MARIANA SILVA ARANHA ALTERAÇÕES CARDIOCIRCULATÓRIAS NO HIPERTIREOIDISMO FELINO

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MARIANA SILVA ARANHA ALTERAÇÕES CARDIOCIRCULATÓRIAS NO HIPERTIREOIDISMO FELINO Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação apresentado à faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Botucatu, SP, para obtenção do grau de médico veterinário Preceptor: Profa. Ass. Dra. Maria Lucia Gomes Lourenço Botucatu 2011

MARIANA SILVA ARANHA ALTERAÇÕES CARDIOCIRCULATÓRIAS NO HIPERTIREOIDISMO FELINO Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação apresentado à faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Botucatu, SP, para obtenção do grau de médico veterinário Área de Concentração: Clínica Médica de Pequenos Animais Preceptor: Profa. Ass. Dra. Maria Lucia Gomes Lourenço Coordenador de Estágios: Profa Titular Jane Megid Botucatu 2011

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉC. AQUIS. TRATAMENTO DA INFORM. DIVISÃO DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CAMPUS DE BOTUCATU - UNESP BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: ROSEMEIRE APARECIDA VICENTE Aranha, Mariana Silva. Alterações cardiocirculatórias no hipertireoidismo felino / Mariana Silva Aranha. Botucatu [s.n.], 2011 Trabalho de conclusão de curso (bacharelado - Medicina Veterinária) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia Orientador: Maria Lucia Gomes Lourençol Capes: 5050007 1. Felídeo. 2. Miocárdio Doenças. 3. Hipertireoidismo. Palavras-chave: Cardiomiopatia hipertrófica; Gatos; Tireóide.

A persistência é o caminho do êxito. Charles Chaplin (1889-1977)

ARANHA, MARIANA SILVA. Alterações cardiocirculatórias no hipertireoidismo felino. Botucatu, 2011. Trabalho de conclusão de curso de graduação (Medicina Veterinária, Área de Concentração: Clínica de Pequenos Animais) Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Campus Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. RESUMO A doença endócrina que mais afeta felinos no mundo é o hipertireoidismo. O excesso de hormônios tireoidianos na circulação leva a um estado hipermetabólico que afeta todos os sistemas do organismo, e um dos mais atingidos é o cardiocirculatório. As alterações que incluem mais comumente hipertrofia ventricular, hipertensão e tromboembolismo, também são encontradas em alterações cardíacas primárias. Está revisão aborda os mecanismos e alterações causadas pelo hipertireoidismo no sistema cardiocirculatório, e sua importância no diagnóstico diferencial. Palavras chave: cardiomiopatia hipertrófica,gatos, tireóide

ARANHA, MARIANA SILVA. Cardiovascular changes in the feline hyperthyroidism. Botucatu, 2011. Trabalho de conclusão de curso de graduação (Medicina Veterinária, Área de Concentração: Clínica de Pequenos Animais) Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Campus Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. ABSTRACT The most common endocrinal disease in the cat is hyperthyroidism. The excess of the thyroidal hormones in the circulation causes a hipermetabolic state, which leads to changes in all the systems of the organism. One of the most affected being the cardiovascular. The most common changes are the ventricular hypertrophic, hypertension and thromboembolism, which also occur in primary heart disease. This revision addresses the mechanism and modifications caused by the hyperthyroidism in the cardiovascular system and its importance in the differentials diagnosis. Key words: hypertrophic cardiomyopathy, cats, thyroid.

SUMÁRIO Resumo...4 Abstract...5 1. INTRODUÇÃO...7 2. REVISÃO DE LITERATURA...9 3. CONCLUSÃO...15 4. REVISÃO DE LITERATURA...16

