Os pracinhas na Itália



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Transcrição:

16 Aureliano Moura A luta antes da guerra Desfile da 1ª DIE, em março de 1944. Na foto, um grupo de normalistas acompanhava atentamente a primeira exibição pública da tropa expedicionária, no Rio de Janeiro O Brasil penou para transformar, em tempo recorde, um exército obsoleto e mal treinado numa força moderna, apta a enfrentar uma guerra na Europa Q uando o Brasil se envolveu na Segunda Guerra Mundial e começou a se preparar para participar ativamente, pela primeira vez na sua história, de um conflito armado em outro continente, teve antes de tudo que superar a sua dura realidade de nação subdesenvolvida. Contava, naquele momento, com um exército pequeno, mal armado e pouco adestrado. Eram muitos, enfim, os obstáculos a serem vencidos. Nomeado comandante da Primeira Divisão de Infantaria Expedicionária (1ª DIE), a primeira das três divisões inicialmente previstas, o general João Batista Mascarenhas de Moraes recebeu a missão de organizar a tropa, dando-lhe condições de combate para enfrentar uma das mais eficientes máquinas bélicas do mundo: a alemã. Não foi uma tarefa fácil. Nosso exército, na época, adotava uma organização e uma doutrina baseadas nos cânones da Missão Militar Francesa, que prestou assessoria ao exército brasileiro nas primeiras décadas do século XX, até 1940. Os militares franceses continuavam apegados a velhos conceitos que remontavam à Primeira Guerra Mundial, enquanto os americanos se modernizavam, dispondo inclusive de armamento muito mais sofisticado. Além de ter de agüentar críticas freqüentes de companheiros de farda germanófilos, como eram chamados os simpatizantes do III Reich e os adeptos da ideologia fascista. Mascarenhas teve de organizar uma divisão, nos moldes norte-americanos, de uma hora para outra.

nossa H 17 janeiro 2005 Não se tratava de reciclar o Exército, mas sim de formar e adestrar um novo exército, dentro de princípios totalmente diferentes. Manuais escritos em inglês tiveram que ser traduzidos às pressas. Todo o material bélico e os equipamentos de fabricação norte-americana que seriam usados pela tropa brasileira na Itália eram, até então, desconhecidos dos oficiais. Para complicar a situação, as unidades designadas para integrar a 1ª DIE estavam dispersas por vários estados. Algumas organizações militares tiveram que ser criadas, como foi o caso do 1º Batalhão de Saúde, do 1º Esquadrão de Reconhecimento Mecanizado e da Companhia de Manutenção. Tudo isso foi feito com muita dificuldade e lentidão. Faltavam motoristas, eletricistas, radiotelegrafistas, mecânicos de automóvel, mecânicos de rádio e outros profissionais que tinham de ser formados em prazo recorde. Os uniformes e os equipamentos usados pela nossa tropa também não eram apropriados para o clima europeu, e os militares brasileiros desconheciam, até então, os veículos de transporte que seriam usados na Itália. Tudo, enfim, era novidade, e este fato dificultou muito o adestramento da tropa. Houve necessidade de reciclagem de oficiais e formação de graduados especialistas, alguns mandados para cursos e estágios nos Estados Unidos. Militares norte-americanos, por sua vez, foram enviados ao Rio de Janeiro, a fim de assessorarem a nosso exército, em colaboração com os oficiais e sargentos brasileiros. Poucos desses instrutores falavam português ou espanhol, o que exigia a presença de intérpretes. Muitos deles eram oficiais da reserva, sem a mínima experiência de combate, motivo de discordâncias e desavenças com oficiais brasileiros, de boa formação e hierarquicamente superiores. O número insuficiente de capitães e tenentes para completar a tropa fez com que aspirantes da Academia Militar e oficiais formados pelos Centros de Preparação de Oficiais da Reserva fossem convocados e ingressassem diretamente na Força Expedicionária Brasileira (FEB). Os oficiais da reserva eram quase todos profissionais liberais. Assim, médicos e dentistas, entre outros profissionais, viraram de repente oficiais combatentes. Cursos de emergência para médicos civis foram organizados na Escola de Saúde do Exército e em algumas universidades. Um pequeno número de mulheres também foi convocado, recebendo patente de sargento de saúde e logo promovidas a tenentes. Professores de medicina se transformaram em oficiais superiores. Para melhor conhecer a situação e ter a oportunidade de realizar contatos com os comandos norteamericanos e franceses no teatro de operações, o general Mascarenhas, acompanhado por oficiais de seu estado-maior, seguiu para uma visita ao norte da África e à Itália. No continente africano visitaram campos de treinamento onde as tropas norte-americanas eram recicladas, antes de entrar em combate. Essa oportunidade nunca foi dada aos nossos soldados. Na realidade, eles foram adestrados em combate. Apenas os integrantes do primeiro contingente brasileiro (o 1º Escalão) realizaram curtos estágios em divisões norte-americanas, após chegarem na Itália. Pouco tempo lhes foi dado para se familiarizarem com o novo armamento e os veículos que teriam de usar. Em março de 1944, a 1ª DIE foi concentrada na capital da República, para fins de instrução e treinamento, com todas as deficiências existentes. No dia 31, a Divisão desfilou no centro do Rio de Janeiro, quando foi delirantemente aplaudida pelo povo ao longo da Avenida Rio Branco. ACERVO CASA DA FEB Médicos da FEB, entre eles o tenente-médico Lutero Vargas, filho de Getúlio Vargas (o 3º, em pé, da direita para a esquerda). Abaixo: na chegada do 1º Escalão à Itália, em julho de 1944, o general Mascarenhas de Moraes (à esquerda) cumprimenta um militar representante das forças aliadas

