Ultrassom estático e terapia manual para tratamento da enxaqueca refratária. Relato de caso

Documentos relacionados

Protrusão da cabeça em adultos com cefaleia

COMPARAÇÃO ENTRE ALONGAMENTO E LIBERAÇÃO MIOFASCIAL EM PACIENTES COM HÉRNIA DE DISCO

Parecer n. 05-3/2015. Processo de consulta: Ofício nº 60/2015/GAPRE COFFITO Assunto: Reeducação Postural Global - RPG

Gabriela Ferreira Carvalho Curriculum Vitae

Cefaleias primárias e síndrome de dor miofascial

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE

RELAÇÃO ENTRE MOBILIDADE CERVICAL, SENSIBILIDADE LOMBAR E O SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO EM INDIVÍDUOS SAUDÁVEIS: UM ESTUDO TRANSVERSAL.

BENEFÍCIOS DO PILATES EM PACIENTES COM LOMBALGIA1 BENEFITS DO PILATES IN PATIENTS WITH LOMBALGIA1. Jussara Gonçalves Pena1, Andrês Chiapeta2

ASSITÊNCIA FISIOTERAPÊUTICA À PACIENTES COM DISFUNÇÃO TEMPOROMANDIBULAR (DTM): UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Fisioterapeuta Priscila Souza

Dor Orofacial Neurovascular Neurovascular Orofacial Pain

LIBERAÇÃO MIOFASCIAL. Ebook Gratuito

Resumo: Anais do 38º CBA, p.1725

Camila Ap. Marques Faria de Melo Kíssila Brito Fiszer

Enxaqueca Crônica. Rafael G. S. Watanabe. Médico neurologista

Toxina Botulínica. O anestesista e o doente submetido a prévias técnicas analgésicas não convencionais:

Tripla Associação Nutracêutica. Eficaz na Prevenção e Tratamento da Migrânea

EFEITO DO ULTRA-SOM TERAPÊUTICO NA SÍNDROME DO TÚNEL DO CARPO: REVISÃO DE LITERATURA

Baixa Dose de Naltrexona Trata a Dor Crônica. Apresenta Eficácia e Tolerabilidade em Mais de 93% dos Pacientes com Fibromialgia

LINA MONETTA ANÁLISE EVOLUTIVA DO PROCESSO DE CICATRIZAÇÃO EM ÚLCERAS DIABÉTICAS, DE PRESSÃO E VENOSAS COM USO DE PAPAÍNA

INFLUÊNCIA DA GAMETERAPIA NA REABILITAÇÃO DE PACIENTE PÓS ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO

DOR CRÓNICA MIOFASCIAL E SENSIBILIZAÇÃO ESPINAL SEGMENTÁRIA. INTEGRAÇÃO DA MATRIZ DA DOR E NOVAS ESTRATÉGIAS DE TRATAMENTO

1 de 6. (1) Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias, Castelo Branco. (2) Associação Regional de Solidariedade p/ o Progresso do Alto Zêzere, Covilhã

Cefaleia em pacientes com dor crônica entrevistados na Unidade de Dor do Hospital Central de Maputo, Moçambique

Prof. Kemil Rocha Sousa

TÍTULO: ESTUDO COMPARATIVO ENTRE AURICULOTERAPIA E CINESIOTERAPIA EM PACIENTES COM CEFELEIA TENSIONAL

EFEITO DO TREINAMENTO DE EXERCÍCIOS DE FLEXIBILIDADE SOBRE A MARCHA DE IDOSAS

DOR CRÔNICA E ENVELHECIMENTO

Efeito adicional da fisioterapia ao tratamento medicamentoso na redução da frequência e intensidade da migrânea Ensaio controlado randomizado

UNIVERSIDADE SALGADO DE OLIVEIRA PRÓ-REITORIA ACADÊMICA CURSO DE FISIOTERAPIA

FACULDADE FASERRA BIO CURSOS. Pós-Graduação em Reabilitação em Ortopedia e Traumatologia com Ênfase em Terapia Manual. Davi Artur de Souza Botelho

