depressão, anorexia e bulimia, fobia escolar, fobia social, ansiedade generalizada, entre outros. O bullying também pode agravar problemas preexistentes, devido ao tempo prolongado de estresse a que a vítima é submetida. Em casos mais graves, podem-se observar quadros de esquizofrenia, homicídio e suicídio (CNJ, 1). Acerca do papel da escola, a cartilha diz: A escola é corresponsável nos casos de bullying, pois é lá onde os comportamentos agressivos e transgressores se evidenciam ou se agravam na maioria das vezes. A direção da escola (como autoridade máxima da instituição) deve acionar os pais, os Conselhos Tutelares, os órgãos de proteção à criança e ao adolescente etc. Caso não o faça poderá ser responsabilizada por omissão. Em situações que envolvam atos infracionais (ou ilícitos) a escola também tem o dever de fazer a ocorrência policial. Dessa forma, os fatos podem ser devidamente apurados pelas autoridades competentes e os culpados responsabilizados. Tais procedimentos evitam a impunidade e inibem o crescimento da violência e da criminalidade infanto-juvenil(cnj, 1). A educação familiar é fator de grande influência no comportamento das crianças e adolescentes, pois pode apresentar-se de modo violento, permissivo ou democrático. Há uma tendência, entre os jovens, de reproduzir o padrão

A manifestação da violência no espaço escolar 59 vivido em seus lares, definindo os papéis de vítimas e agressores (PEREI- RA, 8, p.13) 3 Metodologia Educadores, psicólogos e pesquisadores atribuem ao bullying um caráter natural e normativo recorrente do espaço escolar. A partir de manifestações de violência mais graves e contínuas, iniciou-se um processo de identificação dos casos, a vulnerabilidade das vítimas e suas possíveis conseqüências, sendo que a primeira pesquisa sobre bullying foi realizada na década de 197, por Dan Olweus, na Noruega (CALHAU, 9, p.32). No final dos anos 198 e início doas anos 199, países como Japão, Inglaterra, Espanha, Portugal, Canadá, Estados Unidos e Austrália direcionaram suas atenções para o fenômeno, mobilizando novos estudos. No Brasil, as principais pesquisas sobre a temática foram iniciadas a partir do ano. Em 2, a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (ABRAPIA), realizou uma pesquisa em onze escolas do município o Rio de Janeiro, envolvendo 5875 alunos matriculados no segundo segmento da Educação Fundamental (5º ao 9º ano), apresentando os seguintes resultados:,5% desses alunos admitiram ter estado diretamente envolvidos em atos de bullying, naquele ano, sendo 16,9% alvos, 1,9% alvos/autores e 12,7% autores de bullying. Os meninos, com uma freqüência muito maior, estão mais envolvidos com o bullying, tanto como autores quanto como alvos. Já entre as meninas, embora com menor freqüência, o bullying também ocorre e se caracteriza, principalmente, como prática de exclusão ou difamação (ABRA- PIA, 2). Em Campos dos Goytacazes, município pertencente ao Estado do Rio de Janeiro e no qual foi realizada a pesquisa, há 51 (cinquenta e uma) escolas públicas estaduais, de acordo com a Secretaria de Estado de Educação (SEE- DUC, 13), e 88 (oitenta e oito) escolas particulares, de acordo com o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Particular (SINEPE, 13). Para a aplicação dos questionários aos alunos e professores, foram escolhidas 6 (seis) escolas, sendo 3 (três) pertencentes à rede pública estadual e 3 (três), à rede particular. Os pares formados apresentam-se da seguinte forma: escola-campo A (pública), que atende o segundo ciclo do Ensino Fundamental e o Ensino Médio, tanto regular quanto na modalidade de Educação para Jovens e Adultos; e escola-campo B (particular), que atende todo o Ensino Fundamental e Médio regulares, ambas situadas no bairro Jóquei Clube; escola-campo C (pública), que atende da Educação Infantil à Pósgraduação; e escola-campo D (particular), que oferece também da Educação Infantil à Pós-graduação, ambas situadas no bairro Turfe-Clube; e, finalmente, escola-campo E (pública) e escolacampo F (particular), situadas no Centro, mas que não terão resultados apresentados, pois impossibilitaram a pesquisa sem apresentarem justificativas plausíveis. Sendo assim, somente foram

