Pág. 35 AVALIAÇÃO DO TEMPO DE ARMAZENAMENTO SOBRE PARÂMETROS DE QUALIDADE DO LEITE CRU REFRIGERADO Evaluation of storage time on parameters of quality of cooled raw milk Priscila Alonso dos Santos 1 Marco Antônio Pereira da Silva 1 Pedro Ivo Bueno Anastácio 2 Hamilton Antônio dos Santos Júnior 3 José Waldemar da Silva 1 Edmar Soares Nicolau 4 SUMÀRIO O objetivo desta pesquisa foi avaliar a presença de microrganismos psicrotróficos e psicrotróficos proteolíticos e o índice de caseinomacropeptídeo (CMP) em amostras de leite cru refrigerado coletadas na região Sudoeste do Estado de Goiás. A pesquisa foi realizada no Laboratório de Microbiologia do Centro Federal de Educação Tecnológica de Rio Verde GO, no período de janeiro a fevereiro de 2008. Para verificar o índice de CMP, as amostras foram enviadas ao Laboratório de Físico-Química do Centro de Pesquisa em Alimentos da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Goiás. As amostras de leite cru refrigerado foram obtidas diretamente de 10 tanques de expansão individuais localizados em propriedades leiteiras da região Sudoeste do Estado de Goiás, seguindo-se uma rota determinada pela indústria devidamente registrada no Serviço de Inspeção Federal. Após definida a rota, as coletas foram realizadas com zero, 24, 48 e 72 horas de armazenamento, perfazendo um total de 40 amostras. Foi realizada a contagem padrão em placas de microrganismos psicrotróficos viáveis, microrganismos psicrotróficos proteolíticos e contagem de Pseudomonas spp. Acidez titulável e o índice de CMP também foram determinados. As análises estatísticas foram realizadas de acordo com o pacote R (2005) utilizandose os procedimentos para modelos de regressão. Conforme as condições em que foi realizada a presente pesquisa foi possível concluir que a temperatura do leite cru refrigerado ao longo do tempo de armazenamento não influenciou os parâmetros avaliados. A acidez titulável atendeu aos padrões exigidos pela Instrução Normativa nº 51/2002. A média das contagens de microrganismos psicrotróficos, psicrotróficos proteolíticos e Pseudomonas spp. foi alta devido provavelmente a falta de higiene das instalações e utensílios utilizados na ordenha e armazenamento do leite, e estes não apresentaram interação com o índice de CMP. Embora tenha sido observada a presença de CMP em algumas amostras de leite cru refrigerado o leite produzido nesta região atendeu aos padrões exigidos pela Legislação Brasileira. Palavras-chave: leite cru refrigerado; microrganismos psicrotróficos; tempo de estocagem. 1 INTRODUÇÃO A qualidade do leite tem sido estudada por vários pesquisadores com o intuito de obter informações sobre as alterações provocadas pelo armazenamento do leite cru refrigerado. Com a manutenção deste produto em temperaturas baixas por períodos prolongados, os microrganismos psicrotróficos que comprometem a qualidade do leite, passaram a ser amplamente estudados, uma vez que os microrganismos mesofílicos deixaram de ser um problema para as indústrias de laticínios por não crescerem sob refrigeração. De acordo com BRASIL (2002), no sistema de coleta a granel, os tanques de refrigeração por expansão direta devem ser dimensionados de forma que permitam a refrigeração do leite à temperatura igual ou inferior 1 Centro Federal de Educação Tecnológica de Rio Verde, Rod. Sul Goiana Km 01, Zona Rural, CEP 75.901-970 Caixa Postal 66, Rio Verde GO. 2 Acadêmico de Medicina Veterinária, Universidade Federal de Goiás, Campus de Jataí GO. 3 Médico Veterinário, Casa da Agricultura de Ibirá SP. 4 Prof. Dr. Universidade Federal de Goiás, Campus Samambaia. Goiânia GO.