UNIVERSIDADE FERNANDO PESSOA FCS/ESS LICENCIATURA EM FISIOTERAPIA PROJECTO E ESTÁGIO PROFISSIONALIZANTE II

MODELO FORMATIVO. DATA DE INíCIO / FIM / HORARIO Manhã - 9:00 às 13:00 Tarde - 14:00 às 18:00 INVESTIMENTO

Revista Brasileira de Fisioterapia Print version ISSN

CARLOS MARCELO ARCHANGELO 1 MANOEL MARTIN JÚNIOR 1 ALÍCIO ROSALINO GARCIA 2 PAULO RENATO JUNQUEIRA ZUIM 3

Evidência da Compressão Isquémica na Síndrome de Dor Miofascial: Uma Revisão Sistemática

ERROS. + comuns. durante a execução de exercícios de Pilates

UNIVERSIDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS-UNIPAC FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DE BARBACENA-FASAB CURSO DE FISIOTERAPIA PATRÍCIA CAMPOS DA CUNHA

PROGRAMA PRELIMINAR XXXII CONGRESSO BRASILEIRO DE CEFALEIA XIII CONGRESSO DE DOR OROFACIAL 30 DE AGOSTO A 01 DE SETEMBRO DE 2018

A EFICÁCIA DA TERAPIA MANUAL EM INDIVÍDUOS CEFALEICOS PORTADORES E NÃO-PORTADORES DE DEGENERAÇÃO CERVICAL: ANÁLISE DE SEIS CASOS

Migrânea refratária Ronald Moura Fiuza

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE ODONTOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ODONTOLOGIA DOUTORADO EM PRÓTESE DENTÁRIA

Dissertação de mestrado

Clínica Dr. Alfredo Toledo e Souza. Avenida Condessa de Vimieiros, 395 Centro, Itanhaém, SP. Fone (13) e (13)

Treino de marcha assistido por estimulação elétrica funcional. Gabriel Xavier Marantes Médico Fisiatra CREMERS RQE 24140

Dor e Amputação. Maria José Festas Fisiatra. Medicina Física e de Reabilitação. Hospital de S. João

Fisiologia da Articulação Temporomandibular (ATM) Dra. Glauce Crivelaro Nascimento

INFLUÊNCIA DA EQUOTERAPIA NO DESENVOLVIMENTO DE PESSOAS COM SÍNDROME DE DOWN

POSTURAL CORPORAL E DOR CERVICAL

~ 5 ~ A EFETIVIDADE DAS TÉCNICAS DE ISOSTRETCHING E ALOGAMENTO ESTÁTICO NA LOMBALGIA

QUIROPRAXIA NO TRATAMENTO DA COLUNA VERTEBRAL. TERAPIA MANIPULATIVA AMERICANA

Autoria: Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Associação Brasileira de Cirurgia Pediátrica

ASPECTOS GERAIS DA FIBROMIALGIA

RETALHOS ÂNTERO-LATERAL DA COXA E RETO ABDOMINAL EM GRANDES RECONSTRUÇÕES TRIDIMENSIONAIS EM CABEÇA E PESCOÇO

Sul e Sudeste Têm Mais Casos de Enxaqueca, Indica Pesquisa

Robrac, 16 (42) 2007 ISSN Pressure Pain Treshold and referred pain pattern in myofascial pain patients

TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO E ODONTOLÓGICO EM DISFUNÇÃO TEMPOROMANDIBULAR: UM RELATO DE CASO

Artigo Original TRATAMENTO DO CÂNCER DE CABEÇA E PESCOÇO NO IDOSO ACIMA DE 80 ANOS

Modalidades fisioterapêuticas. Profa. Dra. Daniela Cristina Carvalho de Abreu Alunas PAE: Jaqueline Mello Porto Paola Errera Magnani

No mundo, a enxaqueca crônica acomete entre 8 e 18% da população.

TERAPIA VIBRO-OSCILATÓRIA.

Guia interativo. Controle sua dor

EFEITOS DA BANDAGEM FUNCIONAL NO PÉ EQUINO DE CRIANÇA COM PARALISIA CEREBRAL: ESTUDO DE CASO

Seminário Interdisciplinar. Traumas Faciais: Atuação Fonoaudiológica e Odontológica

Métodos: Bolsas térmicas Banhos (frios, quentes, de parafina) Lâmpadas de Infravermelhos Gelo (massagem, saco de gelo) Spray de frio Compressas frias

EFEITOS DO MÉTODO PILATES NA DOR LOMBAR CRÔNICA NÃO ESPECÍFICA

DEPARTAMENTO DE ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO CENTRO DE TRAUMATOLOGIA DE ESPORTE

Massagem com Pedras Quentes Associada à Cosméticos Terapêuticos.

Eficácia da técnica de agulhamento seco no controle da síndrome da dor miofascial: uma revisão crítica da literatura

Fisioterapia na fase pré e pós protetização. 1. Membros Superiores e Tronco. Avaliação em Fisioterapia

#Fisioterapeuta, #Osteopata com Cedula, #Estudante Finalista. Inscrição Antecipada ( ) Inscrição Normal ( ) 439.

Exercício Físico na Esclerose Múltipla

FISIOTERAPIA ORTOPÉDICA COM ÊNFASE EM TERAPIA MANUAL

TRIGGER POINTS (MAI 2017) - PORTO

01/08/16. Introdução. Hipotermoterapia. Conceito. Hipotermoterapia. Crioterapia X Inflamação. Efeitos sobre a Temperatura Corporal

SALA A(DEFISIO) (D1-S1)

Efeitos imediatos da mobilização articular segundo Maitland em pacientes com Cefaleia Cervicogénica, um ensaio clínico randomizado e controlado

EPASTICIDADE FENOL Autoria: Participantes: Diagramação

CRIOTERAPIA. Prof. Msc. Carolina Vicentini

Projeto de Integração Ensino Serviço. Problemas da ATM em Adultos PROFA. DRA. ANDREA LUSVARGHI WITZEL

Exame Físico Ortopédico

A EQUOTERAPIA COMO RECURSO FISIOTERAPÊUTICO NO TRATAMENTO DE CRIANÇAS COM PARALISIA CEREBRAL: UMA REVISÃO DE LITERATURA

ABSORÇÃO DE IMPACTO NA PREVENÇÃO DE LESÕES JOÃO FERREIRINHO

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA CURSO DE COSMETOLOGIA E ESTÉTICA DISCIPLINA: TEORIAS E TÉCNICAS DE MASSAGEM AVALIAÇÃO CORPORAL

VARIAÇÕES FISIOLÓGICAS DA PRESSÃO DO LÍQUIDO CEFALORRAQUEANO NA CISTERNA MAGNA

26ª Reunião, Extraordinária Comissão de Assuntos Sociais

CATEGORIA: CONCLUÍDO ÁREA: CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E SAÚDE SUBÁREA: FISIOTERAPIA INSTITUIÇÃO: CENTRO UNIVERSITÁRIO DO PLANALTO DE ARAXÁ

COM ANDRZEJ PILAT (OUT 2015) LISBOA

Hidroxizina é Nova Potencial Opção Terapêutica para Tratamento do Bruxismo do Sono Infantil. Segurança e Eficácia Comprovadas em

A CAMINHADA NÓRDICA ADAPTADA PARA PORTADORES DE DOENÇA DE PARKINSON

Pectoral stretching program for women undergoing radiotherapy for breast cancer: RCT

Biomecânica da Coluna Cervical

HISTÓRICO Síndrome Facetária

Fasciite PLANTAR UNIFESP - SÃO PAULO. LEDA MAGALHÃES OLIVEIRA REUMATOLOGIA - fisioterapeuta.

TÍTULO: OS EFEITOS DA MASSOTERAPIA NA QUALIDADE DE VIDA E NA DOR DE MULHERES COM FIBROMIALGIA

16 de Setembro de V. Pinheira 1,2 ; A. Pinto 3 ; A. Almeida 3.

INTRODUÇÂO A observação freqüente de desequilíbrios sistemáticos ou preferenciais na mastigação contribuiu para que a fonoaudiologia aprofundasse o

TRIGGER POINTS (NOV 2017) - PORTO

LASERTERAPIA NO TRATAMENTO DE PONTOS-GATILHO RELATO DE TRÊS CASOS LASER THERAPY IN THE TREATMENT OF TRIGGER POINTS REPORT OF THREE CASES

Transcrição:

Universidade de São Paulo Biblioteca Digital da Produção Intelectual - BDPI Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor - FMRP/RAL Artigos e Materiais de Revistas Científicas - FMRP/RAL 2012 Ultrassom estático e terapia manual para tratamento da enxaqueca refratária. Relato de caso Rev. dor,v.13,n.1,p.80-84,2012 http://www.producao.usp.br/handle/bdpi/40256 Downloaded from: Biblioteca Digital da Produção Intelectual - BDPI, Universidade de São Paulo

Rev Dor. São Paulo, 2012 jan-mar;13(1):80-4 RELATO DE CASO Ultrassom estático e terapia manual para tratamento da enxaqueca refratária. Relato de caso* Static ultrasound and manual therapy in refractory migraine. Case report Maria Claudia Gonçalves 1, Elaine Regina Teixeira da Silva 2, Thaís Cristina Chaves 3, Fabíola Dach 4, José Geraldo Speciali 3, Rinaldo Roberto de Jesus Guirro 5, Débora Bevilaqua-Grossi 5 * Recebido do Departamento de Medicina Biomecânica e Reabilitação do Aparelho Locomotor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP. RESUMO JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Limiares reduzidos de dor a pressão (LDP) e presença de pontos de gatilho musculares costumam ser observadas em pacientes com enxaqueca. A fisioterapia costuma ser útil para esses pacientes. O objetivo deste estudo foi demonstrar os benefícios do ultrassom estático no tratamento de pacientes com enxaqueca. RELATO DE CASO: Paciente do sexo feminino, 25 anos, com enxaqueca desde os 15 anos de idade. Foi enviada por especialista em cefaleia devido à refratariedade ao tratamento farmacológico. Tinha aproximadamente 8 crises incapacitantes por mês que duravam 2 a 3 dias. Foram examinados os músculos craniocervicais, medido o LDP e a amplitude de movimento cervical. Participou de 20 sessões, duas vezes por semana com duração de 40 a 50 minutos, de alongamento global e tração cervical, 1. Pós-Graduanda do Departamento de Medicina Biomecânica e Reabilitação do Aparelho Locomotor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. 2. Fisioterapeuta Graduada pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. 3. Professor do Departamento de Neurociências e Ciências Comportamentais da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. 4. Departamento de Neurociências e Ciências Comportamentais da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. 5. Professor do Departamento de Medicina Biomecânica e Reabilitação do Aparelho Locomotor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Brasil. Endereço para correspondência: Dra. Debora Bevilaqua Grossi Departamento de Biomecânica Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor Av. Bandeirantes, 3900 14049-900 Ribeirão Preto, SP. Fone/Fax: (16) 3602-4413 E-mail: deborabg@fmrp.usp.br 80 além de liberação miofascial e desativação dos pontos de gatilho musculares. Após a 6 a sessão introduziu-se o ultrassom estático ao protocolo. CONCLUSÃO: Houve redução significativa na frequência e duração dos ataques de enxaqueca, além de aumento do LDP. A fisioterapia com ultrassom estático pode ser útil para pacientes com enxaqueca refratária. Descritores: Enxaqueca sem aura, Modalidades de Fisioterapia, Síndromes da dor miofascial, Terapia por ultrassom. SUMMARY BACKGROUND AND OBJECTIVES: Reduced pressure pain thresholds (PPT) and presence of muscular trigger points are often observed in patients with migraine. Physical therapy is frequently helpful in these patients. The objective of this study was to demonstrate the benefits of static ultrasound in the treatment of patients with migraine. CASE REPORT: Female patient, 25 years-old with migraine since the age of 15 years. She was referred by a headache specialist due to refractoriness to pharmacological treatment. She had around 8 disabling attacks per months, lasting from 2 to 3 days. We examined the craniocervical muscles, measured the PPT and cervical range of motion. She participated in 20 sessions twice a week, lasting from 40 to 50 minutes, of global stretching, stretching and cervical traction, as well as myofascial vibration and deactivation of muscular trigger points. From the 6 th section after, static ultrasound was added to the protocol. CONCLUSION: There has been significant reduction in the frequency and duration of migraine attacks, as well as increased PPT. Physical therapy using Static Ultrasound may be of value for patients with refractory migraine. Keywords: Physical Therapy Modalities, Migraine without Aura, Myofascial Pain Syndromes, Ultrasound therapy. c Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor

Ultrassom estático e terapia manual para tratamento da enxaqueca refratária. Relato de caso Rev Dor. São Paulo, 2012 jan-mar;13(1):80-4 INTRODUÇÃO A enxaqueca é uma condição prevalente e debilitante na população em geral 1. Seus mecanismos centrais são bem conhecidos. A ativação do sistema vascular trigeminal tem função central na fisiopatologia da enxaqueca 2. Sensibilidade pericraniana, alodínia e dor reflexa são frequentes durante e entre os ataques de enxaqueca 3. Da mesma forma, o input nociceptivo periférico, inclusive input dos músculos, pode ser importante na fisiopatologia da enxaqueca 4,5. É interessante que a palpação de pontos de gatilho costuma iniciar ou piorar as cefaleias 6. Pacientes com enxaqueca costumam apresentar limiares mais baixos de dor a pressão nos músculos craniocervicais, além de posição de cabeça para a frente 6. Além disso, costumam ter vários pontos de gatilho miofasciais ativos na região craniocervical 4. O ultrassom estático é um método não invasivo, às vezes utilizado para desativar pontos de gatilho porque aumenta a temperatura muscular que por sua vez acelera as taxas metabólicas musculares reduzindo os espasmos, a dor e a inflamação crônica enquanto aumenta o fluxo sanguíneo local 7,8. O ultrassom estático também pode aumentar o LDP reduzindo a sensibilidade periférica local 9,10. Até onde se sabe, essa técnica nunca foi utilizada para desativar pontos de gatilho miofasciais. Da mesma forma, técnicas de terapia manual, como massagem, alongamento e compressão progressiva, podem trazer benefícios para pacientes com enxaqueca 11,12. Essas técnicas alteram o fluxo sanguíneo pela mobilização de tecidos superficiais com relação a estruturas mais profundas aliviando a tensão muscular 13. O objetivo deste estudo foi relatar um caso de paciente com enxaqueca refratária com alívio incompleto após técnicas de terapia manual, mas com melhora importante na frequência e duração da enxaqueca após a associação de ultrassom estático. RELATO DO CASO Paciente do sexo feminino, 25 anos, enfermeira, com enxaqueca sem aura desde os 15 anos de idade. A dor era unilateral, principalmente do lado esquerdo. A frequência de ataques era de aproximadamente 8 por mês, durando 2 a 3 dias. A dor era forte, de intensidade 8 a 10 em uma escala numérica de 10 pontos. O alívio com analgésicos era pequeno. A enxaqueca era incapacitante, importante e os antecedentes clínicos não eram significativos. Antes de ser enviada para o serviço de fisioterapia, foi tratada por especialista em cefaleias por meio de vários protocolos padronizados de medicamentos, além de bloqueios nos nervos occipitais maior e menor, e a paciente relatou melhora transitória. Foi avaliada a postura sendo identificada posição de cabeça para frente, retificação do tórax e hipolordose lombar. Foi realizada palpação muscular bilateral por pressão digital até 4 kg nos seguintes músculos craniocervicais: suboccipital, na inserção e corpo da porção superior do trapézio, porções anterior, média e posterior do temporal, origem, corpo, inserção do masseter e esternoclideomastoideo. Foram identificados 16 pontos de gatilho que reproduziam a cefaleia quando pressionados. Os LDP foram avaliados com um algômetro de pressão Instrutherm DD-200, com superfície de 1 cm 2 e velocidade de 1 kg/s 14. Foram feitas três medidas, exceto na avaliação da região tenar da mão direita, avaliada apenas uma vez e usada como controle. As medidas foram feitas em três momentos diferentes: antes do tratamento, na 11 ª semana de tratamento (intermediária) e na 22 a e última sessão (Tabela 1). Tabela 1 Limiar de dor a pressão antes do tratamento, na 11ª semana de tratamento (intermediária) e na 22ª sessão (última sessão). Músculos Pré-Tratamento Intermediário Pós- Tratamento Direito Esquerdo Direito Esquerdo Direito Esquerdo Sub-occipital 1,22 0,99 1,52 1,49 2,01* 1,98* Trapézio 1,40 1,20 1,44 1,47 2,10*α 2,04*α Temporal anterior 1,18 0,85 1,47 1,19 2,18*α 2,28*α Temporal medial 1,36 0,90 1,93 1,61* 2,87*α 2,33*α Temporal posterior 1,72 1,10** 1,90 1,59* 2,38* 2,31*α Esternoclideomastoideo 1,25 0,98 1,22 1,08 1,90*α 1,51* Origem do Masseter 1,27 0,91 1,57 1,30 2,41*α 2,14*α Corpo do Masseter 1,07 0,84 1,33 1,05 1,79*α 1,86*α Inserção do Masseter 1,02 0,76** 1,16 1,07* 1,40*α 1,61*α ** Diferença entre os dois lados; * Diferença com relação ao pré-tratamento; α Diferença com relação às avaliações intermediárias; teste ANOVA (p < 0,05). 81

Rev Dor. São Paulo, 2012 jan-mar;13(1):80-4 Gonçalves, Silva, Chaves e col. A amplitude de movimento cervical (ADMC) foi avaliada com um dispositivo ADMC específico 15 que mediu flexão, extensão, inclinação lateral e rotação da cabeça. Todas as medidas foram feitas pelo mesmo profissional. As sessões de tratamento foram realizadas duas vezes por semana com duração de 40 a 50 minutos cada uma, durante 18 semanas, correspondendo a 20 sessões, mais avaliação inicial e final. As sessões consistiram em técnicas de terapia manual e orientação para alongamento diário da região cervical e do tórax. A paciente também foi instruída a caminhar pelo menos 3 vezes por semana por no mínimo 30 minutos e recebeu recomendação sobre a postura correta. Os seguintes procedimentos foram realizados em todas as sessões: alongamento global, treinamento de respiração diafragmática, alongamento cervical, tração cervical, liberação miofascial e desativação de pontos de gatilho. O alongamento global nas posições sapo no chão ou sapo no ar foi alternado em diferentes sessões com duração de 20 a 30 minutos. Durante os exercícios a paciente foi instruída a usar respiração diafragmática (Figura 1). Alongamento, tração e liberação miofascial: o alongamento cervical foi mantido por 30 segundos em cada posição (flexão, extensões, rotações e inclinação) 16 ; as trações foram mantidas por 2 minutos. Depois disso, era realizada a liberação miofascial durante 20 minutos (Figura 2). Figura 1 Alongamento global 82 Figura 2 Posicionamento da paciente durante liberação miofascial. Desativação de pontos de gatilho: foi usada compressão progressiva dos pontos de gatilho. Quando a paciente relatava dor, a compressão era interrompida até alívio total da dor. Depois, a pressão digital era aumentada novamente até novo início da dor. Os procedimentos foram repetidos até o alívio total da dor, ou duração máxima de 60 segundos por ponto de gatilho. Após 6 sessões não foram observadas mudanças consideráveis. Ela tinha sensibilidade muscular importante e havia perdido a motivação para continuar a terapia A partir da 6 a sessão o ultrassom estático (Sonopulse compact 1MHz da IBRAMED) foi associado ao protocolo terapêutico com 1 MHz, na dose de 1,5 W/cm 2 por 1,5 minuto, nos pontos de gatilho que podiam desencadear a cefaleia. Esse recurso foi sempre utilizado próximo ao final da sessão e em não mais do que 2 pontos de gatilho. O LDP nos três momentos avaliados foi comparado com ANOVA a dois critérios com pós- teste (Bonferroni) (p < 0,05). Os valores de ADMC foram comparados pelo teste de Qui-quadrado. Após 20 sessões, a frequência de cefaleias diminuiu consideravelmente, de 8 para 2 ataques por mês. A intensidade da dor variou de 5 a 10 antes do tratamento e de 5 a 8 ao final do tratamento. A duração passou de mais de um dia para uma média de 7 horas. Na avaliação pré-tratamento, o lado esquerdo tinha LDP significativamente mais baixo comparado ao lado direito. Na avaliação intermediária, o LDP aumentou em geral bilateralmente e atingiu valores significativos para os músculos temporais médio e posterior do lado esquerdo e para a inserção do masseter do lado esquerdo. Ao final do tratamento, os valores de LDP aumentaram significativamente se comparados aos valores pré-tratamento e

Ultrassom estático e terapia manual para tratamento da enxaqueca refratária. Relato de caso Rev Dor. São Paulo, 2012 jan-mar;13(1):80-4 intermediário. Para os músculos occipitais em ambos os lados, músculo temporal posterior direito e esternoclideomastoideo esquerdo, só houve diferenças com relação ao pré-tratamento. Para todos os outros, as diferenças também foram significativas se comparadas às avaliações intermediárias (Tabela 1). Na avaliação inicial ela tinha 16 pontos de gatilho que podiam desencadear a cefaleia, que diminuíram para 14 na avaliação intermediária e apenas 5 ao final do programa. Quanto à amplitude de movimento cervical, a avaliação pré-tratamento demonstrou pequena redução na amplitude de movimento para flexão, inclinação lateral e esquerda e extensão cervical. A amplitude de movimento cervical aumentou para todos os parâmetros, embora sem diferença significativa. DISCUSSÃO A paciente reagiu mal às técnicas de terapia manual e à fisioterapia tradicional. Isso pode ser reflexo de um estado inicial possível de sensibilização central. Como a dor era reproduzida durante liberação miofascial e após a desativação de pontos de gatilho, a manipulação periférica pode ter contribuído para a sensibilização central. Na avaliação inicial, ela tinha 16 pontos de gatilho que podiam desencadear a cefaleia; diminuíram para 14 na avaliação intermediária e para apenas 5 ao final do programa. Após o início da terapia com ultrassom estático a dor melhorou consideravelmente e já não era desencadeada por técnicas de terapia manual. Embora o ultrassom estático não cause aumento importante da temperatura, porque os parâmetros envolveram baixa temperatura e curto tempo de aplicação, os pontos de gatilho foram provavelmente estimulados pelos efeitos não térmicos do ultrassom estático que sabidamente causam efeitos fisiológicos e analgesia segmentar 8. A redução da hiperalgia muscular foi provavelmente seguida de redução do input nociceptivo ao sistema nervoso central, e consequentemente houve redução da sensibilização. Observou-se importante redução do LDP como resultado da terapia. Mais ainda, houve uma redução do LDP entre os dois lados da cabeça, sugerindo mais uma vez que houve redução da sensibilização periférica e central. A gravidade da cefaleia pode ser resultado dos mecanismos nociceptivos da periferia e de tecidos intra e extracranianos. O input converge para os neurônios de segunda ordem localizados no núcleo caudal do trigêmeo. Como a hipersensibilidade cerebral é uma condição dinâmica influenciada por inputs nociceptivos 17, a lateralização nociceptiva pode facilitar a hipoalgesia unilateral de pacientes com cefaleia 18. Isso pode ter explicado o aumento da gravidade da dor na cabeça e os valores de LDP mais baixos antes do tratamento. Embora a amplitude de movimento cervical não tenha variado significativamente com o tratamento, pode ser que pequenas mudanças tenham sido suficientes para induzir melhor equilíbrio muscular e mobilidade cervical. Finalmente, o desfecho também pode ter refletido os efeitos da terapia adjuvante, como alongamento global, respiração diafragmática e outros, porque melhoram a imagem corporal melhorando a autopercepção e o re- -equilíbrio do tônus muscular e tendem a reduzir a tensão muscular, portanto ajudando a aliviar os pontos de gatilho. Em geral, a terapia melhorou as enxaquecas que eram antes resistentes a terapias farmacológicas. A associação dos dois tipos de terapias, ultrassom estático e técnicas de terapia manual, reduziram a duração e a frequência de ataques de enxaqueca e o número de pontos de gatilho ativos, além de aumentar significativamente o LDP. A fisioterapia tem vários métodos não invasivos que se concentram nos fatores que desencadeiam e perpetuam a cefaleia 20. Poucos estudos demonstraram os benefícios do tratamento com ultrassom estático para a liberação de pontos de gatilho de pacientes com enxaqueca. Este relato de caso demonstrou que a combinação de técnicas de terapia manual e ultrassom estático é uma alternativa não farmacológica interessante para pacientes com enxaqueca e envolvimento miofascial. Estudos futuros, como estudos clínicos aleatórios, devem ser realizados para confirmar os resultados em larga escala. REFERÊNCIAS 1. Stovner Lj, Hagen K, Jensen R, et al. The global burden of headache: a documentation of headache prevalence and disability worldwide. Cephalalgia 2007;27(3):193-210. 2. Goadsby PJ, Lipton RB, Ferrari MD. Migraine-- -current understanding and treatment. N Engl J Med 2002;346(4):257-70. 3. Grossi DB, Chaves TC, Gonçalves MC, et al. Pressure pain threshold in the craniocervical muscles of women with episodic and chronic migraine: a controlled study. Arq Neuropsiquiatr 2011;69(4):607-12. 4. Fernández-de-Las-Peñas C, Cuadrado ML, Pareja JA. Myofascial trigger points, neck mobility and forward head posture in unilateral migraine. Cephalalgia 2006;26(9):1061-70. 5. Giamberardino MA, Tafuri E, Savini A, et al. Contri- 83