6 Sales e Sousa pesquisadas as escolas-campo A, B, C e D. O principal requisito para a escolha das escolas-campo foi a localização, pois apontaria o nível de violência predominante naquele local. Quanto aos entrevistados, participaram da pesquisa as turmas pertencentes ao 6º e 7º anos do segundo segmento do Ensino Fundamental. Os 517 (quinhentos e dezessete) alunos que participaram da pesquisa, distribuídos em 165 (cento e sessenta e cinco) da escola-campo A; 17 (dezessete) da escola-campo B; 159 (cento e cinquenta e nove) da escola-campo C; e 176 (cento e setenta e seis) da escolacampo D, responderam um questionário para diagnóstico das práticas que envolvem o bullying, com o intuito de identificá-las, onde ocorrem, como ocorrem e quem as praticam. O questionário possibilitava, ainda, a identificação de possíveis vítimas e a tomada de decisão da escola sobre medidas de intervenção e prevenção. Quanto aos professores, estes responderam um questionário que avalia a capacidade de lidar com a violência na escola. A participação dos professores foi ínfima, pois muitos não demonstraram interesse em participar da pesquisa, o que resultou em apenas 18 (dezoito) participantes. 3 Resultados Os questionários aplicados aos alunos das escolas-campo foram distribuídos entre 517 (quinhentos e dezessete) alunos, sendo 217 (duzentos e dezessete) pertencentes às turmas de 6º ano e 3 (trezentos) pertencentes às turmas de 7º ano do Ensino Fundamental. 7 6 5 3 1 Meninas Meninos Gráfico1 Quantitativo de alunos 6º ano - Escola A 6º ano - Escola B 6º ano - Escola C 6º ano - Escola D 7º ano - Escola A 7º ano - Escola B 7º ano - Escola C 7º ano - Escola D Divididos por sexo, foram entrevistados 18 (cento e oito) meninas e 18 (cento e oito) meninos pertencentes às turmas de 6º ano e 178 (cento e setenta e oito) meninas e 122 (cento e vinte e dois) meninos pertencentes às turmas de 7º anos. Em relação à idade, constataram-se alguns casos de incompatibilidade entre a faixa etária e série. Há, inclusive, um adulto matriculado em turma de 6º ano regular na escola-campo C. Nos demais casos, a faixa etária varia entre 1 (dez) e 16 (dezesseis) anos de idade. Apenas 1 aluno, também da escola-campo C, não respondeu a idade. 1 1 1 8 6 6º ano 7º ano Gráfico 2 Faixa etária 1 anos 11 anos 12 anos 13 anos 14 anos 15 anos 16 anos 19 anos Quando perguntados se conheciam alguém que já sofrera bullying, apenas 498 (quatrocentos e noventa e oito) entrevistados responderam, sendo que 384 (trezentos e oitenta e quatro) afirmaram

A manifestação da violência no espaço escolar 61 conhecer, enquanto 114 (cento e quatorze) afirmam não conhecer alguém que seja vítima deste tipo de violência. Durante a pesquisa, foram diagnosticadas 226 (duzentas e vinte e seis) vítimas de bullying, sendo 71 (setenta e uma) vítimas na escola-campo A, 7 (setenta) vítimas na escola-campo C e 85 (oitenta e cinco) vítimas na escolacampo D. A escola-campo B não apresentou nenhuma vítima de bullying. Quanto às práticas de bullying, foram relatados 47 (quarenta e sete) casos de agressão verbal, 55 (cinquenta e cinco) casos de agressão física e 27 (vinte e sete) casos de exclusão na escolacampo A. Na escola-campo C, foram 53 (cinquenta e três) casos de agressão verbal, 55 (cinquenta e cinco) casos de agressão física e 25 ( vinte e cinco) casos de exclusão. Os casos de bullying apresentados na escola-campo D foram maiores, sendo 64 (sessenta e quatro) casos de agressão verbal, 17 (cento e sete) casos de agressão física e 36 (trinta e seis) casos de exclusão. Ressalta-se aqui que esta escola é uma instituição particular de ensino e que possui alunos com maior poder aquisitivo. 1 1 8 6 Escola A Escola C Escola D Agressão verbal Agressão física Exclusão e físicas, sem deixarem de praticar a forma mais sutil: a exclusão. Dos entrevistados que se identificaram como vítimas, entre as meninas, 48 (quarenta e oito) delas foram agredidas por apenas um menino, 45 (quarenta e cinco) por dois ou mais, 45 (quarenta e cinco) por apenas uma menina e (vinte) por duas ou mais meninas. Já entre os meninos, 66 (sessenta e seis) foram agredidos por apenas um menino, 36 (trinta e seis) por dois ou mais meninos, 13 (treze) por uma menina e 4 (quatro) por duas ou mais meninas. 5 3 1 Escola A Escola C Escola D Gráfico 4 Identificação dos agressores 1 menino 2 ou mais meninos 1 menina 2 ou mais meninas Normalmente, os casos relatados de bullying ocorrem no pátio, corredor e sala de aula, podendo ocorrer, também, em calçadas e pontos de ônibus próximos às unidades escolares. Sob este aspecto, 169 (cento e sessenta e nove) entrevistados foram agredidos dentro da escola, enquanto 46 (quarenta e seis) foram agredidos, ainda uniformizados, fora da escola. Gráfico 3 Práticas de violência mais frequentes A manifestação da violência não é exclusividade do sexo masculino. Atualmente, meninas passaram a praticar o bullying por meio de agressões verbais

