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ALERGÉNIOS DO LÁTEX / PADRÕES DE SENSIBILIZAÇÃO 3. Alergénios do Látex / Padrões de Sensibilização Rev Port Imunoalergologia 2005; 13 (Supl 1): 13-17 Ângela Gaspar Serviço de Imunoalergologia, Hospital de Dona Estefânia, Lisboa Olátex natural é uma substância extraída da árvore da borracha (Hevea brasiliensis), que após um complexo processo de manufactura entra na composição de múltiplos produtos, incluindo material médico e produtos de uso corrente. O conteúdo proteico do látex varia de 1 a 2% dos seus constituintes, tendo sido identificados no látex natural mais de 240 polipéptidos, com pesos moleculares entre 4 a 200 kda. Alguns destes péptidos permanecem inalterados após o processamento industrial, podendo actuar como potentes alergénios. Durante o processamento, o látex natural é submetido a um processo de vulcanização, com a adição de aditivos químicos e anti-oxidantes, para acelerar o processo e dotar o produto final das características físicoquímicas e mecânicas desejadas, nomeadamente reforçando as suas propriedades elásticas. Entre outros, a adição de amónia durante a manufactura diminui o conteúdo proteico por hidrólise e precipitação de proteínas, mas pode levar ao aparecimento de novos péptidos com diferente especificidade alergénica. Estima-se que apenas cerca de 25% dos péptidos presentes no látex apresentem propriedades alergénicas, ou seja capacidade de induzir a produção de anticorpos IgE específicos. Segundo o Comité Internacional de Nomenclatura de Alergénios da IUIS (International Union of Immunological Societies), estão até à data identificados e caracterizados 13 alergénios do látex, que foram denominados de Hev b 1 a Hev b 13 (Quadro 1). Considera-se um alergénio major se houver uma resposta IgE específica positiva em mais de 50% dos soros dos doentes alérgicos ao látex. Os alergénios do látex podem ser divididos consoante a sua função biológica, em:... proteínas envolvidas na biosíntese dos polímeros de isopreno (polisopreno) e coagulação do látex; proteínas pertencentes ao sistema de defesa das plantas; proteínas estruturais. Proteínas envolvidas na biosíntese do polisopreno e coagulação do látex O factor de alongamento da borracha (REF) ou Hev b1, com um peso molecular de 14.6 kda, foi o primeiro alergénio do látex a ser caracterizado, sendo inicialmente considerado por vários autores o alergénio principal do látex, independentemente do grupo populacional de risco estudado, facto que estudos mais REVISTA PORTUGUESA DE IMUNOALERGOLOGIA 13

Ângela Gaspar recentes têm contestado. Um outro alergénio envolvido na biosíntese do polisopreno é o Hev b 3, com um peso molecular de 23-27 kda, também denominado REF-like. Proteínas do sistema de defesa vegetal A Hevea brasiliensis é uma árvore de climas tropicais, encontrando-se sujeita a várias agressões microbianas e ambientais. Um importante grupo de proteínas presentes no látex são designadas por proteínas de defesa ou PR (pathogenesis-related proteins), sendo responsáveis pela protecção contra várias agressões, nomeadamente microbianas, por insectos ou fungos, ambientais físicas ou químicas. São panalergénios de origem vegetal, que se encontram presentes em várias plantas não relacionadas taxonomicamente, e que são responsáveis pela ocorrência de fenómenos de reactividade cruzada com importantes implicações clínicas. A existência de alergia alimentar por reactividade cruzada a vários alimentos de origem vegetal, é uma das manifestações clínicas da alergia ao látex, sendo denominada síndrome látex-frutos. A designação de reactividade cruzada é um conceito imunológico que pressupõe a existência de dois alergénios que são reconhecidos pelo mesmo anticorpo. A explicação reside na homologia estrutural entre os alergénios, com presença de epítopos comuns, e a demonstração in vitro pode ser realizada por estudos de inibição. O alergénio Hev b 2 do látex é uma β-1,3-glucanase, com peso molecular