Diagnóstico de infecções concomitantes por Cystoisospora canis (Nemeséri, 1959) e Cyniclomyces guttulatus (Robin, 1853): Relato de caso

Documentos relacionados
DIAGNÓSTICO DE INFECÇÕES CONCOMITANTES POR Cystoisospora ohioensis E O VÍRUS DA CINOMOSE - RELATO DE DOIS CASOS*

DIAGNÓSTICO DE Cyniclomyces guttulatus EM CÃO COM DIARRÉIA CRÔNICA RELATO DE CASO

Anais do 38º CBA, p.2353

REVISTA CIENTÍFICA DE MEDICINA VETERINÁRIA - ISSN Ano XVI - Número 32 JANEIRO de 2019 Periódico Semestral

Doença do Bico e das Penas

Gilberto Flausino Walter Leira Teixeira Filho Carlos Wilson Gomes Lopes. Submetido em Aceito em

PARASITOSES EMERGENTES e OPORTUNISTAS

[ERLICHIOSE CANINA]

AVALIAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE CELULAR INTRAEPITELIAL NO INTESTINO DE FRANGOS DE CORTE (Gallus gallus domesticus) INFECTADOS EXPERIMENTALMENTE

PREVALÊNCIA DE PARASITOS INTESTINAIS EM GATOS DOMÉSTICOS JOVENS COM DIARREIA PREVALENCE OF INTESTINAL PARASITES IN YOUNG DOMESTIC CATS WITH DIARRHEA

Parasitos gastrintestinais em cães domiciliados atendidos em serviço de saúde animal, Rio de Janeiro, Brasil*

Professora Especialista em Patologia Clínica UFG. Rua 22 s/n Setor aeroporto, CEP: , Mineiros Goiás Brasil.

Disciplina de Parasitologia

Cryptosporidium Do grego Kryptos = escondido, spora = Semente

DOENÇAS TRANSMITIDAS POR ÁGUA E ALIMENTOS 1

TÍTULO: OCORRÊNCIA DE FELINOS DOMÉSTICOS (FELIS CATUS) NATURALMENTE INFECTADOS COM GIARDIA SP NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, SP, BRASIL

Toxoplasmose. Zoonoses e Administração em Saúde Pública. Prof. Fábio Raphael Pascoti Bruhn

Parasitos gastrintestinais em uma colônia de gatos na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, Brasil*

Coccidiose (Eimeria spp.) ASPOC 12/11/2010 José Manuel de Azevedo Monteiro

Universidade Federal de Pelotas Departamento de Veterinária Preventiva Toxoplasmose Zoonoses e Administração em Saúde Pública

O CARNIVORISMO COMO FONTE DE INFECÇÃO DE Cystoisospora ohioensis (APICOMPLEXA: CYSTOISOSPORINAE) PARA CÃES*

PROGRAMA DE DISCIPLINA VERSÃO CURRICULAR: 2014/2 PERÍODO: 2 DEPARTAMENTO: MIC

Giardíase Giardia lamblia

Toxoplasmose. Zoonose causada por protozoário Toxoplasma gondii. Único agente causal da toxoplasmose. Distribuição geográfica: Mundial

Shigella. Topicos. Prof. Assoc. Mariza Landgraf. Introdução. Características da doença Tratamento Prevenção e Controle 03/04/2017

CLOSTRIDIOSES EM AVES

Programa Analítico de Disciplina VET375 Clínica Médica de Cães e Gatos

DETERMINAÇÃO DA INFECÇÃO DE SUÍNOS POR

OCORRÊNCIA DE ANCYLOSTOMA SPP. EM CÃES NA ROTINA DO LABORATÓRIO DE ENFERMIDADES PARASITÁRIAS DOS ANIMAIS DA FMVZ, UNESP, CÂMPUS DE BOTUCATU

Anemia Infecciosa das Galinhas

SERVIÇO DE CLÍNICA MÉDICA DE PEQUENOS ANIMAIS DO INSTITUTO FEDERAL CATARINENSE - CÂMPUS CONCÓRDIA

Anais do 38º CBA, p.1478

Vírus da Diarréia Epidêmica Suína (PEDV) Albert Rovira, Nubia Macedo

PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia. Disponível em: <

Profa. Carolina G. P. Beyrodt

LEISHMANIOSE CANINA (continuação...)

PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia.

PAPILOMATOSE BUCAL CANINA

DOENÇAS TRANSMITIDAS POR ÁGUA E ALIMENTOS 1

Profª. Thais de A. Almeida

Coccidiose em cães e gatos do município de Andradina, estado de São Paulo, Brasil

Programa Analítico de Disciplina VET362 Laboratório Clínico Veterinário

Doença Respiratória Bovina, Imunidade e Imunomoduladores

PROJETO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA MEDICINA VETERINÁRIA

ASSOCIAÇÃO DA CARGA PARASITÁRIA NO EXAME CITOLÓGICO DE PUNÇÃO BIÓPSIA ASPIRATIVA DE LINFONODO COM O PERFIL CLÍNICO DE CÃES COM LEISHMANIOSE VISCERAL.

PLATINOSOMOSE EM FELINO DOMÉSTICO NO ESTADO DE SANTA CATARINA RELATO DE CASO

FREQUÊNCIA DE NEOPLASIA EM CÃES NA CIDADE DO RECIFE NO ANO DE 2008.

COCCIDIOSES COCCIDIOSES. COCCIDIOSES (Isospora REINO: Protista SUB-REINO: Protozoa FILO: CLASSE: ORDEM:

DIAGNÓSTICO DE CINOMOSE EM DOIS CÃES UTILIZANDO O KIT SensPERT C ASSOCIADO À TÉCNICA DE CITODIAGNÓSTICO DA CONJUNTIVA OCULAR E ESFREGAÇO SANGUÍNEO

Diagnóstico Laboratorial de Infecções Virais. Profa. Claudia Vitral

PROJETO DE CAPACIDADE TECNOLÓGICA COM ÊNFASE EM SANIDADE AQUÍCOLA PARA MICRO E PEQUENOS CARCINICULTORES DO RIO GRANDE DO NORTE

ESTUDO DE 15 CASOS DE DIOCTOPHYMA RENALE NA REGIÃO DE PELOTAS-RS STUDY OF 15 CASES IN DIOCTOPHYMA RENALE PELOTAS-RS REGION

AVALIAÇÃO CLÍNICA DOS CASOS DE OTITE EXTERNA EM CÃES ATENDIDOS NO HOSPITAL VETERINÁRIO DA UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO

ENFERMAGEM DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS. OUTRAS DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS Aula 4. Profª. Tatiane da Silva Campos

ESPOROTRICOSE EM FELINOS DOMÉSTICOS

11 a 14 de dezembro de 2012 Campus de Palmas

Toxoplasmose. Filo: Apicomplexa (porque possui complexo apical)

- Tecidos e órgãos linfoides - Inflamação aguda

ESTUDO RETROSPECTIVO DE 267 AFECÇÕES POR PROTEUS MIRABILIS E PROTEUS VULGARIS EM CÃES (2003 A 2013)

Clostridiose Alimentar (C. perfringens)

DEMODICOSE CANINA: REVISÃO DE LITERATURA

Universidade Federal do Paraná. Treinamento em Serviço em Medicina Veterinária. Laboratório de Patologia Clínica Veterinária

ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0167

SORODIAGNÓSTICO DE ANTICORPOS ANTI-Neospora caninum EM CÃES DA ÁREA URBANA E RURAL DO SUL DO RIO GRANDE DO SUL

Diarreia de leitões na maternidade

Programa Analítico de Disciplina VET340 Doenças Bacterianas

Vírus associados à surtos alimentares (Rotavirus, Norovirus e Hepatite A)

Carteira de VETPRADO. Hospital Veterinário 24h.

DOENÇAS TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS (DTA)

PESQUISA DE ENDOPARASITAS EM CÃES DE COMPANHIA NA REGIÃO DE ÁGUAS CLARAS-DF

DOENÇA DE NEWCASTLE. Figura 1: Distribuição da doença de Newcastle. Julho a Dezembro de Fonte: OIE.

