O FASCÍNIO DO PODER Maria Olympia A.F. França *

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Transcrição:

O FASCÍNIO DO PODER Maria Olympia A.F. França * Neste trabalho o autor pretende agregar um olhar psicanalítico à aquilo que considera a essência do poder humano constituição do sentimento de estar vivo- a partir das propostas teóricas de Freud, Klein, Winnicott e Bion, no que diz respeito às categorias da força da pulsão, suas figurações internas e externas (phantasias), e o mecanismo de identificação projetiva. Unitermos Poder e força de vida, poder onipotente das phantasias, identificação projetiva, criatividade primária Poder: substantivo ou verbo? A civilização se baseia na renúncia dos desejos pulsionais, para que, organizados, possam prestar-se ao coletivo, ao social, na descoberta de suas necessidades e na adequação da distribuição justa dos recursos disponíveis que a natureza oferece. A civilização se, por um lado nos protege, por outro, ofende e fere nossos movimentos narcisistas. O homem se rebela contra ela. O poder pode ser visto como uma das faculdades da alma humana, fator presente e diferenciado nas psicodinâmicas das intersubjetividades. Pode ser também estudado como um substantivo, isto é, o poder politicamente institucionalizado. Este é aquele que se comunica e se exerce através de uma autoridade representativa ou não. Antes dos gregos vigorava o poder despótico ou patriarcal. O detentor da autoridade possuía poder supremo inquestionável para decidir quanto ao permitido e ao proibido (a lei exprimia a vontade pessoal do chefe, para estabelecer os vínculos do sagrado, isto é, com os deuses dos antepassados, para decidir quanto à guerra e a paz). Havia ainda o poder hereditário que era transmitido ao primogênito do rei ou, na falta deste, a um membro da família real. Com a passagem do tempo, os gregos e sobretudo os romanos, instituíram o poder político desfazendo as características da autoridade do poder até então estabelecidas, de modo a impedir a concentração dos poderes da autoridade nas mãos de um só rei, senhor da terra, da justiça e das armas, representante da divindade. Dentre os fatores desta nova forma democrática de exercício de poder, destaco a separação entre a autoridade pessoal privada e pública, impedindo com isso a identificação do poder * Maria Olympia França é Analista Didata e Diretora Científica da SBPSP. 1

político com a pessoa do governante. Este passa a ser então um governante que exerce seu poder sustentado e autorizado por eleições entre os cidadãos. O poder político não mais despótico introduz a prática da publicidade, isto é, a exigência de que a sociedade conheça as deliberações e participe das tomadas de decisão. A política, na sua dimensão racionalizante, alcança um nível de civilização, mediante a interação e a comunicação de poder, substituindo assim o espectro da barbárie. A psicanálise pode favorecer uma leitura do que seja o poder, isenta de valores a priori, sejam eles morais ou sociais, e assim, sem racionalizações ou desvios advindos da avidez onipotente, que cobiça a onipotência a qualquer custo, a qual, por sua vez, sustentaria uma inteligência cega responsável pela desumanização do Homem. É neste contexto que queremos focalizar o nosso tema de hoje: o fascínio do poder. Atingindo o desenvolvimento da consciência de si mesmo e de sua racionalidade, o Homem poderá olhar para dentro de si, procurando aí o esteio de sua humanização, assim como poderá discriminar seus limites e possibilidades de poder relativas tanto à sua condição individual de ser no mundo quanto ao tipo de uso que fará das ofertas de bem estar material que lhe forem oferecidas. Os conhecimentos advindos da psicanálise tanto clínica quanto teórica puderam contribuir para uma nova leitura do destino do potencial de vida do ser humano ou do destino do que seja a potência de se estar vivo. As condições necessárias para um processo de humanização capaz de sustentar a harmonia emocional, base para novas aberturas e expansões do Homem, podem, sem dúvida, serem pensadas e refletidas a partir da noção do poder como grito primordial da existência. Junto à constituição e aquisição do poder individual, certamente estarão envolvidos conflitos psíquicos relacionados ao fascínio do poder, a busca de refúgio no automatismo e alienação que se refletem diretamente nas questões da autonomia, autoestima e participação social. Não nos esqueçamos, no entanto, que o conflito humano entre construtividade e destrutividade, é parte constituinte da mente humana. Esta encruzilhada existirá sempre e nela encontraremos os vários usos que o Homem fará de seu poder individual ou social. O desenvolvimento do saber psicanalítico após Freud deu-se na direção de conceber os fenômenos e o funcionamento mental a partir da interação entre duas subjetividades. Não é mais possível conceber uma psicanálise que não seja a partir da intersubjetividade. Esta concepção não está restrita à psicanálise mas é presente em todas as áreas do saber. 2

Observado e observador interagem formando novas configurações. No dizer de Bion, continente contido se intercambiam fazendo surgir aquilo o que Thomas Ogden nomeou de terceiro analítico. Haverá maior poder-potência para o ser humano do que este? De fazer surgir de uma interação, a cada momento, algo novo e singular? Nascimento do poder pela intersubjetividade. Como nasce e se desenvolve esse poder-potência do homem? A vida psíquica assim como a biológica só pode vir de outra vida. Nossos contornos e definições e nossos próprios selfs são adquiridos em relação à imagem que captamos através do outro, ora a dele, ora a nossa. Dessa maneira, o poder de sentir-se vivo é constituído unicamente na presença de um outro ser vivo, ao percorrer e realizar na experiência emocional a dois, os fatores estruturais e estruturantes da vida mental: pulsões, fantasias, emoções, sentimentos e pensamentos. Seguindo as idéias propostas por Winnicott, o bebê numa primeira mamada teórica está pronto para encontrar algo em algum lugar, mas sem saber o quê. A mãe torna possível o bebê ter a ilusão de que o seio, e aquilo que o seio significa, foram criados pelo impulso originado da sua necessidade. Obviamente sabemos que aquilo que o bebê criou não foi aquilo que a mãe forneceu. Proponho como vetor das minhas reflexões teóricas, que deste primeiro encontro da mãe com o bebê, desabrocha a condição e a possibilidade nuclear da vontade de poder - impulso constante e irrefreável, tomado como um paradigma de sentir-se vivo- conforme a antropologia filosófica de Nietzsche. Desta situação inicial e dos encontros posteriores, a vida mental do bebê terá dois padrões de relacionamentos conforme a análise apresentada por Winnicott: [...] De um lado estará a vida privada do bebê na qual os relacionamentos têm por base a sua capacidade de criar mais do que a memória dos contatos anteriores e, de outro lado, estará um falso self que se desenvolve sobre uma base de submissão e se relaciona de forma passiva com as exigências da realidade externa [...] Este bebê que mama de um modo inteiramente passivo nunca poderá criar o mundo, e portanto não será capaz de construir relacionamentos externos, nem terá futuro como indivíduo. A exploração desse falso self complacente ou submisso não pode levar a um bom resultado. O self verdadeiro pode se tornar visível unicamente através de um alimento recusado [...]. (Natureza Humana. 1954, p. 128). 3

Winnicott nos chama a atenção de que, nos níveis menos elevados de falso self, existe uma certa percepção e sentimento de futilidade relativo à vida falsa que o si mesmo é submetido, e uma busca incessante: [...] daquela outra vida que seria sentida como real, mesmo que levasse à morte, por exemplo, através da inanição [...]. Winnicott insiste nos dizendo que: [...] No grau extremo de cisão entre verdadeiro e falso self a criança não tem qualquer razão para viver [...] (Natureza Humana, 1954, p.129). Poderíamos ver esse sentimento como expressão da perda total do poder de viver e em cujas nas entranhas nasceria, sem dúvida, o fascínio pela aquisição do poder material e externo? Na verdade, o que Winnicott coloca nessa análise, quanto aos dois tipos de relacionamentos, falso e verdadeiro self, é que quando o falso self tem por demais força, os impulsos, a espontaneidade e os sentimentos que parecem reais (verdadeiros), encontram-se confinados no interior de um relacionamento que (em seu grau extremo) permanece incomunicável. Por outro lado, a outra metade da personalidade cindida, o falso self submisso, está ali à vista de todos e é fácil de ser administrado (dominado). Existe ou não uma criatividade primária, expressão máxima do poder de estar vivo? Segundo Winnicott, gradualmente surge uma compreensão intelectual do fato de que a existência do mundo é anterior à do indivíduo mas o sentimento de que o mundo foi criado pessoalmente não desaparece (Natureza Humana, p. 131). Encontramos na força da phantasia inconsciente uma das expressões dessa onipotência incessante de sermos os criadores do mundo. É nessa questão que nos deparamos com o poder na sua figuração substancializada, desde que através dela tudo podemos criar e fazer : a vida ou a morte, a construção ou a destruição, a bondade ou a maldade. O entendimento do poder da phantasia levou a uma maior compreensão da função simbólica sendo que através dela pudemos diferenciar quando uma fantasia dáse no nível da equação simbólica (Hanna Segal) e quando permite prosseguir no desenvolvimento intelectual, chegando à compreensão do simbolizar. No primeiro caso, temos a phantasia coisificada no objeto (figuração do conceito de fetiche), e no segundo, a phantasia pode aliar-se à aquisição da noção de realidade do real. O fascínio do poder relaciona-se muito mais à ordem do fetiche como substituto do poder pulsional de vida enquanto a criatividade e a simbolização relacionam-se mais à capacidade subjetiva de sentir-se portador da vida. Penso que a grande contribuição diferencial dos saberes psicanalíticos, encontrase em suas descobertas dos mecanismos mentais envolvidos na interação humana da 4