18 Soldados brasileiros desembarcam do navio General Mann, em Nápoles. Em solo italiano, a tropa não tardou a se defrontar com penúrias: barracas e agasalhos ficaram no Brasil, calçados e uniformes não resistiriam muito tempo Franzinos, doentes, desnutridos. Mas sabiam lutar Coube à Diretoria de Saúde do Exército, no início de 1943, a missão de selecionar os combatentes que seriam enviados ao front na Itália. Deveriam ser escolhidos cerca de 200 mil homens, num prazo de noventa dias. As dificuldades fizeram no entanto com que essas diretrizes iniciais fossem alteradas, pelo próprio Estado-Maior: o efetivo a ser selecionado foi reduzido para 100 mil homens e o prazo ampliado. À ficha de seleção médica, semelhante à usada pelo exército dos Estados Unidos, deveria ser anexado um laudo relativo a exame psiquiátrico. Este desde logo foi abandonado, pelos atritos causados entre os selecionados e os componentes das juntas médicas. Aqueles ficavam ofendidos com perguntas relativas a sexo, que consideravam indiscretas, e com certos exames, como de hemorróidas ou varicocele, que segundo eles feriam sua masculinidade. Como a grande maioria dos convocados era oriunda da área rural do interior do país, trazendo consigo muitos preconceitos, houve necessidade de adaptar os exames às peculiaridades da cultura regional. Na proporção em que milhares de jovens brasileiros foram sendo selecionados, o elevado número de incapazes causou surpresa e preocupação. Houve cortes por dentadura deficiente (cerca de 70% na Amazônia); por incapacidade física (de 8% a 10% na Amazônia e Nordeste); por doenças sexualmente transmissíveis (principalmente a blenorragia); por parasitoses e outras moléstias infecciosas. Apesar de todas as limitações, aqueles homens, na maioria caboclos, alguns com dentaduras maltratadas, quase sempre de pequena estatura e sem o físico avantajado dos anglo-saxões, souberam superar a sua própria condição em terreno e clima a que não estavam habituados. Com freqüência improvisando proteções, como foi o caso do uso de palha ou papel jornal nos galochões, para proteger os pés do frio e da umidade. A adoção dos índices e coeficientes dos norte-americanos foi um erro. Faltou percepção de uma realidade nacional específica, o que hoje certamente não se repetiria. O homem brasileiro não possui um biótipo padrão, em face de sua diversidade étnica e suas origens, e, portanto, sua avaliação terá sempre de se basear em critérios e índices puramente brasileiros.

