A ESSENCIALIDADE DA INTERVENÇÃO PRECOCE EM CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

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Transcrição:

A ESSENCIALIDADE DA INTERVENÇÃO PRECOCE EM CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL 2016 Sarah Camila Almeida Dobrochinski Psicóloga da APAE de Sorocaba/SP. Graduada pela Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto/SP - Brasil. Pós-graduada: Master of Science in Behavioral Science pela Cameron University - Lawton/OK - USA. Acadêmica do Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Neuropsicologia e as Interfaces com as Neurociências da Unifadra Faculdades de Dracena/SP Brasil. sarahdobro@hotmail.com Cláudia Regina Parra Psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas/SP - Brasil. Mestre em Educação pela Universidade do Oeste Paulista Presidente Prudente/SP Brasil. Docente e coordenadora do Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Neuropsicologia e as Interfaces com as Neurociências da Unifadra Faculdades de Dracena/SP Brasil. claudiaparra@uol.com.br RESUMO A deficiência intelectual pode acarretar comprometimento significativo nas áreas do desenvolvimento neuropsicomotor. Assim, o presente estudo objetiva refletir acerca da essencialidade da intervenção precoce para o desenvolvimento de crianças com deficiência intelectual, no âmbito da neuroplasticidade, da perspectiva centrada na família e da atuação por equipe interdisciplinar. Palavras-chave: Intervenção precoce, estimulação precoce, deficiência intelectual, neuroplasticidade. Sarah Camila A. Dobrochinski, Cláudia Regina Parra 1 Siga-nos em

1. INTRODUÇÃO Deficiência intelectual envolve limitações significativas no funcionamento intelectual e no funcionamento adaptativo, com início no período de desenvolvimento (APA, 2013). Funcionamento intelectual diz respeito a uma habilidade mental geral que envolve raciocínio, resolução de problemas, planejamento, pensamento abstrato, compreensão de ideias complexas, julgamento, aprendizado acadêmico e aprendizado a partir da experiência. Funcionamento adaptativo engloba uma gama de habilidades referentes a comunicação, cuidados pessoais, habilidades sociais, utilização dos recursos da comunidade, saúde e segurança, habilidades acadêmicas, lazer e trabalho; habilidades tais que influenciam nas tarefas cotidianas, independência pessoal e vida social (ALMEIDA, 2012; APA, 2013; SCHALOCK, 2010). A etiologia da deficiência intelectual ainda é mal compreendida e cerca de metade dos casos não são esclarecidos. Trata-se de um quadro caracterizado por uma alta e variável expressividade e pela manifestação de uma grande gama de fenótipos, desde síndromes genéticas conhecidas a características não sindrômicas e desordens psicológicas e/ou psiquiátricas (PEREIRA, 2014). Fatores biológicos e ambientais são possivelmente identificados como associados à deficiência inteletcual, os quais vão desde condições genéticas e infecciosas até condições precárias de vida, negligência e abuso infantil. Estas condições são vistas como potenciais causas e/ou fatores de riscos que, na maior parte das vezes, possuem um efeito conjugado e, inclusive, cumulativo para o quadro de deficiência intelectual (GURALNICK, 2005). Assim, pessoas com deficiência intelectual apresentam tanto déficits em funções intelectuais como déficits em funções adaptativas, possibilidade de comprometimento do desenvolviemnto neuropsicomotor por alterações estruturais e/ou funcionais neurológicas (MATTOS; BELLANI, 2010), o que pode resultar na necessidade de apoio nos aspectos de vida diária, na escola, no trabalho e/ou para uma vida independente. O apoio necessário varia de acordo com diversos aspectos como condições pessoais, situações de vida, faixa etária, histórico de acompanhamento, estimulação e intervenção precoce para habilitação e reabilitação (CAPE, 2013). Para o presente estudo, foi realizado um levantamento bibliográfico sobre o tema da deficiência intelectual e suas implicações no desenvolvimento de crianças com este diagnóstico, assim como acerca das contribuições da neuropsicologia para as intervenções necessárias, levantando reflexões acerca de métodos, técnicas e possibilidades interventivas. Sarah Camila A. Dobrochinski, Cláudia Regina Parra 2 Siga-nos em

