PNEUMOLABIRINTO: UMA CONSEQUÊNCIA RARA DA FRATURA DO OSSO TEMPORAL

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Cadernos Otorrinolaringologia. CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO 1 15 Maio de 2013 NEUROTOLOGIA PNEUMOLABIRINTO: UMA CONSEQUÊNCIA RARA DA FRATURA DO OSSO TEMPORAL PNEUMOLABYRINTH: AN UNUSUAL FINDING IN A TEMPORAL BONE FRACTURE Diana Cunha Ribeiro 1, Ana Margarida Amorim 2, Bruno Gomes 3, Rita Fonseca 4, Felisberto Maricato 5, Carlos Ribeiro 6, António Diogo Paiva 7 1 Interno ORL 2 Assistente Hospitalar ORL 3 Interno Neurorradiologia 4 Audiologista 5 Assistente Hospitalar Graduado ORL 6 Chefe de Serviço ORL 7 Diretor de Serviço ORL CHUC Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Autor responsável: Diana Cunha Ribeiro Morada: Rua Álvaro Correia, nº65 3020-493 Coimbra tlm: 912410491 dianacunharibeiro@gmail.com RESUMO O pneumolabirinto, que se traduz pela presença de ar no interior do labirinto, é raramente encontrado nas fraturas do osso temporal, constituindo um diagnóstico radiológico. Uma fístula perilinfática é uma comunicação patológica entre o ouvido interno e o ouvido médio. A TC é o exame goldstandart no diagnóstico de um pneumolabirinto, e consequente fístula perilinfática. Na literatura existem cerca de 16 casos descritos de pneumolabirinto na população pediátrica. Apresentamos um caso de uma doente de 14 anos, com o diagnóstico de pneumolabirinto secundário a um traumatismo craneoencefálico, e fazemos uma revisão das opções de tratamento e fatores de prognóstico. Palavras-chave: Pneumolabirinto, Fratura do osso temporal, Vestíbulo, Cóclea, Traumatismo craneoencefálico. ABSTRACT Pneumolabyrinth, the presence of air within the labyrinth, is rarely found in temporal bone fractures and is a radiological diagnosis. A perilymphatic fistula (PLF) is an abnormal communication between the middle ear and inner ear. The computed tomography (CT) is the goldstandart on diagnosis of pneumolabyrinth and consequently PLF. 16 cases overall of pneumolabyrinth in the paediatric population have been described in the literature. We present a case of a 14 year-old girl, with secundary pneumolabyrinth to a head trauma and review the literature regarding the diagnosis, management and prognostic factors. Key-words: Pneumolabyrinth, Temporal bone fracture, Vestibule, Cochlea, Head trauma.

2 Cadernos Otorrinolaringologia. CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO INTRODUÇÃO O conceito de pneumolabirinto foi introduzido por Mafee et al., 1 quando visualizou a presença de densidade de ar no labirinto, associada a fratura da platina do estribo, numa Tomografia Computadorizada (TC). Outras causas de pneumolabirinto têm sido descritas na literatura, 2 nomeadamente: 1. causas iatrogénicas, tais como, deslocamento de uma prótese de estapedectomia para o interior do vestíbulo ou cocleostomia na cirurgia de implante coclear 3,4 2. traumatismo direto do ouvido externo e membrana timpânica, causando luxação estapedovestibular 4-7 3. barotrauma 8 Na literatura existem cerca de 16 casos descritos de pneumolabirinto na população pediátrica. 2 A TC é o exame goldstandart no diagnóstico de um pneumolabirinto, e consequente fístula perilinfática. Apresentamos o caso de uma doente, cujo pneumolabirinto secundário a traumatismo craneoencefálico (TCE), com fratura do osso temporal, foi diagnosticado por TC. E fazemos uma revisão das opções de tratamento e dos fatores de prognóstico. CASO CLÍNICO Doente de 14 anos, sem antecedentes de patologia otológica ou TCE prévio. Apresentou um episódio de acidente de bicicleta, não presenciado, com queda e posterior amnésia para o sucedido, seguido de vómitos incoercíveis, períodos de confusão e sonolência. Deu