1. INTRODUÇÃO Dentre as doenças endócrinas que mais afetam os felinos, o hipertireoidismo é a mais comum. Também é uma das endocrinopatias mais diagnosticadas na clínica de pequenos animais na Europa, Japão e Estados Unidos (Mooney, 2009). Contudo os casos de diagnóstico da doença no Brasil são poucos, o que pode ser justificado pelo pouco conhecimento da enfermidade e a baixa procura de serviços veterinários para a espécie. Porém com o crescente número de felinos, principalmente em grandes centros urbanos, o diagnóstico da doença no Brasil tende a crescer (Cunha et al., 2008). O primeiro relato de hipertireoidismo felino ocorreu em 1979, e o número de casos diagnosticados vem se expandindo desde então. Sua incidência tem grande variação em diferentes países, sendo de 17,4% no Reino Unido e 4% em Hong Kong.(Mooney, 2009). Animais de meia idade a idosos são os mais afetados pela doença, apesar de o diagnóstico já ter sido realizado em animais mais jovens. O Hipertireoidismo é uma alteração clínica causada pelo excesso de produção e secreção da tiroxina (T4) e triiodotironina (T3) pela glândula tireóide (Feldman & Nelson, 2004). É quase sempre relacionada a uma alteração primária e autônoma da glândula tireóide, independente de alterações hipofisárias ou do hipotálamo. (Cunha, et al, 2008)(Feldman & Nelson, 2004). A lesão mais comum encontrada é a hiperplasia adenomatosa multinodular, e menos freqüente o adenoma (Mooney, 2009). Em 70% dos casos ambos os lobos da glândula tireóide é acometido. A ação dos hormônios tireoidianos no organismo envolve os metabolismos protéicos, carboidratos e lipídicos, como também a produção de calor, que junto com uma maior estimulação adrenérgica leva o organismo a um estado hipermetabólico gerando as manifestações

clínicas da doença. As mais relatadas são: perda de peso (98%), polifagia (81%), hiperatividade (76%) e taquicardia (66%) (Mooney, 2009). Um dos sistemas afetados pelo hipertireoidismo é o cardiocirculatório, dentre essas alterações se encontram taquicardia, hipertensão, sopros, complexos prematuros e ritmo de galope (Feldman & Nelson, 2004), são alguns dos achados mais importantes no exame físico que sugerem um diagnóstico de hipertireoidismo (Mooney, 2009). Na doença devido à ação direta do hormônio no miocárdio ocorre um aumento da contratilidade, velocidade e função cardíaca. Que leva ao desenvolvimento de um quadro de cardiomiopatia hipertrófica, podendo evoluir para insuficiência cardíaca. Um diagnóstico precoce é de grande importância, já que foi observado que a gravidade das alterações está relacionada com o tempo de exposição à tireotoxicose (Casamian, 2009). Devido os sinais clínicos e faixa etária acometida serem semelhantes a de doenças cardíacas primárias, é de grande importância que o hipertireoidismo esteja sempre incluído entre os diagnósticos diferenciais em gatos idosos com alterações cardíacas (Feldman & Nelson, 2004). Dessa forma esta revisão pretende abordar as alterações cardíacas e seus mecanismos no hipertireoidismo felino.

2. Revisão de Literatura A glândula tireóide é formada por estruturas pares, alongadas, com dimensões de dois centímetros de comprimento e 0,3 de largura. Tem coloração vermelho escura e é localizada na região proximal da traquéia, caudalmente à laringe (Cunha et al., 2008). Os hormônios da tireóide afetam processos metabólicos, enzimáticos e hormonais por todo o organismo (Casamian, 2009). No hipertireoidismo a arquitetura folicular normal da glândula é substituída por tecido hiperplásico, podendo conter nodulações bem definidas de diferentes tamanhos (Mooney, 2009). Essa hiperplasia multinodular adenomatosa é de caráter benigno, e é a causa mais comum da doença. Com menor freqüência, a causa pode ser um adenoma da tireóide e em raros casos podem ocorrer carcinomas foliculares e carcinomas papilares (Feldman & Nelson, 2004). Apesar de ter sua patologia bem descrita, a etiologia da doença não foi elucidada. Esta é provavelmente complexa e multifatorial. Estudos epidemiológicos evidenciaram que não há predisposição sexual. Foi observado que animais das raças Siâmes e Himalaio são menos susceptíveis, e a alimentação somente com ração enlatada pode aumentar o risco de desenvolvimento da doença (Mooney, 2009) (Scherk, 2009) A quantidade de iodo presente nas rações em lata é de grande variação, podendo ser 10 vezes maior do que o recomendado, sendo considerado o fator de progressão da doença (Mooney, 2009). A faixa etária afetada varia de quatro a 20 anos, porém 95% dos casos ocorrem em animais com mais de 10 anos (Cunha et al., 2008). Os sinais clínicos aparecem progressivamente e podem ser confundidos com sinais de envelhecimento, dessa forma a doença pode estar em evolução há alguns meses antes da realização do diagnóstico

