ANÁLISE DA FORÇA MUSCULAR PERINEAL NA GESTAÇÃO E NO PUERPÉRIO Maria Luiza Gonzalez Riesco 1 Adriana de Souza Caroci 2 Wesllanny da Silva Sousa 3 Nelly Lima Rocha 3 Ana Carolina Cotrim 3 Apoio: O presente estudo contou com auxílio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FAPESP 1 Livre-docente. Professora Associada da Escola de Enfermagem da USP. Endereço: Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419, São Paulo (SP) CEP 05447-060. E-mail: riesco@usp.br 2 Doutora em Enfermagem. Docente do Centro Universitário Adventista de Enfermagem. 3 Enfermeira. Aluna do Curso de Especialização em Enfermagem Obstétrica do Centro Universitário Adventista de Enfermagem.
2 ANÁLISE DA FORÇA MUSCULAR PERINEAL NA GESTAÇÃO E NO PUERPÉRIO Introdução: A gestação e o parto exercem influência sobre a musculatura do soalho pélvico e podem ocorrer morbidades do trato genito-urinário. Objetivo: Comparar as médias da Força Muscular Perineal (FMP) na gestação e no pós-parto. Materiais e Métodos: Constituiu-se uma coorte prospectiva com 226 primigestas, atendidas em cinco unidades básicas de saúde de Itapecerica da Serra, São Paulo. As participantes foram seguidas em quatro etapas: 1. até 12 semanas de gestação; 2. entre 36 e 40 semanas de gestação; 3. até 48 horas após o parto; 4. entre 42 e 60 dias após. A coleta de dados foi realizada em 2007 e 2008. Nas etapas 1, 2 e 4 foi realizada a avaliação da FMP pela perineometria e palpação digital vaginal. A amostra final, com as participantes que cumpriram todas as etapas do estudo, foi de 110 mulheres. A pesquisa teve aprovação de Comitê de Ética em Pesquisa. Principais conclusões: A FMP não variou significativamente durante a gestação e no puerpério (ANOVA: p=0,78), prevalecendo a FMP de fraca intensidade (em mmhg: etapa 1 = 15,9; etapa 2 = 15,2; etapa 4 = 14,7), com graus 0 a 3 na escala de Oxford. A FMP não diferiu em relação à idade materna, cor da pele, situação conjugal, dispareunia, estado nutricional, características das fezes, tipo de parto, condições do períneo e peso do recém-nascido. A palpação digital vaginal é um método simples, que não exige equipamento especial, mas requer que o profissional que o utiliza seja adequadamente preparado para avaliar a FMP. Na prática clínica, esse método é eficaz para auxiliar no diagnóstico de disfunções urinárias, intestinais e sexuais. Quanto à perineometria, o uso é mais importante para realizar exercícios perineais com biofeedback, no tratamento dessas disfunções. Descritores: Soalho pélvico. Períneo. Lacerações. Enfermagem obstétrica.
3 INTRODUÇÃO A perda ou diminuição do tônus muscular perineal é mais comum entre as mulheres que tiveram partos vaginais. (1) Essa alteração pode provocar disfunções genito-urinária e anal, causando efeito negativo em relação à saúde sexual, física, social e psicológica da mulher. (2,3) A gravidez e o parto vaginal são os responsáveis pela ocorrência de incontinência urinária (IU) de estresse e por danos no soalho pélvico (SP). Os principais estudos nessa área têm se dedicado à investigação de mecanismos causadores dos traumas no SP e à avaliação apropriada de sintomas desse quadro. (4) Kolbl (5) sugere que se realizem estudos longitudinais, em longo prazo, para avaliar as conseqüências da gravidez e do parto em relação à incontinência do trato urinário e a função do SP. A avaliação da Força Muscular Perineal (FMP), após o parto, tem sido colocada em evidência em estudos e pesquisas devido à evolução de métodos e equipamentos que tornam melhor esta avaliação e, conseqüentemente, seu prognóstico. (4) A musculatura do SP pode ser classificada em diferentes graus de acordo com a sua função. A avaliação da FMP pode ser realizada através do exame ginecológico utilizando diferentes métodos como: eletromiografia, perineometria, palpação digital vaginal, cones vaginais, medida da pressão vaginal, anal e uretral, ultra-sonografia, manometria). (4,6,7-11) Muitos profissionais ainda acreditam que a episiotomia pode preservar melhor o períneo, assim como a cesariana, surgindo daí alguns questionamentos: A gravidez pode diminuir a FMP? A FMP é menor nas puérperas que tiveram laceração perineal espontânea, durante o parto, do que naquelas com episiotomia? A cesariana preserva mais os músculos do SP do que o parto normal? O relaxamento dos músculos do SP, que ocorre na gravidez e parto, é transitório? Os objetivos foram comparar as médias da FMP na gestação e no pós-parto segundo a idade materna, cor da pele, situação conjugal, dispareunia, estado nutricional, características das fezes, tipo de parto, condições do períneo e peso do recém-nascido.
