UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES FELIPE CARVALHO ZULATO



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Transcrição:

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES FELIPE CARVALHO ZULATO Algoritmos: Como os novos gatekeepers da comunicação definem o que você vê online São Paulo 2014

FELIPE CARVALHO ZULATO Algoritmos: Como os novos gatekeepers da comunicação definem o que você vê online Monografia apresentada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo em cumprimento parcial às exigências para obtenção do título de Especialista em Comunicação Digital Orientador: Prof. Ms. Andre de Abreu São Paulo 2014

Nome: ZULATO, Felipe Carvalho Título: Algoritmos: Como os novos gatekeepers da comunicação definem o que você vê online Monografia apresentada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo em cumprimento parcial às exigências para obtenção do título de Especialista em Comunicação Digital Aprovado em: COMISSÃO EXAMINADORA Nome: Instituição: Julgamento: Assinatura: Nome: Instituição: Julgamento: Assinatura: Nome: Instituição: Julgamento: Assinatura:

AGRADECIMENTOS Minha gratidão a todos que contribuíram para que eu chegasse aqui. Ao Prof. Ms. Andre de Abreu, pelo aprendizado e por sua enorme contribuição na monografia. Aos professores e colegas, pela troca de experiências tão enriquecedora. À minha família e noiva, pelo suporte e horas cedidas da vida pessoal em prol da pós-graduação.

RESUMO ZULATO, Felipe Carvalho. Algoritmos: Como os novos gatekeepers da comunicação definem o que você vê online. Monografia (Especialização) Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. Esta monografia apresenta um olhar sobre a forma como os algoritmos passaram a definir o que a sociedade consome de informação no mundo digital, funcionando com os novos gatekeepers da comunicação. Serão discutidos os motivos pelos quais esta prática passou a ser adotada, as vantagens e os riscos trazidos por ela, a influência no consumo da informação no ambiente digital, a interferência dos interesses comerciais, propondo uma discussão crítica sobre o uso dos algoritmos. Palavras-chave: comunicação digital, algoritmos, mídias sociais, gatekeeping.

ABSTRACT ZULATO Felipe Carvalho. Algorithms: How the new gatekeepers of communication define what you see online. Monograph (Specialisation) - School of Communication and Arts, University of São Paulo, São Paulo, 2014. This monograph presents a look at how the algorithms come to define what society consumes information in the digital world, working like a new gatekeepers of communication. Discussed the reasons why this practice has been adopted, the advantages and the risks brought by it, the influence on consumption of information in the digital environment, interference from commercial interests, proposing a critical discussion of the use of algorithms. Keywords: digital communication algorithms, social media, gatekeeping.

SUMÁRIO 1. Introdução... 8 2. A constituição da rede e como a sua estrutura básica influencia (ou não) a maneira como as pessoas têm acesso à informação... 12 2.1. As modificações sociais na ótica de Castells... 12 2.2. O conceito de Aldeia Global no digital... 13 2.3. A inclusão social por meio da internet e o reforço das diferenças... 14 2.4. As responsabilidades impostas por essa nova realidade... 16 2.5. As potencialidades oferecidas por esta nova realidade digital... 18 2.6. A mudança do polo da emissão... 19 3. O excesso de informação, a busca pela relevância e o surgimento dos algoritmos na comunicação digital... 21 3.1. O caos informacional... 21 3.2. O poder da internet... 22 3.3. A criação dos algoritmos... 23 4. Resultados por interesse e comportamento. As vantagens da navegação personalizada por trás dos algoritmos e a criação dos filtros bolha-online... 26 4.1. As vantagens dos algoritmos... 26 4.2. As desvantagens dos algoritmos... 27 4.3. O momento de convergência... 31 5. Os efeitos práticos dos algoritmos no mundo digital e alguns exemplos recentes 33 5.1. Confundindo o algoritmo do Facebook... 33 5.2. Estudos do Facebook sobre o impacto do feed na vida das pessoas... 34 5.3. Google Shopping e Buscapé... 35 6. Considerações finais e caminhos sugeridos... 37