(Mooney, 2009). A causa dos sinais ocorre em grande parte devido ao aceleramento da taxa metabólica basal, elevação do consumo tecidual de oxigênio e devido ao aumento no número de receptores, uma maior sensibilidade as catecolaminas (Cunha et al., 2008). Os sinais mais descritos são a perda de peso e a polifagia, 98% e 81% respectivamente. A polifagia é causada pelo aumento da demanda energética, apesar do aumento da ingestão calórica a perda de peso é causada pelos gastos energéticos e pela síndrome de má absorção gerada pela hipermotilidade intestinal, que também podem ser acompanhados por esteatorréia (Feldman & Nelson, 2004) (Scherk, 2009). Outros sinais comuns, e que causam grande preocupação nos proprietários de pacientes afetados é a hiperatividade e comportamento agressivo. Devido aos efeitos diretos no sistema nervoso, os hormônios da tireóide também afetam o sistema renal, aumentando o fluxo sanguíneo local, a taxa de filtração glomerular, reabsorção e secreção tubular, levando a um quadro de poliúria e polidipsia. Isso ocorre em menos de 50% dos casos, e pode ser resultado de uma doença renal concomitante (Feldaman & Nelson, 2004) (Mooney, 2009). Outros sinais clínicos que ocorrem no felino hipertireóideo são vômito, diarréia, anorexia, dispnéia e alopecia. Cerca de 90% dos casos apresentam uma glândula tireóide palpável (Mooney, 2009). Os sinais cardíacos são achados clínicos de grande importância, pois alertam o clínico para a possibilidade de hipertireoidismo, já que é a principal causa secundária de cardiomiopatias em felinos (French, 2008). Cerca de 66% apresentam taquicardia, 53% sopro cardíaco e 12% insuficiência cardíaca congestiva (Mooney, 2009). O excesso de hormônios tireoidianos induz a produção de uma isoforma da miosina, que acelera a interação entre a actina e a miosina no músculo cardíaco, aumentando a contratilidade. A elevação da atividade Ca + -ATPase no retículo sarcoplasmático e no número de canais de cálcio também

contribuem na contratilidade (Cardoso, 2005) (Casamian, 2009). O transporte de outros íons também é regulado pelos hormônios tireoidianos, e causam aumento na frequência cardíaca (Casamian, 2009). Os efeitos inotrópicos e cronotrópicos ocorrem por estímulos ao sistema nervoso simpático (Mooney, 2009). O excesso de hormônios tireoidianos na circulação aumenta diretamente a atividade do sistema nervoso simpático e eleva a resposta cardiovascular à estimulação simpática por aumentar o número e a afinidade por receptores β- adrenérgicos (Feldman & Nelson, 2004). A estimulação pelas catecolaminas causa desenvolvimento de outras alterações cardíacas como taquicardia sinusal e arritmias atriais. Na circulação periférica ocorre aumento no metabolismo celular, e consequentemente o consumo de oxigênio, o que acarreta na liberação de substâncias vasodilatadoras, que juntamente com os efeitos vasodilatadores diretos do T3 na circulação periférica leva a uma baixa resistência vascular periférica (Casamian, 2009). As alterações acima, juntamente com os mecanismos renais para retenção de fluídos, levam a um aumento de volume sanguíneo. O principal mecanismo compensatório para a situação é a hipertrofia e a dilatação de câmaras (Feldman & Nelson, 2004). Em raros casos ocorre o desenvolvimento de cardiomiopatia dilatada no hipertireoidismo (Mooney, 2009) Em Cardoso et al. (2005) foram analisadas alterações em parâmetros clínicos por 42 dias em 19 gatos com hipertireoidismo experimental, todos os animais apresentaram aumento progressivo da frequência cardíaca, porém somente dois apresentaram batimentos acima de 240 por minuto, indicando taquicardia. Esse estudo mostra que mesmo