4 MÉTODO Tipo de estudo Estudo de coorte prospectiva sobre a FMP em gestantes e puérperas de parto vaginal e cesariana, avaliada pela perineometria e palpação digital vaginal. Local do estudo Os dados referentes às gestantes e às puérperas, entre 42 e 60 dias após o parto, foram coletados em cinco unidades básicas de saúde (UBS) e aqueles relativos ao parto e ao nascimento foram coletados em dois hospitais de referência para o parto, no município de Itapecerica da Serra, São Paulo. Esses serviços oferecem cobertura a uma população de, aproximadamente, 187 mil habitantes. População e cálculo do tamanho da amostra Gestantes que realizaram o pré-natal e tiveram o parto nos locais acima referidos. Os critérios de inclusão foram: ser primigesta e estar com até 12 semanas de gestação. Os critérios de exclusão foram: gestação múltipla; cirurgia abdominal ou urogenital prévia; uso de hormonioterapia; doenças que podem interferir na FMP; resistência à palpação digital vaginal ou à inserção do perineômetro na vagina; dificuldade no entendimento do idioma português ou na comunicação. O cálculo do tamanho da amostra foi feito com base no estudo de Menta (10). Assumindo a probabilidade da ocorrência de erro de primeira espécie como sendo de 5% e poder de 80% seriam necessárias 136 gestantes. Tratando-se de estudo longitudinal com coleta de dados em diferentes etapas, a possibilidade de não seguimento das participantes ao longo do estudo foi considerada. Assim, para obter a amostra estimada, o recrutamento de participantes foi ampliado em 50%, com a previsão de recrutar 204 mulheres. No sentido de garantir a amostra estimada, foram inscritas 226 gestantes no estudo. Considerando que o número de perdas de seguimento foi superior ao previsto, realizou-se a análise comparativa entre as mulheres incluídas na amostra final e as excluídas por perda de seguimento, verificando-se que as perdas não influenciaram o resultado da amostra final de 110 mulheres da coorte. Coleta de dados Os dados foram coletados em quatro etapas. Nas etapas 1, 2 e 4 foram
5 realizadas a consulta, a entrevista, o exame físico e a mensuração da FMP. Na etapa 3, foram realizados os mesmos procedimentos, exceto a mensuração da FMP. A seguir, são descritas as etapas 1 a 4. Etapa 1: com gestantes até 12 semanas de gestação. Foi marcada a consulta subseqüente com o médico e um retorno com a pesquisadora a fim de realizar a segunda etapa do estudo; Etapa 2: com gestantes entre 36 a 40 semanas de gestação. As gestantes foram informadas, por escrito, quando deveriam procurar a maternidade. A pesquisadora colocou seu telefone à disposição para que elas ligassem, caso precisassem, e para avisarem sobre a internação; Etapa 3: com puérperas até 48 horas após o parto. Os dados foram coletados no prontuário, livro de registros de partos, entrevista e exame físico da puérpera. Nessa etapa, a FMP não foi avaliada devido ao desconforto que pode produzir na puérpera e porque esse dado seria avaliado posteriormente. No hospital, foi marcado um retorno da puérpera à UBS; Etapa 4: com puérperas entre 42 e 60 dias após o parto. Ao final da coleta de dados, as puérperas foram orientadas e estimuladas a realizar exercícios perineais para fortalecimento da musculatura do SP e encaminhadas aos serviços de referências em caso de intercorrências. Procedimentos para mensuração da FMP Todas as participantes foram submetidas aos dois métodos de mensuração da FMP: a perineometria e a palpação digital vaginal. Na perineometria, a FMP foi medida com o perineômetro eletrônico. Na palpação digital vaginal, a FMP foi classificada pela escala de Oxford. A seqüência para aplicação desses métodos foi aleatorizada, por meio de uma tabela de números aleatórios produzida eletronicamente. Foram empregados envelopes opacos, abertos somente no momento da mensuração da FMP, contendo a seqüência do método que deveria ser utilizado. Portanto, primeiro poderia ser feita a palpação digital vaginal e depois a perineometria, ou vice-versa, para evitar tendenciosidade nos dados. Classificação pela escala de Oxford (12) : Grau 0 sem contração; Grau 1 esboço de contração muscular não sustentada; Grau 2 contração de pequena intensidade, mas que se sustente; Grau 3