nossa H 19 janeiro 2005 Devido à presença permanente de submarinos inimigos nas costas brasileiras, o embarque da FEB cobriu-se do maior sigilo. Tudo foi planejado, com muito cuidado, em conjunto com os norte-americanos, de modo que nenhuma informação pudesse chegar aos ouvidos dos espiões alemães em serviço no Rio de Janeiro. Para transportar-se, a FEB foi dividida em cinco escalões distintos que partiram em datas diferentes. O êxito do embarque condicionavase à rapidez com que os homens e o material fossem acomodados e à manutenção do segredo. Entre os dias 28 a 30 de junho, sempre à noite, embarcou o 1º Escalão, no Cais do Porto do Rio de Janeiro. A tropa só foi saber que não se tratava de mais um exercício quando se viu diante do General Mann,o navio de transporte norte-americano que a levaria para a Itália. Na manhã de 2 de julho o General Mann deixava a Guanabara, rumo a Nápoles. Seguiu protegido por navios brasileiros e norte-americanos até Gibraltar, onde houve troca de escolta. Dois dias após a partida, seria sustada a organização das outras duas divisões inicialmente previstas pelo governo brasileiro. Quatorze dias depois o navio entrava na baía de Nápoles. A tropa permaneceu em Astroni, sua primeira escala, por 15 dias, quatro deles alimentando-se com enlatados, dormindo ao relento e à mercê das intempéries. É que parte da bagagem dos nossos soldados tinha ficado no Brasil. Não tinham vindo com eles barracas, material bélico e os agasalhos. Conforme havia sido combinado, tudo deveria ser fornecido pelos norte-americanos (e indenizado pelo Brasil). Mas nada foi providenciado, sob alegação de os oficiais não terem sido alertados para essa previsão. Já nos primeiros dias, os calçados começaram a dar sinal de que não resistiriam por muito tempo. O mesmo ocorreu com os uniformes, esgarçados por causa dos exercícios físicos. Eram realmente de má qualidade, não só pelo tipo do tecido mas também pela confecção mal cuidada, fruto da pressa e de uma economia descabida. Procurando sanar essas deficiências, Mascarenhas dirigiu-se pessoalmente à Base de Suprimento (PBS) mais próxima, onde apresentou ao comandante extensa lista de equipamentos indispensáveis para atender às necessidades brasileiras. Não tardaram as decepções. Para começar, muitos itens foram riscados da relação. No tocante a armamento, o compromisso era dotar a 1ª DIE com fuzis Garrand, semi-automáticos. Mas a remessa que deveria ter sido distribuída para os brasileiros fora remetida a unidades norte-americanas de soldados negros. Os brasileiros tiveram que se contentar com os Springfield, inferiores aos Mauser 1908 até então usados pelo nosso Exército, continuando a divisão com poder de fogo inferior às unidades aliadas. Ao deixar Astroni os brasileiros deveriam devolver o acampamento aos norte-americanos devidamente limpo, mas acabaram deixando-o numa situação lastimável. É que muitos dos nossos soldados não se Por que o Brasil entrou na guerra Foi a invasão da Polônia pela Alemanha, no dia 1º de setembro de 1939, que deu início à Segunda Guerra Mundial, com reflexos não só na Europa mas em todo o mundo. Os chanceleres das nações americanas, inclusive o Brasil, se reuniram em outubro no Panamá, onde adotaram posição de neutralidade diante do conflito. Mas os sucessos das tropas alemãs nos anos de 1939 a 1940 prenunciavam uma nova ordem mundial, de cunho totalitário. A queda da França e as ameaças alemãs levaram os mesmos chanceleres a uma nova reunião, ocorrida em Havana, em julho de 1940. Foi estabelecido aí que uma agressão a qualquer nação americana devia envolver forçosamente todas as outras na guerra. Com o ataque japonês a Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941, representantes dos países da América se reuniram na capital do Brasil, em 28 de janeiro de 1942, e decidiram romper relações diplomáticas com os chamados países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Já em meados de agosto, cerca de dez navios brasileiros tinham sido alvos de torpedeamento (ver Nossa História, número 11), por submarinos alemães e italianos, em ações que foram consideradas atentados à nossa soberania. A reação, incluindo uma forte mobilização popular, não se fez por esperar. Em 22 de agosto, o presidente Getúlio Vargas declarou estado de guerra contra as nações do Eixo foi quando surgiu a idéia da participação direta de tropas brasileiras no conflito. ARQUIVO NACIONAL Para saber mais BRAYNER, Floriano de Lima. A verdade sobre a FEB. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. CAMPOS, Aguinaldo J. Senna. Com a FEB na Itália páginas do meu diário. Rio de Janeiro: Imprensa do Exército, 1970. GONÇALVES, Carlos Paiva. Seleção médica do pessoal da FEB. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1950. MORAES, J.B. Mascarenhas de. A FEB pelo seu comandante. São Paulo: Instituto Progresso Editorial S.A., 1947.

20 Integrada ao efetivo do V Exército, a 1ª DIE passou a receber, antes de entrar em combate, instruções e treinamentos com materiais bélicos americanos, até então desconhecidos pelos oficiais brasileiros, como a arma 57mm antitanque (acima) e o fuzil Springfield (abaixo) adaptaram às latrinas de campanha e preferiram fazer suas necessidades no mato. A tropa brasileira viajou por ferrovia até Litória, seguindo depois, em caminhões com reboques, até o destino final, Tarquínia. No dia 5 de agosto, o V Exército norte-americano tomou conhecimento oficial da presença da tropa brasileira na Itália e a 1ª DIE foi incluída em seu efetivo, passando a integrar o IV Corpo de Exército. Na verdade, devido à retirada dos soldados franceses, que haviam saído da Itália rumo ao sul da França, havia grande interesse, por parte do V Exército, em ver a FEB empenhada no combate o mais breve possível. Por isso, a 1ª DIE recebeu ordens para se deslocar em direção a Vada, cidade que ficava a 25 quilômetros da linha de frente. A viagem, realizada com caminhões e motoristas brasileiros, não deixou de ser problemática, pois não houvera tempo para que nossos soldados se familiarizassem com a condução de veículos para eles até então desconhecidos. Haviam tido apenas dois dias para se preparar e não foram informados das regras rígidas de circulação local, o que complicou o deslocamento. Apesar dos pesares, a FEB chegou no dia 20 de agosto a Vada, situada numa região descampada e de grandes vinhedos. Durante três dias, cerca de 270 oficiais e muitos sargentos norte-americanos, das 85ª e 88ª divisões de infantaria, examinaram minuciosamente o armamento e testaram a habilidade da tropa brasileira, afinal considerada apta. O Brasil estava, então, pronto para entrar na guerra. H Aureliano Moura é general-de-divisão médico reformado e presidente do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil.