A CONTRIBUIÇÃO DA MUSICALIZAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES PSÍQUICAS

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Transcrição:

1 A CONTRIBUIÇÃO DA MUSICALIZAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES PSÍQUICAS SCHERER,Cleudet de Assis GOULART,Áurea Maria Paes Leme A importância da musicalização e da arte na sociedade contemporânea é justificada pelo fato de promover o desenvolvimento do ser humano, conforme estudos já realizados por diferentes autores ( OSTROWER, 1987; LOUREIRO, 2003; BRITO, 2003) não por meio de adestramento e da alienação, mas por meio da conscientização, da interdependência entre o corpo e a mente, entre a razão e a sensibilidade, entre a ciência e a estética, para abrir espaços à liberdade de criação e recriação de sua própria ação. Neste artigo, buscar-se-á refletir sobre as relações existentes entre a criatividade, a imaginação, a memória, a atenção, e demais funções psicológicas e as atividades artísticas no contexto escolar. A concepção que norteará a discussão é a de que essas complexas funções superiores, que segundo Vygotsky (1991), são assim denominadas, porque se referem a mecanismos intencionais, ações conscientemente controladas, processos voluntários que nos dão a possibilidade de independência em relação a circunstâncias do momento e espaço presente; têm sua origem nas relações sociais que o indivíduo estabelece com o mundo. Em outras palavras, é pelo processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas relações entre a história sócio-cultural e a história individual que ocorre a formação humana. Portanto, a criatividade, a memória, a atenção, dentre outras funções, compõem o psiquismo humano, diferenciando o homem dos demais animais, pela intencionalidade de suas ações. Essa perspectiva teórica leva em consideração que essas capacidades mentais, tipicamente humanas, são constituídas no decorrer de uma interação mediada por signos e instrumentos físicos entre o indivíduo e o meio social. Desde que nasce o ser humano encontra-se em uma ambiência que pode favorecer, ou não, seu desenvolvimento. O cérebro humano possui uma grande plasticidade

2 demonstrada pela capacidade de modificar-se e adaptar-se, sob uma base fisiológica e neuronal segundo Miranda-Neto (2002). O bebê humano ao nascer já dispõe de todas as células nervosas que irá usar em toda sua vida, mas necessita de aprendizagens que desencadearão sinapses para que ocorram diferentes e inúmeras conexões entre os neurônios as quais serão utilizadas no decorrer de seu desenvolvimento psíquico, físico, afetivo e social. Nash (1997) esclarece que o cérebro da criança precisa de um ambiente estimulante, pois ao inserir-se num mundo de linguagem e cultura, necessita da presença do adulto para sua sobrevivência, aprendizagem e desenvolvimento. Leontiev (1978) em seus estudos evidencia que o trabalho e, ao mesmo tempo a aquisição da linguagem, foram fundamentais para a constituição do homem como tal, uma vez que possibilitaram a formação e desenvolvimento de funções psicológicas superiores. Leontiev (1978, p.74) escreve que [...] o trabalho é, portanto desde a origem, um processo mediatizado simultaneamente pelo instrumento (em sentido pleno) e pela sociedade ; dessa forma, não apenas por uma relação com a natureza, mas relacionado ao trabalho social, na interação com outros homens. Nesse sentido, recorremos a Vygotsky (1991) que explica que o desenvolvimento psíquico é promovido e organizado por meio de mediações e interações estabelecidas entre os homens ao longo de sua história; sendo que para esse autor, a mediação social é fator primordial para que os processos interpsíquicos, isto é,os partilhados entre pessoas, sejam internalizados pelas crianças a medida em que crescem, transformandose em intrapsíquicos. A esse respeito Vygotsky, Luria e Leontiev (1998, p.27) afirmam que é pela [...] interiorização dos meios de operação das informações, meios estes historicamente determinados e culturalmente organizados, que a natureza social das pessoas tornou-se igualmente sua natureza psicológica.. Enfim, ressaltam como fatores fundamentais para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores a interação mediada por signos e instrumentos físicos entre criança/criança, criança /adulto.