6 contração moderada, com um aumento de pressão intravaginal, comprimindo os dedos, e apresentando pequena elevação da parede vaginal; Grau 4 contração satisfatória, que aperta os dedos do examinador, com elevação da parede vaginal em direção à sínfise púbica; Grau 5 contração forte, compressão firme dos dedos do examinador com movimento positivo em direção à sínfise púbica. Equipamentos Foi utilizado um perineômetro eletrônico de pressão da marca Quark, modelo Perina 996-2, que registra os potencias de ação das contrações musculares do SP e traduz sua intensidade por sinais visuais através de uma escala numérica graduada de 0 a 46,4 mmhg. O perineômetro escolhido atende todos os requisitos da norma de segurança para equipamentos eletromédicos e possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Esse aparelho registra, indistintamente, todos os acréscimos da pressão intracavitária, ou seja, ele não diferencia as contrações dos músculos do períneo e do abdome. Por isso, foi utilizado um eletromiógrafo de superfície, modelo Bio- ADS1200, marca Lynx, para controlar o relaxamento abdominal durante a mensuração da FMP. O registro da FMP, mensurada pelo perineômetro, foi considerada apenas quando o gráfico do eletromiógrafo indicou a atividade da musculatura abdominal compatível com repouso (escala do eletromiógrafo entre 0 e 10 microvolts). Procedimentos para mensuração da FMP nos dois métodos 1. Colocar a mulher na posição ginecológica, com a região genital e os membros inferiores desnudos, protegidos com um lençol; 2. Calçar luvas de procedimentos; 3. Ensinar a mulher a fazer contrações como se estivesse segurando a urina, usando somente os músculos do SP, evitando contrair os músculos abdominais, da coxa e das nádegas; 4. Conectar os quatro eletrodos do eletromiógrafo sobre os músculos reto-abdominais (2 eletrodos do lado direito e 2 do lado esquerdo, entre a borda superior do púbis e a região umbilical). Perineometria (PE) 1. Zerar o nível de pressão na escala; 2. Revestir a sonda elástica com um preservativo descartável, mas não lubrificado; 3. Lubrificar o preservativo com gel
7 lubrificante; 4. Introduzir três a quatro centímetros da sonda na vagina; 5. Instruir a mulher a relaxar os músculos do SP; 6. Solicitar que a mulher contraia e mantenha, por maior tempo possível, a contração voluntária dos músculos perineais ao redor da sonda vaginal, numa seqüência de três sessões, com intervalo de 15 segundos entre elas; 7. Registrar a maior força da contração voluntária dos músculos do SP; 8. Permanecer com a sonda vaginal durante todas as mensurações da FMP; 9. Descansar por um minuto, antes de iniciar a palpação digital vaginal (caso não tenha sido realizada previamente, conforme aleatorização). Palpação digital vaginal 1. Introduzir as duas falanges distais dos dedos indicador e médio dentro da vagina; 2. Solicitar que a mulher contraia e mantenha, por maior tempo possível, a contração voluntária dos músculos perineais ao redor dos dedos do examinador; 3. Permanecer com os dedos na vagina; 4. Aguardar 15 segundos; 5. Repetir os três passos anteriores, por mais duas vezes, a fim de obter a avaliação da FMP em três sessões sucessivas de contração; 6. Registrar a maior classificação de contração pela escala de Oxford; 7. Descansar por um minuto antes de iniciar a PE (caso não tenha sido realizada