Rev Dor. São Paulo, 2012 jan-mar;13(1):80-4 Gonçalves, Silva, Chaves e col. bution of myofascial trigger points to migraine symptoms. J Pain 2007;8(11):869-78. 6. Bevilaqua-Grossi D, Pegoretti KS, Gonçalves MC et al. Cervical mobility in women with migraine. Headache 2009;49:726-731. 7. Rose S, Draper DO, Schulthies SS, et al. The stretching window, part two: rate of thermal decay in deep muscle following 1-MHz ultrasound. J Athl Train 1996;31(2):139-43. 8. Draper DO, Castel JC, Castel D. Rate of temperature increase in human muscle during 1 MHz and 3 MHz continuous ultrasound. J Orthop Sports Phys Ther 1995;22(4):142-50. 9. Baker RJ, Bell GW. The effect of therapeutic modalities on blood flow in the human calf. J Orthop Sports Phys Ther 1991;13(1):23-7. 10. Srbely JZ, Dickey JP, Lowerison M, et al. Stimulation of myofascial trigger points with ultrasound induces segmental antinociceptive effects: a randomized controlled study. Pain 2008;139(2):260-6. 11. Majlesi J, Unalan H. High-power pain threshold ultrasound technique in the treatment of active myofascial trigger points: a randomized, double-blind, case-control study. Arch Phys Med Rehabil 2004;85(5):833-6. 12. Fryer G, Hodgson L. The effect of manual pressure release on myofascial trigger points in the upper trapezius muscle. J Bodywork Mov Ther 2005;9(4):248-55. 13. Fernandez de las Penas C, Alonso-Blanco C, Fernandez-Carnero J, et al. The immediate effect of ischemic compression technique and transverse friction massage on tenderness of active and latentmyofascial trigger points: a pilot study. J Bodywork Mov Ther 2006;10(1):3-9. 14. Gerwin RD. A review of myofascial pain and fibromyalgia factors that promote their persistence. Acupunct Med 2005;23(3):121-34. 15. Hou CR, Tsai LC, Cheng KF, et al. Immediate effects of various physical therapeutic modalities on cervical myofascial pain and trigger-point sensitivity. Arch Phys Med Rehabil 2002;83(10):1406-14. 16. Chaves TC, Nagamine HM, de Sousa LM, et al. Intra and Inter agreement of pressure pain threshold for masticatory structures in children reporting orofacial pain related to temporomandibular disorders and symptom-free children. J Orofac Pain 2007;21(2):133-42. 17. Youdas JW, Carey JR, Garrett TR. Reliability of measurements of cervical spine range of motion--comparison of three methods. Phys Ther 1991;71(2):98-104. 18. Cunha AC, Burke TN, França FJ, et al. Effect of global posture reeducation and of static stretching on pain, range of motion, and quality of life in women with chronic neck pain: a randomized clinical trial. Clinic 2008;63(6):763-70. 19. Herren-Gerber R, Weiss S, Arendt-Nielsen L, et al. Modulation of central hyper-sensitivity by nociceptive input in chronic pain after whiplash injury. Pain Med 2004;5(4):366-76. 20. Lawler SP, Cameron LD. A randomized, controlled trial of massage therapy as a treatment for migraine. Ann Behav Med 2006;32(1):50-9. Apresentado em 09 de setembro de 2011. Aceito para publicação em 24 de janeiro de 2012. Conflito de interesses: Nenhum 84