2. DESENVOLVIMENTO Legarda e Miketta (2012) definem estimulação precoce como conjunto de atividades que propicie, fortaleça e desenvolve adequada e oportunamente os potenciais humanos de um bebê ou uma criança nas áreas socioafetiva, linguagem, cognitiva, motora. As atividades aumentam o controle emocional proporcionando sensação de segurança e prazer e ampliam as habilidades mentais, facilitando a aprendizagem. São atividades que podem ser realizadas com qualquer criança e que beneficiariam o desenvolvimento ativo e satisfatório (HERREN, 1989). A intervenção precoce potencializa o desenvolvimento de crianças com déficits intelectuais e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, direcionando as trajetórias e marcos desenvolvimentais, prevenindo complicações secundárias e garantindo benefícios a longo prazo. Trata-se de uma ação efetiva que proporciona estímulos, facilita aquisições de habilidades e enriquece as vivências dessas crianças nos primeiros anos de vida. (MAIA et. al., 2002; GURALNICK, 2004, 2005) Meisels e Shonkoff (2000) aprofundam a definição como o conjunto de serviços multidisciplinares que promovem saúde e bem-estar, reforçam competências emergentes, minimizam atrasos no desenvolvimento, remediam disfunções, previnem deterioração funcional e promovem capacidades parentais adaptativas. A literatura reconhece premissas fundamentais no âmbito dos trabalhos de intervenção precoce (a) a importância dos primeiros anos de vida, considerando a neuroplasticidade; (b) perspectiva centrada na família; (c) e sua natureza interdisciplinar (SERRANO, ABREU, 2010). Investigações na área de neurologia clarificam a importância dos primeiros anos de vida como uma etapa crítica para as formações sinápticas e redes neurais e, consequentemente, para as estratégias de intervenção precoce, dado a neuroplascticidade do cérebro nesta fase da vida humana (NELSON, 2000; BAILEY et. al., 2001; NATIONAL SCIENTIFIC COUNCIL ON THE DEVELOPING CHILD, 2007; LEGARDA, MIKETTA, 2012). Os estímulos ambientais, cognitivos e afetivos são chaves para as interconexões neurais, possibilitando vias de transmissão de informações entre várias áreas do cérebro, um funcionamento cerebral mais integrado e o favorecimento da aquisição da aprendizagem. Ressalta-se também que esse período inicial da vida é, ao mesmo tempo, de grande oportunidade e de grande vulnerabilidade para o desenvolvimento cerebral e, consequentemente, neuropsicomotor. No âmbito da deficiência intelectual, onde o desenvolvimento neuropsicológico encontra-se prévia e supostamente comprometido, os estímulos tornam-se ainda mais imprescindíveis. Sarah Camila A. Dobrochinski, Cláudia Regina Parra 3 Siga-nos em

Infelizmente, as evidências científicas mostram impactos negativos da privação de estímulos e experiências nos circuitos cerebrais, mas não significam necessariamente que o excessivo enriquecimento produza melhorias mensuráveis na arquitetura cerebral (NATIONAL SCIENTIFIC COUNCIL ON THE DEVELOPING CHILD, 2007). Por outro lado, experiências profissionais diárias no acompanhamento de crianças com deficiência intelectual, que iniciam intervenção em tempo precoce, permitem a observação de diferenças no alcance dos marcos desenvolvimentais em comparação com crianças que iniciam o acompanhamento em um tempo mais tardio. É fundamental reiterar que trata-se de uma afirmação com base observacional, que muitas variáveis podem estar envolvidas e, principalmente, que existe a necessidade de estudos científicos que corroborem-a. Estudos com foco em crianças com Sindrome de Down (anormalidade cromossômica que tem como uma das possíveis consequências a deficiência intelectual) trazem dados semelhantes, enfatizando a importância do trabalho interventivo, garantindo o desenvolvimento, minimizando as dificuldades e comprovando a possibilidade da neuroplasticidade (MOREIRA et. al., 2000; SILVA; KLHEINHANS, 2006). No desenvolvimento cerebral, diferentes circuitos neurais, cada um responsável por funções mentais distintas, amadurecem em momentos diferentes da vida de uma criança. Assim, é importante que as experiências proporcionadas sejam apropriadas para cada estágio do desenvolvimento (NATIONAL SCIENTIFIC COUNCIL ON THE DEVELOPING CHILD, 2007). Reitera-se a importância dos primeiros anos de vida como o primeiro estágio de desenvolvimento, mas também como alicerce para os demais estágios. Em termos da intervenção precoce no diagnóstico de deficiência intelectual, busca-se a estimulação global da criança, visando o desenvolvimento de suas capacidades bem como sua independência no dia-a-dia, respeitando a fase em que ela se encontra (APAE, 1985). Afirma-se o princípio básico da neuroplasticidade inicial, porém nem toda a arquitetura cerebral se forma apenas nos primeiros anos da criança. A neuroplasticidade cerebral continua durante a vida adulta e os circuitos neurais, especialmente os especializados em aprendizagem, podem, ainda, se adaptar em resposta a experiências, mesmo que parcialmente. Esta capacidade neuroplástica residual permite a circuitos neurais maduros alguma recuperação de capacidades cerebrais, mesmo em adultos (GROSSMAN et. al., 2003; NATIONAL SCIENTIFIC COUNCIL ON THE DEVELOPING CHILD, 2007). Assim, o trabalho interventivo realizado na primeira infância, preferencialmente com o acompanhamento de profissionais, necessita de uma continuidade ao longo da vida do indivíduo, o que pode ser alcançado e garantido pela participação, envolvimento e conscientização da família ou responsáveis. A perspectiva centrada na família garante efeitos mais favoráveis e resultados mais positivos com a participação familiar ativa na prática do tratamento e a continuidade deste em casa (SILVA; Sarah Camila A. Dobrochinski, Cláudia Regina Parra 4 Siga-nos em