previamente, conforme aleatorização). Variáveis do estudo Força Muscular Perineal (FMP); Idade materna; Cor da pele; Situação conjugal; Peso; Estatura; Índice de massa corpórea; Classificação do estado nutricional (13) ; Idade gestacional; Dispareunia; Características das fezes; Tipo de parto; Peso do recém-nascido; Condições do períneo no parto (14). Tratamento e análise dos dados Foram realizadas as análises estatística descritiva e comparativa. Todos os testes (Qui-quadrado, exato de Fisher, Student, Mann-Whitney) foram realizados na forma bicaudal, admitindo-se a probabilidade de ocorrência de erro de primeira espécie como sendo de 5% (valor do p=0,05). Para as comparações múltiplas das médias da FMP, nas etapas 1, 2 e 4, em relação às variáveis idade, cor da pele, situação conjugal, dispareunia e características das fezes utilizou-se a Análise de Variância (ANOVA) de fator duplo. Em relação às condições do períneo e peso do RN, foi realizada a comparação das
8 médias da FMP na etapa 4, mediante a ANOVA a um fator. (15) Aspectos éticos O projeto de pesquisa foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa e autorizado pelos locais do estudo. A participação das mulheres foi voluntária e aquelas que concordaram em participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Cumpre salientar que as pesquisadoras não têm nenhum tipo de vínculo com os fabricantes ou distribuidores dos equipamentos utilizados neste estudo. RESULTADOS Dentre as 226 mulheres que foram inscritas, houve perda de seguimento de 116. Portanto, as 110 mulheres que concluíram as quatro etapas do estudo constituem a amostra. Barbosa (16) classifica a FMP de acordo com a intensidade: ausência de contração (0,0); contração leve (1,6 a 16,0 mmhg); contração moderada (17,6 a 32,0 mmhg); contração normal (33,6 a 46,4 mmhg). O resultado da análise de variância, na qual foram comparados os valores das médias da perineometria nas etapas 1 (15,9 mmhg), 2 (15,2 mmhg) e 4 (14,7 mmhg), apresentou valor de p=0,78, demonstrando não haver diferença significativa entre as médias. Do início da gestação ao pós-parto, prevaleceu a contração de leve intensidade. Verificou-se, ainda, que a freqüência de mulheres com contração de intensidade moderada foi decrescente ao longo do seguimento. Vale destacar que nos casos em que o valor da FMP foi maior que 0,0, mas o eletromiógrafo de superfície acusava atividade contrátil do músculo abdominal, considerou-se como ausência de contração. Do total de mulheres, 66,4% tiveram parto normal e 33,6% foram submetidas à cesariana. A freqüência de trauma perineal (episiotomia e laceração espontânea) entre as parturientes com parto normal foi de 93,2%. Foi realizada a sutura perineal em todas as mulheres com trauma perineal. A variável duração do período expulsivo do parto não foi analisada, pois não havia o registro na maioria dos prontuários. O peso dos recém-nascidos variou entre 2.245 e 4.650 gramas (g), com média de 3.205,4 (d.p.= 466,3) g.
9 Utilizando-se a análise de variância de fator duplo com um dos fatores correspondente a cada uma das etapas 1, 2 e 4, e, o outro, correspondente à idade materna (dividida em 3 faixas), cor da pele, situação conjugal, dispareunia e características das fezes, não foram observadas diferenças significativas entre os fatores nem entre as etapas e fatores. Ao analisar cada etapa, separadamente, a média da perineometria não mostrou diferença estatisticamente significante entre as mulheres segundo a faixa etária, cor branca e não branca, que vivem ou não com o companheiro, com e sem queixa de dispareunia e entre aquelas que, habitualmente, apresentam fezes ressecadas ou não ressecadas. A Tabela 1 sintetiza os dados descritivos dos fatores analisados, bem como os respectivos p-valor para cada um dos fatores.