entrada no Serviço de Urgência (SU), hemodinamicamente estável, apresentando como alteração no exame neurológico nistagmus (NTG) horizonto-rotatório para a esquerda, grau II de Alexander. Realizou TC-CE que detetou ténue traço de fratura na porção posterior da escama temporal, com alinhamento ósseo, que se prolonga inferiormente à mastoide. Foi pedida colaboração ORL no segundo dia de internamento por noção de diminuição da acuidade auditiva à direita e acufeno ipsilateral. Quando questionada, a doente referia sensação de vertigem rotatória, associada a vómitos desde o acidente, com melhoria progressiva. Ao exame ORL apresentava membrana timpânica íntegra, com preenchimento sero-hemático nos quadrantes inferiores à direita. Ao exame acumétrico apresentava Rinne não percetível à direita e positivo à esquerda e Weber lateralizado para a esquerda. Mantinha presença de NTG grau II, de Alexander. MOC sem alterações (confirmado com registo videonistagmográfico). Prova de Fukuda-Unterberger impossível de realizar. Romberg e prova dedo-nariz, sem alterações. Sem sinal de fístula perilinfática. Sem outras alterações otoneurológicas. Foi pedida TC dos ouvidos (Fig. 1, 2 e 3), que detetou a presença de fratura linear, não desalinhada, da região posterior da escama temporal, não sendo evidente a extensão deste traço de fratura à porção petrosa do temporal. Visualizando-se pequenas coleções gasosas a nível do canal semicircular (CSC) superior direito, que sugerem a presença de solução de continuidade. Não foram detetadas outras alterações, nomeadamente ao nível da cadeia ossicular ou nas janelas redonda ou oval. Fig. 1, 2 e 3 TC-CE e Ouvidos: presença de fratura linear, não desalinhada, da região posterior da escama temporal, não sendo evidente a extensão deste traço de fratura à porção petrosa do temporal. Visualizando-se pequenas coleções gasosas a nível do canal semicircular (CSC) superior direito, que sugeriam a presença de solução de continuidade. Não foram detetadas outras alterações, nomeadamente ao nível da cadeia ossicular ou nas janelas redonda ou oval. FIG. 1,2,3

Cadernos Otorrinolaringologia. CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO 3 Na audiometria tonal (Fig. 4), apresentava surdez neurossensorial de grau severo à direita e audição normal à esquerda. Timpanograma tipo A bilateralmente, sem reflexos estapédicos à direita. PROVAS CALÓRICAS (VNG AO 8º MÊS) FIG. 6 A doente realizou repouso no leito durante 10 dias e tratamento médico com corticoterapia endovenosa, vestibuloplégicos, vasodilatadores e tratamento tópico nasal. A doente apresentou melhoria progressiva da vertigem, com desaparecimento da mesma ao 5º dia e desaparecimento do acufeno ao 3º dia. Nos exames audiométricos de controlo aos 15, 30 dias e 3 meses, houve manutenção dos limiares audiológicos de D15 (Fig. 5). Realizou videonistagmografia (VNG) após 3 e 8 meses, que revelaram arreflexia vestibular direita, com preponderância direcional esquerda, portanto não compensada (Fig. 6), mas já com ausência do NTG espontâneo observado inicialmente. Head Shaking Test positivo para a esquerda. E preponderância esquerda na prova rotatória pendular amortecida e nas provas rotatórias sinusoidais (Fig. 7). Realizou posturografia dinâmica de diagnóstico (Synapsys Posturography System) (Fig. 8) após 8 meses, que revelou: perturbação de equilíbrio dinâmica, vestibular, principalmente no plano AP, com implicação das estruturas centrais na regulação postural. Os limites de estabilidade estão diminuídos. Não há dependência visual. Nos testes de estimulação vestibular, revelou maior perturbação nos testes dinâmicos no plano horizontal e frontal. Apesar do referido, apresenta uma performance de equilíbrio com ajustes posturais