62 Sales e Sousa 8 7 6 5 3 1 Escola A Escola C Escola D Dentro Fora 1 1 1 8 6 Escola A Escola C Escola D Sim Não Gráfico 5 Local das agressões Questionados sobre a razão para se tornarem vítimas das agressões, 172 (cento e setenta e dois) entrevistados afirmam desconhecer o real motivo que gera a violência. Contudo, 73 (setenta e três) entrevistados, entre meninas e meninos, assumem a responsabilidade por tal prática, pois justificam sabe que lhes fazem mal, normalmente, pela sua aparência física, aceitando que não se enquadram em um padrão de beleza. A interferência dos educadores nas manifestações do bullying pode assegurar um apoio às vítimas, mesmo que momentaneamente. Mas, nem sempre o professor interfere quando o bullying ocorre, mesmo que seja praticado em sala de aula. Dos entrevistados, 325 (trezentos e vinte e cinco) afirmam que os professores interferem e tentam impedir o bullying quando o presenciam, contra 65 (sessenta e cinco) alunos que afirmam que não há interferência dos professores. Gráfico 6 Interferência dos educadores nos casos de bullying Sobre o resultado dos questionários dos professores, evidencia-se o despreparo para lidar com a violência na escola. Muitos apontam a ausência de capacitação durante os cursos de licenciatura ou nas próprias instituições. Apenas 2 (dois) professores relataram que se sentem aptos a lidar com o bullying, e que já interferiram ao presenciar tal prática. Infelizmente, outros 3 (três) professores afirmaram não interferir, pois acreditam que nada podem fazer ou que podem sofrer agressões dos alunos ou seus familiares. 4 Considerações finais O bullying é motivo de preocupação e foi observado em três das quatro escolas-campo participantes da pesquisa (A, C e D). Avaliado sob o aspecto cultural, não distingue sexo, raça ou classe social, se revelando não apenas como prática de classes sociais menos favorecidas econômica e culturalmente, mas deixando suas marcas entre as classes sociais mais altas. A criança e o adolescente ainda não são vistos pela sociedade, e por alguns educadores, como um ser de direito e que estão, ainda, em desenvolvimento. E, portanto, merecem a devida atenção

A manifestação da violência no espaço escolar 63 em casos de violência praticada nas escolas pelos pares. Ser agressor ou ser vítima pode acarretar danos imensuráveis na vida pessoal, profissional, afetando o desenvolvimento cognitivo, afetivo e psicológico. Algumas das consequências para os agressores, segundo Pereira (8, p. 25), envolvem: vidas destruídas, crença na força como solução dos problemas, dificuldade em respeitar as leis, problemas de relacionamento, incapacidade de autocontrole e comportamento anti-social. Para as vítimas, o bullying pode acarretar: vidas infelizes, destruídas, marcadas pelo medo; perda de autoconfiança, auto-estima, falta de concentração, dificuldades de ajustamento na adolescência e na vida adulta e morte (PEREIRA, 8, p.25). A omissão diante do bullying no ambiente escolar é apenas uma das formas de indisciplina das instituições de ensino. Embora o problema seja também relacionado à área da saúde, é a escola, juntamente com a família, a principal responsável por criar programas de intervenção e prevenção do bullying. 5 Referências Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (ABRAPIA). Coordenação Técnicocientífica: LOPES NETO, Aramis Antônio; MONTEIRO FILHO, Lauro; SAAVEDRA, Lúcia Helena. Programa de redução do comportamento agressivo entre estudantes. Disponível em: <http://www.observatoriodainfancia.com.br/img/pdf/doc-154.pdf>. Acesso em: 2 jun.13. BRASIL. Lei nº 1.6, de 1 de janeiro de 2. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_3/leis/2/l16.htm>. Acesso em: 9 ago.13. CALHAU, Lélio Braga. Bullying: o que você precisa saber: identificação, prevenção e repressão. Niterói, RJ: Impetus, 9. CAMPOS DOS GOYTACAZES. Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Particular. Disponível em: <http:// www.sinepe.com.br/escolas_campos.pd f>. Acesso em: 3 mai.13. FALEIROS, Vicente de Paula; FALEI- ROS, Eva Silveira. Escola que protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes. 2.ed. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 8. FANTE, Cleo; PEDRA, José Augusto. Bullying escolar: perguntas & respostas. Porto Alegre: Artmed, 8. PEREIRA, Beatriz Oliveira. Para uma escola sem violência: estudo e prevenção das práticas agressivas entre crianças. 2 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 8. RIO DE JANEIRO. Lei nº 5824, de de setembro de 1. Altera o artigo 1º da lei nº 4725, de 15 de março de 6, e dá outras providências. Disponível em: <http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/ COTLEI.NSF/c8aa925feef63256 4ec6dfff/e2ae4fd54a98db61832577 a56598d5?opendocument>. Acesso em: 24 abr.13.. Secretaria de Estado de Educação. Disponível em: <http://aplicacoes. educacao.rj.gov.br/consultaescola/ index.aspx>. Acesso em: 3 mai.13. SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Bullying cartilha 1 justiça nas escolas.

64 Sales e Sousa Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/ images/programas/justicaescolas/cartilha_bully-ing.pdf>. Acesso em: 23 mai.13. Artigo recebido em 9 de setembro de 13. Aceito em 16 de setembro de 13.