DIAGNÓSTICO DE Cyniclomyces guttulatus EM CÃO COM DIARRÉIA CRÔNICA RELATO DE CASO

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1 DIAGNÓSTICO DE Cyniclomyces guttulatus EM CÃO COM DIARRÉIA CRÔNICA RELATO DE CASO GESKE, Bˡ; BATISTA, TN²; JORGE, M³ ˡ Bárbara Geske Acadêmica do décimo semestre do curso de Medicina Veterinária da Universidade Regional de Blumenau FURB, Blumenau SC. ² Thiago Neves Batista Professor de Clínica Médica de Pequenos Animais da Universidade Regional de Blumenau FURB, Blumenau SC. (*) ³ Mariane Jorge Biomédica e proprietária do Laboratório São Francisco de Análises Clínicas Veterinárias em Blumenau, SC. RESUMO Diarreia e vômito são sinais clínicos frequentes na rotina clínica de pequenos animais. Alguns autores relatam que a levedura Cyniclomyces guttulatus, embora ainda tenha sido pouco descrita, pode ser patogênica quando encontrada nas fezes de cães com sinais clínicos de doença gastrointestinal. Este relato apresenta o acompanhamento clínico de um cão atendido em um hospital veterinário da cidade de Blumenau SC que apresenta um quadro clínico de diarreia crônica persistente mesmo após o tratamento para giardíase. Amostras de fezes foram coletadas duas vezes com intervalo de um mês e enviadas a um laboratório veterinário. Na primeira amostra analisada constatou-se a presença de cistos de Giardia sp., o animal foi tratado e no mês seguinte retornou ao hospital veterinário sem melhoras significativas. Uma amostra fecal foi novamente coletada e enviada ao laboratório, observou-se a presença de leveduras sugestivas de Cyniclomyces guttulatus nas fezes do paciente. O presente estudo reforça a hipótese de que esta levedura pode ser a causa de doenças gatrointestinais em cães, principalmente quando há sinal clínico de diarreia crônica. Palavras-chave: canino; ascomiceto; trato gastrointestinal; análise laboratorial. ABSTRACT Diarrhea and vomiting are common clinical signs in the clinical routine of small animals. Some authors describe that the yeast Cyniclomyces guttulatus, although still not been widely described, can be pathogenic when found in the feces of dogs with clinical signs of gastrointestinal disease. This report presents the clinical follow-up of a dog serviced in a veterinary hospital in the city of Blumenau - SC presenting a clinical picture of chronic diarrhea that persists even after treatment for giardiasis. Stool samples were collected twice with an interval of one month and sent to a veterinary laboratory. The first sample analyzed showed the presence of Giardia sp. cysts, the animal was treated and returned the following month to the vet hospital without significant improvements. A fecal sample was collected again and sent to the laboratory, we observed the presence of suggestive yeast Cyniclomyces guttulatus in the patient s feces. This study confirms the hypothesis that this yeast can be the cause of gatrointestinal diseases in dogs, especially when there are clinical signs of chronic diarrhea. Keywords: canine; ascomycete; gastrointestinal tract; laboratory analysis. INTRODUÇÃO A diarreia em cães está entre as causas mais frequentes de procura por atendimento veterinário e, embora sugira doença intestinal, é um sinal clínico que deve ser investigado com cautela pelo médico veterinário. Pode ser diferenciada em aguda ou crônica, a primeira