eficazes e uma correta capacidade de antecipação e adaptação à repetição dos estímulos perturbadores, e não há risco significativo de queda. PROVAS ROTATÓRIAS SINUSOIDAIS (VNG AO 8º MÊS) FIG. 7 A doente mantém-se assintomática e em consultas de follow-up. FIG. 4 AUDIOGRAMA TONAL D2 POSTUROGRAFIA DINÂMICA (APÓS 8 MESES) FIG. 8 Parâmetros de Avaliação: Teste de Organização Sensorial Estático Completo Teste de Organização Sensorial Estático Completo Somest. Visual Vestibul. Prefere. Global FIG. 5 AUDIOGRAMA TONAL D15 AP 89 90 90 82 49 60 73 54 53 66 RO 241 139 85 AP cond1 cond2 cond3 cond4 cond5 cond6 Ensaio 1 90,3 81,5 56,6 78,4 37,2 14,2 Ensaio 2 83,1 74,1 56,6 78,1 48,0 4,0 99 97 84 82 82 74 78 74 75 68 ML cond1 cond2 cond3 cond4 cond5 cond6 ML Ensaio 1 93,9 93,2 80,5 82,8 62,9 60,6 Ensaio 2 94,7 94,5 79,9 77,4 67,0 39,5

4 Cadernos Otorrinolaringologia. CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO DISCUSSÃO As fraturas do osso temporal são classicamente divididas em longitudinais, transversas ou mistas, sendo que a designação indica a orientação do traço de fratura relativamente ao eixo longitudinal da porção petrosa do osso temporal. 9,10 Outra classificação clínica e radiológica das fraturas do osso temporal divide-se em fraturas que poupam a cápsula ótica versus fraturas que envolvem a cápsula ótica. 9,11 As fraturas que envolvem a cápsula ótica estão associadas a elevada incidência de paralisia do nervo facial, perda de LCR e surdez neurossensorial. 9,11 Pneumolabirinto ou pneumocóclea são condições nos quais o vestíbulo ou cóclea estão preenchidos por ar, indicando uma conexão patológica entre o ouvido médio e o ouvido interno. As opções de tratamento do pneumolabirinto, devido a fratura do osso temporal, podem ser conservadoras ou incluir tratamento cirúrgico, mediante a realização de uma timpanotomia exploradora, com posterior encerramento da fístula existente. A exploração cirúrgica é recomendada, se se detetarem alterações imagiológicas compatíveis com sinais evidentes de fístula perilinfática, nomeadamente deslocamentos da cadeia ossicular, com luxação do estribo. Salienta-se a importância da posição do estribo, condição essencial na determinação da sua realização. Yamasoba et al. 12 referem que a realização de TC de elevada resolução do osso temporal facilita o estudo do estribo e é muito importante sobretudo quando o doente apresenta surdez neurossensorial progressiva ou flutuante, ou sintomatologia vertiginosa persistente. De acordo com os estudos, existem 3 fatores preditivos de melhoria da audição, nomeadamente: nível de condução óssea no início da doença, existência de lesão estapédica e tempo de intervalo até à cirurgia. 3 O prognóstico dos sintomas vestibulares é mais favorável que o prognóstico dos sintomas auditivos, em casos de pneumolabirinto. 3 O efeito da presença de ar no interior do ouvido interno não é claro. Postula-se que o ar cause alteração na propagação da onda sonora através da membrana basilar. Ar no interior da rampa vestibular apresenta um elevado impacto e muitas vezes um efeito irreversível na audição. Fisiopatologicamente, uma vez que a membrana de Reissner é pouco resistente à pressão do ar, esta irá condicionar o colapso do espaço endolinfático do ducto coclear. Assim, com a rotura da membrana de Reissner e consequente mistura do líquido endolinfático e perilinfático, vão existir importantes modificações metabólicas (diminuição da osmolalidade e da concentração de potássio), causando apoptose das células ciliadas externas. Já a presença de ar na rampa timpânica resulta em menor perda auditiva e maior reversibilidade após remoção do mesmo. 