3 Vygotsky (1991) acredita que a criança não nasce com seu desenvolvimento prédeterminado, ao contrário, a exposição à cultura e à língua específicas determina sua forma de perceber o mundo e a si mesmo. Ela começa a receber informações e a desenvolver a sua fala por meio das relações interpessoais e dos diálogos. Para esse autor, a aquisição da linguagem como já afirmamos, ocorre do exterior para o interior, evidenciando o veículo pelo qual o homem tem condições de se apropriar dos produtos culturais da humanidade. Com o auxílio da linguagem o sujeito pode beneficiar-se não apenas das experiências de seus pares, mas também das experiências de outras pessoas, ocorridas em outros espaços e épocas. A esse respeito o autor explica que a linguagem tem papel essencial na organização das funções superiores; pois por meio da linguagem as crianças discutem e pensam sobre o mundo, estabelecendo relações e organizando o pensamento. Tais relações, primordiais para o desenvolvimento escolar, estão diretamente relacionadas à capacidade da criança de organizar idéias, conhecimento e como conseqüência, o pensamento. Smolka e Nogueira (2006, p.85) comentam que: O instrumental simbólico historicamente construído, a linguagemproduto e produção humana - estrutura e constitui o funcionamento mental, afeta e redimensiona a atividade prática, viabiliza o planejamento, a organização, a regulação - das relações entre as pessoas, das ações de si próprio. A fala é linguagem em ação. Sua compreensão e reprodução pela criança dão-lhe a possibilidade de adquirir conceitos, testar o ambiente e trocar experiências. Ela desempenha um papel muito importante no desenvolvimento do pensamento, pois antes de comunicar as idéias e sentimentos, ela forma e organiza esse pensamento. Para Vygotsky (1989), a fala organiza a ação da criança. Primeiramente é social e pouco a pouco se torna egocêntrica, internalizando-se. A medida que a fala da criança se transforma em uma fala para si mesma, passa a ter a função de auxiliar o sujeito na resolução de situações com que se defronta no dia a dia. Não possui tanta coerência para quem ouve, uma vez que não precisa ser expressa com todos os elementos gramaticais que compõem uma frase. Começa a desenvolver características predicativas que mais tarde culminarão na fala interior. Quando estiver internalizada, ela organiza o plano de

4 ação, o pensamento. Isso implica [...] no desenvolvimento de uma abstração do som, aquisição de uma nova capacidade, a de pensar palavras ao invés de pronunciá-las (VIGOTSKY, 1989, p.116) e para que isso ocorra é necessário que haja desenvolvimento também em seu pensamento. Quando a criança pronuncia uma palavra como, por exemplo, mesa, ela apropria-se de seu significado por intermédio do símbolo, mas em sua mente ainda permanece a imagem do objeto e não a palavra, sendo possível designar os objetos e as relações com os objetos. Vygotsky (1989) afirma que as características tipicamente humanas não estão presentes desde o nascimento do indivíduo, nem são meros resultados das pressões do meio externo. Elas decorrem da interação dialética do homem e seu meio sócio-cultural. Ao mesmo tempo em que o ser humano transforma o seu meio para atender suas necessidades básicas, transforma-se a si mesmo, produzindo novas necessidades. Isto posto, procuraremos evidenciar como a música, parte da cultura sócio histórica do homem, pode contribuir para o desenvolvimento da criança. A MUSICALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL A musicalização favorece sobremodo a oralidade, pois música é oralidade. Na vivência com as crianças percebe-se que no início das atividades elas só observam as canções e aos poucos acompanham o ritmo e cantam os finais das frases. Fazem registros musicais na sua memória, a princípio apenas vocalizes, e, aos poucos, vão aumentando seu repertório de palavras, desenvolvendo sua capacidade de expressão, imitando gestos e ações. Para Vygotsky (2001) a criança é um ser lúdico e suas brincadeiras, que ganham sentido à medida que correspondem à sua faixa etária e aos seus interesses, além permitir o estabelecimento de significados, têm grande importância para seu desenvolvimento psíquico e afetivo, permitindo-lhe vivenciar diferentes papéis sociais. Sobre a imitação, ele afirma que a criança