de 35 kda, pertencente ao grupo das PR-2. Tem uma acção antifúngica por degradar os β-1,3 glicanos constituintes das paredes celulares dos fungos. Foi documentada a existência de reactividade cruzada com glucanases presentes na banana e tomate. As quitinases de classe I são proteínas do tipo PR-3, proteínas com função antifúngica e insecticida, que hidrolizam a quitina, componente do exoesqueleto de insectos e parede fúngica. A heveína (Hev b 6.02), domínio N-terminal da proheveína (Hev b 6.01) com 20 kda, pertence à família das quitinases e tem um papel preponderante na síndrome látex-frutos. Foi demonstrado por estudos de inibição que quitinases de classe I, identificadas como alergénios major de frutos como abacate (Prs a 1), castanha (Cas s 5) e banana (Mus a 1), possuem um domínio N-terminal semelhante ao da heveína. Mais recentemente foi também identificado um alergénio do látex que corresponde a uma quitinase de classe I, o Hev b 11. O tratamento térmico inactiva as quitinases, justificando a eventual tolerância ao fruto cozinhado. As proteínas de transferência de lípidos ou LTP são muito estáveis, têm um baixo peso molecular e pertencem ao grupo das PR-14, com função antimicrobiana e antifúngica. A LTP presente no látex, Hev b 12, é um alergénio minor; foi documentada a existência de reactividade cruzada com LTPs presentes em frutos da família Rosaceae, tais como pêssego, alperce e ameixa (subfamília Prunoideae). A patatina do látex (Hev b 7) é uma proteína de reserva para a qual foi também identificada uma função de defesa, tendo-se demonstrado a sua acção insecticida. No caso da patatina, apesar de estar claramente demonstrada a existência de homologia estrutural com a patatina da batata (Sol t 1), a reactividade cruzada não tem habitualmente implicações clínicas pois esta proteína é inactivada pelo calor, justificando a ausência de sintomatologia após a ingestão do alimento cozinhado. Recentemente foi identificado o Hev b 13, esterase do látex, com um peso molecular de 43 kda, também com propriedades defensivas, encontrando-se ainda em estudo as eventuais implicações em termos de reactividade cruzada. Proteínas estruturais O Hev b 8 ou profilina do látex pertence a um grupo de proteínas ubiquitárias do reino vegetal, que se designam por profilinas, proteínas do citoesqueleto que regulam a polimerização da actina. Foi documentada a homologia estrutural da profilina do látex com a profilina da banana bem como com pólens da bétula, ambrósia e gramíneas; no entanto, apesar de responsável por forte reactividade cruzada imunológica, não apresenta significado clínico. 14 REVISTA PORTUGUESA DE IMUNOALERGOLOGIA

ALERGÉNIOS DO LÁTEX / PADRÕES DE SENSIBILIZAÇÃO O Hev b 4, componente do complexo proteico da micro-hélice, e o Hev b 5, proteína ácida do látex, são também proteínas estruturais do látex. Para o Hev b 5 foi documentada a existência de reactividade cruzada com uma proteína com elevada homologia existente no kiwi. Um aspecto importante a salientar em relação ao Hev b 5 é o facto de a sua concentração ser superior no látex processado (ex. luvas) relativamente ao látex natural. Foram ainda identificadas duas enzimas do látex como alergénios minor: a enolase (Hev b 9), com função glicolítica e reactividade cruzada descrita com enolases do tomate e do fungo Cladosporium (Cla h 6) e a Quadro 1 - Caracterização dos alergénios do látex Nomenclatura Nome Peso molecular Significado Reactividade cruzada Hev b 1 REF 14.6 kda alergénio major (EB) (factor de alongamento da borracha) Hev b 2 β-1,3-glucanase 35.1 kda alergénio major (PS) com glucanase da banana e tomate Hev b 3 REF-like 23-27 kda alergénio major (EB) (proteína das pequenas partículas de borracha) Hev b 4 Componente da microhélice 50-57 kda alergénio major Hev b 5 Proteína ácida do látex 16 kda alergénio major (PS) com proteína ácida do kiwi Hev b 6 Proheveína (Hev b 6.01) Heveína (Hev b 6.02) 20 kda 4.7 kda alergénio major (PS) com quitinases da