8 1. Introdução Antes de entrar propriamente na discussão central deste trabalho, vale retomar o ideal de Norbert Wiener, pai da cibernética, que vislumbrou em 1948, na tecnologia da informação, o meio de evitar que a humanidade mergulhasse em um mundo sombrio e sem respostas, dominado por uma elite responsável pela emissão da comunicação. Porém, ele já previa que isto só aconteceria se o conjunto dos meios de coleta, utilização, estocagem e transmissão da informação [circulassem] sem entraves (WIENER, 1948, p. 155). Ou seja, sem interferência das esferas econômicas e governamentais na circulação da informação. Foi praticamente assim que foi concebido o conceito da World Wide Web por Tim Berners-Lee, que Ferreira e Pantoja (2000, p. 07) definem como [...] Com a Guerra Fria os americanos optaram por montar uma rede sem hierarquia, com interconexões redundantes, uma espécie de ninho de serpente com milhares de cabeças e ao mesmo tempo sem cabeça alguma. De modo que se os soviéticos jogassem uma bomba sobre Washington ou qualquer outra grande cidade a rede de computadores continuaria funcionando sem interrupção. Essa foi a planta sobre a qual a Internet foi construída. Mais do que isso, pela primeira vez de forma massiva criou-se um ambiente descentralizado, transformando antigos receptores passivos em emissores ativos, capazes muitas vezes de uma influência sobre a sociedade muito maior do que os próprios veículos midiáticos. Efetivamente, uma mudança no paradigma da comunicação relacional, colocando o receptor no papel da emissão e vice-versa. Contudo, sem os gatekeepers originais conceito ligado ao jornalismo e que define aquilo que será veiculado a internet começou a padecer de dois carmas: o primeiro, quem define a veracidade e a credibilidade das informações que estão sendo veiculadas neste ambiente; e o segundo, entre tudo o que está sendo dito sobre o mesmo tema (muitas vezes ao mesmo tempo) na web, o que seria mais relevante para o usuário. Vale levar em consideração o fluxo da informação jornalística, as hipóteses de gatekeeper e agenda-setting, tipo de efeito social da mídia que compreende a seleção, disposição e incidência de notícias sobre os temas que o público falará e discutirá, que já apontavam situações de controle da informação e, por essa

9 característica, são essenciais para entender as relações propostas nessa monografia. Em tempos de mídia saturada pela infinidade de temas possíveis de serem abordados, convive-se com o termômetro implacável da aceitação de todo o trabalho, cujos critérios não têm nada que ver com sua própria produção, mas sim com o mercado, exigente de simplificação, vulgarização e clichê (ARBEX JR, 2012, p.135). Trabalha-se, assim, com o conceito do gatekeeper, ou o controlador do fluxo de informação, função que garante o formador de opinião informal. Foi aí que nasceu o tema deste trabalho: os algoritmos programados por seres humanos definindo e decidindo aquilo que podemos ou devemos visualizar no dia-adia, contrariando os conceitos básicos da criação da web. Como dois conceitos tão distintos e de disciplinas tão diferentes parecem estar cada vez mais ligados? Algoritmos e gatekeeping não parecem ter nascido um para o outro. A definição de algoritmo, por exemplo, foi formalizado em 1936, com Máquina de Turing, de Alan Turing, e pelo cálculo lambda de Alonzo Church (CRUZ, 1997), que formaram as primeiras referências no campo da Ciência da computação. Segundo Knuth (1973, p.95, tradução nossa), algoritmo é uma sequência finita de instruções bem definidas e não ambíguas, cada uma das quais pode ser executada mecanicamente num período de tempo finito e com uma quantidade de esforço finita. Já o conceito de gatekeeping, que será trabalhado de forma mais aprofundada a posteriori nesta monografia, por outro lado, surgiu pela primeira vez no campo da Psicologia, em 1947, por meio do teórico Kurt Lewin. Ele fez uma comparação com os alimentos que podem ou não servir para uma pessoa, e o que deve ser ou não considerado como notícia. Depois, foi aplicado no campo da Comunicação pelo teórico David Manning White e definida por Pena (2005, p. 133), onde por essa teoria, só viram notícia aqueles acontecimentos que passam por um portão (gate). E quem decide isso é uma espécie de porteiro ou selecionador (o gatekeeper), que é o próprio jornalista. Ora, com o advento da internet e a produção em massa da informação nunca uma pessoa teve tanto acesso às diferentes fontes e à possibilidade de produzir a sua própria informação -, era natural que surgisse algum gatekeeper para encontrar as informações mais relevantes em menos tempo e com maior assertividade para os usuários. Mas ninguém imaginava que quem fosse fazer esse papel eram os próprios algoritmos, programados por seres humanos, mas longe de ser algo do

10 conhecimento da maioria da população. Permeando, principalmente, motores de buscas, produtos em plataformas de e-commerce e até feed de redes sociais, eles passaram a entender (e aprender) as preferências de cada usuário para exibir aquelas informações/notícias/atualizações de acordo com o interesse de cada um. Ou seja, os novos porteiros da Comunicação Digital não são jornalistas, comunicadores ou nem mesmo os seres humanos em si, mas sim os Algoritmos um grande e, em tese, frio cálculo matemático. E vale retomar os primeiros gatekeepers da internet catalogadores de páginas como Yahoo! e Cadê? (no Brasil), uma vez que o apogeu dos algoritmos se deu principalmente porque o volume de informação cresceu tanto e tão rapidamente que a organização via catalogação análoga à biblioteca de Y! e C? se tornou nem um pouco prática para o usuários. Ou seja, os algoritmos aparecem para suprir essa limitação da internet, porém com o volume cada vez maior e a internet se tornando a principal ferramenta de comunicação da sociedade e pontuando que todas pessoas passarão por ela ao menos uma vez ao logo da vida, faz com que existam riscos e oportunidades que serão detalhadas ao longo deste documento. No próprio Google (2014), em seu campo de ajuda, encontramos a seguinte definição: você quer a resposta, e não trilhões de páginas da web. Os algoritmos são programas de computador que buscam pistas para retornar exatamente o que você procura. Existem milhares ou milhões de páginas com informações úteis para uma consulta típica. Os algoritmos são os processos e fórmulas de computador que transformam as perguntas em respostas. Atualmente, os algoritmos do Google utilizam mais de 200 sinais ou "pistas" diferentes para adivinhar o que você realmente procura. Esses sinais incluem coisas como os termos em websites, a atualização do conteúdo, a região do usuário e o PageRank. Desta forma, o grande objetivo desta monografia é abordar de forma exploratória os efeitos mais evidentes dos algoritmos na vida do usuário, que permeia sua experiência online, observando tanto os aspectos positivos - como, por exemplo, a curadoria, afinidade e agilidade ao encontrar um conteúdo - quanto os efeitos negativos - como, por exemplo, os filtros-bolha e uma possível alienação. Partindo do objetivo principal, é possível identificar de forma secundária, ainda, os interesses comerciais das empresas que estão por trás dos algoritmos, que acabam modificando ou até burlando as regras definidas por elas próprias para

11 privilegiar determinados produtos ou informações. Além disso, observar como esse consumo de informação pode definir o comportamento do usuário, afinal, a influência daquilo que ele consome online reflete no seu comportamento offline. Por fim, perceber que as bolhas de interesse formadas por meio dos algoritmos criam universos individuais, contrariando o conceito de Aldeia Global definido por McLuhan (1964, p. 96): O princípio que preside a este conceito é o de um mundo interligado, com estreitas relações econômicas, políticas e sociais, fruto da evolução das Tecnologias da Informação e da Comunicação (vulgo TIC), particularmente da World Wide Web, diminuidoras das distâncias e das incompreensões entre as pessoas e promotor da emergência de uma consciência global interplanetária, pelo menos em teoria A grande questão, então, é entender como os algoritmos, que são tão presentes na vida do usuário, podem afetar a sociedade como um todo e o quanto os objetivos comerciais estão influenciando esse cálculo que deveria ser simplesmente matemático e imparcial. Com base nos objetivos descritos, três hipóteses foram elaboradas: Os algoritmos facilitam a vida do usuário a encontrar as informações de forma mais assertiva; Os algoritmos possuem uma forte influência comercial por trás e Os usuários não sabem que as informações que lhe são oferecidas são parciais e baseadas no seu comportamento online (dados de navegação, termos utilizados, etc). A metodologia utilizada será teórica-funcional, abordando diferentes livros que já estudaram o tema, números, pesquisas e informações exatas veiculadas na imprensa sobre o tema e depoimentos de especialistas abordando este campo de estudo.

