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Saúde Coletiva ISSN: 1806-3365 editorial@saudecoletiva.com.br Editorial Bolina Brasil CONDE GELLI DOS SANTOS, CÍNTIA REGINA; LONGO SILVA MARINA SILVA BAILÃO, GIOVANA; SOTELO MARCONDES, YÊDA A História das Políticas Públicas voltadas ao combate da fome Saúde Coletiva, vol. 3, núm. 9, 2006 Editorial Bolina São Paulo, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=84222222006 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe, Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

CÍNTIA REGINA CONDE GELLI DOS SANTOS GIOVANA LONGO SILVA MARINA SILVA BAILÃO Nutricionistas pela Universidade Anhembi Morumbi YÊDA SOTELO MARCONDES Nutricionista. Professora do Curso de Nutrição da Universidade Anhembi Morumbi Recebido: 07/10/2005 Aprovado: 06/02/2006

A História das Políticas Públicas voltadas ao combate da fome A fome é um fenômeno produzido pelo contexto político, social, histórico e econômico de nossa sociedade. No Brasil, o tratamento dado ao problema da alimentação até a década de 30 limitou-se ao âmbito do abastecimento e da fiscalização de alimentos com a criação, em 1918, da Comissão de Alimentação Pública para atender a crise da carestia.a partir desta década, houve um aumento de políticas públicas visando ao combate à fome no Brasil, despertando nas autoridades governamentais, a necessidade de intervenção nas questões ligadas à alimentação e nutrição. O objetivo deste artigo é fazer uma revisão da literatura acerca de tópicos que abordem políticas públicas de combate à fome existentes e vigentes no Brasil. Citou-se uma série de iniciativas, algumas já em andamento, outras novas que, se implantadas de forma integrada, são capazes de reduzir o problema da fome no País, envolvendo toda a sociedade. Descritores: Segurança Alimentar e Nutricional, Fome, Políticas Públicas. The hunger is a phenomenon produced by the political, social, historical and economical context of our society. In Brazil, the treatment given to the problem of feeding until 30 decade was limited to the provision and inspection of victuals, being created in 1918, the Public Feeding Commission, to assist food shortage crisis. From this decade on there was a public politics increase seeking to fight hunger in Brazil, waking up in government authorities an intervention need on the subjects tied to feeding and nutrition. This article s aim was to make a literature review concerning topics that approach public politics of fight to the effective and existing hunger in Brazil. It was mentioned a series of initiatives, some already in process, other new ones, if implanted in an integrated way, are capable of reducing the problem of hunger in the country, involving the whole society. Descriptors: Alimentary and Nutritional, Safety, Hunger, Public Politics. El hambre es un fenómeno producido por el contexto político, social, histórico y económico de nuestra sociedad. En Brasil, el tratamiento dado al problema de la alimentación hasta la década de 30 se limitó al ámbito del abastecimiento y de la fiscalización de alimentos con la creación, en 1918 de la Comisión de Alimentación Pública, para atender a crisis de la carestía. Después de esta década había un aumento de políticas públicas que buscaban el combate del hambre en Brasil, despertándose en las autoridades governamentales una necesidad de intervención en los asuntos ligados a la alimentación y nutrición. El objetivo de este artículo es hacer una revisión de la literatura a respecto de temas que hablan de las políticas públicas de combate al hambre, existente y presente en Brasil. Se mencionaron una serie de iniciativas, algunas ya en proceso, otras nuevas que, si implantadas de una manera integrada, son capaces de reducir el problema del hambre en el Brasil, involucrando toda la sociedad. Descriptores: Seguridad Alimentaria y Nutricional, Hambre, Políticas Públicas. INTRODUÇÃO No Brasil a discussão sobre a questão da fome nem sempre está relacionada com a produção e disponibilidade de alimentos. O país na década de 90 relatou uma tragédia social onde se constatou que cerca de 52 milhões de brasileiros não têm acesso à alimentação e 50 milhões são desnutridos 1. A fome é um fenômeno produzido pelo contexto político, social, histórico e econômico de nossa sociedade. Esses elementos estão inseridos no mundo íntimo e cotidiano conforme interpretação de cada indivíduo 2. Combater a fome no Brasil é certamente um assunto de grande complexidade. É nesta perspectiva que instituições públicas estão cada vez mais preocupadas não só com a disponibilidade dos alimentos, mas também com a sua qualidade intrínseca associada a Segurança Alimentar e Nutricional 1. Entende-se por Segurança Alimentar e Nutricional a garantia de todos ao acesso a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente e de modo permanente, com base em práticas alimentares saudáveis e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, e nem o sistema alimentar futuro, devendo-se realizar em bases sustentáveis. Todo país deve ser soberano para assegurar sua segurança alimentar, respeitando as características culturais de cada povo, manifestadas no ato de se alimentar 3. No Brasil, a formulação de políticas que redundem em melhoria do estado nutricional é subsidiada pelo entendimento da magnitude, distribuição geográfica dos problemas nutricionais e os fatores a eles associados 4. Josué de Castro, médico pernambucano realizou trabalhos no sentido de tornar a questão da alimentação pública responsabilidade do Estado. Entretanto, foi em meados de 1939, que a intervenção estatal na área da alimentação se concretizou e à partir de 1950 instalaram-se vários programas de alimentação no País 5. Ressalta-se que embora a desnutrição ainda seja um problema de saúde pública, há um recente aumento nos índices de obesidade e de doenças crônicas não transmissíveis, retratando o período de transição nutricional. O objetivo do presente artigo é fazer uma abordagem e análise histórica das políticas públicas de combate a fome, vigentes e implementadas no Brasil.

BREVES ANTECEDENTES HISTÓRICOS DAS POLÍTICAS DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO No Brasil, o tratamento dado ao problema da alimentação até a década de 30 limitou-se ao âmbito do abastecimento e da fiscalização de alimentos com a criação em 1918 da Comissão de Alimentação Pública, para atender a crise de carestia 5. À partir desta década, Josué de Castro realizou vários inquéritos populacionais visando definir as condições alimentares da população das várias regiões do país, demonstrando haver uma deficiência calórica grave que causaria impacto negativo sobre o processo produtivo. 5 Isso despertou nas autoridades governamentais a necessidade de intervenção na questão da alimentação e nutrição. Inicialmente foi criada em 1937 a Comissão Reguladora de Tabelamento, que visava organizar tabelas de preços e fiscalizar a qualidade e o peso dos produtos alimentícios 5. A partir de 1939 a intervenção estatal na área começou a se fazer sentir com a criação de diversas instituições como a Comissão de Abastecimento, Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS - 1940), Sociedade Brasileira de Alimentação (SBA - 1940), Serviço Técnico da Alimentação (STAN - 1943), Instituto Técnico de Alimentação (ITA - 1944) e o Instituto Nacional de Nutrição (INN - 1946). Através do SAPS, foi garantido o fornecimento de refeições equilibradas a preços acessíveis para trabalhadores, o desjejum escolar para os filhos dos mesmos e também a venda de gêneros a preço de custo. A SBA, o STAN, o INN tiveram objetivo comum de promover o crescimento científico da nutrição com a primeira publicação na área de nutrição no país, os arquivos brasileiros de nutrição. Em decorrência dos estudos realizados pelo ITA em 1944 constatou-se o predomínio de bócio endêmico em determinadas regiões, o que tornou obrigatório o uso de iodetação do sal de cozinha. A partir de 1950 instalaram-se vários programas de alimentação no país, com a criação da Campanha da Merenda Escolar (1955), a Superintendência Nacional do Abastecimento (SUNAB) e a Companhia Brasileira de Alimentos (COBAO). A FOME É UM FENÔMENO PRODUZIDO PELO CONTEXTO POLÍTICO, SOCIAL, HISTÓRICO E ECONÔMICO DE NOSSA SOCIEDADE. OS EVENTOS DA DÉCADA DE 70 E 80 Em 1972 foi criado o Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN), uma autarquia vinculada ao Ministério da Saúde, cujo papel era formular uma política na área de alimentação e nutrição 5. Em 1974 na Conferência Mundial de Alimentação, após a crise mundial da produção de alimentos, foi criadas a expressão Vigilância Nutricional, que culminou em 1975 com a criação do Sistema de Vigilância Nutricional (SISVAN), pela Food and Agriculture Organization (FAO, Organização Mundial de Saúde - OMS) e United Nations Child s Fundation (UNICEF). Esta conferência assumiu o compromisso de erradicar a fome e a desnutrição no prazo de uma década 6. A partir de 1976, foi criado o primeiro modelo de política social com dimensão nacional, o Programa Nacional de Alimentação e Nutrição (PRONAN), que englobava programas de suplementação alimentar, alimentação do trabalhador, do pequeno produtor rural, combate às carências específicas (Programa de Nutrição em Saúde - PNS). O PNS beneficiou gestantes e crianças até sete anos incompletos, através da distribuição de alimentos in natura. Porém, a avaliação feita em 1989 demonstrou que estes programas de suplementação alimentar apresentava baixa cobertura e não atingiam os mais necessitados, sem considerar a má qualidade dos alimentos distribuídos. Assim, durante os anos 70 e 80 do século 20, o INAN tentou implementar o Sistema de Vigilância Nutricional (SISVAN), porém os projetos não saíram da fase experimental 5. A CONTEMPORANEIDADE NAS POLÍTICAS DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO O sistema só ganhou maior dimensão à partir de 1993 quando foi vinculado ao Programa de Atenção aos Desnutridos e Gestantes Leite é saúde no governo do presidente Itamar Franco. Neste governo houve a proposta de adoção de uma política de Segurança Alimentar, o que levou à montagem do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), que tinha como função consultar, assessorar e indicar as prioridades ao presidente da república, o que gerou o Plano de Combate à Fome e a Miséria 7. Deste plano fez parte o Leite é saúde, que tinha como objetivo básico contribuir para a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS). No mesmo ano, criou-se a Ação Cidadania contra a fome e a miséria e pela vida, impulsionada por um voluntariado heterogêneo 7. O CONSEA chegou a funcionar por apenas 2 anos e foi extinto pelo governo FHC, que no lugar criou o Conselho Comunidade Solidária, um órgão mais de consulta do que executivo 8. No início da década de 90, a alimentação alternativa assim denominada, começou a se difundir em todo o país com o apoio da Pastoral da Criança da CNBB (Conferência Nacional de Bispos do Brasil). Esta era considerada como um complemento alimentar, definida como uma farinha elaborada a partir de folhas verdes escuras, sementes de abóbora, melancia, melão, mamão, gergelim, farelo de trigo, pó de casca de ovo, arroz. Mesmo ainda vigente, ela não tem comprovação de eficácia ou seguridade nutricional e toxicológica devido a fatores antinutricionais e aspectos microbiológicos 1.

O Programa de Alimentação ao Trabalhador (PAT), ainda vigente, foi criado em 1976 e operacionalizado a partir de 1977, tem como estratégia o subsídio por parte do governo e empregadores de 80% do preço final de pequenas (300Kcal) e grandes (1400Kcal) refeições para trabalhadores. A oferta destas refeições pode se dar através de restaurantes das próprias empresas, serviços de terceiros, pela distribuição de cupons (vale-refeição) além do fornecimento de cestas de alimentos 9. As cestas de alimentos foram constituídas no Brasil a partir da década de 30 com o objetivo de suprir as recomendações nutricionais. Em 1997 com a extinção do INAN, houve a manutenção da distribuição do sistema de cestas básicas, batendo recorde em 1998 com a distribuição de trinta milhões de cestas 10. Ainda visando o atendimento às necessidades de saúde da população, em 1999 foi implantado o Programa Saúde da Família (PSF), um trabalho interdisciplinar que destaca as ações de alimentação e nutrição como estratégia de intervenção indispensável à qualidade de vida da população 11,12. No final de 2000, o governo federal cortou do orçamento de 2001 a verba para distribuição das cestas, tendo como justificativa oficial o caráter assistencial do programa, que não contribuiu, segundo o governo, para o combate da pobreza no país, além de argumentar que a distribuição de cestas não ajuda a economia local do município, pois diminui as compras nos pequenos comércios 10. A proposta do governo federal era implantar gradativamente para famílias a serem beneficiadas pelo Programa Bolsa Alimentação e Programa Bolsa Escola. O Bolsa Escola que é Federal, criado em 2001 e implantado pelo Ministério da Educação, visa fornecer a quantia de 15 reais por mês para cada criança matriculada na escola com no máximo 45 reais por família, através de recursos provenientes do Fundo de Combate à Pobreza 10. No Bolsa Família o governo federal concede mensalmente benefícios em dinheiro para famílias em situação de pobreza, com renda per capita de até R$ 100 mensais, que associa à transferência do benefício financeiro e o acesso aos direitos sociais básicos - saúde, alimentação, educação e assistência social. O projeto unificou todos os benefícios sociais (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação e o Auxílio Gás) do governo federal num único programa. Elaborada no Instituto Cidadania por uma equipe coordenada por José Graziano da Silva, atual Ministro da Segurança Alimentar e Combate à Fome, de âmbito internacional, entrou em vigência em 2003 o Programa Fome Zero, com a posse do presidente Luís Inácio Lula da Silva 13. O Programa de Segurança Alimentar se trata de uma política de inserção social, no qual mais importante do que distribuir alimentos, é gerar renda, trabalho, resgatar a auto estima e cidadania. Ações emergenciais também não ficam descartadas, partindo do princípio ENTENDE-SE POR SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL A GARANTIA DE TODOS AO ACESSO A ALIMENTOS DE QUALIDADE. de que a fome não pode esperar 9. O escopo do programa visa combinar políticas locais (restaurantes populares, cozinhas comunitárias, sacolões, Bando de Alimentos e outros), políticas específicas (cartão alimentação, ampliação do PAT, estoques de segurança, ampliação da merenda escolar) e políticas estruturais (reforma agrária, incentivo À agricultura familiar, microcrédito dentre outros) 13. Cada família beneficiária pelo programa recebe um cartão alimentação que lhe dá o direito de retirar todo mês 50 reais na Caixa Econômica Federal, e com tal pode adquirir todo tipo de alimento, exceto bebidas alcoólicas, refrigerantes e fumo 13. A família recebe ainda, além da documentação certidão e CPF, cursos de alfabetização e profissionalização, construção de moradias e cisternas de captação de água da chuva 13. O cartão alimentação tem validade de seis meses e supõese que ao fim de um ano e meio estas famílias estejam produzindo renda suficiente para garantir a segurança alimentar e nutricional, visando tornar o beneficiário o quanto antes, livre da dependência do programa 13. O Sede Zero complementa o Fome Zero, considerando politicamente incorreto referir-se como combate à seca, tratandose de aprender a conviver com ela, combatendo a sede 13. O Programa de Um Milhão de cisternas (PIMC) é monitorado pela Articulação do Semi-Árido (ASA), fórum que congrega mais de 700 entidades, entre ONGs, sindicatos, igrejas, associações e é considerado o braço direito do programa 13. O Fome Zero é assessorado pelo CONSEA, reimplantado pelo atual governo, que tem a maioria de seus membros atuando na área de segurança alimentar e/ou lidando com populações carentes 13. O projeto, na convicção de segurança alimentar e nutricional, mais do que uma proposta formal de governo deve ser dimensionada e desenvolvida como uma proposta nacional de resgate à cidadania 14. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste texto, foi mostrado que o problema da fome permanece grave no País e está hoje fortemente relacionado com a falta de renda para uma alimentação adequada, em função dos baixos salários e do desemprego crescente nas regiões metropolitanas, sem deixar de lado a falta de canais de abastecimento locais. Analisando em retrospecto as políticas alimentares no Brasil, foi possível observar como elas mudaram de caráter ao longo das décadas. De forma bastante simplificada, as políticas alimentares foram analisadas a partir dos seguintes períodos: no início do século passado, predominaram as políticas de intervenção para resolver o problema dos preços altos e a falta de alimentos. A partir dos anos 30, predominou a visão de atuar nas estruturas

de distribuição. Ampla estrutura de estocagem e distribuição de alimentos foi criada nacionalmente, sobretudo a partir da década de 60. Em seguida, nos anos 70, ampliou-se a intervenção pública e o Estado passou a atuar no incentivo à produção agropecuária, gestão direta das estruturas de comercialização e na regulação do mercado. Finalmente, no final dos anos 80, observou-se o desmonte das políticas agrícolas em particular a do critério rural subsidiado que deram sustentação à agricultura intensiva, embora a produtividade e a produção continuassem a elevar-se nas décadas seguintes, e das políticas de abastecimento. Os anos 90 foram marcados por dois períodos muito distintos: na primeira metade da década, houve grande mobilização da sociedade em torno do tema do combate à fome e à miséria, resultando na formação, pela primeira vez, de uma institucionalidade integrada, de caráter nacional, para o combate à fome. Essa estrutura dinamizadora, o CONSEA, teve, no entanto, vida curta. A segunda metade da década foi marcada pelo desmonte das estruturas anteriores e sua substituição por políticas focalizadas, de articulação com as comunidades, e pelo fornecimento de programas de renda mínima do tipo bolsa-escola, bolsa-saúde, e outras. Considerando-se as oscilações recentes da economia brasileira e o fato de que essas propostas ainda estão em fase de implantação, pouco há para se avaliar. No entanto, foram citadas uma série de iniciativas, algumas já em andamento, outras novas, que, se implantadas de forma integrada, serão capazes de reduzir o problema da fome no País, envolvendo toda a sociedade 10. O objetivo da segurança alimentar é o alcance de um estado nutricional adequado. Nesta instância final, dois requisitos devem ser unificados, de modo que uma alimentação saudável possa resultar numa boa nutrição 14. Para tal é necessário articular, interna e externamente, uma seqüência lógica de medidas compondo o trinômio disponibilidade consumo - utilização biológica de alimentos para que o conjunto segurança alimentar e nutricional seja plenamente equacionado 14. Apesar das políticas públicas brasileiras focarem o âmbito da fome, atualmente o Brasil vive um momento também significativo de transição nutricional, que é um processo de modificações seqüenciais no padrão de nutrição e consumo, que acompanha mudanças econômicas, sociais e demográficas, e mudanças do perfil de saúde das populações 15. O aumento da prevalência da obesidade no Brasil é relevante e proporcionalmente mais elevado nas famílias de baixa renda. O quadro epidemiológico nutricional do Brasil deve apontar estratégias de saúde pública capazes de dar conta de um modelo de atenção para desnutrição e obesidade, integrando conseqüências e interfaces das políticas econômicas dentro do processo de adoecer e morrer das populações 15. Sabe-se, porém, que ambos os problemas de saúde pública, a fome e a obesidade, podem ser solucionadas, pelo menos parcialmente, se as políticas públicas unirem de fato a Segurança Alimentar e Nutricional, onde há a garantia não só do acesso ao alimento, como do acesso à alimentação adequada quantitativa e qualitativamente, garantido assim a boa nutrição em um aspecto global. Desta forma pode-se concluir a importância da existência da estruturação e implantação destas políticas, a fim de solucionar de fato os problemas nutricionais vigentes na população como um todo. Referências 1. Benevides CMJ et al. Alimentação alternativa: aspectos sócio-econômico-nutricionais. Revista Higiene Alimentar, São Paulo, v.14, n.72, 13-16, 2000. 2. Freitas MCS. Uma abordagem fenomenológica da fome. Revista de Nutrição, São Paulo, v15, n.1, 2002. 3.Yasbek MC. O Programa Fome Zero no contexto das políticas sociais brasileiras. Revista São Paulo em Perspectiva, v18(2):104-112, 2004. 4.Bittencourt AS. 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