10 Tabela 1 - Estatística descritiva da perineometria segundo a idade materna, cor da pele, situação conjugal, dispareunia e características das fezes. Variável Idade (anos) Perineometria (mmhg) Etapa 1 Etapa 2 Etapa 4 média(d.p.) média(d.p.) média(d.p.) 14 20 16,2(11,1) 16,2(12,3) 17,2(10,9) 20 30 15,8(10,9) 15,1(12,4) 14,4(11,0) Sim 14,8(10,9) 11,9(12,5) 12,3(10,8) Não 16,2(10,9) 16,1(12,3) 15,0(11,0) Características das fezes Ressecada 16,4(11,0) 15,0(12,4) 13,4(11,0) Não ressecada 15,6(11,0) 15,2(12,3) 15,0(10,9) * ANOVA idade p-valor* etapa x idade 0,12 0,82 30 39 14,1(1,1) 12,5(12,2) 11,3(10,4) Cor cor etapa x cor Branca 16,2(11,4) 16,5(12,6) 16,3(11,2) 0,88 0,37 Não branca 15,7(11,0) 14,6(12,3) 13,7(11,0) Situação conjugal Vive com parceiro Não vive com parceiro Dispareunia 16,1(11,0) 14,2(12,4) 13,4(10,9) 15,4(10,9) 16,5(12,3) 15,9(11,0) situação conjugal etapa x sit. conjugal 0,37 0,60 dispareunia etapa x dispareunia 0,07 0,77 caract. fezes etapa x caract. fezes 0,68 0,64 A comparação da média da perineometria (mmhg) com o estado nutricional das gestantes não mostrou diferença estatisticamente significante (Tabela 2). Tabela 2 - Estatística descritiva da perineometria segundo o estado nutricional. Estado nutricional * Teste t de Student Perineometria (mmhg) Etapas Etapa 1 Etapa 2 1x2 média(d.p.) média(d.p.) p-valor* Baixo peso 14,6(11,3) 16,7(12,3) 0,58 Peso adequado 16,4 (10,9) 14,2(12,3) 0,29 Sobrepeso 18,0(11,2) 13,4(12,3) 0,24 Obesidade 10,4(11,4) 19,2(12,8) 0,10 Não houve diferença estatisticamente significante na comparação das médias da perineometria, após o parto, entre as mulheres que tiveram parto normal e
11 cesárea ou entre aquelas com episiotomia, períneo íntegro ou laceração perineal. Igualmente, a média da FMP, após o parto, não diferiu, estatisticamente, com relação ao peso do RN (Tabela 3). Tabela 3 - Comparação das médias da perineometria na etapa 4 segundo o tipo de parto, condições do períneo e peso do RN. Perineometria (mmhg) Variável Etapa 4 Média (d.p.) Tipo de parto Normal 13,7(10,1) Cesárea 16,9(13,0) Condições do períneo Episiotomia 13,2(10,7) Íntegro e laceração de 1º grau 13,7(9,0) Laceração de 2º grau 16,9(9,0) Peso do RN < 2500 16,0(12,5) 2500 3500 15,0(11,0) > 3500 12,5(10,9) * Teste t de Student; ** ANOVA p 0,16* 0,67** 0,65** Conforme indica a Tabela 4, a FMP avaliada pela palpação digital vaginal na etapa 4 não mostrou diferença estatisticamente significante com relação ao tipo de parto, presença de episiotomia no parto normal e peso do RN acima de 3.500 g. Nessa etapa, a maioria das mulheres apresentou contração vaginal variando entre nula a pequena intensidade (graus 0 a 2). A FMP foi considerada satisfatória ou forte (graus 4 e 5) entre 13,7% e 24,3% das mulheres com parto normal e cesárea, respectivamente. Tabela 4 - Número e percentagem de mulheres segundo o tipo de parto, condições do períneo, peso do RN e palpação digital vaginal na etapa 4. Variável Palpação digital vaginal (Etapa 4) Grau Total 0 a 2 3 4 e 5 n % n % n % n % Tipo de parto Normal 39 53,4 24 32,9 10 13,7 73 100 Cesárea 17 46,0 11 29,7 9 24,3 37 100 Total 56 50,9 35 31,8 19 17,3 110 100 Condições do períneo Com episiotomia 25 52,1 16 33,3 7 14,6 48 100 p-valor* Sem episiotomia 14 56,0 8 32,0 3 12,0 25 100 0,98 Total 39 53,4 24 32,9 10 13,7 73 100 Peso do RN (gramas) 3500 41 50,0 27 33,0 14 17,0 82 100 0,91 0,38
12 > 3500 15 53,6 8 28,6 5 17,8 28 100 Total 56 50,9 35 31,8 19 17,3 110 100 * Teste qui-quadrado DISCUSSÃO Por se tratar de um estudo longitudinal, houve um percentual elevado de perdas de seguimento da população (51,3%). Nesse sentido, as variáveis analisadas para comparar o grupo das perdas e a amostra estudada indicaram a homogeneidade entre ambos os grupos, o que reduz a possibilidade de viés por perda de seguimento da coorte. Para se obter a variação da FMP com melhor precisão, seria importante acompanhar as mulheres antes, durante e após a idade reprodutiva, avaliando a paridade, tipo de parto, condições do períneo, sintomas do trato genito-urinário e intestinal e vida sexual. Ao avaliar o efeito da gravidez sobre a função do músculo perineal por meio da mensuração da FMP, alguns estudos concluem que a gravidez está associada à diminuição na FMP. (8) Essa diminuição pode ocorrer porque na gravidez há aumento da progesterona, relaxamento da musculatura lisa, alteração do tecido conjuntivo, aumento da pressão abdominal pelo útero gravídico e defeitos anatômicos prévios. (17) Os resultados desse estudo indicam que a FMP diminuiu, discretamente, ao longo da gestação e que essa redução se manteve no final do período puerperal, porém sem diferença estatisticamente significante entre as etapas, provavelmente, porque as participantes eram primigestas. Se ocorrer diminuição da FMP em cada gestação, mesmo que em pequena intensidade, no decorrer de várias gestações, essa redução pode agravar-se, causando morbidades. A média da FMP das participantes deste estudo esteve entre 14,7 a 15,9 mmhg, que pode ser classificada como contração leve. Isso é, especialmente, importante por tratar-se de uma população jovem, de grávidas pela primeira vez. Mediante tais resultados, pode-se supor que se a FMP não for recuperada, essas mulheres estão sujeitas a apresentar, futuramente, morbidade no trato genitourinário. Por outro lado, é possível contestar os parâmetros adotados para classificar
13 a intensidade da FMP em mulheres sem sintomas clínicos. 4,18-22 Vale reiterar que todas as mulheres avaliadas na etapa 4 do estudo foram orientadas, verbalmente e por escrito, a realizar o programa de exercícios perineais. Ainda como implicação para a prática, é importante destacar que mais estudos sobre mensuração da FMP são necessários e importantes a fim de estabelecer um perfil da FMP na gestação e puerpério. Igualmente, é fundamental que os profissionais que assistam a mulher, orientando-a a referir queixas do trato genito-urinário. O fato da FMP da maioria das mulheres do presente estudo ser classificada como leve ou moderada desde o início da gravidez, independentemente da influência da gestação ou do parto, pode também ser atribuído à dificuldade em identificar os músculos do períneo e à falta de hábito em exercitá-los. (23) Sendo assim, deve-se valorizar tanto a identificação dos fatores relacionados à diminuição da FMP como a realização de um programa supervisionado de exercícios de fortalecimento do SP durante as consultas de pré-natal, para que a gestante aprenda a identificar os músculos do SP. (24) A média da FMP no presente estudo pode ser diferente de outros estudos similares, (23,25,26) porque utilizou-se a eletromiografia de superfície nos músculos abdominais e não a inspeção clínica. No presente estudo, assim como em outros, a idade materna, cor da pele, situação conjugal, estado nutricional e peso do recém-nascido não exerceram influência sobre os valores da FMP na gestação e no pós-parto, (10,23,26) embora alguns autores considerem que essas variáveis podem interferir. (27,28) A literatura refere que a laceração perineal de terceiro grau pode causar dano nos músculos do esfíncter anal e nos nervos do pudendo, (4) porém esse tipo de laceração não ocorreu em nenhuma das mulheres do presente estudo. Embora alguns estudos associem a IU e anal com os danos causados no SP pelo parto vaginal, (29,30) mais estudos longitudinais devem ser realizados para avaliar as conseqüências da gravidez e do parto em relação à incontinência do trato genitourinário e à função do SP. (5) A FMP no pós-parto não mostrou associação estatisticamente significante
14 com as condições do períneo no parto normal, independentemente se houve períneo íntegro, lacerações de primeiro e segundo graus ou episiotomia. Esses resultados coincidem com os achados de MENTA; SCHIRMER (26). No entanto, LEEMAN et al. (31) constataram que a FMP foi menor nas mulheres com lacerações de segundo grau, comparadas com aquelas que tiveram períneo íntegro (53% contra 28%, p=0,03), nas seis semanas após o parto. Estudo que analisou a influência do tipo de parto sobre a FMP pelos métodos de palpação digital vaginal e perineometria em 30 nulíparas e 64 primíparas (32 póscesárea e 32 pós-parto vaginal) entre quatro a