qual nasce nova vida. Dentre os mecanismos fundamentais da psicanálise, destaco o da identificação projetiva (Klein, 1946). A noção deste mecanismo está ligada tanto a estrutura do mundo no qual vive o ser humano quanto à estrutura da personalidade que vive nesse mundo (Meltzer, 1934). O conceito de identificação projetiva afirma consigo a diferenciação muito concreta entre aquilo que é interno e externo. Parece-me que a esta clivagem do mundo o conceito de identificação objetiva acrescenta uma clivagem suplementar indicando que ainda existem dois outros tipos de mundo: um, no interior dos objetos internos do individuo, outro, no interior de seus objetos externos. Estes quatro tipos de mundos deveriam, então, ser diferenciados entre si, naquilo que concerne à suas estruturas e à suas leis de funcionamento, sempre que quisermos compreender as complexidades da psicopatologia. Nesse âmbito de conhecimento, encontram-se também as grandes contribuições de Wilfred Bion que vão sinalizar desde a identificação projetiva como um instrumento empático para a comunicação, compreensão e entendimento entre os pares até a identificação projetiva com seu uso de anticomunicação. A identificação projetiva, apesar do conhecimento incompleto do que se tem dela, é o instrumento máximo da intuição, da persuasão, da sedução, do ataque, do acolhimento, em fim, de tudo aquilo que acontece quando a imantação humana se realiza. Poderíamos concluir que toda e qualquer administração do self, em relação à constituição de si mesmo e ao outro, na sua condição de mando e submissão, instrumentalizar-se-á através desse mecanismo psicológico aqui referido. The Attraction for Power In this paper the author attempts to attach a psychoanalytical perspective to what he considers as the essence of human power building of the being there alive- upon the theoretical approaches of Freud, Klein, Winnicott and Bion, along with categories or notions such as pulsion investment, its internal and external depictions (phantasies), and the projective identification mechanism. Key words Power and Life Investment, Omnipotent Power of the Phantasies, Projective Identification, Primal Creativeness La fascinación por el poder En este trabajo el autor pretende aportar uma mirada psicoanalitica a aquello que considera como la esencia del poder humano constitución del sentimiento de estar vivo- a partir de las propuestas teóricas de Freud, Klein, Winnicott y Bion, en relación 5

con las categorías de la fuerza de pulsión, sus representaciones tanto internas como externas (phantasias), y el mecanismo de identificación proyectiva. Palabras claves Poder y fuerza de vida, poder omnipotente de las phantasias, identificación proyectiva, creatividad primaria Referências Klein, Melanie (1946). Notas sobre alguns mecanismos esquizóides. In Os Progressos da Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1969: 313-343. Meltzer, Donald. (1984). Identification projective et contenant-contenu. Bion en relation avec la situation analytique. Revue Francaise de Psychanalyse, Mars- Avril, v. 2: 541-551. Ogden, Thomas H. (1994). O terceiro analítico: trabalhando com fatos clínicos intersubjetivos. In Os Sujeitos da Psicanálise. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994: 57-93. Winnicott, Donald W. (1954). A Natureza Humana. Rio de Janeiro: Imago, 1990. Maria Olympia A.F. França R. Angelina Maffei Vita 625, Jardim Paulistano 01455-070, São Paulo, SP Fone:3032-8735 e-mail: mofranc@terra.com.br 6