Giardia duodenalis Giardíase

Heterologous antibodies to evaluate the kinetics of the humoral immune response in dogs experimentally infected with Toxoplasma gondii RH strain

Enfermidades Micóticas

Ocorrência de parasitos zoonóticos em fezes de cães provenientes de uma entrequadra da asa norte de Brasília, DF

OCORRÊNCIA DE Cryptosporidium spp. EM BEZERROS MANTIDOS SOB DOIS DIFERENTES SISTEMAS DE MANEJO

ESTOMATITE INESPECÍFICA EM RETRIEVER DO LABRADOR

2 Técnica Administrativa do Hospital de Clínicas Veterinárias da Faculdade de Veterinária,

FREQUÊNCIA DO CORONAVIRUS E PANLEUCOPENIA FELINA EM GATOS DO MUNICÍPIO DE SÃO LUÍS-MA

AMEBÍASE E GIARDÍASE

- Descrito na década de 70, mas com aumento constante na incidência desde os anos 90

Febre maculosa febre carrapato

Palavras-chave: parasitos, gatos, ocorrência Keywords: parasites, cats, occurrence

Patologia Clínica e Cirúrgica

GIARDICID 50 Metronidazol 50 mg e Sulfadimetoxina 50 mg

CAROLINA MARQUES RIBEIRO PESSOA PARVOVIROSE CANINA: REVISÃO DE LITERATURA.

[DERMATITE ALÉRGICA A PICADA DE PULGAS - DAPP]

TRABALHO TÉCNICO DE CONSULTORIA AMBIENTAL

Aziplus UM NOVO CONCEITO EM ANTIBIOTICOTERAPIA. 1 única administração diária. 3 dias de tratamento. 10 dias de proteção antibiótica

1.4 Metodologias analíticas para isolamento e identificação de micro-organismos em alimentos

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DE DOENÇAS BACTERIANAS

Ano VI Número 11 Julho de 2008 Periódicos Semestral COCCIDIOSE AVIÁRIA

Hypnozoites of Cystoisospora ohioensis (Dubey, 1975) Frenkel, 1977 (Apicomplexa: Cystoisosporinae) recovered from organs by pepsin digestion

CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE PATOLOGIA DE ORGANISMOS AQUÁTICOS

ENFERMAGEM DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS. HIV/AIDS Aula 2. Profª. Tatiane da Silva Campos

A partir do. 1º dia PROTEÇÃO MAIS RÁPIDA E SUPERIOR CONTRA A PNEUMONIA EM APENAS UMA DOSE de vida.

Hepatite A: saiba como se pega o vírus, quais são os sintomas e tratamentos

Evaluation of the use of whole blood bags or blood components in dogs in veterinary clinics in Ribeirão Preto and region.

Agente etiológico. Leishmania brasiliensis

PERITONITE INFECCIOSA FELINA - RELATO DE CASO. FELINE INFECTIOUS PERITONITIS - CASE REPORT.

Transcrição:

ISSN 2318-9673 r1.ufrrj.br/lcc/coccidia Diagnóstico de infecções concomitantes por Cystoisospora canis (Nemeséri, 1959) e Cyniclomyces guttulatus (Robin, 1853): Relato de caso Paulo Daniel Sant Anna Leal Cleide Domingues Coelho Gilberto Flausino Submetido em 25.08.2013 Aceito em 17.12.2013 Abstract Leal PDS, Coelho CD, Flausino G. Diagnóstico de infecções concomitantes por Cystoisospora canis (Nemeséri, 1959) e Cyniclomyces guttulatus (Robin, 1853): Relato de caso [Diagnostic of concomitant infections by Cystoisospora canis (Nemeséri, 1959) and Cyniclomyces guttulatus (Robin, 1853): Case report] Coccidia 1, 44-48. Curso de Pós- Graduação em Ciências Veterinárias, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Campus Seropédica, BR-465 km 7, 23897-970 Seropédica, RJ, Brasil. E-mail: pauloleal@ ctiveterinario.com.br In routine clinical the diagnosis is based in attention to the development and laboratory findings where intercurrent infections have been observed frequently. In the current work is reported the clinical laboratory diagnosis of Cystoisospora canis (Nemeséri, 1959) associated to Cyniclomyces guttulatus (Robin, 1853) in dog. Thereby proving the relevance of the clinical examination, the visualization of oocysts in the feces and measurement of oocysts and sporocysts in cystoisosporosis by C. canis and the laboratory tests and PCR with DNA sequencing to confirm the diagnosis of Cyniclomyces guttulatus, alerting the clinician to this new agent. Keywords enteritis, ciniclomicosis, coccidiosis, concomintant infections. Resumo Na rotina clínica o diagnóstico é fundamentado com atenção para a evolução e em achados laboratoriais onde as infecções intercorrentes têm sido observadas com frequência. Neste trabalho, relata-se o diagnóstico clínico laboratorial da infecção por Cystoisospora canis associado a Cyniclomyces gut- tulatus em cão. Comprovando assim o valor do exame clínico, da visualização de oocistos nas fezes e mensuração dos oocistos esporulados, e seus respectivos esporocistos na cistoisosporose por C. canis e os testes laboratoriais e PCR com sequenciamento de DNA para confirmação do diagnóstico de Cyniclomyces guttulatus, alertando o clínico para esse novo agente etiológico. Palavras-chave enterite, ciniclomicose, coccidiose, infecções concomitantes. Introdução As diarreias, enfermidades bastante frequentes, podem variar em gravidade e duração, desde uma discreta manifestação evoluindo para graves manifestações clínicas, podendo levar ao óbito. Podem ser classificadas como agudas ou crônicas. Nas agudas a consistência é aquosa ou aquosa-mucóide, poden do ser sanguinolentas nos casos graves. Os sinais se instalam rapidamente e duram alguns dias. Nas crônicas, a duração pode se prolongar por semanas ou meses ou ainda apresentar um padrão de recorrência periódica (Ettinger PDS Leal G Flausino Curso de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. BR- 465 km 7, 23897-970 Seropédica, RJ, Brasil. E-mail: pauloleal@ctiveterinario.com.br gilflausino@ufrrj.br CD Coelho Centro de Terapia Intensiva e Emergência Veterinária. Avenida das Américas, 3939, bloco 2, loja I. Barra da Tijuca, 22631-003 Rio de Janeiro, RJ. E-mail: ctivet@ctiveterinario.com.br 44