seis meses após o parto, concluiu que o parto vaginal e a cesárea diminuíram a FMP; porém, a FMP foi ainda menor entre as mulheres que tiveram parto vaginal, comparando com as que tiveram cesárea ou eram nulíparas. Os autores consideram que a episiotomia de rotina, e não apenas o parto vaginal, pode ter diminuído a FMP, já que todas as mulheres que tiveram parto vaginal foram submetidas a episiotomia. (25) No presente estudo, os resultados mostraram que o tipo do parto não interferiu, significantemente, na média da FMP. Em contrapartida, outros estudos referem que o parto vaginal pode causar danos no SP. (1,3,4,29,32) Um aspecto importante a ser salientado refere-se à boa aceitação, por parte das participantes do estudo, da avaliação da FMP com ambos os métodos. Do total de mulheres inscritas no estudo, 1,8% recusaram-se a continuar no estudo. Os métodos usados para a avaliação da FMP foram escolhidos por serem os mais utilizados na prática clínica. (33) O uso do eletromiógrafo de superfície durante a avaliação da FMP foi essencial, pois as mulheres demonstraram dificuldade para distinguir as contrações realizadas com os músculos do períneo e do abdome. (34) Durante a mensuração da FMP, a pesquisadora contou com o auxílio de estudantes de graduação em enfermagem, bolsistas de treinamento técnico, que realizaram a leitura do visor eletrônico do perineômetro e da tela do eletromiógrafo. Desse modo, procurou-se evitar que o resultado da perineometria influenciasse a pesquisadora a realizar a palpação digital vaginal. As pesquisadoras sugerem que mais estudos sejam realizados a fim de acompanhar as mulheres por um período maior, após o parto, para avaliar os
15 sintomas do trato genito-urinário, a disfunção sexual e a variação da FMP. CONCLUSÃO Os resultados obtidos no presente estudo permitiram concluir que não houve variação significativa da FMP do início ao final da gestação e no pós-parto; a idade materna, cor da pele, situação conjugal, dispareunia, estado nutricional e características das fezes não influenciaram a FMP na gestação e no pós-parto; o tipo de parto (normal ou cesárea), condições do períneo (íntegro, laceração perineal espontânea ou episiotomia) e peso do recém-nascido não influenciaram a FMP no pós-parto. REFERÊNCIAS 1. HAY-SMITH, J.; HERBISON, P.; MØRKVED. Physical therapies for prevention of urinary and faecal incontinence in adults (Cochrane Review). In: The Cochrane Library. Issue 3, 2003. Oxford: Update Software. 2. WYMAN J.F.; HARKINS, S.W.; FANTL, J.A. Psychosocial impact of urinary incontinence in the community-dwelling population. J. Am. Geriatr. Soc., v. 38, n. 3, p. 282-8, 1990. 3. NORTON, C.; HOSKER, G.; BRAZZELLI, M. Biofeedback and/or sphincter exercises for the treatmant of faecal incontinence in adults (Cochrane Review). In: The Cochrane Library, Issue 3, 2003. Oxford: Update. 4. FITZPATRICK, M.; O HERLIHY. The effects of labour and delivery on the pelvic floor. Best Pract. Res. Clin. Obstet. Gynaecol., v. 15, n. 1, p. 63-79, 2001. 5. KOLBL H. Pregnancy, childbirth and the pelvic floor. Zentralbl. Gynakol., v. 123, n. 12, p. 666-71, 2001. 6. ÖRNÖ, A.K.; MARSÁL, K.; HERBST, A. Ultrasonographic anatomy of perineal structures during pregnancy and immediately following obstetric injury. Ultrasound Obstet. Gynecol., v. 32, p. 527-34, 2008. 7. BRAEKKEN, I.H. et al. Test-retest reliability of pelvic floor muscle contraction measured by 4D ultrasound. Neurourol. Urodyn., v. 28, n. 1, p. 68-73, 2009. 8. FLEMING, N.; NEWTON, E.R.; ROBERTS, J. Changes in postpartum perineal muscle function in women with and without episiotomies. J. Midwifery Womens Health, v. 48, n. 1, p. 53-9, 2003. 9. HERBISON, P.; PLEVNIK, S.; MANTLE, J. Weighted vaginal cones for urinary incontinence (Cochrane Review). In: The Cochrane Library, Issue 3, 2003. Oxford: Update Software. 10. MENTA, S.S. Força muscular perineal no pós-parto tardio: avaliação em