KLHEINHANS, 2006; MATTOS; BELLANI, 2010). Almeja-se que este envolvimento familiar seja consentido e desejado também pelos responsáveis, garantindo assim comprometimento com a estimulação adequada nas intervenções propostas. Bailey et. al. (1992) designou premissas fundamentais no âmbito desta perspectiva: (a) a intervenção junto à criança tem influências na família e esta intervenção junto com as famílias impactua a criança, já que ambos atores estão estritamente interligados; (b) a intervenção envolvendo e apoiando a família é, provavelmente, mais poderosa que aquela centrada exclusivamente na criança; (c) faz-se necessário a capacidade de escolha pelos membros familiares em relação ao nível de envolvimento no planejamento do programa, nos processos de decisão e na implementação das intervenções; e (d) os profissionais devem considerar os objetivos e as intervenções prioritárias para a criança e a família. Vale ressaltar que o ambiente/contexto no qual a criança está inserida é crítico para seu desenvolvimento; e a família é o primeiro universo de interação social da criança, podendo proporcionar condições adequadas para o seu crescimento, para o aprendizado, para aquisições de habilidades, especialmente em se tratando de crianças com deficiência intelectual com a necessidade de atenção e cuidados específicos (SILVA; DESSEN, 2001; MATTOS; BELLANI, 2010). Mattos e Bellani (2010) afirmam que a estimulação pode e deve ser feita nos locais de convivência da criança e que a participação familiar é fundamental na recuperação e integração social da mesma: As estratégias para a criação de ambientes favoráveis devem adaptar-se às necessidades locais e às possibilidades específicas da família, considerando seus aspectos sociais, culturais e econômicos (MATTOS & BELLANI, 2010, p. 58). O reconhecimento de que a família é o contexto principal para a promoção e para o desenvolvimento da criança carrega a especificidade do significado desta perspectiva destacada acima. Isto carrega o respeito pelas escolhas da família e pelos seus processos de decisão e, também, a ênfase nas competências tanto da criança quanto de sua família, e na parceria entre esta e a equipe interdisciplinar (PEREIRA, 2009). Os cuidados pertinentes a crianças com deficiência intelectual trazem complexidade e diversidade de demandas; e, assim, os serviços de atendimento prestados precisam refletir essa amplitude. Uma equipe interdisciplinar desejada para o acompanhamento em intervenção precoce incluiria as áreas de psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, fisioterapia, psicopedagogia e especialidades médicas que podem variar caso a caso. A atuação desta equipe possibilita a colaboração de vários profissionais com importantes papéis terapêuticos; conhecimentos e qualificações distintas e, ao mesmo tempo, complementares. Com a integração da equipe, alcança-se um atendimento especializado com garantia das necessidades globais de cada criança, da busca e estabelecimento da independência e inserção social da mesma. Sarah Camila A. Dobrochinski, Cláudia Regina Parra 5 Siga-nos em