5 [...] reproduz ativamente e assimila o que vê nos adultos, aprende as mesmas relações e desenvolve em si mesma os instintos primários do que irá necessitar na futura atividade (VYGOTSKY, 2001, p.120). A linguagem faz com que pensamentos e emoções de uma pessoa possam habitar a outra. Para Luria (1985) a aquisição de um sistema lingüístico supõe a reorganização de todos os processos mentais da criança. A palavra passa a ser assumida como um fator excepcional que dá forma à atividade mental, aperfeiçoa o reflexo da realidade e cria novas formas de atenção, de memória, de imaginação, de pensamento e de ação. Assim, Luria (1979, p.82) complementa que: [...] a importância da linguagem para a formação da consciência consiste em que ela efetivamente penetra todos os campos da atividade consciente do homem, eleva a um novo nível o desenvolvimento dos processos psíquicos. Desse modo, o ser humano constitui-se como um ser único, tornando-se não só um produto de seu meio, mas agente ativo nesse ambiente. Ao mesmo tempo esse instrumento psicológico, a linguagem, permite o desenvolvimento de funções primordiais como a percepção, a atenção, a memória. Sokolov (1969) explica que memória é como o reflexo do que existiu no passado, ou seja, o registro, a conservação, a reprodução dos vestígios da experiência anterior e possibilita operar com esses vestígios mesmo após o desaparecimento dos fenômenos que provocaram tais marcas. Percebe-se com essa reflexão, a importância da memória para a vida e a atividade humanas. Sem a fixação dos fatos por meio da memória, o ser humano não poderia acumular experiências, para utilizá-las em outras atividades, não reconheceria os objetos em sua volta, nem poderia representá-los, nem pensar sobre eles quando não presentes, portanto, não poderia orientar-se no meio que o rodeia. Sem fixar a experiência na memória não seria possível nenhum ensino, nenhum desenvolvimento intelectual e nem prático. Em outras palavras, o homem é homem por forjar-se em um ambiente social, cultural, fundamentalmente histórico.

6 Foi possível observar que a música ajuda a desenvolver a capacidade de concentração imediata, de persistência e de dar respostas ã constante variedade de estímulos; facilita a aprendizagem ao manter em atividade os neurônios cerebrais. A criança memoriza um repertório de canções e conta conseqüentemente com um arquivo, informações referentes a desenhos melódicos e rítmicos que utiliza com freqüência nas canções que canta e inventa, pois desde antes do seu nascimento tem contato com o mundo sonoro e musical, e mesmo antes de falar pode-se ver o bebê cantar, gorjear e experimentar sons vocais diversificados. A música estimula também a memória verbal e escrita, pois uma canção pode ser o relatório de uma leitura, e as notas ensejam o mesmo significado das palavras. Amplia seu repertório de palavras e a sua visão de mundo, não com repetições monótonas, mas com conhecimentos que fazem parte de sua vida e por meio da apropriação de bens culturais produzidos socialmente. Nesta perspectiva, Sokolov (1969, p.205) escreve que: [...] se fixa melhor aquilo que tem um significado importante para a vida, aquilo que está relacionado aos interesses e as necessidades do sujeito. Vygotsky (1989) contribui para essa reflexão ao explicar que a memória, fantasia ou imaginação são funções complexas e dialeticamente inter-relacionadas e são manifestadas apenas no ser humano. Para ele, tudo o que nos rodeia e foi criado pelo homem, ou seja, o mundo da cultura é produto da imaginação e da criação humanas. Para Smirnov (1969) a imaginação é a capacidade de produzir do sujeito, criar algo novo, que até então não existia, ou utilizar algo existente para um fim até então desconhecido. Desse modo, quando os escritores, pintores e artistas em geral criam suas obras, se inspiram em observações e aprendizagens ocorridas durante de sua vida. Ostrower (1987, p.189)ao referir-se a esse processo de criação, afirma que [...] não encara a criatividade como propriedade exclusiva de alguns raríssimos eleitos, mas como potencial próprio da condição do ser humano. Nesse sentido, precisamos reconhecer a relevância do estímulo à capacidade criadora no âmbito da educação

