1 O uso de cartilha paranaense nas Escolas do Estado do Paraná Solange Apª de O. Collares/UEPG Drª Profª Maria Isabel Moura Nascimento/UEPG O presente trabalho apresenta resultados preliminares de uma pesquisa desenvolvida a partir do levantamento do material de alfabetização, livros e cartilhas, que circularam no período de 1898/1930 cujo método de leitura fora dotado oficialmente nas escolas públicas e particulares no Estado do Paraná. O objetivo real desta pesquisa é buscar compreender em que contexto social e político surgiram às cartilhas de alfabetização, quais foram os interesses e determinantes ideológicos que resultaram desta representação de idéias, daqueles membros da sociedade dominante. Para alcançarmos os objetivos propostos para esta pesquisa, forma analisados documentos nos seguintes lugares: Museu Paranaense, Biblioteca Pública do estado do Paraná, Casa da Memória (Curitiba), Ciclo de estudo bandeirantes, Arquivo Público do Estado do Paraná e outros projetos relacionados a pesquisa como : Projeto Memória do Livro Didático(USP/SP.) Nos lugares visitados, há inúmeras fontes documentais, até então inexploradas, como relatórios, leis, decretos que descrevem o ensino no Paraná. Foram através destes lugares que possibilitaram o encontro do material a ser pesquisado. O termo cartilha nada mais é que o desdobramento da palavra cartinha que, por sua vez usada- em língua portuguesa desde o princípio da Idade Moderna, para identificar aqueles textos impressos cujo propósito explícito seria o de ensinar a ler, escrever e contar.(boto, 2004, p.494). O vocábulo derivou-se de carta, pois, como não existia qualquer livro didático, os professores elaboravam alguns textos manuscritos, para ensino da leitura, ou utilizavam cartas, ofícios e documentos de cartório. Destinavam-se as cartilhas, ao ensino das primeiras letras, ou seja, ao período da alfabetização das crianças que supunha-se iriam ter o primeiro contato com a escrita na escola. Os primeiros materiais de alfabetização encontrados no Brasil foram de influência européia e depois começaram a surgir os livros escolares brasileiros. O surgimento do material impresso no Brasil só acontece com o advento da imprensa.e mais tarde com o surgimento da Typografia no Estado do Paraná.Mesmo com o
2 advento das typografias não era tão comum encontrar obras, livros e cartilhas produzidas por brasileiros para uso interno no país. Na segunda metade do século XIX em diante, foram surgindo aos poucos no Brasil, autores brasileiros e obras como: cartilhas, livros de lições, antologias literárias, coletâneas de contos e fábulas. O século XX trouxe uma melhor qualidade na impressão gráfica e registrou o aparecimento de várias cartilhas. Constata-se que as cartilhas são a principal fonte de informação impressa utilizada por parte significativa de alunos e professores brasileiros e que essa utilização intensiva ocorre quanto mais as populações escolares (docentes e discentes) têm menor acesso a bens econômicos e culturais (DIAS, 1999). As cartilhas parecem ser, parte significativa da população brasileira, o principal impresso em torno do qual sua escolarização é organizada e constituída (SOARES, 1996 e 1998).O que corroborou para manter o uso da cartilha, foi a forma como estava organizada a estrutura da escola.este método de ensino foi proposto especialmente para aqueles que não tinham condição de comprar vários materiais, a cartilha, tornouse um meio indispensável para a atingir o maior número de crianças ao mesmo tempo, facilitando o trabalho do professor, isto quando não substituía totalmente a função de ensinar do professor. A cartilha paranaense análise preliminares. A cartilha Paranaense encontrada para a análise foi editada em 1907, utilizada nas escolas primárias do Estado do Paraná, passou a ser chamada de Cartilha Progressiva, do autor Lindolpho Pombo.[...] A primeira edição da cartilha aconteceu em 1900.(POMBO,1957) Ela foi utilizada em todos os colégios públicos e particulares no Estado do Paraná. Ele foi professor e atuou junto aos responsáveis pelo ensino público. Podemos destacar que os primeiros autores das Cartilhas no Brasil eram figuras próximas ao governo e que, de alguma maneira, eram responsáveis pelo fazer erudito. Estrategicamente, poder-se-ia, assim, ter o controle sobre o conhecimento a ser passado pela escola (BITTENCOURT, 1993). Assim, os autores que conseguiam que os seus materiais fossem avaliados e editados e comprados pelo Estado eram figuras próximas do governo, pois escreviam um material que de certa forma combinava com os aspectos ideológicos em vigor, sendo aprovado então pela comissão avaliadora. Neste período, era comum, ter uma comissão para avaliar o material produzido e o mesmo não poderia fugir dos aspectos ideológicos dominantes, o respeito à pátria, a obediência aos governantes. Ficava notória a imposição de valores e a manipulação da conduta moral e cívica nesses manuais de leitura, objetivando a normalização e o enquadramento dos comportamentos sociais que demonstra uma clara intencionalidade do ensino e dos
3 conteúdos de alfabetização que em tempo algum permaneceram neutros às imposições ideológicas e sociais da época. E estamos considerando ideologia como um conceito que implica em ilusão, ou se refere à consciência deformada da realidade que se exerce através das idéias e do pensamento. [...] da classe dominante são também em todas as épocas, os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material dominante numa dada sociedade é também a potência dominante espiritual. A classe que dispõe igualmente dos meios de produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles a quem é recusado os meios de produção intelectual está submetido igualmente à classe dominante.(marx, 1979, p.55-56). A existência de um determinante ideológico em torno da cartilha e de seus conteúdos, propostos nas páginas das cartilhas leva a detrimento de outros valores que não podem ser explícitos na cartilha. A escola utiliza-se do ensino e dos seus métodos de ensino, como meio para servir aos interesses da classe burguesa, ocultando a realidade das diferenças de classe, ao invés de buscar uma legitimidade de igualdade para todos. Os grupos escolares surgem, [...] neste período, como um instrumento de legitimação e de camuflagem e desigualdades, logo de conservação social e ainda para alguns em seu papel de preparação da força de trabalho adequada às necessidades do aparelho produtivo de acordo com a evolução da divisão do trabalho e a organização do trabalho capitalista. (NOGUEIRA, 1993, p.11). Desta forma a educação proposta pela escola, torna-se contraditória, prega-se o direito de igualdade a todos e o que é oferecido é totalmente o contrário, para a elite uma educação diferenciada e para os proletariados uma educação básica (formação de mão-de-obra). Para o proletariado a escola tem outra finalidade é apenas valor de uso, tem uma função prática, utilitária para garantir sua sobrevivência no dia-a-dia sem o diploma não se consegue determinados empregos (isto não quer dizer que com ele se consiga) ( FARIA, 1980,p.16) Esta idéia acabou se perpetuando ao longo da história e muitos passaram a acreditar que é através do ensino proposto que pode se obter a ascensão social. Ao mesmo tempo em que exige homens competentes, responsáveis, dóceis ao sistema capitalista.
4 A cartilha neste sentido é fruto destas relações determinadas pela classe dominante, a qual determina as condições econômicas, política e educacional.a cartilha serviu como um veículo para disseminar e manipular idéias de um determinado grupo que; [...] representa o seu interesse como sendo o interesse comum a todos membros da sociedade, ou exprimindo a coisa no plano as idéias, a dar aos seus pensamentos a forma de universalidade, apresentá-lo como únicos, razoáveis, os únicos verdadeiramente válidos (MARX, 1979, p.57). Assim, podemos perceber que desde o início da formação cultural e social do aluno, esteve fadado a uma falsa consciência da realidade. Pois em nenhum momento pensou em formar o aluno como indivíduo pertencente a uma sociedade e que deveria ter voz ativa no meio social. A cartilha veio contribuir para a massificação da população, pois ao mesmo tempo em que se apresentava como um instrumento único e absoluto para todos, não possibilitava por parte do aluno qualquer intervenção ou questionamento do trabalho apresentado pelo professor.a educação estava abandonada ao descaso da classe dominante, a ponto de transformar-se em uma mera ilustração. Através da escola tentava-se garantir o direito do ensino da leitura e da escrita nas séries iniciais e também das quatro operações, noções de história e geografia. As condições eram péssimas, falta de mobiliário, falta de livros escolares, professores desqualificados. A instrução pública no Estado do Paraná foi marcada mais por ranços do que avanço propriamente dita. A educação e os meios dos quais ela utilizou serviram aos interesses da classe dominante, determinando a função da escola, e praticamente a função do professor,como mero reprodutor do processo. Ao aluno coube a passividade para receber o ensino proposto, através das técnicas de alfabetização. Referências: BOTO, Carlota Malta Cardozo dos Reis. Ler,escrever, contar e se comportar: a escola primária como rito do século XIX português( 1820-1910) São Paulo: Universidade de São Paulo, 1997, p.650. VI e VII Aprender a ler entre cartilhas: civilidade, civilização e civismo pelas lentes do livro didático. Educação e Pesquisa. São Paulo. V.30,n.3, p.493-511, set/dez.2004
BITENCOURT, Circe Maria Fernandes. O Livro didático e conhecimento histórico: uma história do saber escolar Tese de doutorado em História. São Paulo: Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1993. DIAS, Vânia A. Costa. Livros na roda: leituras na roda-um estudo exploratório sobre práticas de leitura de professoras no meio rural do Alto Vale do Jequitinhonha. Dissertação do Mestrado em educação. Belo Horizonte: Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, 1999. FARIA, Ana L. O Trabalho: uma análise da ideologia do livro didático.universidade Federal de São Carlos. Centro de Educação e Ciências Humanas Programa de Pós- Graduação em Educação.Dissertação do Mestrado em educação, 1980. MARX E ENGELS. A ideologia alemã I: crítica da filosofia alemã recente.tradução de Conceição Jardim e Eduardo Lúcio Nogueira. v. 1, 3 ed. Brasil : Livraria Martins Fontes,1979. NOGUEIRA, Maria Alice. Educação, saber, produção em Marx e Engels. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1993. POMBO, Ruth Rocha. Contribuição às festas comemorativas ao centenário de nascimento de Rocha Pombo. Curitiba Paraná, dezembro de 1957. SOARES, Magda Becker. Letramento/Alfabetização Presença Pedagógica, nº 10. vol.2 Belo Horizonte: Dimensão, jul/ago 1996ª,pp83-89. 5
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