classe I do abacate, castanha e banana (domínio N-terminal da proheveína) Hev b 7 Patatina-like 42.9 kda alergénio minor com patatina da batata e tomate Hev b 8 Profilina do látex 13.9 kda alergénio minor com profilina da banana e pólens (ambrósia, gramíneas e bétula) Hev b 9 Enolase do látex 47.7 kda alergénio minor com enolase do tomate e fungos (Cladosporium) Hev b 10 Superóxido dismutase 22.9 kda alergénio minor com fungos (Aspergillus fumigatus) Hev b 11 Quitinase da classe I 33 kda alergénio minor com quitinases da classe I do abacate, castanha e banana Hev b 12 LTP do látex 9.3 kda alergénio minor com LTPs de frutos da família Rosaceae Hev b 13 Esterase do látex 43 kda alergénio major (PS) PS = profissionais de saúde; EB = indivíduos com espinha bífida REVISTA PORTUGUESA DE IMUNOALERGOLOGIA 15

Ângela Gaspar superóxido dismutase (Hev b 10), que permite a destruição de radicais livres, com reactividade cruzada descrita com o fungo Aspergillus fumigatus (Asp f 6). PADRÕES DE SENSIBILIZAÇÃO ALERGÉNICA A alergia ao látex representa um importante problema de saúde particularmente em grupos populacionais seleccionados, denominados de risco. A sensibilização a este potente alergénio pode ocorrer essencialmente por duas vias de exposição distintas: no decurso de intervenções cirúrgicas e por exposição ocupacional. As crianças com espinha bífida representam o principal grupo de risco para a sensibilização, habitualmente relacionada com múltiplas cirurgias numa fase precoce da vida. Em relação à exposição ocupacional, os profissionais de saúde são particularmente afectados, principalmente os que trabalham em blocos operatórios e laboratórios de análises clínicas, com maior risco se houver elevado tempo diário de uso de luvas e história prévia de atopia ou eczema das mãos. O estudo do perfil de sensibilização alergénica ao látex, por recurso a alergénios naturais purificados e alergénios recombinantes, em diferentes grupos populacionais de risco, tem demonstrado a existência de padrões de sensibilização distintos, que parecem variar consoante a via de exposição ao látex. Alguns estudos experimentais efectuados em animais têm apoiado estas evidências. A possibilidade de cada grupo populacional de risco, com diferentes vias de exposição, se sensibilizar especificamente a determinadas proteínas, vem explicar algumas das particularidades clínicas de cada grupo de risco, particularmente em relação à presença e gravidade da síndrome látex-frutos. Nos profissionais de saúde alérgicos ao látex, esta forma de alergia alimentar por reactividade cruzada é frequente e manifesta-se na maioria dos casos por anafilaxia. Pelo contrário, nas crianças com espinha bífida esta síndrome é rara e, quando ocorre, raramente é causa de reacções alérgicas graves. Nos doentes com espinha bífida (exposição por múltiplas cirurgias, efectuadas em idade precoce), os alergénios major do látex identificados e caracterizados são o Hev b 1 (IgE específica presente em 70 a 100% destes doentes) e o Hev b 3 (IgE específica presente em 76 a 85% destes doentes). Nos profissionais de saúde (exposição ocupacional, com contacto mantido por via cutânea e inalatória) os alergénios major do látex são o Hev b 5 (IgE específica presente em 68 a 92% destes doentes), a proheveína ou Hev b 6.01, com seu domínio N-terminal conhecido como heveína ou Hev b 6.02 (IgE específica presente em 75 a 84%), o Hev b 13 (IgE específica presente em 63 a 78% destes doentes) e o Hev b 2 (IgE específica presente em 56 a 65%) - (Quadro 2). Neste contexto, efectuámos um estudo com um grupo de 51 doentes alérgicos ao látex, em colaboração com Monika Raulf-Heimsoth, do Instituto de Investigação de Saúde Ocupacional (RGFA) de Bochum (Alemanha). O objectivo foi a caracterização detalhada do perfil de sensibilização alergénica ao látex, pelo uso de alergénios recombinantes e naturais purificados, em doentes alérgicos ao látex pertencendo a diferentes grupos de risco e em doentes com