Variação sazonal na alimentação de Pimelodella cf. gracilis (Osteichthyes, Siluriformes, Pimelodidae) no rio Amambai, Estado de Mato Grosso do Sul



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Transcrição:

Variação sazonal na alimentação de Pimelodella cf. gracilis (Osteichthyes, Siluriformes, Pimelodidae) no rio Amambai, Estado de Mato Grosso do Sul Lucilene Finoto Viana 1, Silvana Lima dos Santos 1 e Sidnei Eduardo Lima-Junior 2* 1 Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Naviraí, Rua Emílio Mascoli, 275, 7995-, Naviraí, Estado de Mato Grosso do Sul, Brasil. 2 Laboratório de Análise e Monitoramento Ambiental do Gás Natural, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Rodovia Dourados Itahum, km 12, 7984-97, Dourados, Estado de Mato Grosso do Sul, Brasil. *Autor para correspondência. e-mail: selimajunior@hotmail.com RESUMO. Esse estudo teve como objetivo descrever a dieta e analisar a atividade alimentar de Pimelodella cf. gracilis no rio Amambai, Estado de Mato Grosso do Sul, ao longo das quatro estações do ano. Para tanto, analisou-se o conteúdo estomacal e calculou-se o Índice de Repleção Estomacal de 232 indivíduos. Os resultados obtidos demonstram que essa espécie é onívora e generalista, pois consome itens alimentares de origens diversas, tais como material vegetal, insetos terrestres e aquáticos, moluscos, escamas de peixes, sedimentos e material não-identificado. Apesar disso, o item material vegetal foi predominante na dieta ao longo de todo o ano, demonstrando que, embora onívora, essa espécie apresenta tendência à herbivoria. A dieta básica mostrou variações sazonais em sua composição, pois observou-se que alimentos alóctones têm sua importância aumentada nas estações mais quentes e chuvosas. Além disso, também foram registradas alterações sazonais na atividade alimentar, possivelmente influenciadas por fatores climáticos (temperatura e pluviosidade) e fisiológicos (ciclo reprodutivo). Palavras-chave: Pimelodella cf. gracilis, dieta, hábito alimentar, rio Amambai. ABSTRACT. Seasonal shifts in the feeding of Pimelodella cf. gracilis (Osteichthyes, Siluriformes, Pimelodidae) in Amambai River, Mato Grosso do Sul State. The aim of this study is to describe the diet and the feeding activity of Pimelodella cf. gracilis in Amambai river, Mato Grosso do Sul State, Brazil, along the four seasons of the year. For this, the stomach contents of 232 individuals were analyzed and their Stomach Fullness Index was calculated. The results indicate that this species is omnivorous and generalist, so it consumes feeding items of several origins, such as plant material, terrestrial and aquatic insects, mollusks, fish scales, sediments and non-identified material. Notwithstanding this, the plant material was predominant in the diet along the whole year, indicating that Pimelodella cf. gracilis tends to herbivorous habit. The composition of the basic diet changed seasonally, so we observed that allochthonous items have their importance increased in the warm and rainy seasons. Besides this, we also observed seasonal shifts in the feeding activity, probably due to climactic (temperature and precipitation) and physiological factors (reproductive cycle). Key words: Pimelodella cf. gracilis, diet, feeding habit, Amambai River. Introdução O estudo da alimentação de espécies de peixes fornece importantes informações para um melhor entendimento das relações existentes entre os componentes da ictiofauna e os demais organismos da comunidade aquática. O conhecimento das fontes alimentares utilizadas pelos peixes pode fornecer dados sobre habitat, disponibilidade de alimento no ambiente e alguns aspectos do comportamento, enquanto informações acerca da intensidade na tomada de alimento podem ser úteis para a complementação de estudos que visem detectar interações competitivas entre as espécies ou partição de recursos entre elas (Schoener, 1974; Hahn et al., 1997). Segundo Lowe-McConnell (1987), peixes que vivem sob condições que mudam sazonalmente tendem a alterar suas dietas, ingerindo o que está mais disponível nos diferentes períodos do ano, de modo que não podem ser grandes especialistas. Lolis e Andrian (1996) reforçam essa idéia, afirmando também que a maioria dos peixes apresenta considerável plasticidade em suas dietas, pois

124 Viana et al. mudanças ambientais sazonais podem modificar consideravelmente a alimentação de peixes. Desse modo, é importante não desconsiderar a influência da sazonalidade no estudo da dieta desses animais. A Ordem Siluriformes compreende peixes de hábitos bentônicos e noturnos, em sua maioria. A Família Pimelodidae é composta por formas de pequeno porte (menos de 1 cm) até formas gigantes (com mais de 1 m de comprimento). São peixes de corpo nu (sem escamas), com três pares de barbilhões (um maxilar e dois mentais) e abertura branquial ampla (Britski, 1999). A respeito da plasticidade na dieta de pimelodídeos, Lolis e Andrian (1996) e Lima-Junior e Goitein (24) observaram que Pimelodus maculatus apresenta variações temporais e espaciais na composição de sua dieta, relacionadas a fatores bióticos e abióticos. Partindo dessas informações, o presente trabalho tem como objetivo descrever a dieta e analisar a atividade alimentar de Pimelodella cf. gracilis (Osteichthyes, Siluriformes, Pimelodidae) no rio Amambai, Estado de Mato Grosso do Sul, ao longo das quatro estações do ano. Material e métodos As coletas dos indivíduos foram realizadas no rio Amambai, na Fazenda Santa Clara, na região do município de Naviraí, Estado de Mato Grosso do Sul (23 o 3 S e 54 o 11 W; Figura 1). Nesse local, a encosta do rio é formada por paredões de pedra constantemente úmidos pelo escoamento de água, característica que propicia o crescimento de várias espécies vegetais como samambaias e orquídeas. A mata ciliar que cresce no alto dos paredões é densa e apresenta uma grande variedade de espécies vegetais. Essas particularidades indicam que esse local está relativamente bem preservado em comparação com outros trechos do mesmo rio. No período compreendido entre abril de 24 e março de 25, 232 exemplares foram coletados utilizando-se varas e anzóis com iscas naturais (minhocas). A fim de minimizar possíveis erros decorrentes de amostragens pontuais, foram realizadas duas capturas em cada estação do ano (Tabela 1). No laboratório, o comprimento padrão (SL, em centímetros, aproximado em,1 cm), a massa corpórea total (W T, em gramas, aproximada em,5 g) e a massa do conteúdo estomacal (W S, em gramas, aproximada em,1 g) foram obtidos para cada um dos 232 indivíduos capturados. Quando presentes, os restos de iscas utilizadas na captura dos animais foram previamente descartados, antes da obtenção de W S. Brasil 1 2 3km Rio Amambai Estado de Mato Grosso do Sul Naviraí Rio Paraná Figura 1. Localização do rio Amambai e da cidade de Naviraí no Estado de Mato Grosso do Sul, Brasil. Tabela 1. Data das coletas e número de indivíduos capturados em cada estação. Estação Data das coletas (número de indivíduos capturados) Outono 24/4/24 e 1/5/24 (4) Inverno 12/7/24 e 12/8/24 (48) Primavera 12/1/24 e 21/11/24 (75) Verão 24/2/25 e 13/3/25 (69) As duas medidas de massa foram usadas para cálculo do Índice de Repleção Estomacal (IR), um indicador de atividade alimentar dos indivíduos definido pela razão entre W S e W T (Hyslop, 198; Lima-Junior e Goitein, 24). Os valores obtidos para o IR em cada uma das estações do ano foram comparados entre si por meio do Teste de Kruskal- Wallis complementado pelo teste a posteriori disponível no pacote estatístico BioEstat 2. (Ayres et al., 2), com nível de significância de,5. Esse mesmo procedimento foi utilizado para comparação entre as estações quanto ao comprimento padrão dos indivíduos capturados. Os estômagos contendo alimento (n=179) foram inspecionados sob lupa e os itens alimentares foram quantificados de acordo com o método proposto por Lima-Junior e Goitein (21). Esse

Variação sazonal na alimentação de Pimelodella cf. gracilis 125 método permite o cálculo do Índice de Importância (AI) de cada categoria (ou item) alimentar, utilizando os dados de freqüência de ocorrência e de abundância relativa de cada item alimentar. O cálculo do AI foi feito para cada estação do ano (amostras) e a comparação estatística dos resultados obtidos foi feita pelo método descrito por Fritz (1974), segundo o qual os itens alimentares são ranqueados em cada amostra e comparados entre si pelo Coeficiente de Correlação de Postos de Spearman, com nível de significância igual a,5. Com o intuito de embasar melhor a discussão da possível relação existente entre as informações biológicas investigadas e variáveis ambientais como temperatura e pluviosidade, recorreu-se à base de dados meteorológicos da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD, 26), que apresenta os registros históricos obtidos para essas variáveis na região de estudo. Resultados e discussão A comparação sazonal do comprimento padrão dos indivíduos revelou que essa variável apresenta valores significativamente menores no verão, em relação aos dados observados nas demais estações do ano. As amostras das outras estações, contudo, não apresentaram diferença significativa entre si quanto a essa variável (Tabela 2). Tabela 2. Resultados da comparação sazonal (Teste de Kruskal- Wallis) dos dados relativos ao comprimento padrão. Diferenças significativas (p<,5) estão em negrito. H=31,24 Graus de Liberdade=3 p<,1 Outono --- Inverno p=,3378 --- Primavera p=,121 p=,5944 --- Verão p<,1 p<,1 p=,1 --- Amplitude (cm) 8,-21,5 9,4-23, 1,-2,3 9,5-18,8 Posto médio 145,33 131,55 124,95 8,14 A análise do conteúdo estomacal de Pimelodella cf. gracilis revela que essa espécie consome uma ampla variedade de alimentos, de diversas origens (alóctone ou autóctone) e naturezas (animal ou vegetal). Para tornar a análise desses dados mais robusta, optou-se pelo agrupamento dos materiais ingeridos em 7 itens (ou categorias) alimentares, de acordo com o critério apresentado na Tabela 3. Tabela 3. Alimentos agrupados em cada item (ou categoria) alimentar para análise da dieta de Pimelodella cf. gracilis. Item alimentar Material vegetal Insetos terrestres Insetos aquáticos Moluscos Escamas de peixes Sedimento Material nãoidentificado Alimentos agrupados fragmentos de vegetais superiores (restos de folhas, sementes, gravetos e raízes) e algas indivíduos adultos das ordens Diptera, Coleoptera, Odonata e Hymenoptera ovos e larvas das ordens Diptera e Coleoptera moluscos das ordens Bivalvia e Gastropoda escamas isoladas de peixes materiais provenientes do fundo de rios, como grãos de areia e pedras alimentos que se encontravam em alto grau de digestão, assim como itens de origem incerta Para todas as quatro estações, observou-se que, de forma geral, o item com maior importância na dieta da espécie foi material vegetal, seguido secundariamente por inseto terrestre, material nãoidentificado e moluscos. Dentre os itens com menor participação na dieta de Pimelodella cf. gracilis, é possível citar sedimento, insetos aquáticos e escamas de peixes. A presença de escamas que ocorrem isoladas, ou seja, sem a presença de outras estruturas que caracterizem que a espécie tenha hábito piscívoro, aliada à presença de sedimento nos estômagos dos peixes analisados indica que a espécie explora o substrato do rio em busca do seu alimento. Essa observação é reforçada pela ingestão de larvas de quironomídeos, que habitam a região bentônica (Lolis e Andrian, 1996; Lima-Junior e Goitein, 24). Além disso, deve-se frisar que outros itens alimentares bentônicos (moluscos gastrópodos e biválvios) também foram observados nos conteúdos estomacais dos espécimes analisados (Figura 2). Os resultados obtidos indicam, ainda, que a alimentação da espécie abrange desde organismos muitos pequenos até vegetais superiores. Portanto, além da variedade de categorias alimentares, que permite classificar Pimelodella cf. gracilis como uma espécie onívora que apresenta tendência à herbivoria, verifica-se também que essa espécie é capaz de ingerir itens de tamanhos variados. Zavala-Camim (1996) relata que espécies onívoras aproveitam grande variedade de alimentos disponíveis em diversos locais. Devido a esse comportamento, uma espécie pode apresentar dieta diversificada, dependendo da época do ano. De fato, apesar das generalizações citadas anteriormente, os resultados obtidos neste trabalho indicam também que Pimelodella cf. gracilis apresenta alterações sazonais em sua dieta (Figura 2; Tabela 4).

Variação sazonal na alimentação de Pimelodella cf. gracilis 5 5 375 outono n = 31 5 375 inverno n = 38 25 25 Índice de Importância 125 5 375 primavera n = 61 125 5 375 verão n = 49 25 25 125 125 Material vegetal Insetos terrestres Insetos aquáticos Moluscos Escamas de peixes Sedimento Material não identificado Material vegetal Insetos terrestres Insetos aquáticos Moluscos Escamas de peixes Sedimento Material não identificado Figura 2. Índice de Importância dos itens alimentares consumidos por Pimelodella cf. gracilis em cada estação do ano. Tabela 4. Coeficiente de correlação de postos de Spearman calculado para cada comparação de duas amostras sazonais. Os coeficientes significativos (p<,5) estão destacados em negrito. Outono --- Inverno,8469 --- Primavera,7748,671 --- Verão,7388,6786,5357 --- De acordo com Lowe-McConnell (1987), a maioria dos peixes apresenta considerável plasticidade em suas dietas e os predadores podem mudar suas presas de acordo com o que está disponível em cada estação do ano. Ainda a esse respeito, Junk (198) acrescenta que as mudanças nas condições hidrológicas afetam não apenas a quantidade, mas também a qualidade dos alimentos. Fugi (1993) também afirma que muitas espécies de peixes apresentam um amplo espectro alimentar, consumindo grande número de itens alimentares e, embora possam mostrar preferência por determinados alimentos, essa preferência está condicionada, na maioria das vezes, à disponibilidade de recursos no ambiente. Durante o outono, o item que mais contribuiu para a dieta da espécie foi material vegetal, seguido de material não-identificado, inseto terrestre e sedimento (Figura 2). Apesar dessa diversidade de itens consumidos, a atividade alimentar dos indivíduos foi pouco intensa, evidenciada pelos baixos índices de importância que todos os itens alimentares apresentaram e também pelo baixo Índice de Repleção Estomacal (Figura 3; Tabela 5). Índice de Repleção Estomacal (*1) 1,7 1,25,8,35 -,1 75% 25% Mediana Estação Figura 3. Medianas e desvios interquartílicos do Índice de Repleção Estomacal de Pimelodella cf. gracilis em cada estação do ano. Tabela 5. Resultados da comparação sazonal (Teste de Kruskal-

Variação sazonal na alimentação de Pimelodella cf. gracilis 127 Wallis) dos dados relativos ao Índice de Repleção Estomacal. Diferenças significativas (p<,5) estão em negrito. H=11,114 Graus de Liberdade=3 p=,111 Outono --- Inverno p=,426 --- Primavera p=,385 p=,18 --- Verão p=,835 p=,2598 p=,292 --- No inverno, os itens com participação mais relevante foram vegetal, material não-identificado, moluscos e sedimento. Visto que esse ordenamento dos itens diferiu pouco do que foi observado para a estação anterior (Figura 2), a comparação estatística indicou correlação de postos significativa entre essas estações (Tabela 4). Além disso, constata-se também que, no inverno, os exemplares apresentaram atividade alimentar reduzida (Figura 3; Tabela 5). Nas estações outono e inverno, quando as temperaturas são menores (Figura 4), os animais podem apresentar menor atividade alimentar em função da menor taxa metabólica que apresentam nessas épocas, pois a taxa de ingestão de alimento em peixes é diretamente proporcional à temperatura (Marques et al., 1992). Além disso, a disponibilidade de alimento alóctone torna-se restrita nessas estações devido ao período de águas baixas (Machado-Allison, 199). Temperatura média ( o C) Precipitação total (mm) 26.5 24. 21.5 19. 16.5 Abr4 Mai4 Jun4 Jul4 Ago4 Set4 Out4 Nov4 Dez4 Jan5 Fev5 Mar5 3 25 2 15 1 5 A B Abr4 Mai4 Jun4 Jul4 Ago4 Set4 Out4 Nov4 Dez4 Jan5 Fev5 Mar5 Figura 4. Variação sazonal da temperatura média (A) e da precipitação total (B) na região estudada ao longo do período de coleta. Os indivíduos capturados durante a primavera apresentaram maior atividade alimentar que os indivíduos coletados no inverno, fato que pode ser comprovado pelo expressivo aumento no Índice de Importância na maioria dos itens alimentares (Figura 2) e pelo Índice de Repleção Estomacal significativamente mais alto (Figura 3; Tabela 5). Nessa estação, destacaram-se os itens alimentares material vegetal e inseto terrestre (que passou a ser o segundo mais importante) na dieta dos indivíduos analisados. Isso pode ser explicado com base no fato de que, a partir da primavera, aumenta a precipitação (Figura 4), ocorrendo inundações provocadas pelo aumento do nível do rio, que invade áreas habitadas por organismos terrestres (vegetais e insetos). Essas inundações provavelmente fizeram com que aumentasse a disponibilidade desses recursos alimentares alóctones, que foram arrastados para dentro do rio. Ademais, nessa época ocorrem temperaturas mais altas (Figura 4) e, conseqüentemente, maior atividade e abundância de insetos terrestres, que ficam disponíveis em grandes quantidades para Pimelodella cf. gracilis. Lolis e Andrian (1996) e Lima-Junior e Goitein (24), que estudaram a alimentação de Pimelodus maculatus, também observaram que a importância de organismos alóctones, principalmente insetos, aumenta nas épocas mais quentes e mais chuvosas do ano. No verão, constatou-se uma queda na atividade alimentar dos indivíduos (Figura 3; Tabela 5), além de uma alteração no ordenamento dos itens alimentares consumidos (Tabela 4). Embora se esperasse que, nessa estação, os indivíduos apresentassem atividade alimentar equivalente ao observado na primavera (pois no verão as temperaturas se mantêm altas), isso não ocorreu. Duas hipóteses foram formuladas para tentar explicar esse resultado. A primeira propõe que a espécie consumiu alimento em menores quantidades ou em menor freqüência durante o verão devido à influência de fatores reprodutivos, uma vez que aproximadamente 6% das 39 fêmeas coletadas nessa estação estavam com as gônadas maduras (Santos, 25). Corroborando essa consideração, Nikolskii (1963), Wootton (1992) e Kamler (1992) afirmam que muitas espécies de peixes podem alterar a atividade alimentar durante o período reprodutivo, reduzindo a intensidade e a freqüência de ingestão de alimento. A segunda hipótese considera que, possivelmente devido à precipitação reduzida atípica registrada nos meses de fevereiro e março de 25 (UFGD, 26), a disponibilidade de alimento alóctone tornou-se mais restrita nessa época. Conforme afirmado anteriormente, o período de chuvas parece atuar de modo significativo sobre a oferta de alimento para os peixes (Junk, 198; Machado-Allison, 199). É possível afirmar que a diferença qualitativa de

128 Viana et al. dieta observada na comparação dos dados do verão com as demais estações (Tabela 4) também reflita uma variação sazonal na disponibilidade de itens alimentares. Apesar disso, não se pode descartar a hipótese de que esse resultado esteja ligado ao fato de que os indivíduos capturados no verão são significativamente menores que os capturados nas outras estações (Tabela 2), uma vez que vários autores afirmam que variações ontogenéticas na dieta são quase uma regra para os peixes (Werner e Gilliam, 1984; Wootton 1992; Lima-Junior e Goitein, 23). Como consideração final, pode-se dizer que Pimelodella cf. gracilis é uma espécie que apresenta hábito onívoro com tendência à herbivoria. A dieta básica mostrou variações sazonais em sua composição, pois observou-se que organismos alóctones (vegetais e animais) têm sua importância aumentada na dieta da espécie nos períodos mais quentes e chuvosos do ano. Além disso, também foram registradas alterações sazonais na atividade alimentar, possivelmente influenciadas por fatores climáticos (como temperatura e pluviosidade) e fisiológicos (como o ciclo reprodutivo). Agradecimentos Os autores agradecem aos Profs. Drs. Yzel Rondon Súarez e Valéria Flávia Batista da Silva, além dos consultores da Acta Scientiarum, pelas valiosas sugestões. Referências AYRES, M. et al. BioEstat 2.: aplicações estatísticas nas áreas das ciências biológicas e médicas. Belém: Sociedade Civil Mamirauá / CNPq, 2. BRISTKI, A.H. et al. Peixes do pantanal: manual de identificação. Brasília: Embrapa/SPI, 1999. FRITZ, E.S. Total diet comparison in fishes by Spearman rank correlation coefficients. Copeia, Lawrence, v. 1974, p. 21-214, 1974. FUGI, R. Estratégias alimentares utilizadas de cinco espécies de peixes comedores de fundo do alto rio Paraná-PR/MS. 1993. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 1993. HAHN, N.S. et al. Dieta e atividade alimentar de peixes do reservatório de Segredo. In: AGOSTINHO A.A.; GOMES, L.C. (Ed.). Reservatório de Segredo: bases ecológicas para o manejo. Maringá: Eduem, 1997. p. 141-162. HYSLOP, E.J. Stomach contents analysis: a review of methods and their applications. J. Fish Biol., Southampton, v. 17, n. 4, p. 411-429, 198. JUNK, W.J. Áreas inundáveis um desafio para a limnologia. Acta Amazonica, Manaus, v. 1, n. 4, p. 775-796, 198. KAMLER, E. Early life history of fish: an energetic approach. London: Chapman & Hall, 1992. LIMA-JUNIOR, S.E.; GOITEIN, R. A new method for the analysis of the fish stomach contents. Acta Sci., Maringá, v. 23, n. 2, p. 421-424, 21. LIMA-JUNIOR, S.E.; GOITEIN, R. Ontogenetic diet shifts of a Neotropical catfish, Pimelodus maculatus (Siluriformes, Pimelodidae): an ecomorphological approach. Env. Biol. Fish, Guelph, v. 68, p. 73-79, 23. LIMA-JUNIOR, S.E.; GOITEIN, R. Diet and feeding activity of Pimelodus maculatus (Osteichthyes, Pimelodidae) in Piracicaba River (State of São Paulo, Brazil) the effect of seasonality. Bol. Inst. Pesca, São Paulo, v. 3, n. 2, p. 135-14, 24. LOLIS, A.A.; ANDRIAN, I.F. Alimentação de Pimelodus maculatus Lacépède, 183 (Siluriformes, Pimelodidae) na planície de inundação do Alto Rio Paraná. Bol. Inst. Pesca, São Paulo, v. 23, p. 187-22, 1996. LOWE-McCONNELL, R.H. Ecological studies in tropical fish communities. Cambridge: Cambridge University Press, 1987. MACHADO-ALLISSON, A. Ecologia de los peces de las areas inundables de los Hanos de Venezuela. Interciência, Caracas, v. 15, n. 6, p. 411-423. 199. MARQUES, E.E. et al. Alimentação, evacuação gástrica e cronologia da digestão de jovens de pintado Pseudoplatystoma corruscans (Siluriformes, Pimelodidae) e suas relações com a temperatura ambiente. Rev. Unimar, Maringá, v. 14, p. 27-221. 1992. NIKOLSKII, G.V. The ecology of fishes. New Jersey: Academic Press. T. H. F. Publications, 1963. SANTOS, S.L. Fator de condição e desenvolvimento gonadal de Pimelodella cf. gracilis (Osteichthyes, Pimelodidae) no rio Amambai MS. 25. Monografia (Ciências Biológicas) Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Naviraí, 25. SCHOENER, T.W. Resource partitioning in ecological communities. Science, v. 185, n. 4145, p. 27-39, 1974. UFGD-UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS. Dados meteorológicos. [Sl: sn], 26. Disponível em: <http://www.ceud.ufms.br/~clima/dados_meteorologicos.htm>. Acesso em: 7 jul. 26. WERNER, E.E.; GILLIAM, J.F. The ontogenetic niche and species interactions in size-structured populations. Ann. Rev. Ecol. Syst., v. 15, p. 393-425, 1984. WOOTTON, R.J. Fish ecology. London: Chapman & Hall, 1992. ZAVALA-CAMIN, L.A. Introdução aos estudos sobre alimentação natural em peixes. Maringá: Eduem, 1996. Received on September 26, 25. Accepted on April 18, 26.