em um curto período de tempo, as alterações cardíacas já podem ser observadas. No exame ecocardiográfico as alterações mais encontradas são: hipertrofia ventricular esquerda, espessamento do septo intraventricular e dilatação atrial esquerda. A hipercontratilidade do miocárdio é mostrada pelo aumento da fração de encurtamento (Mooney, 2009) (Feldman & Nelson, 2004). São semelhantes a alterações encontradas em felinos com cardiomiopatia hipertrófica primaria (MacDonald, 2009). O exame ecocardiográfico é de extrema importância, pois 29 em cada 30 gatos hipertireoídeos apresentam alterações no exame (Feldman & Nelson, 2004). A administração de T4 em gatos normais causou uma hipertrofia massiva em ambos os ventrículos, com aumento de 60% do direito e 86% no esquerdo (Feldman & Nelson, 2004). Nos raros casos onde ocorre a cardiomiopatia dilatada, as alterações observadas são redução na contratilidade ventricular e dilatação ventricular evidente (Mooney, 2009). Em Oliveira et al. (2010) foram realizados ecocardiogramas em nove gatos com tireotoxicose induzida por um período de 70 dias. O estudo teve como resultado uma diminuição estatisticamente significante da luz do ventrículo esquerdo dos animais. 44% apresentaram aumento na parede ventricular esquerda e do septo interventricular. Mostrando uma hipertrofia concêntrica causada pela hipercinética cardíaca. Estas alterações também são observadas no hipertireoidismo endógeno. Outras alterações importantes observadas no hipertireoidismo são o aumento da fração de encurtamento, disfunção sistólica e dilatação do átrio esquerdo, que pode indicar uma maior gravidade, com risco de tromboembolismo e arritmias supraventriculares. Este quadro provavelmente está relacionado com uma maior cronicidade da doença, e não foi evidente no quadro agudo promovido no experimento.

O exame radiográfico não pode diferenciar a cardiomiopatia primária da causada pelo hipertireoidismo, já que as alterações quando presentes são as mesmas (Feldman & Nelson, 2004). Cerca de 50% de gatos afetados apresentam cardiomegalia de moderada a intensa (Mooney, 2009), porém menos de 5% apresentam insuficiência cardíaca com edema pulmonar ou efusão pleural, que são os achados mais importantes do exame radiográfico. Entre as alterações de ritmo e frequência, a mais comum encontrada é a taquicardia, presente em cerca de 60% dos casos (Mooney, 2009), mas aumento da frequência é visto em 100% dos casos (Cardoso, 2005). Outras alterações na auscultação são o ritmo de galope e taquicardia sinusal. No exame eletrocardiográfico as alterações mais encontradas são taquicardia (42%) e o aumento da amplitude da onda R (22%) (Feldman & Nelson, 2004). Outros achados são arritmias ventriculares e supraventriculares, desvio de eixos, alargamento do complexo QRS (Mooney, 2009). Todos os mecanismos não foram elucidados, mas em casos onde ocorre dilatação atrial, esta pode dar origem a arritmias supraventriculares (Oliveira, 2010). Nas cardiomiopatias felinas, uma grave complicação que pode ser responsável pelo óbito do animal é o tromboembolismo arterial (Oliveira, 2010). É observado em casos onde ocorre dilatação atrial, onde o fluxo turbilhonado ativa os fatores de coagulação, que juntamente com a lesão endotelial, permitem a formação do trombo e sua aderência na parede atrial (Atikins, 2010). Uma vez que o trombo se desloca e aloja-se em uma artéria, dependendo de seu tamanho, pode causar uma obstrução no fluxo e impedir a perfusão do membro ou órgão afetado. O sintoma mais comum é a paralisia de membros pélvicos (MacDonald, 2009). Entretanto não é uma alteração comum no hipertireoidismo, sua ocorrência é bem menos frequente do que na cardiomiopadia primária. (Atikins, 2010).