1996, Sherding & Johnson 2008). As doenças gastrintestinais, apesar de manifestarem-se com moderada patogenicidade, principalmente em cães jovens, compõem grande parte da casuística da clínica médica de pequenos animais, cujos sinais clínicos característicos são evidenciados através de vômitos e diarreias (Burrows et al. 1995, Sherding & Johnson 2008), onde a diarreia é a principal manifestação clínica dos intestinos delgado e grosso (Ettinger 1996). Cães com diarreia crônica podem passar por períodos alternados de melhoria e agravamento da enfermidade. As diarreias podem ter etiologia tóxica, medicamentosa, parasitária, viral, bacteriana e fúngica (Ettinger 1996). Nas infecciosas, onde os agentes etiológicos envolvidos são bactérias, fungos, coccídios e vírus, as mudanças ou transgressões do regime alimentar que causam o desequilíbrio da microbiota intestinal podem ser os desencadeadores do processo (Sherding & Johnson 2008). Cystoisospora canis (Nemeséri, 1959) é um parasito do intestino de cães, associado a sinais intestinais de diarreia pastosa e/ou líquida (Daugschies et al. 2000, Mitchell et al. 2007, Dupont et al. 2013). Afeta frequentemente cães jovens (Mitchell et al. 2007) submetidos à aglomeração e manejo inapropriado com higiene insuficiente, o que favorece a disseminação dos oocistos que quando esporulados passam a ser infectantes (Rodrigues & Menezes 2003). Esta disseminação faz com que ocorram surtos em canis de criação ou se manifestando após a troca de ambiente pelo estresse; no entanto, em caso de reinfecção, os sinais clínicos serão mais brandos devido a provável imunidade adquirida (Houk et al. 2013). O diagnóstico desta parasitose se faz com a observação de oocistos nas fezes, porém este se restringe ao gênero. Para se especificar é necessária à mensuração dos oocistos esporulados, além de seus respectivos esporocistos (Rocha & Lopes 1971), com a importância de poder ser usada como modelo para o estudo em humanos na fase exógena de Cystoisospora belli (Wenyon, 1923) (Houk & Lindsay, 2013). Dentre as infecções fúngicas, a presença de um ascomiceto do gênero Cyniclomyces vem sendo assinalada em fezes de cães (Houwers & Blankenstein 2001, Gjerde et al. 2009, Dijkstra et al. 2010, Flausino et al. 2012, Furtado et al. 2013), sendo alguns destes casos associados a diarreia hemorrágica (Kunifumi et al. 2009), diarreia em coelhos ou mesmo a colecistite supurativa e colangiohepatite em cães (Richle & Scholer 1961, Neel et al. 2006, Furtado et al. 2013). Em cães com diarréia crônica, foram encontradas quantidades de Cyniclomyces guttulatus (Robin, 1853) nas fezes, sendo que o seu diagnóstico foi baseado na identificação microscópica, no isolamento através de cultivo e no sequenciamento desta espécie (Gjerde et al. 2009; Flausino et al. 2012). Na rotina clínica o diagnóstico é fundamentado com atenção para a evolução e em achados laboratoriais onde as infecções intercorrentes têm sido observadas com frequência. O presente trabalho assinala o diagnóstico inédito das infecções concomitantes por C. canis e C. guttulatus em cão com diarreia através de exame fecal. Histórico Canino do sexo masculino, com 12 meses de idade, da raça Golden Retrivier do Labrador foi atendidos no Centro de Terapia Intensiva e Emergência Veterinária-Clínica 24 horas, com histórico de diarreia eventual. Amostras fecais foram coletadas em frascos estéreis e analisadas utilizando a técnica de flutuação em solução saturada de sacarose (Birgel et al. 1982). Nas fezes foram observados oocistos semelhantes ao gênero Cystoisospora (Figura 1a) e células leveduriformes cilíndricas, isoladas ou em pequenas cadeias com morfologia semelhante à do gênero Cyniclomyces (Figura 1b). Parte das amostras foi homogeneizada em solução de dicromato de potássio a 2,5% (K 2 Cr 2 O 7 ) e armazenadas em temperatura ambiente, para se processar a esporulação (Rocha & Lopes 1971) e mensuração dos parâmetros morfométricos para se identificar a espécie de Cystoisospora. Com o objetivo de se identificar as células leveduriformes cilíndricas ocorreu à necessidade de coloração a fresco, entre lâmina e lamínula, pelo azul de algodão lactofenol de Amann (Rippon, 1974) e, desidratadas em metanol e coradas pelo Giemsa (Flausino et al. 2012, Furtado et al. 2013). Para o isolamento, o material fecal foi processado para a obtenção de colônias isoladas do material 45