síndrome látex-frutos. Confirmou-se a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os perfis de sensibilização alergénica ao látex de doentes com espinha bífida e profissionais de saúde. Encontrámos ainda diferenças significativas entre os perfis de sensibilização alergénica ao látex nos doentes com e sem síndrome látex-frutos. A proheveína Quadro 2 - Padrões de sensibilização nos diferentes grupos de risco (alergénios principais) Espinha bífida rhev b 1 rhev b 3 Profissionais de saúde nhev b 2 rhev b 5 rhev b 6.01 nhev b 13 r = alergénio recombinante; n = alergénio natural purificado 16 REVISTA PORTUGUESA DE IMUNOALERGOLOGIA

ALERGÉNIOS DO LÁTEX / PADRÕES DE SENSIBILIZAÇÃO ou Hev b 6.01, foi o alergénio principal identificado nos doentes com alergia alimentar por reactividade cruzada, desencadeando uma resposta IgE específica positiva em 81% destes doentes. Em conclusão, a sensibilização ao látex não pode ser entendida de uma forma simplista e generalista. As diferentes vias de exposição, por cirurgias ou por exposição ocupacional, influenciam de modo determinante o perfil de sensibilização alergénica, com importantes consequências clínicas e terapêuticas. Ou seja, o perfil de sensibilização alergénica ao látex de uma criança com espinha bífida, que se sensibilizou pelas múltiplas e precoces cirurgias é habitualmente distinto do de um profissional de saúde alérgico ao látex que se sensibilizou por exposição ocupacional, com contacto mantido por via cutânea e inalatória a este alergénio em idade adulta (Quadro 2). Nos profissionais de saúde os alergénios major identificados são precisamente aqueles para os quais a possibilidade de reactividade cruzada com proteínas homólogas existentes em alimentos de origem vegetal foi bem documentada. Assim se compreende que a ocorrência da síndrome látex-frutos seja um problema que atinge essencialmente os profissionais de saúde. Contacto: Dra. Ângela Gaspar Serviço de Imunoalergologia Hospital de Dona Estefânia Rua Jacinta Marto 1169-045 Lisboa E-mail: angela.gaspar@sapo.pt BIBLIOGRAFIA 1. Breiteneder H, Scheiner O. Molecular and immunological characteristics of latex allergens. Int Arch Allergy Immunol. 1998;116:83-92. 2. Sánchez-Monge R, Blanco C, Perales AD, Collada C, Carrillo T, Aragoncillo C, Salcedo G. Class I chitinases, the panallergens responsible for the latex-fruit syndrome, are induced by ethylene treatment and inactivated by heating. J Allergy Clin Immunol. 2000;106:190-5. 3. Woolhiser MR, Munson AE, Meade BJ. Immunological responses of mice following administration of natural rubber latex proteins by different routes of exposure. Toxicol Sci. 2000;55:343-51. 4. Alenius H, Turjanmaa K, Palosuo T. Natural rubber latex allergy. Occup Environ Med. 2002;59:419-24. 5. Pires G, Morais-Almeida M, Gaspar A, Godinho N, Calado E, Abreu-Nogueira J, Rosado-Pinto J. Risk factors for latex sensitization in children with spina bifida. Allergol Immunopathol. 2002;30:5-13. 6. Sussman GL, Beezhold DH, Kurup VP. Allergens and natural rubber proteins. J Allergy Clin Immunol. 2002;110:33-9. 7. Raulf-Heimsoth M, Rozynek P, Lundberg M, Cremer R, Maryska S, Brüning T, Rihs HP. Individual latex allergen sensitization profiles in spina bifida patients and health care workers using a panel of recombinant latex allergens coupled to immunocap. J Allergy Clin Immunol. 2002; 109 (Suppl.1):S283. 8. Gaspar A, Pires G, Matos V, Loureiro V, Morais-Almeida M, Rosado-Pinto J. Prevalência e factores de risco para síndrome látex-frutos em doentes com alergia ao látex. Rev Port Imunoalergol. 2004; 12:209-23. 9. Yeang HY. Natural rubber latex allergens: new developments. Curr Opin Allergy Clin Immunol. 2004; 4:99-104. 10. Gaspar A, Pires G, Raulf-Heimsoth M, Rihs HP, Matos V, Loureiro V, Yeang HY, Rosado-Pinto J. Perfis de sensibilização alergénica ao látex em diferentes grupos de risco e na síndrome látex-frutos. Rev Port Imunoalergol. 2004;12:342. REVISTA PORTUGUESA DE IMUNOALERGOLOGIA 17