A hipertensão em animais de companhia é reconhecida como uma alteração secundária de doenças como o hipertireoidismo e doença renal (Carr, 2009). Um fato importante na mensuração da pressão arterial em felinos é o efeito jaleco branco, que em hipertireoideos é ainda mais acentuado (Graves, 2010). Um estudo demonstrou uma prevalência de 87% de hipertensão em gatos com hipertireoidismo, comparando normais e com doença renal (Graves, 2011). Contudo os efeitos do estresse podem ter sido subestimados (Chetboul & Biourge, 2008). Em estudos mais recentes a prevalência observada varia de 5 a 20% (Graves, 2011). A origem da hipertensão no hipertireoidismo é multifatorial, inclui a alta frequência cardíaca, os efeitos cronotrópicos e inotrópicos e a ativação do sistema renina angiotensina aldosterona (Chetboul & Biourge, 2008). Sinais clínicos observados na hipertensão grave incluem hemorragia de retina, edema e descolamento (Feldman & Nelson, 2004). No entanto estas alterações são raras no hipertireoidismo (Casamian, 2008). Um estudo não encontrou lesões oculares de hipertensão em gatos com hipertireoidismo (Graves, 2010). Pode se presumir que o hipertireoidismo só causa hipertensão grave se acompanhado por alteração renal (Mooney, 2009). Após o tratamento da doença pode não haver melhora no quadro hipertensivo, sugerindo outros fatores como idade, doença renal e remodelamento vascular (Casamian, 2008). A cardiomiopatia hipertrófica causada pelo hipertireoidismo tem como principal complicação a evolução para um quadro de insuficiência cardíaca congestiva, mas não é um desfecho comum para a doença (Mooney, 2009). Aproximadamente 10 a 15% dos casos sofrem a evolução (Oliveira, 2010). Os principais sinais da insuficiência são a tosse, distrição respiratória, abafamento de sons cardíacos e ascite (Feldman & Nelson, 20004).

Com um tratamento adequado levando ao quadro de eutireoidismo as alterações cardiovasculares podem sofrer regressão (Mooney, 2009). Alterações no eletrocardiograma podem desaparecer (Feldman & Nelson, 2004). Em humanos com hipertireoidismo foi demonstrado em um experimento clínico (Smit, 2005) com utilização de placebos, reversão na disfunção diastólica de pessoas com alterações cardíacas causadas pelo hipertireoidismo, esta melhora ocorreu em um período de seis meses e teve resultados estatisticamente significantes. 3. CONCLUSÃO As alterações causadas pelos hormônios tireoidianos no sistema cardiovascular são de grande importância, pois auxiliam na suspeita e consequentemente diagnóstico da enfermidade. Devido a um maior conhecimento da doença, o diagnóstico agora é realizado mais precocemente, levando a alterações cardíacas menos evidentes do que nos anos 80 quando a doença teve seus primeiros relatos. No início a proporção que desenvolvia insuficiência cardíaca congestiva estava entre 20 e 25%, hoje em dia por ser menor que 5% (Casamian, 2008). Em Mooney (2009) é dito que atualmente menos de 10% dos gatos apresentam alterações ecocardiográficas, no entanto como demonstrado em Oliveira, et al. (2010), alterações evidentes no exame acontecem antes de um estágio crônico da doença. No caso da hipertensão, é claro que existe uma relação entre ela e o hipertireoidismo, entretanto sua causa pode não ser exclusivamente cardíaca, pode estar associada a uma alteração renal prévia ou mesmo induzida pela doença. O caso de menos alterações encontradas devido ao diagnóstico precoce, não pode ser aplicada a realidade do Brasil, pois o número de casos relatados é muito baixo (Cunha, 2008). Já que frequentemente as

alterações do hipertireoidismo são confundidas com as da senilidade. É de grande importância que o hipertireoidismo se torne um diagnóstico diferencial de rotina na clínica de pequenos animais, sempre que ocorrerem alterações cardíacas este deve ser realizado, dessa forma evitando a progressão da doença e o aparecimento de lesões mais graves e irreversíveis. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ATIKINS, C. Systemic Arterial Embolysm in Cats. In: Congreso Latino Americano de Emergencia y Cuidados Intensivos, 2010, Buenos Aires. Proceedings of LAVECCS, Buenos Aires, 2010. CARR, A. P. Treatment od hypertension. Ettinger, S. J. & Feldman, E. C. Textbook of Veterinary Internal Medicine. Missouri: Elsevier Saunders, 2009. CARDOSO, M. J. L. et al, Manifestações clínicas em gatos com hipertireoidismo. Archives of Veterinary Science,Brasil, v.10, n. 2, p. 135-144, 2005 CASAMIAN, D. Cardiovascular effects os systemic or endocrine diseases. In: Southern European Veterinary Conference, 2009, Barcelona. Proceeding of the SEVC, Barcelona, 2009. CUNHA, M. G. M. C. M; et al. Hipertireoidismo Felino. Ciência Rural. Santa Maria, v. 38, n.5, p.1486-1494, 2008. CHETBOUL, V; BIOURGE, V. Acquired cardiovascular diseases in cats: the influence of nutrition. In:Pibot, P; Elliot, D; BIOURGE, V. Encyclopedia of feline clinical nutrition. St Charles: Royal Canin, 2008. P323-356.

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