Leitz Wetzler e fotografados em microscópio Nikon E 200, sendo a morfologia compatível para C. canis nos 148 oocistos medidos (Rocha & Lopes 1971, Rodrigues & Menezes 2003). Discussão Fig. 1. Fotomicrografias de oocistos esporulados de Cystoisospora canis (seta vazia) e células leveduriformes cilíndricas de Cyniclomyces guttulatus (seta preenchida) observados em amostras de fezes de um cão, com 12 meses de idade, da raça Golden Retrivier do Labrador (400x). fecal com características próprias (cheiro e forma). As colônias isoladas foram preparadas, entre lâmina e lamínula e suspensas em solucão salina a 0,85% e coradas pelo azul de algodão lactofenol onde se observou células com morfologia semelhante à C. guttulatus (Flausino et al. 2012, Furtado et al. 2013). Adicionalmente, a análise por reação em cadeia de Polimerase (PCR) e sequenciamento do DNA confirmou a presença desta espécie previamente descrita no Brasil (Flausino et al. 2012). Os oocistos obtidos após esporulação foram medidos com ocular micrométrica Ernst Sinais clínicos intestinais como diarréia pastosa e líquida são compatíveis com a cistoisosporose, o que concorda com o presente relato (Rocha & Lopes 1971, Conboy 1998, Daugschies et al. 2000, Dupont et al. 2013). Apesar de se manifestar mais comumente com moderada patogenicidade em animais jovens, entre três e seis meses de idade, podem ocorrer em adultos, isoladamente (Mitchell et al. 2007), associados a outras etiologias (Leal et al. 2011, Dupont et al. 2013, Furtado et al. 2013) ou como diagnóstico diferencial (Flausino et al. 2013). A ocorrência da cistoisosporose pode ser exacerbada pelos efeitos imunossupressores de infecções concomitantes, inclusive com agentes zoonóticos (Hoskins 2004, Dupont et al. 2013). Em contrapartida, é importante ressaltar que C. canis não depende diretamente de outro agente etiológico para o desenvolvimento da doença, apenas pode ter seu desenvolvimento favorecido pela depressão imunológica (Mitchell et al. 2007). Na cistoisosporose é comum a diarréia mucóide ou sanguinolenta, não é incomum haver pneumonia secundária, por imunoincompetência, não observado neste relato provavelmente por não haver doença imunossupressora presente (Leal et al. 2011). Nos casos graves há sinais nervosos, ora com apatia ou com tremores, mioclonias e convulsões, devido às lesões entéricas que podem estimular os plexos ou permitir aumento de absorção de substâncias tóxicas intestinais (endotoxinas bacterianas e outras) ou estar associado à encefalopatia hepática por falência hepática devido a colangiohepatite (Furtado et al. 2013), o que não foi observado neste caso devido aos sinais clínicos recentes e a procura pelo serviço de saúde veterinário, não propiciando lesão hepática associada a ciniclomicose. O exame direto microscópico determinou a presença de oocistos característicos (Corrêa & Corrêa 1992). Lesões no epitélio intestinal associados com C. canis, com consequente 46