7 escolar e assim como seu papel e importância para o desenvolvimento cultural da criança. Com base nessa visão, podemos afirmar que a música pode ser usada para produzir um estado de flexibilidade, pode abrir caminhos para um fluxo amplo de idéias, de fantasias, e assim, estreitar laços nas relações sociais e estimular a criatividade nos indivíduos. De acordo com Mignone (1961), a verdadeira atividade criadora em música consiste na improvisação de ritmos inventados por meio de jogos rítmicos e melodias, manifestações de criação espontânea com instrumentos de percussão, gestos que acompanham as cirandas e dramatizações. Nesse contexto, a criança se sente livre para brincar, sem imposições, mesmo quando o brinquedo musical se transforma em jogo e apresenta regras. Também a atenção é uma função de grande relevância para o desenvolvimento psíquico da criança. Gonobolin (1969) explica que o fundamento fisiológico da atenção está na excitabilidade ótima centrada em determinadas zonas do córtex cerebral e na inibição simultânea das demais zonas corticais; explica também o papel importantíssimo da atenção nas funções perceptivas que são premissas indispensáveis para qualquer atividade humana. Luria (1991) argumenta que o homem tem a capacidade de selecionar os estímulos mais importantes dentre os inúmeros recebidos para sua atividade, sem essa seletividade, não ocorreria o pensamento organizado voltado para a solução dos problemas colocados em seu cotidiano. A atenção pode ser dividida em dois componentes: a atenção involuntária em que aparece um estímulo onde não existia, mas em dado momento atua sobre o sujeito, principalmente quando se refere a todas as diferenças sensíveis, por sua forma, seu tamanho, sua cor e a duração de sua ação. E a atenção voluntária, baseada na atividade consciente, com base nas conexões formadas pela experiência passada, entre uma e outra tarefa.

8 Para Luria (1991), é grande a importância da instrução verbal do adulto para a orientação da atenção seletiva da criança, pois para que ela ocorra, é necessária uma síntese prévia dos elementos nela incluídos. Segundo o autor [...] a formação da atenção arbitrária abre caminho para a compreensão dos mecanismos interiores dessa complexíssima forma de organização de atividade consciente do homem, que desempenha papel decisivo em toda a sua vida psíquica (LURIA, 1991, p.35). É importante ressaltar que na musicalização, ao trabalharmos com instrumentos de percussão, em situações em que as crianças tocam e param nos momentos indicados pelo gesto do professor, estamos auxiliando-as a desenvolver a atenção seletiva de forma lúdica e prazerosa. Sokolov (1969) comenta que a atenção e a percepção são funções fundamentais, que se encontram na base do desenvolvimento das demais capacidades de modo que o raciocínio, a memória e a imaginação entre outras, não se estabelecem e não operam sem essa participação efetiva. Ressalta também que é por meio da mediação, via linguagem e consequentemente pela aprendizagem de conteúdos, do conhecimento contido em instrumentos físicos e simbólicos que essas funções especificamente humanas são formadas. De posse dessas informações indagamos sobre as condições para o desenvolvimento dessas importantes funções psicológicas, a atenção e a percepção, no contexto escolar. O desenvolvimento da atenção pressupõe atividades por força da motivação (motivo da ação) e que desperte o interesse das crianças. Sugerimos não sobrecarregá-las com estímulos, evitando o oposto da atenção seletiva, que é a distração. Aprender a escutar com concentração e disponibilidade para tal, faz parte do processo de formação de seres humanos sensíveis e capazes de perceber, sentir, relacionar, pensar e comunicar-se. Escutar é perceber e entender os sons por meio do sentido da audição, detalhar e tomar consciência do fato sonoro. Akoschky (apud BRITO 2003, p.182) comenta que [...] a escuta tem grande importância na Educação Infantil, pois todos os demais conteúdos se alinhavam por meio da audição e da percepção.

9 O universo sonoro deve ser apresentado natural e intencionalmente, proporcionando às crianças contato com grande variedade de sons produzidos pela voz humana, pelas máquinas e também pela música. Ao cantar coletivamente, aprendemos a ouvir a nós mesmos, ao outro e ao grupo. Dessa forma, desenvolvemos também aspectos da personalidade, como atenção, concentração, cooperação, espírito de coletividade e palavras do vocabulário, tão importantes para a alfabetização. Nessa perspectiva, Luria (1991, p.91) escreve [...] a linguagem humana dispõe de todo um sistema de códigos sonoros, à base dos quais se constroem os seus elementos significantes: as palavras. O mundo das excitações sonoras do homem é determinado por fatores de origem histórico-social, ainda que dialeticamente relacionados aos biológicos, explica ele. Para o sujeito distinguir os sons do discurso ou fonemas não basta possuir um bom ouvido, mas percebê-los por um complexo trabalho de discriminação dos indícios essenciais do discurso e de abstração dos traços estranhos utilizados para tal distinção. Portanto, segundo Akoschky (1974) a percepção se aperfeiçoa na medida em que se ampliam as experiências e conhecimentos do sujeito. Pela análise das impressões recebidas o cérebro desmembra e, simultaneamente, estrutura os elementos diferenciados. A percepção é uma conquista progressiva: é uma interpretação dos dados que atinge a pessoa por meio dos sentidos, conduta complexa que envolve o jogo da experiência, a memória, os quadros de referência. Graças a essa atividade o indivíduo estabelece a comunicação, que transcende o simples contato sensorial com o mundo circundante: a percepção lhe permite a compreensão. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por meio dos estudos estabelecidos com os autores da teoria Histórico-cultural, relacionados neste texto, podemos compreender o sujeito como um ser social fruto das relações estabelecidas no grupo social em que está inserido. Percebemos também, que o

10 desenvolvimento das funções psicológicas superiores não acontecem de forma espontânea, mas dependem principalmente das condições sócio-culturais a que é submetido. Com a apropriação desse conhecimento nos foi possível estabelecer uma reflexões e observações da prática pedagógica com maior clareza, compreendendo que a cada atividade planejada e organizada intencionalmente para a formação do pensamento infantil está diretamente relacionada ao conteúdo apresentado pelo professor. É importante ressaltar que [...] o trabalho com a música deve considerar, que ela é um meio de expressão e forma de conhecimento acessível aos bebês e às crianças, inclusive àquelas que apresentem necessidades especiais, [...] por ser um excelente meio para o desenvolvimento da expressão, do equilíbrio, da auto estima, do auto conhecimento, além de ser um poderoso meio de integração social (RCNEI,1998.p.49). Em crianças que já estudam musicalização e artes desde o berçário e hoje estão em média com 3 anos e meio a 4 anos, percebemos a diferença positiva no desenvolvimento em relação as outras crianças recém chegadas na escola, desenvolvimento este da percepção auditiva, memória, atenção, coordenação motora, trazendo as suas próprias experiências de fora da escola, principalmente na fala. Este trabalho está sendo realizado em uma escola particular na qual as crianças têm acesso a esse aprendizado, mas o mesmo não acontece com crianças de algumas escolas públicas do município, investigadas por nós. Constatamos a necessidade da instrumentalização desses professores para a utilização dessa linguagem em todos os contextos escolares. Para Bakhtin (1982) os signos são suscetíveis a transformações e dessa forma também podem transformar a linguagem. Nesse contexto, cada signo torna-se um fragmento da realidade historicamente construída pelos sujeitos. Signos esses, que são materializados por meio das múltiplas linguagens (verbais ou não-verbais) ampliando as possibilidades de leitura do objeto, pois toda a linguagem artística possui uma organização que preconiza a comunicação e a interação.

11 Nesta ótica, a música como linguagem tem muito a contribuir com a sua expressividade por meio das manifestações/produções sonoras, movimentos corporais e ritmos que utilizam os sentidos humanos, fazendo com que a criança adquira a leitura do ser individual e social, transformando suas relações interpessoais. É válido ressaltar que Loureiro (2007, p.138) enfatiza o papel da música na alfabetização, pois afirma ser importante [...] acreditar que a vivência da música e apreensão da linguagem musical e sonora são fundamentais no momento da alfabetização, favorecendo o contato com a dimensão abstrata, com formas simbólicas de codificação/decodificação e a estruturação do conhecimento. Assim como a alfabetização não visa à prática literária, a musicalização não visa a formação de musicistas, mas sim, a exploração da musicalidade da criança e a consciência do universo sonoro que a cerca. De acordo com Leontiev (1978) se trabalharmos com metodologias de ensino condizentes com as necessidades dos alunos poderemos levá-los a consideráveis progressos. Nessa perspectiva, é fundamental que o professor tenha consciência da importância de apropriar-se dos significados, conceitos, pesquisas, estudos, enfim do conhecimento produzido pelos homens ao longo de sua história, para que possa estabelecer uma prática escolar transformadora, contribuindo dessa forma, para uma nova concepção de homem, de sociedade e de mundo. REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. BRASIL. Referencial Curricular Nacional: Educação Infantil. Brasília MEC/SEF 1998, 3 v. BRITO T.A. Música na Educação Infantil. São Paulo: Peirópolis,2003

12 LEONTIEV A. O desenvolvimento do psiquismo. São Paulo: Horizonte Universitário, 1978. LURIA & YUDOVICH. Linguagem e desenvolvimento intelectual da criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. Curso de psicologia geral. São Paulo: Civilização Brasileira, 1979, 1 v. Curso de psicologia geral. São Paulo: Civilização Brasileira, 1991, 2 v. Curso de psicologia geral. São Paulo. Civilização Brasileira, 1991, 3 v. MIRANDA-NETO M.H.; MOLINARI S.L.; SANTANA, D.M. Relações entre estimulação, aprendizagem e plasticidade do sistema nervoso. Arq.Apadec, 6(1):9-14,2002. MIGNONE, L.C. Guia para o professor de recreação musical. São Paulo: Ricorde 1961. LOUREIRO A.M.A. O ensino da música na escola fundamental. São Paulo: Papirus,2003. NASH J.M. Cérebros Férteis. Time Magazine. V.149, n 6 (10 de fevereiro de 1997) p.32-40, tradução do inglês de Thomas Bonnici. SMOLKA, A. L; NOGUEIRA, A. L. Desenvolvimento Cultural da Criança: mediação, dialogia e (inter)regulação. In: OLIVEIRA, M. K. (Org). Psicologia, Educação e as Temáticas da Vida Contemporânea. São Paulo: Moderna, 2006. OSTROWER F. Criatividade e processos de criação. Rio de Janeiro: Vozes, 1987. SMIRNOV A. A. LEONTIEV A. E; RUBINSTHEIN S. L; TIEPLOV B. M. (org). Psicologia. México: Grijaldo, 1969. VYGOTSKY L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ìcone, 1998.. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001.. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989.