2,13,14 No nosso caso, optámos por tratamento conservador, uma vez que na TC não se detetaram alterações ao nível do estribo, nem se visualizou nenhum traço de fratura evidente ao nível da cápsula ótica. A evolução favorável de sintomatologia vestibular, sugere fortemente a absorção da bolha de ar presente no CSC direito. Reflete também a rápida capacidade de compensação central espontânea existente nas crianças/ jovens, que apesar de tudo, se mantém ainda incompleta quando estudada a nível laboratorial, o que nos leva a indicar reabilitação vestibular. A irreversibilidade da função auditiva poderá ser consequência de eventual concussão labiríntica, causada pelo TCE. CONCLUSÃO Este caso enfatiza a necessidade de uma observação otológica imediata de todos os doentes, particularmente crianças que apresentam sintomatologia do foro otológico, após TCE. Se se suspeitar de fratura do osso temporal, deve ser realizado estudo imagiológico no sentido de esclarecer a existência de uma fístula perilinfática, seguindo-se, conforme cada caso, a eventual realização de timpanotomia exploradora, que fará o diagnóstico definitivo. Presentemente ainda não existem guidelines para o tratamento do pneumolabirinto pós-traumático, devido ao reduzido número de casos documentados na literatura, devendo avaliar-se caso a caso. BIBLIOGRAFIA 1. Mafee MF, Valvassori GE, Kumar A, et al.: Pneumolabyrinth: a new radiologic sign for fracture of the stapes footplate. Am J Otol, vol (5):374-5 (1984). 2. Martin CA, Gabrillargues J, Louvrier C, Montalban A, Gilain L, Mom T: Fracture violating the otic capsule following paediatric head trauma: association of a pneumolabyrinth with a pneumo-internal auditory canal and pneumoencephaly. Int J Ped Oto, vol (7):162-7 (2012). 3. Tsubota M, Shojaku H, Watanabe Y: Prognosis of inner ear function in pneumolabyrinth: case report and literature review. Am J Otolaryngol, vol (30):423 6 (2009). 4. Yamasoba T, Amagai N, Karino S: Traumatic luxation of the stapes into the vestibule. Otolaryngol Head & Neck Surg, vol (129):287 90 (2003). 5. Tringali S, Ceruse P, Zaouche S, Dubreuil C: Luxation traumatique de l étrier dans le vestibule: aspect radiologique ET conduit à tenir. Ann Otolaryngol Chir Cervicofac, vol (123):340 3 (2006). 6. Ederies A, Yuen HW, Chen JM, Aviv RI, Symons SP: Traumatic stapes fracture with rotation and subluxation into the vestibule and pneumolabyrinth. Laryngoscope, vol (119):1195 7 (2009). 7. McGhee MA, Dornhoffer JL: A case of barotraumas-induced pneumolabyrinth secondary to perilymphatic fistula. Ear, Nose & Throat J, vol (79):456 9 (2000). 8. Pashley NRT: Simultaneous round and oval window fistulae in a child. Ann Otol Rhinol Laryngol, vol (91):332 5 (1982). 9. Gross M, Ben-yaakov A, Goldfarb A: Pneumolabyrinth: an unusual finding in a temporal bone fracture. Int J Ped Oto, vol (67):553 5 (2003). 10. Gurdjian ES, Lissner HR: Deformation of the skull in head injury studied by the stresscoat technique, quantitative determinations. Surg Gynecol Obstet, vol (83):219 33 (1946). 11. Dahiya R, Keller JD, Litofsky NS, Bankey PE, Bonassae LJ, Megerian CA: Temporal bone fractures: otic capsule sparing versus otic capsule violating clinical and radiographic considerations. J Trauma, vol (47):1079 83 (1999).

Cadernos Otorrinolaringologia. CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO 5 12. Yanagihara N, Nishioka I: Pneumolabyrinth in perilymphatic fistula: report of three cases. Am J Otol, vol (8):313 7 (1987). 13. Kobayashi T, Itoh Z, Sakurada T, Shiga N, Takasaka T: Effects of perilymphatic air perfusion on cochlear potentials. Acta Otolaryngol, vol (110):209 16 (1990). 14. Kobayashi T, Sakurada T, Ohyama K, Takasaka T: Inner ear injury caused by air intrusion to the scala vestibuli of the cochlea. Acta Otolaryngol, vol (113):725 30 (1993).