diarreia, levam a hipofagia ou anorexia (Conboy 1998), dessa forma, a diminuição da ingestão protéica bem como o comprometimento intestinal são fatores determinantes para a hipoalbuminemia e por consequência imunossupressão (Pruett 2001) o que justificaria a presença da ciniclomicose, levedura que apresenta crescimento exacerbado em pacientes imunossuprimidos (Raposo et al. 1995/1996). Infecções assintomáticas são descritas em casos com C. canis (Daugschies et al. 2000), embora sinais clínicos como diarréia com sangue, dores abdominais, anemia, apatia e morte podem estar associadas a cães jovens, além de alterações respiratórias e neurológicas (Conboy 1998). Estes sinais não foram observados no presente estudo possivelmente devido a idade. Um cão adulto jovem com 12 meses de idade que provavelmente já teria adquirido outras infecções por C. canis, possui resposta imune adequada devido a provável imunidade adquirida em infecções anteriores pelo mesmo parasito (Houk et al. 2013). Além disso, o cão recebe alimentação balanceada e é isento de outros parasitos intestinais. Portanto, este trabalho discorda de outros relatos, onde a cistoisosporose se manifesta mais comumente com moderada patogenicidade em animais jovens, entre três e seis meses de idade (Leal et al. 2011). Assim, os sinais clínicos poderiam ser explicados pela presença de C. guttulatus como um agravante do quadro gastrintestinal, concordando com outros relatos que descrevem este ascomiceto como responsável por gastrite, enterite e colangiohepatite (Flausino et al. 2012, Furtado et al. 2013), ou conforme experimento, a cistoisosporose é suficientemente patogênica para produzir doença grave no cão independente de doenças concomitantes (Mitchell et al. 2007). As colonias de C. guttulatus obtidas no presente estudo foram semelhantes as já descritas no Brasil (Flausino et al. 2012). Quanto à análise por PCR foi compatível para um ascomiceto, porém ao ser analisado o seu sequenciamento este foi idêntico aos já isolados em cães no Brasil e Noruega (Gjerde et al. 2010, Flausino et al. 2012). A presença dos sinais clínicos têm sido as principais manifestações clínicas da doença por C. canis, porém o presente relato chama a atenção para a ocorrência desse novo agente etiológico C. guttulatus, que pode ser lesivo a mucosa gástrica e ao sistema hepatobiliar, levando a uma maior morbidade e mortalidade (Flausino et al. 2012, Furtado et al. 2013). Referências Almeida RK, Vasconcelos AC, Carneiro RA, Paes PRO, Moro L. Alterações citológicas do sangue periférico e da medula óssea de cães com cinomose. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, 61, 1255-1260, 2009. Birgel EH, Netto LP, Amaral V, Giorgi W, Panetta JC. Meios e métodos de diagnóstico em Medicina Veterinária. São Paulo: Sociedade Paulista de Medicina Veterinária, 1977. Conboy G. Canine coccidiosis. Canadian Veterinary Journal, 39, 443-444, 1998. Corrêa WM, Corrêa CNM. Enfermidades infecciosas dos mamíferos domésticos. Rio de Janeiro: Medsi, 1992. Daugschies A, Mundt HC, Letkova V. Toltrazuril treatment of cystoisosporosis in dogs under experimental and field conditions. Parasitology Research, 86, 797-799, 2000. Dupont S, Butaye P, Claerebout E, Theuns S, Duchateau L, Van de Maele I, Daminet S. Enteropathogens in pups from pet shops and breeding facilities. Journal of Small Animal Practice, 54, 475-480, 2013. Ettinger SJ, Feldman EC. Tratado de Medicina Interna Veterinária. São Paulo: Manole, 1997. Flausino G., Leal PDS, McIntosh D, Amaral LG, Teixeira Filho WL, Flausino W & Lopes CWG. Isolation and characterization of Cyniclomyces guttulatus (Robin) Van Der Walt and Scott, 1971 in dogs in Brazil. Current Microbiology, 65, 542-546, 2012. Flausino G, Furtado TT, McIntosh D, Teixeira Filho WL. Differential diagnosis between endogenous stages of Cyniclomyces guttulatus (Robin) Van Der Walt and Scott, 1971 and Eimeria caviae Sheather, 1924 from Guinea pig Cavia porcellus Linnaeus. Coccidia 1, 21-24, 2013. Frenkel JK, Smith DD. Determination of the genera of cyst-forming coccidian. Parasitology Research, 91, 384-389, 2003. 47

Furtado TT, Flausino G, Leal PD de S, Ferreira JP, McIntosh D, Flausino W, Teixeira Filho WL, Paes-de-Almeida EC, Lopes CWG. Diagnóstico de colangite associado à mucocele da vesícula biliar por Cyniclomyces guttulatus em cães - Relato de casos. Revista Brasileira de Medicina Veterinária, 35,1-6, 2013. Gjerde B, Holtet L, Sanden S. Dahlgren SS. Soppen Cyniclomyces guttulatus er en del av den normale ventrikkelog tarmfloraen hos kanin. Vi beskriver et tilfelle der en morfologisk identisk, men genetisk forskjellig, sopp har gitt residiverende gastroenteritt hos hund. Norsk Veterinaer Tidsskrift, 121, 507-510, 2009. He P, Li J, Gong P, Huang J, Zhang X. Cystoisospora spp. from dogs in China and phylogenetic analysis of its 18S and ITS1 gene. Veterinary Parasitology, 190, 254-258, 2012. Hoskins JD. Doenças Virais Caninas. In Ettinger SJ, Feldman EC. Tratado de Medicina Interna Veterinária. São Paulo: Guanabara Koogan. 2004. p. 440-441. Houk AE, Lindsay DS. Cystoisospora canis (Apicomplexa: Sarcocystidae): Development of monozoic tissue cysts in human cells, demonstration of egress of zoites from tissue cysts, and demonstration of repeat monozoic tissue cyst formation by zoites. Veterinary Parasitology, 197, 455-461, 2013. Houk AE, O'Connor T, Pena HF, Gennari SM, Zajac AM, Lindsay DS. Experimentally Induced Clinical Cystoisospora canis Coccidiosis in Dogs with Prior Natural Pa- tent Cystoisospora ohioensis-like or C. canis Infections. Journal of Parasitology, 99, 892-895, 2013. Mitchell SM, Zajac AM, Charles S, Duncan RB, Lindsay DS. Cystoisospora canis Nemeséri, 1959 (syn. Isospora canis), infections in dogs: clinical signs, pathogenesis, and reproducible clinical disease in beagle dogs fed oocysts. Journal of Parasitology, 93, 345-52, 2007. Oliveira-Sequeira TC, Amarante AF, Ferrari TB, Nunes LC. Prevalence of intestinal parasites in dogs from São Paulo State, Brazil. Veterinary Parasitology, 103, 19-27, 2002. Pruett SB. Quantitative aspects of stressinduced immunomodulation. International Immunopharmacology, 1, 507-520, 2001. Raposo JB, Nobre MDO, Fernandes CG, Porto M. Candidíase cutânea em um canino. Revista da FZVA, 2-3, 11-17. 1995/1996. Rocha E, Lopes CWG. Comportamento da Isospora canis, Isospora felis e Isospora rivolta em infecções experimentais em cães e gatos. Arquivos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 1, 81-96, 1971. Rodrigues AN, Menezes RCAA. Infecção natural de cães por espécies do gênero Cystoisospora (Apicomplexa: Cystoisosporinae) em dois sistemas de criação. Revista de Clínica Veterinária 42, 24-30, 2003. Soulsby EJL. Parasitologia y Enfermidades Parasitarias en los Animales Domésticos. México: Interamericana, 1987. 48