2 corresponde aquela que tem duração de, em média, duas semanas e que geralmente respondem ao tratamento escolhido, e a segunda é caracterizada quando o sinal clínico persiste por períodos mais longos e normalmente não responde ao tratamento imposto pelo médico veterinário, esta última pode levar a outros sinais clínicos como desnutrição, desidratação e perda de peso (FEITOSA, 2008). A origem de um quadro diarreico crônico pode ser multifatorial, uma das principais causas deste tipo de apresentação clínica é a Giardia sp., frequentemente diagnosticada na rotina laboratorial veterinária (MUKARATIRWA e SINGH, 2010). Episódios de giardíase ocorrem quando o trofozoíto causa lesões ao se aderir ás células do epitélio no intestino delgado de cães, geralmente mais jovens (SPINOSA, GÓRNIAK e BERNARDI, 2014). Outra causa possível de diarreia crônica e de outros sinais clínicos gastrointestinais pode ser a levedura anteriormente denominada de Saccharomycopsis guttulata e atualmente nomeada de Cyniclomyces guttulatus. Esta é considerada comensal da flora de roedores e lagomorfos, como coelhos, porquinhos da índia e chinchilas (RASKIN e MEYER, 2011). Diversos autores têm relatado o achado de C. guttulatus, na sua forma individual ou em organismos gemulares, nas fezes de cães com diarreia crônica (FLAUSINO et al., 2012; FURTADO et al., 2013; RASKIN e MEYER, 2011). Até o presente momento sua patogenicidade ainda não foi evidenciada, porém quando encontrada nas fezes de cães, principalmente aqueles que apresentam sintomatologia clínica, esta observação deve ser relatada (RASKIN e MEYER, 2011). O C. guttulatus é relatado por Flausino e colaboradores (2013) em um estudo sobre os estágios de desenvolvimento desta levedura em esfregaços de mucosa estomacal e intestinal de porquinhos da índia. Os autores relatam que a levedura compõe o maior e mais diversificado grupo de fungos, denominado de ascomiceto. Em cães, a presença do C. guttulatus em amostras de fezes é considerada um achado acidental e estudos evidenciam a hipótese que esta levedura pode ser considerada oportunista (FLAUSINO et al., 2012). Furtado e colaboradores (2013) sugerem também que o ascomiceto pode causar colangite, gastrite, diarreia e vômito após o relato de três casos clínicos em cães. Devido à importância clínica dos achados laboratoriais para o diagnóstico correto e tratamento da diarreia crônica em cães, o presente trabalho descreve o relato de um cão que apresenta diarreia e demonstra a importância do exame laboratorial para o diagnóstico conclusivo do médico veterinário.

3 RELATO DE CASO Um animal da espécie canina, com sete anos de idade, da raça Boxer foi atendido em Blumenau, Santa Catarina. O paciente possui diagnóstico confirmado de hiperadrenocorticismo e recebe tratamento contínuo com trilostano. A queixa principal era de que o animal apresentava sinal clínico de diarreia há cerca de três semanas. Após o exame clínico aparentemente normal, realizou-se a coleta de amostra de fezes, posteriormente encaminhada ao Laboratório de Análises Clínicas Veterinárias São Francisco para pesquisa de giárdia pelo método de centrífugo flutuação. Cerca de um mês o paciente retornou ao atendimento ainda apresentando o mesmo quadro clínico, o exame clínico foi novamente normal, as fezes foram coletadas e enviadas ao laboratório para repetição do exame parasitológico pelo método de sedimentação e centrífugo flutuação e de pesquisa de giárdia. Foi coletado também amostra de sangue para realização do hemograma do paciente. RESULTADOS E DISCUSSÃO Constatou-se a presença de cistos de Giardia sp. na amostra de fezes coletada durante o primeiro atendimento realizado pelo médico veterinário (figura 1). O animal foi tratado com metronidazol (50 mg/kg) administrado uma vez ao dia por cinco dias consecutivos. Após 15 dias o tratamento foi repetido com a mesma posologia por mais cinco dias. Após um mês o paciente retornou sem demonstrar melhora significativa do quadro apresentado. O hemograma demonstrou neutrofilia e linfopenia. O resultado do exame parasitológico de fezes foi ausência de parasitas, assim como o resultado da pesquisa de giárdia também apresentou resultado negativo. Neste momento observou-se a presença de leveduras sugestivas e características de Cyniclomyces guttulatus na amostra em quantidade significativa (figura 2). Figura 1 Cisto de Giardia sp. (flecha) observado em lâmina corada com lugol no aumento de 400 vezes em microscópio Nikon. Figura 2 Levedura característica de Cyniclomyces guttulatus (flecha) observada em lâmina corada com lugol no aumento de 400 vezes em microscópio Nikon.

4 A Giardia sp. é o protozoário mais frequentemente encontrado em amostras de fezes de cães. Segundo Thompson (2004) a maioria dos cães infectados são assintomáticos. Em um estudo desenvolvido por Katagiri e Oliveira-Siqueira (2008), que teve como objetivo determinar a prevalência de parasitas intestinais em cães, os autores relatam a Giardia sp. como o protozoário mais observado nas 254 amostras de fezes analisadas e destacam sua prevalência significativa em cães que apresentam outros parasitas, como o Toxocara canis e o Dipylidium caninum, o que representa que associações patogênicas envolvendo a Giardia sp. podem justificar a perpetuação de quadros clínicos como o descrito no presente estudo. Neste relato o exame de pesquisa de giárdia revelou a presença de cistos nas fezes do animal, e o tratamento aplicado com o metronidazol corrobora com o recomendado por outros autores (SPINOSA, GÓRNIAK e BERNARDI, 2014; FOREYT, 2005). O segundo exame parasitológico realizado não apresentou cistos de Giardia sp., porém não deve-se descartar que o animal tenha se reinfectado ou que o tratamento tenha sido ineficaz. A intermitência da eliminação dos cistos de Giardia sp. pode apresentar um resultado falso negativo (VADEN et al., 2013). Entretanto, a observação de leveduras com características sugestivas de C. guttulatus deve ser ressaltada. Um estudo realizado com três amostras de cães com sinais clínicos de doença gastrointestinal revelou a presença do C. guttulatus nos três animais estudados, utilizou-se como método de diagnóstico a análise microscópica das fezes e a observação de esfregaços provenientes de lavagens estomacais (FLAUSINO et al., 2012). A presença da levedura também foi observada em 22% de outros 63 cães que não apresentavam sinais clínicos de doença gastrointestinal, sugerindo que a levedura pode ser encontrada na flora de cães saudáveis, sendo possivelmente oportunista (FLAUSINO et al., 2012; FURTADO et al., 2013; RASKIN e MEYER, 2011). As principais causas das alterações observadas no hemograma são: resposta ao estresse fisiológico do paciente, representa uma resposta a esteróide em pacientes com hiperadrenocorticismo ou caracteriza um processo infeccioso quando constatado em conjunto com um desvio à esquerda (THRALL et al., 2006). O tratamento a ser instituído é por meio da administração de antifúngico sistêmico, como o fluconazol, que segundo Furtado e colaboradores (2013) se mostrou eficaz após o tratamento de colangite biliar causada pelo C. guttulatus em três cães. CONCLUSÃO A descrição deste relato de caso permite sugerir mais uma vez a hipótese de que o C. guttulatus pode estar associado a quadros clínicos de diarreia crônica em cães. Apesar de que

5 não se pode descartar que o potencial de infecção da Giardia sp. é relevante, portanto, sugere-se que novos estudos sejam constantemente realizados com o objetivo de auxiliar no diagnóstico de quadros clínicos semelhantes a esse. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FEITOSA, Francisco Leydson Formiga. Semiologia Veterinária: a arte do diagnóstico. 2 ed, Editora Roca, São Paulo, FLAUSINO, Gilberto et al. Isolation and characterization of Cyniclomyces guttulatus (Robin) Van Der Walt and Scott, 1971 in dogs in Brazil. Springer Science, Rio de Janeiro, FLAUSINO, Gilberto et al. Differential diagnosis between endogenous stages of Cyniclomyces guttulatus (Robin) Van Der Walt and Scott, 1971 and Eimeria caviae Sheather, 1924 from Guinea pig Cavia porcellus Linnaeus. Coccidia, v. 1, n. 1, p Rio de Janeiro, FOREYT, William J. Parasitologia veterinária: Manual de referência. 5 ed, Editora Roca, São Paulo, FURTADO, Tássia Torres et al. Diagnóstico de colangite associado à mucocele da vesícula biliar por Cyniclomyces guttulatus em cães relato de casos. Rev. Bras. Med. Vet., v. 35, n. 1, p Rio de Janeiro, KATAGIRI, S.; OLIVEIRA-SIQUEIRA, T. C. G. Prevalence of dog intestinal parasites and risk perception of zoonotic infection by dog owners in São Paulo State, Brazil. Zoonoses and Public Health, v. 55, p São Paulo, MUKARATIRWA, S.; SINGH V. P. Prevalence of gastrointestinal parasites of stray dogs impounded by the Society for the Prevention of Cruelty to Animals (SPCA), Durban and Coast, South Africa. Journal of the South African Veterinary Association, v. 81, n.2, p Durban, RASKIN, Rose E.; MEYER, Denny J. Citologia Clínica de Cães e Gatos: Atlas colorido e guia de interpretação. 2 ed, Editora Elsevier, Rio de Janeiro, SPINOSA, Helenice de Souza; GÓRNIAK, Silvana Lima; BERNARDI, Maria Martha. Farmacologia aplicada à Medicina Veterinária. 5 ed, Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, THRALL, Mary Anna et al. Hematologia e Bioquímica Clínica Veterinária. Editora Roca, São Paulo, VADEN, Shelly L. et al. Exames Laboratoriais e Procedimentos Diagnósticos em cães e gatos. 1 ed, Editora Roca, São Paulo, 2013.