Os objetivos e metas de um programa de Intervenção precoce devem ser traçados no âmbito dessas necessidades globais, sendo os principais (ARAÚJO; SOUZA, s/d apud PERUZZOLO; COSTA, 2015): (a) desenvolvimento de capacidades sensório-perceptivas; (b) controle e executabilidade de movimentos (postura, equilíbrio, locomoção, coordenação de partes fundamentais do corpo); (c) desenvolvimento dos aspectos cognitivos, por meio do conhecimento do ambiente, e dessa forma estabelecendo relações de causa-efeito, compreensão dos fenômenos de seu meio e a resolução de problemas do cotidiano; (d) desenvolvimento de habilidades sócioemocionais que lhe propiciem melhora nos contatos interpessoais; (e) aquisição de hábitos básicos nos cuidados de si mesma, através de recursos próprios e aqueles que o meio disponibiliza; (f) aquisição de experiências e informações que a integrem no ambiente sócio-cultural; (e) motivação e orientação aos pais e demais participantes da família, por se tratar dos principais agentes promotores de estimulação junto à criança, particularmente em casa. Estes objetivos e metas, entre outros, podem ser assegurados com atuação da equipe acima descrita. E em coerência com uma abordagem centrada na família, todo este contexto de atendimento interdisciplinar exige não somente o abandono de papéis tradicionais desempenhados pelos profissionais como também a adoção e aplicação de valores e competências implementados em todas as etapas do processo de apoio. Estes profissionais não podem mais considerar-se os únicos detentores do conhecimento e das escolhas certas, alienando a família do processo (PEREIRA, 2009). Os familiares não só aprendem com os profissionais como contribuem, agregam com suas experiências, partilhando da construção de todo o processo. Com esse envolvimento familiar, o processo de estimulação torna-se mais efetivo e eficaz, garantindo avanços no desenvolvimento e levando a criança a se tornar mais ativa e com maior fortalecimento de sua personalidade, situação familiar e social. Portanto, os profissionais da equipe terapêutica devem ir além do contexto de atendimento, interar-se do contexto e situação familiar e adaptar as práticas terapêuticas de acordo com os aspectos levantados, considerando a continuidade das intervenções no ambiente familiar. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS É possível concluir acerca da essencialidade da intervenção precoce para o desenvolvimento de crianças com deficiência intelectual, principalmente considerando os três pilares deste trabalho: a neuroplasticidade, o envolvimento familiar e o atendimento interdisciplinar. Segundo Navarro (2008), a estimulação precoce é uma ciência baseada principalmente nas neurociências, na pedagogia e nas psicologias cognitiva e evolutiva; é implementada através de Sarah Camila A. Dobrochinski, Cláudia Regina Parra 6 Siga-nos em

programas construídos com a finalidade de favorecer o desenvolvimento integral da criança (p. 5). A implementação de programas de intervenção precoce por parte do setor público constituiria tanto um investimento social e humano como garantiria o acesso aos direitos das pessoas com deficiência intelectual. Peruzzolo e Costa (2015) discorrem que estes progamas atingiriam a prevenção das deficiências e diminuição de agravamento; e abrangiriam não somente este público específico, para as quais sua aplicação é imprescindível, mas também a todo contingente demográfico infantil considerado vulnerável à aquisição de deficiências (p.2). E por fim, destacamos a flexibilização do profissional, em especial na interação com a família, uma vez que o diálogo entre familiares e equipe interdisciplinar deve ser priorizado. Este processo interativo possibilita explorar opções de atuação, garantir a confiança mútua e efetuar orientações coerentes sobre a continuidade do tratamento em casa e sobre necessárias adaptações de rotina, de maneira que os resultados sejam efetivos e a evolução alcançada. Sarah Camila A. Dobrochinski, Cláudia Regina Parra 7 Siga-nos em

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, M. A. (Org.). Deficiência Intelectual: Realidade e Ação. Secretaria da Educação, Núcleo de Apoio Pedagógico Especializado CAPE, São Paulo: SE, 2012, 153 p. : il. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 5. ed. Washington: American Psychiatric Association, 2013. ASSOCIAÇÃO DE PAIS E AMIGOS DOS EXCEPCIONAIS (APAE). Setor de Estimulação Precoce Centro de Habilitação. Estimulação precoce: guia de orientação a pais. São Paulo: APAE, 1985. BAILEY, D. B. et. al. Critical thinking about critical periods. A Series from the National Center for Early Development and Learning. Brookes Publishing, Baltimore, MD 21285-0624, 2001. Bailey, D. B., Buysse, V., Edmondson, R., & Smith, T. M. Creating family centered services in early intervention: Perceptions of professionals in four states. Exceptional Children, 58(4), 1992, p. 298-309. GROSSMAN, A. W. et. al. Experience effects on brain development: possible contributions to psychopathology, Journal of Child Psychology and Psychiatry, 44, 2003, p. 33-63. GURALNICK, M. J. Family investments in response to the developmental challenges of young children with disabilities. In: Kalil, A; Deleire, T. (Org.) Family Investments in Children s Potential: Resources and Parenting Behaviors that Promote Success, Lawrence Erlbaum, Mahwah, NJ, 2004, p. 119 137. GURALNICK, M. J. Early intervention for children with intellectual disabilities: Current knowledge and future prospects. Journal of Applied Research in Intellectual Disabilities, 2005, 18, 313-324. Sarah Camila A. Dobrochinski, Cláudia Regina Parra 8 Siga-nos em

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