16 primipuérperas. 2003. Dissertação. (Mestrado em Enfermagem) - Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo. 11. DUMOULIN, C. et al. Reliability of dynamometric measurements of the pelvic floor musculature. Neurourol. Urodyn., v. 23, p. 134-42, 2004. 12. BØ, K.; LARSEN, S. Classification and characterization of responders to pelvic floor muscle exercise for female stress urinary incontinence. Neurourol. Urodyn., v. 9, p. 395-6, 1990. 13. ATALAH, E.S. et al. Propuesta de un nuevo estandar de evaluacion nutricional en embarazadas. Rev. Méd. Chil., v. 125, n. 12, p. 1429-36, 1997. 14. CUNNINGHAM, F.G. et al. Conduta no trabalho de parto e no parto normal. In: Williams obstetrícia. 20 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000, p. 281-98. 15. COSTA NETO, P.L.O. Estatística. São Paulo: Edgard Blücher, 1992. 16. BARBOSA, A.M.P. Efeito da via de parto na força muscular do assoalho pélvico, em primíparas. 2004. Dissertação (Mestrado em Medicina) - Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu. 17. VALADARES, J.D. Adaptações fisiológicas da gestação. In: SOUZA, E.L.B.L. Fisioterapia aplicada à obstetrícia: aspectos de ginecologia e neonatologia. 3 ed. Rio de Janeiro: MEDSI, 2002, p. 19-32. 18. FISCHER, W.; LINDE, A. Pelvic floor findings in urinary incontinence results of conditioning using vaginal cones. Acta Obstet. Gynecol. Scand., v. 76, n. 5, p. 455-60, 1997. 19. CAMMU, H. et al. Who will benefit from pelvic floor muscle training for stress urinary incontinence? Am. J. Obstet. Gynecol., v. 191, n. 4, p. 1152-7, 2004. 20. DIOKNO, A.C. et al. Prevention of urinary incontinence by behavioral modification program: a randomized, controlled trial among older women in the community. J. Urol., v. 171, n. 3, p. 1165-71, 2004. 21. BELO, J. et al. Reeducação do pavimento pélvico com cones de Plevnik em mulheres com incontinência urinária. Acta Méd. Port., v. 18, p. 117-22, 2005. 22. CASTRO, R.A. et al. Single-blind, randomized, controlled trial of pelvic floor muscle training, electrical stimulation, vaginal cones, and no active treatment in the management of stress urinary incontinence. Clinics, v. 63, n. 4, p. 465-72, 2008. 23. OLIVEIRA, C. et al. Effects of pelvic floor muscle training during pregnancy. Clinics, v. 62, n. 4, p. 439-46, 2007. 24. ZANETTI, M.R.D. et al. Impacto of supervised physiotherapeutic pelvic floor exercises for treating female stress urinary incontinence. Sao Paulo Med J, v.125, n.5, p.265-9, 2007. 25. BARBOSA, A.M.P. et al. Efeito da via de parto sobre a força muscular do assoalho pélvico. Ver. Brás. Ginecol. Obstet., v. 27, n. 11, p. 677-82, 2005. 26. MENTA, S.S.; SCHIRMER, J. Relação entre a pressão muscular perineal no
17 puerpério e o tipo de parto. Rev. Bras. Ginecol. Obstet., v. 28, n. 9, p. 523-9, 2006. 27. ALLEN, R.E. et al. Pelvic floor damage and childbirth: a neurophysiological study. Br. J. Obstet. Gynaecol., v. 7, p. 770-9, 1990. 28. KLEIN, M.C. et al. Determinants of vaginal-perineal integrity and pelvic floor functioning in childbirth. Am. J. Obstet. Gynecol., v. 176, n. 2, p. 403-10, 1997. 29. DANNECKER, C.; ANTHUBER, C. The effects of childbirth on the pelvic floor. J. Perinat. Med., v. 28, n. 3, p. 175-84, 2000. 30. VOORHAM-VAN DER ZALM, P.J. et al. Diagnostic investigation of the pelvic floor: a helpful tool in the approach in patients with complaints of micturition, defecation, and/or sexual dysfunction. J. Sex. Med., v. 5, p. 864-71, 2008. 31. LEEMAN, L.M. et al. Do unsutured second-degree perineal lacerations affect postpartum functional outcomes? J. Am. Board Fam. Méd., v. 20, n. 5, p. 451-7, 2007. 32. SOUZA, E.L.B.L. A reeducação da musculatura do assoalho pélvico como método de tratamento conservador da incontinência urinária. In: Fisioterapia aplicada à obstetrícia: aspectos de ginecologia e neonatologia. 3 ed. Rio de Janeiro: MEDSI, 2002, p.91-401. 33. COLETTI, S.H.; HADDAD, J.M.; BARROS, J.P.F. Avaliação funcional do assoalho pélvico. In: AMARO J.L. et al. Reabilitação do assoalho pélvico nas funções urinárias e anorretais. São Paulo: Segmento Farma, 2005, p. 67-75. 34. NAGIB, A.B.L. et al. Avaliação da sinergia da musculatura abdomino-pélvica em nulíparas com eletromiografia e biofeedback perineal. Rev. Bras. Ginecol. Obstet, v. 27, n. 4, p. 210-5, 2005.