Pág. 36 Rev. Inst. Latic. Cândido Tostes, Mar/Jun, nº 367/368, 64: 35-41, 2009 a 4ºC, no período máximo de três horas após o término da ordenha, sendo a temperatura máxima de conservação do leite na propriedade rural de 7ºC. A legislação brasileira estabelece ainda que o tempo transcorrido entre a ordenha e o recebimento do leite na indústria deve ser de, no máximo, 48 horas, recomendado como ideal um período não superior a 24 horas. Posteriormente, o leite refrigerado é coletado e transportado em caminhões providos de tanques isotérmicos. Para a manutenção da qualidade do leite cru refrigerado devem ser tomadas medidas preventivas como higiene adequada na ordenha, limpeza e sanitização dos equipamentos do tanque de refrigeração, resfriamento do leite logo após a ordenha, manutenção da temperatura baixa até o momento do processamento térmico e a estocagem do leite por um tempo não muito longo para não favorecer a multiplicação de microrganismos psicrotróficos. Dentre os microrganismos psicrotróficos, o gênero Pseudomonas spp. representa as bactérias deterioradoras predominantes no leite cru refrigerado, particularmente Pseudomonas fluorescens. Segundo MUIR (1996), no leite recém obtido, Pseudomonas spp., está presente em torno de 10% da microbiota total, mas, no leite mantido sob refrigeração por período prolongado, essas bactérias tem predominância sobre as demais espécies tanto no leite in natura como no beneficiado. As proteases produzidas por bactérias psicrotróficas agem sobre a caseína de forma semelhante à quimosina, liberando o caseinomacropeptídeo (CMP), porém apresentam menor especificidade (DATTA & DEETH, 2001). Para FOX (1989), as bactérias psicrotróficas, aparentemente, não são significativas quanto à proteólise a menos que a população exceda 10 6 UFC/ ml. Os microrganismos psicrotróficos exercem atividades bioquímicas mesmo em temperaturas próximas a 0ºC (THOMAS & THOMAS, 1973; COUSIN, 1982). Um dos métodos utilizados para monitorar a ação proteolítica é a determinação do CMP por Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (CLAE), sendo um método analítico quantitativo de detecção de soro em leite (BRASIL, 2006). Considerando a possibilidade de alterações provocadas pelo armazenamento do leite cru refrigerado por longos períodos, o objetivo deste trabalho foi avaliar a presença de microrganismos psicrotróficos, psicrotróficos proteolíticos e CMP em amostras de leite cru coletadas na região Sudoeste do estado de Goiás. 2 MATERIAL E MÉTODOS Este trabalho foi realizado no Laboratório de Microbiologia de Alimentos do Centro Federal de Educação Tecnológica de Rio Verde GO. Para a determinação de CMP, as amostras foram enviadas ao Laboratório de Físico-Química do Centro de Pesquisa em Alimentos da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Goiás. As amostras de leite cru refrigerado foram obtidas diretamente de 10 tanques de expansão individuais localizados em propriedades leiteiras da região Sudoeste do estado de Goiás no período de janeiro a fevereiro de 2008, seguindo-se uma rota determinada por uma indústria devidamente registrada no Serviço de Inspeção Federal. Após definida a rota, as coletas foram realizadas acompanhando-se o período de armazenamento do leite nos tanques de expansão, sendo coletadas amostras nos tempos 0, 24, 48 e 72 horas de estocagem, perfazendo um total de 40 amostras. Para o tempo de estocagem de 24, 48 e 72 horas as amostras foram coletadas após a ordenha diária. As amostras foram coletadas em frascos esterilizados, após homogeneização do leite cru refrigerado, por um período de cinco minutos, por meio de agitação mecânica programada no próprio tanque e acondicionadas em caixa isotérmica contendo gelo e enviadas para o laboratório. A temperatura do leite foi aferida no momento da coleta com termômetro calibrado de graduação variando de -10ºC a 110ºC. Para a contagem padrão em placas de microrganismos psicrotróficos viáveis foram preparadas diluições pipetando-se, assepticamente, 25 ml da amostra, e transferindo para um frasco tipo Erlenmeyer contendo 225 ml de água peptonada (0,1%) esterilizada (diluição 10-1 ). A partir desta diluição, foram preparadas diluições decimais até 10-6, empregando-se o mesmo diluente. Uma vez diluídas, alíquotas de 1 ml das diluições foram adicionadas em placas de Petri esterilizadas, em duplicata e vertido de 15 a 17 ml de Ágar Padrão para Contagem (PCA) fundido e resfriado a 45ºC nas placas de Petri e homogeneizada (APHA, 2001). Após a solidificação do agar em temperatura ambiente, as placas foram incubadas invertidas a 7ºC durante 10 dias (MARSHALL,1992). As contagens foram realizadas em contador nas placas contendo entre 25 a 250 colônias. Para calcular o número de UFC/mL na amostra, foi multiplicado o número de colônias, em cada placa, pelo inverso da diluição inoculada. A contagem padrão em placas de microrganismos psicrotróficos proteolíticos foi realizada utilizando as mesmas diluições e procedimentos descritos para a contagem de psicrotróficos. Entretanto após a realização das diluições decimais, foi adicionado 1 ml das diluições em placas de Petri esterilizadas e adicionados de 15 a 17 ml de ágar leite (agar padrão acrescido de
Pág. 37 10% de leite em pó desnatado reconstituído a 10%) preparado recentemente, fundido e resfriado a 45ºC. As placas foram incubadas em duplicata, a 21ºC por 72 horas (MARSHALL, 1992). As colônias de microrganismos proteolíticos apresentaram-se rodeadas por uma zona clara como resultado da conversão da caseína em compostos nitrogenados solúveis. Como o meio é opaco, utilizou-se um precipitante químico (ácido acético 10%) para detectar a proteólise e assim confirmar se as zonas claras foram causadas por proteólise ou pela formação de ácidos devido à fermentação de carboidratos. Efetuou-se a contagem de colônias que possuíam halo transparente ao redor e calculou-se o número de UFC/mL da amostra multiplicando o número de colônias, em cada placa, pelo inverso da diluição. Para a contagem de Pseudomonas spp. foram realizados os mesmos procedimentos descritos previamente para o preparo das diluições decimais. Entretanto, foi adicionado 0,1 ml das diluições em placas de Petri contendo de 15 a 17 ml de Pseudomonas Agar Base adicionado de 5 ml de glicerol. As alíquotas foram inoculadas em duplicata no meio de cultura, espalhadas com alça de Drigalski, sendo imediatamente incubadas a temperatura de 28ºC por 48 horas. Ao fim desse período, foi feita a contagem de Pseudomonas conforme descrito por KING et al., (1954). Para a determinação da acidez titulável foi transferido 10 ml da amostra para béquer, adicionando-se em seguida 4 a 5 gotas da solução de fenolftaleína (1%) e feita a titulação com solução de hidróxido de sódio (0,1 N), até aparecimento de coloração rósea persistente por aproximadamente 30 segundos (BRASIL, 2006). A determinação de CMP foi realizada mediante a técnica de CLAE utilizando-se leite, de procedência conhecida e um padrão de CMP da marca SIGMA ALDRICH. Para o preparo, o leite foi adulterado com soro de leite de composição padrão, nas proporções de 15, 30, 50, 75 e 100 mg/ L, de acordo com recomendado pela metodologia oficial. Para o preparo da amostra para análise, 22 ml de leite foram tratados com 10 ml de solução de ácido tricloroacético (TCA) a 24%, seguindo-se incubação a 25ºC por 60 minutos em banho-maria, em repouso. Após este período, realizaram-se duas filtrações, a primeira em filtro qualitativo (papel de filtro Whatman nº 40), descartando-se, aproximadamente, 5 ml do filtrado, e a segunda em filtro MILLIPORE de 0,45 ìm. A determinação cromatográfica foi realizada com a injeção de 20 ìl do filtrado no cromatógrafo (GILSON 118 UV/VIS) operando em vazão de 1 ml/min e a detecção em detector UV/VIS, em comprimento de onda de 205 nm, com a linha de base já devidamente estabilizada. A corrida cromatográfica foi realizada em aparelho de CLAE (GILSON), com uma bomba isocrática (GILSON 306), com injetor automático ASTED-XL da marca GILSON e looping de 200 ìl e coluna Zorbax GF-250 Bioséries da Agilent de 9 mm de diâmetro interno por 250 mm de comprimento. A fase estacionária da coluna foi composta por partículas esféricas de sílica, modificadas na superfície por zircônio estabilizado, enquanto que a fase ligada foi constituída por monocamada molecular hidrofílica com diâmetro de poro de 150 Å. A solução da fase móvel usada na separação foi padrão fosfato ph 6. Um gráfico de porcentagem de soro versus a intensidade do sinal do detector, ou altura do pico foi construído, calculando-se a equação da reta de regressão, sendo aceitos valores de r e 0,95. A comparação do cromatograma da amostra com o padrão também foi realizada. Em seguida, identificou-se o pico com o mesmo tempo de retenção do soro, calculando-se a porcentagem de soro na amostra, por interpolação da leitura do sinal na reta de regressão do leite adicionado de soro. Segundo BRASIL (2006), a prova é considerada positiva quando o índice de CMP for superior a 30 mg/l. Abaixo desse valor, o leite poderá ser destinado ao abastecimento direto. As análises estatísticas foram realizadas de acordo com o pacote estatístico R (2005), utilizando-se os procedimentos para modelos de regressão. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Não houve interação entre a temperatura de armazenamento e os parâmetros avaliados, mesmo quando estas temperaturas apresentavamse mais elevadas. No tempo de armazenamento de zero horas, a média de temperatura do leite foi de 14,5ºC. Esse resultado mais elevado foi devido ao curto espaço de tempo entre a ordenha e o resfriamento do leite no tanque de expansão. Entretanto, nos tempos de 24, 48 e 72 horas de armazenamento a média das temperaturas foi de 5,5; 5,2 e 5,4ºC, respectivamente. Portanto, as temperaturas no tanque de expansão estavam de acordo com o permitido pela legislação que é de até 7ºC na propriedade rural, considerando como ideal temperaturas abaixo de 4ºC. Segundo MUIR (1996), quanto maior o tempo de estocagem do leite em temperaturas de 7ºC apresentando alta contagem inicial de microrganismos, maiores serão as possibilidades de alterações no produto final, leite pasteurizado, leite UAT e queijos, pela ação das enzimas extracelulares de microrganismos psicrotróficos, como os do gênero Pseudomonas spp.
Pág. 38 Rev. Inst. Latic. Cândido Tostes, Mar/Jun, nº 367/368, 64: 35-41, 2009 Os resultados médios da contagem de microrganismos psicrotróficos (Figura 1) em amostras de leite cru refrigerado foram de 2,4 x 10 6, 6,5 x 10 5, 6,7 x 10 5 e 2,1 x 10 6 UFC/mL durante o tempo de armazenamento de zero, 24, 48 e 72 horas, respectivamente. No presente estudo, 17,5% (7) das amostras analisadas apresentaram contagem de microrganismos psicrotróficos superiores a 10 6 UFC/mL. Porcentagens mais elevadas foram observadas por SANTOS & FONSECA (2003), que encontraram em 90% das amostras de leite cru refrigerado contagens de psicrotróficos superiores a 10 6 UFC/ ml. FERRÃO & CARDOSO (2003) também observaram contagens superiores a 10 6 UFC/mL em 40% das amostras de leite cru refrigerado, porém não determinaram o tempo de armazenamento. De acordo com CROMIE (1992), a redução do rendimento na fabricação de queijos ocorre quando a contagem de psicrotróficos excede 10 6 UFC/mL de leite. Psicrotróficos (UFC/mL) 2500000 2000000 1500000 1000000 500000 y = 1356,1x 2-101321x + 2E+06 R 2 = 0,9974 0 0 24 48 72 Tempo de armazenamento (horas) Figura 1 Resultados médios da contagem de microrganismos psicrotróficos durante o tempo de armazenamento do leite cru refrigerado na região Sudoeste de Goiás, no período de janeiro a fevereiro de 2008. A contagem de microrganismos psicrotróficos no leite cru refrigerado, no tempo de estocagem de zero horas variou de 3,3 x 10 3 a 2,2 x 10 7 UFC/mL. Para o tempo de estocagem de 24 horas, os resultados variaram de 3,0 x 10 4 a 3,6 x 10 6 UFC/mL. Com 48 horas de estocagem, a variação observada foi de 7,0 x 10 3 a 4,0 x 10 6 UFC/mL. Para as 72 horas de estocagem, os resultados foram de 2,0 x 10 3 a 1,5 x 10 7 UFC/mL. De acordo com PINTO et al. (2006), a contagem de microrganismos psicrotróficos no leite cru refrigerado em amostras coletadas de tanques individuais da região da Zona da Mata Mineira variou de 2,0 x 10 2 a 1,0 x 10 7 UFC/mL, sendo estes valores inferiores aos resultados médios observados na presente pesquisa. Valores superiores aos observados nesta pesquisa foram obtidos por VIDAL-MARTINS et al. (2005) que verificaram que a média da população de microrganismos psicrotróficos em leite cru variou de 4,4 x 10 7 a 2,0 x 10 9 UFC/mL. No estudo realizado em municípios do Sudoeste da Bahia, os pesquisadores FERRÃO & CARDOSO (2003) verificaram que a presença de microrganismos psicrotróficos no leite cru granelizado variou de < 1,0 x 10 4 a 3,6 x 10 6 UFC/mL. Em uma das amostras no tempo de armazenamento de zero horas a contagem observada foi de 2,2 x 10 7 UFC/mL com uma acidez titulável de 0,26 g de ácido lático/100 ml de leite, o que levou os resultados a apresentarem uma regressão quadrática, diferente dos resultados observados para a contagem de psicrotróficos proteolíticos (Figura 2) que resultou em uma regressão linear. Supõe-se que o produtor rural ao observar que o leite seria monitorado por até 72 horas, ou fraudou o leite com a adição de neutralizantes da acidez ou descartou o leite obtido, pois a acidez titulável voltou aos valores normais (0,18 g de ácido lático/ 100 ml) após 24 horas de estocagem. Em todas as propriedades estudadas, a água de higienização dos equipamentos e utensílios não recebia qualquer tipo de tratamento. Também foi observado que os tetos e úberes dos animais não eram higienizados. COUSIN (1982) encontrou a partir de swabs de tetos e úberes após a desinfecção, um grande número de psicrotróficos. Grande parte dos microrganismos psicrotróficos encontrados no leite e derivados, são provenientes do solo, água, ar, poeira, vegetação e fezes (SHAH, 1994). Os microrganismos presentes no leite cru sofrem influência das estações do ano, das práticas de produção e manuseio na propriedade rural, localização geográfica, temperatura de armazenamento do leite e distân-cia entre a propriedade rural e o local de beneficiamento (SILVEIRA et al., 2000). A elevada população de microrganismos psicrotróficos presentes no leite cru torna-se um fato preocupante, pois embora a grande maioria seja eliminada pela pasteurização, tal grupo possui a capacidade de produzir enzimas lipolíticas e proteolíticas termorresistentes, que mantém sua atividade após a pasteurização ou mesmo após o tratamento UAT (ROSSI JÚNIOR et al., 2006). A contagem de microrganismos psicrotróficos proteolíticos (Figura 2) em amostras de leite cru refrigerado obtidas diretamente de tanques de expansão de propriedades rurais da região Sudoeste do estado de Goiás foi crescente (R 2 = 0,94) durante o tempo de armazenamento. Os resultados variaram de 1,0 x 10 2 a 4,4 x 10 5 UFC/mL com média de 1,2 x 10 5 UFC/mL quando o tempo de estocagem foi de zero horas. Com 24 horas de armazenamento, os resultados variaram de 2,9 x 10 4 a 7,1 x 10 5 UFC/ ml, sendo a média de 1,8 x 10 5 UFC/mL. Os resultados apresentados quando o tempo de
Pág. 39 armazenamento foi de 48 horas variaram de 2,7 x 10 4 a 1,5 x 10 6 UFC/mL com média de 3,4 x 10 5 UFC/ ml. Para o tempo de armazenamento de 72 horas os valores obtidos foram de 1,5 x 10 4 a 1,9 x 10 6 UFC/ ml, sendo a média de 3,8 x 10 5 UFC/mL. Psicrotróficos proteolíticos (UFC/mL) 400000 300000 200000 100000 0 y = 3997,3x + 111454 R 2 = 0,9478 0 24 48 72 Tempo de armazenamento (horas) Figura 2 Resultados médios da contagem de microrganismos psicrotróficos proteolíticos durante o tempo de armazenamento do leite cru refrigerado na região Sudoeste de Goiás, no período de janeiro a fevereiro de 2008. De acordo com PINTO et al. (2006), a contagem de microrganismos psicrotróficos proteolíticos variou de 5,0 x 10 1 a 1,2 x 10 6 UFC/mL, sendo esses resultados inferiores aos apresentados na presente pesquisa. Das 40 amostras avaliadas, em 7,5% (3 amostras) a contagem de microrganismos psicrotróficos proteolíticos foi superior a 10 6 UFC/mL. Alguns problemas relacionados à qualidade dos produtos lácteos como: alteração de sabor e aroma do leite, perda de consistência e geleificação ao longo da vida comercial do leite UAT, podem estar associados à ação de proteases e lipases de origem bacteriana (ROSSI JÚNIOR et al., 2006). De acordo com SØRHAUG & STEPANIAK (1997), as bactérias psicrotróficas proteolíticas são produtoras de proteases termorresistentes e constituem a maior causa de deterioração de amostras de leite cru refrigerado. As espécies de Pseudomonas representam os agentes mais importantes de deterioração do leite conservado por período prolongado a baixas temperaturas. Segundo MUIR (1996), no leite recém ordenhado, Pseudomonas spp está presente em torno de 10% da microbiota total, mas, em leite mantido sob refrigeração, essas bactérias têm predominância sobre as demais espécies presentes, seja no leite in natura ou no beneficiado. Não houve interação entre a contagem de Pseudomonas spp. e a temperatura de refrigeração nas amostras de leite cru refrigerado durante o período de armazenamento. As contagens variaram de 3,4 x 10 2 a 1,1 x 10 5 UFC/mL, com média de 2,2 x 10 4 UFC/ ml com zero horas de armazenamento. Para o tempo de armazenamento de 24 horas, as contagens foram de 9,0 x 10 3 a 2,5 x 10 5 UFC/mL com média de 5,8 x 10 4 UFC/mL. Quando o leite foi mantido na propriedade rural por um período de 48 horas, as contagens de Pseudomonas spp., variaram de 7,4 x 10 2 a 9,0 x 10 4 UFC/mL, com média de 3,2 x 10 4 UFC/mL. Para as 72 horas de armazenamento do leite cru na propriedade rural, os valores foram de 1,0 x 10 1 a 6,0 x 10 5 UFC/mL sendo a média de 9,5 x 10 4 UFC/mL. De acordo com PINTO et al. (2006), a contagem de Pseudomonas spp. variou de 1,0 x 10 1 a 3,8 x 10 6 UFC/mL, sendo que a média da contagem foi de 2,8 x 10 5 UFC/mL, porém os pesquisadores relatam que a estocagem foi por um período de, aproximadamente, 48 horas, resultados esses superiores aos observados na presente pesquisa que foram estudados em tempo de armazenamento de até 72 horas. Acredita-se que a média da contagem de Pseudomonas spp., no presente estudo esteja relacionada com a qualidade da água que era proveniente de poços ou nascentes, e em nenhum dos casos foi observado seu tratamento. A contaminação do leite por Pseudomonas, proporcionará sua presença no leite, bem como o seu desenvolvimento em condições de refrigeração (COUSIN & BRAMLEY, 1981). Não foi observado em nenhuma das propriedades estudadas a higiene dos tetos antes e após a ordenha dos animais. Os pesquisadores FAGUNDES et al. (2006) observaram que em propriedades leiteiras o manejo sanitário pode reduzir efetivamente a contagem de Pseudomonas spp. sobretudo na superfície dos tetos e no leite recém obtido e resfriado. O avanço da cadeia leiteira está ligado ao desenvolvimento do produtor e indústria, que devem trabalhar em conjunto para obtenção de produtos com melhores aspectos higiênicos e conseqüentemente maior valor agregado. De acordo com BRASIL (2002), a acidez titulável do leite pode variar de 0,14 a 0,18 g de ácido lático/100 ml de leite. A Legislação Brasileira considera como leite ácido aquele que apresenta acidez acima de 0,18 g de ácido lático/ 100 ml de leite. Neste trabalho, a média dos resultados de acidez titulável foi de 0,17; 0,16; 0,15 e 0,16 g de ácido lático/100 ml de leite para os tempos de armazenamento de zero, 24, 48 e 72 horas respectivamente. Portanto, estes resultados são compatíveis como o proposto pela legislação brasileira. Na bacia leiteira de Pelotas, GONZALES et al. (2004) não encontraram diferenças entre os meses do ano para os valores de acidez titulável que variou entre 14,9 e 17,5ºD, os quais foram semelhantes aos encontrados neste trabalho. Segundo MARTINS et al. (2007), a acidez titulável não apresentou variação entre os diferentes
Pág. 40 Rev. Inst. Latic. Cândido Tostes, Mar/Jun, nº 367/368, 64: 35-41, 2009 sistemas de produção de leite e os valores se situaram dentro da faixa de variação normal. A ocorrência de leite ácido, principalmente, nos períodos mais quentes do ano afeta diretamente a qualidade do leite, havendo diversas causas para este tipo de problema. O leite apresenta acidez já no momento em que é ordenhado (ph entre 6,4 a 6,8). O leite ácido é impróprio para o consumo e para a industrialização e, à medida que o tempo passa, a acidez aumenta devido a multiplicação dos microrganismos, por influência da temperatura e pela falta de higiene nos equipamentos, como já foi relatado anteriormente. É sabido que o leite de qualidade é obtido de vacas sadias e livres de mastite. Assim, a principal medida a ser tomada na prevenção da produção de leite ácido é aplicar práticas de manejo que levem à manutenção da saúde dos animais e higiene adequada dos equipamentos e utensílios. Das 10 propriedades estudadas, foi observada a presença de CMP em três destas, durante os quatro tempos de armazenamento (Figura 3). De acordo com Brasil (2006), somente quando o índice de CMP for de até 30 mg/l o leite poderá ser destinado ao abastecimento direto. Neste trabalho os índices de CMP observados foram inferiores ao estipulado pela legislação, os resultados médios foram de 11,60 mg/ L; 11,65 mg/l e 17,28 mg/l. Quando o índice de CMP estiver entre 30 e 75 mg/l de leite este poderá ser destinado à produção de derivados lácteos, acima de 75 mg/l poderá ser destinado à alimentação animal, à indústria química em geral ou a outro destino a ser avaliado pelo Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (DIPOA). CMP (mg/l) 20 15 y = 0,0003x 2 + 0,066x + 10,558 R 2 = 0,9775 10 0 24 48 72 Tempo de armazenamento (horas) Figura 3 Variação da concentração de CMP durante o tempo de armazenamento do leite cru refrigerado na região Sudoeste de Goiás, no período de janeiro a fevereiro de 2008. Não houve interação entre a contagem de microrganismos psicrotróficos, psicrotróficos proteolíticos, contagem de Pseudomonas spp., e o índice de CMP, o que difere dos resultados obtidos por outros pesquisadores, que relatam que Pseudomonas spp. é a principal responsável pela proteólise em leite cru refrigerado. COSTA et al. (2002), constataram aumento na produção de proteases em leite estocado a 6ºC após 72 horas, quando a concentração celular de Pseudomonas fluorescens foi de, aproximadamente, 10 7 UFC/mL. Entretanto, neste trabalho, foi observado a presença de CMP quando a contagem foi de 10 4 UFC/mL. SØRHAUG & STEPANIAK (1997) afirmaram que um dos principais fatores que influencia a qualidade da matéria-prima mantida a 7ºC ou menos por períodos prolongados é a multiplicação da microbiota psicrotrófica contaminante produtora de proteases termoestáveis. Entretanto ADAMS et al. (1976) detectaram degradação da k-caseína antes da população bacteriana atingir 10 4 UFC/mL. 4 CONCLUSÕES Não houve influência da temperatura do leite cru refrigerado ao longo do tempo de armazenamento para os parâmetros avaliados. A acidez titulável atendeu aos padrões exigidos pela Instrução Normativa nº 51, a média das contagens de microrganismos psicrotróficos, psicrotróficos proteolíticos e Pseudomonas spp. foi alta devido provavelmente a falta de higiene. Embora tenha sido observada a presença de caseinomacropeptídeo nas amostras de leite cru refrigerado, o leite produzido nesta região atendeu aos padrões exigidos pela Legislação Brasileira. ABSTRACT The aim of this research was to evaluate the presence of psycrotrophics and psycrotrophics proteolytics bacteria and caseinmacropeptide (CMP) concentration in samples of cooled raw milk collected in the Southwestern region of the Goiás State, Brazil. The research was carried through in the Laboratório de Microbiologia of the Centro Federal de Educação Tecnológica de Rio Verde GO, from January to February of 2008. To verify the concentration of CMP, the samples were sent to the laboratory of physical-chemistry of the Centro de Pesquisa em Alimentos of the Escola de Veterinária of the Universidade Federal de Goiás. The cooled raw milk samples were collected from ten expansion tanks located in properties of Southwestern region of Goiás. The collections were done in zero, 24, 48 and 72 hours of storage, obtaining a total of 40 samples. Then, they were carried through standard count in plates of viable psycrotrophics, psycrotrophics proteolytics, Pseudomonas spp., titratable acidity and CMP. The statistical analysis were developed at the R (2005) package using the procedures for regression models. The temperature of cooled raw milk during storage time did not influenced the evaluated parameters. The acidity was in accordance
Pág. 41 with Normative Instruction nº 51/2002. The average of count of psycrotrophics, psycrotrophics proteolytics and Pseudomonas spp. were high, which indicated lack of hygiene in the installations and utensils used in milking. Keyword: cooled raw milk; psychrotrophic bacteria; storage time. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADAMS, D. M. et al. Effect of psycrotrophic bacteria from raw milk on milk proteins an stability of milk proteins to ultrahigh temperature treatment. Journal of Dairy Science, v. 59, n. 5, p. 823 827, 1976. APHA AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION. Compendium of methods for the microbiological examination of foods. 4. ed. Washington: APHA, 2001, 676 p. BRASIL. Instrução Normativa nº 51 de 18 de setembro de 2002. Regulamentos técnicos de produção, identidade, qualidade do leite tipos A, B e C, da identidade e qualidade do leite cru refrigerado e pasteurizado e da coleta de leite cru refrigerado e de seu transporte a granel. Diário Oficial da União, Brasília, 20 set. 2002. Seção 1, n. 183, p. 13 22. BRASIL. Instrução Normativa nº 68 de 12 de dezembro de 2006. Métodos analíticos oficiais físico-químicos, para controle de leite e produtos lácteos. Diário Oficial da União, Brasília, 14 de dez. 2006. Seção 1, Página 8. COSTA, L. M. et al. Purificación y caracterización de proteasas de Pseudomonas fluorescens y sus efectos sobre las proteínas de la leche. Archivos Latinoamericanos de Nutrición, v. 52, n. 2, p.1-13, 2002. COUSIN, M. A.; BRAMLEY, A. J. The microbiology of raw milk. In: ROBINSON, R.K. Dairy microbiology of milk. London: Applied Science Publishers, 1981. p. 119 163. COUSIN, M. A. Presence and activity of psychrotrophic microorganisms in milk and dairy products: a review. Journal of Food Protection, v. 45, n. 2, p. 172 207, 1982. CROMIE, S. Psychrotrophs and their enzyme residues in cheese milk. Australian Journal of Dairy Technology, v.47, n.2, p.96-100, 1992. DATTA, N.; DEETH, H. C. Age gelation of UHT milk - a review. Instituition Chemical of Engineers. v. 79, p. 197 210, 2001. FAGUNDES, C. M. et al. Presença de Pseudomonas spp em função de diferentes etapas da ordenha com distintos manejos higiênicos e no leite refrigerado. Ciência Rural, Santa Maria, v. 36, n. 2, p. 568 572, 2006. FERRÃO, S. P. B.; CARDOSO, I. P. M. Contagem de microrganismos psicrotróficos em leite cru coletado a granel de diferentes municípios do sudoeste da Bahia. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, Juiz de Fora, v. 58, n. 333, p. 248 250, 2003. FOX, P. F. Proteolysis during cheese manufacture and ripening. Journal of Dairy Science, v.72, p.1370-1400, 1989. GONZALES, H. L et al. Avaliação da qualidade do leite nos diferentes meses do ano na bacia leiteira de Pelotas, RS. Revista Brasileira de Zootecnia, v.33, n.6, p.1531-1543, 2004. KING, E. O. et al. Two simple media for the demonstration of pyocyanin and fluorescin. Journal of Laboratory and Clinical Medicine, v.44, p.301-307, 1954. MARSHALL, R. T. Standard Methods for the Examination of Dairy Products. American Public Health Association, 16 ed, 1992. MARTINS, P. R. G. et al. Produção e qualidade do leite em sistemas de produção da região leiteira de Pelotas, RS, Brasil. Ciência Rural, Santa Maria, v. 37, n. 1, p. 212 217, 2007. MUIR, D.D. The shelf-life of dairy products: factors influencing raw and fresh products. Journal of the Society of Dairy Technology, v.49, p.24-32, 1996. PINTO, C. L. O. et al. Qualidade microbiológica de leite cru refrigerado e isolamento de bactérias psicrotróficas proteolíticas. Ciência e Tecnologia de Alimentos, Campinas, v. 26, n. 3, p. 645 651, 2006. R Development Core Team (2005). R: A language and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria. ISBN 3-900051- 07-0, URL http://www.r-project.org. ROSSI JÚNIOR, O. D. et al. Estudo das características microbiológicas do leite UAT ao longo de seu processamento. Arquivos do Instituto Biológico, São Paulo, v. 73, n. 1, p. 27 32, 2006. SANTOS, M. V.; FONSECA, L. F. L. Bactérias psicrotróficas e a qualidade do leite. Revista CBQL, v. 19, p. 12 15, 2003. SHAH, N. P. Psychrotrophs in milk: a review. Milchwissenschaft, v. 49, n.8, p. 432-437, 1994. SILVEIRA, I. A. et al. Influ-ência de microrganismos psicrotróficos sobre a qua-lidade do leite cru refrigerado. Uma revisão. Higiene Alimentar, v. 12, n. 55, p. 21 27, 2000. SØRHAUG, T.; STEPANIAK, L. Psychrotrophs and their enzymes in milk and dairy products: quality aspects. Trends in Food Science and Technology, Oxford, v. 8, p. 35 41, 1997. THOMAS, S. B.; THOMAS, B. F. Psychrotrophic bacteria in refrigerated bulk-collected raw milk Part 2. Dairy Industries, v.38, n.2, p.61-70, 1973. VIDAL-MARTINS, A. M. C. et al. Evolução do índice proteolítico e do comportamento reológico durante a vida de prateleira de leite uat/uht. Ciência e Tecnologia de Alimentos, Campinas, v. 25, n. 4, p. 698 704, 2005.