12 2. A constituição da rede e como a sua estrutura básica influencia (ou não) a maneira como as pessoas têm acesso à informação Para entender o contexto no qual os algoritmos se inserem, é preciso retomar conceitos básicos da sociedade em rede e da profusão de informação que surgiu com o advento do código binário e a digitalização da sociedade, termo não só cunhado por Tim Berners-Lee como o próprio desenvolveu toda a estrutura básica do conhecemos hoje como WWW, tentando entender como sua estrutura influencia ou não a maneira pela qual as pessoas têm acesso à informação, para depois compreender a necessidade dos algoritmos na curadoria de conteúdo da internet. 2.1. As modificações sociais na ótica de Castells Castells (2003) discute, entre outros pontos, as modificações sociais como consequências das novas tecnologias digitais, que alteraram a forma de comunicação, cujo diálogo não possui nenhum tipo de distinção entre o produtor e o receptor da mensagem. Comenta, ainda, as revoluções comunicativas que aconteceram ao longo da história e questiona, de certa maneira, os resultados futuros do segmento em rede. De acordo com o autor, a comunicação, pela primeira vez na história, se torna um processo de fluxo em que as velhas distinções entre emissor, meio e receptor se confundem e se intercambiam até estabelecerem outras formas e outras dinâmicas de interação. Assim, o processo se torna impossível de ser representado segundo os modelos dos paradigmas comunicativos tradicionais. Como é possível perceber, o autor fala da construção de um ambiente social em rede, caracterizado por circuitos informativos interativos, o que implica em um pensamento diferente sobre as interações sociais fora da concepção funcional-estruturalista, baseada em relações comunicativas analógicas. O teórico ainda destaca que a transformação da mídia pessoal em mídia móvel, surgida com o advento das tecnologias portáteis, deixa ainda mais clara a passagem de um modelo comunicativo baseado na exposição do sujeito à mídia para se tornar um emissor em si. Um indivíduo que com sua personalidade e individualidade, molda o mundo a sua volta e passa a construí-lo de forma

13 colaborativa com as tecnologias informativas digitais. Os algoritmos, então, fazem parte da construção do individuo social uma vez que ele permeia e define a experiência do usuário no consumo da informação e até suas relações sociais. Ainda nesta obra, Castells (ibid) exemplifica como a rede é o principal protagonista no mundo da internet, desempenhando papel central na informação, flexibilização da produção e colaboração. A rede permeia, então, os territórios da democracia, as praças, a cidade e a nação, desenvolvendo em conjunto com seus espaços informativos. Os ambientes digitais passam pela intervenção de práticas comunicativas e de fluxos informativos. Imagens, redes, informações atravessam esse espaço alterando profundamente sua percepção e seu significado social. 2.2. O conceito de Aldeia Global no digital O conceito da aldeia global se torna cada vez mais atual por conta da proliferação de inúmeros sites, redes de comunicação cada vez mais interligadas e o encontro de ideias e ideais proporcionado pelas mídias sociais. Um exemplo claro é a popularização no Brasil, por exemplo, de sites como AliExpress e DealExtreme, onde várias pessoas compram diversos produtos da China. O sentimento de comunidade está cada vez mais forte. Ações e reações se separam e se conectam no tempo e espaço interconectado da pós-modernidade. Os tempos modernos, pós-modernos, hipermodernos trazem consigo uma convivência de várias formas de tempo. Um tempo presente apontando para o futuro, como uma possibilidade de evolução social (a flecha do tempo indicando a ausência de repetições, onde o passado se junta ao presente). A era do hiper incita uma movimentação contínua da sociedade como visto na obra Galáxias Emergentes de Alzamora: uma corrida eterna contra o tempo, decorrente da descentralização crescente das mediações sociotécnicas que promoveu a disseminação dessa lógica comunicacional, alterando, assim, as formas pelas quais os fluxos de informação são produzidos, compartilhados e socialmente apropriados. Os algoritmos, por sua vez, trabalham tanto a favor desses conceitos, por facilitar o encontro das informações de interesse e comunidades de nicho, como podem acabar por afastar o embate de ideias e das diferenças, já que ele é permeado, também, pelos interesses de cada usuário.

14 No ciberespaço, registrar um presente está intrinsicamente ligado com o fato de ser lembrado e recuperado num futuro como memória de um passado, quase como flagrantes de um presente fluido, um passado presentificado e um futuro memorizado. Assim, a ideia de controle se esvai pelas mãos dos antigos emissores a cada dia que o processo comunicacional em rede ganha força e pauta por si só o ambiente digital. Ambiente, este, que não só traz lembranças para a construção do futuro, como pode acabar por ocultar referências que não forem julgadas relevantes pelos algoritmos. Ou seja, a busca pela memória também pode ser afetada ou potencializada a depender da forma como esta técnica é aplicada no ambiente digital. As relações de trabalho também são comentadas por Miconi (2008), que destaca que a flexibilidade inerente ao ambiente digital começa a orientar também a nova forma de trabalho, transformando qualitativamente o trabalho e a forma com a qual ele produz para degustar o ter. Pode-se entender, assim, que ambientes formais e rígidos afastam esta nova mentalidade aberta e colaborativa. As pessoas não mais vivem para trabalhar e sim trabalham para poder viver melhor e usam a internet muitas vezes para economizar o tempo para buscar informações úteis para o dia-a-dia. A internet, assim, se torna uma extensão do homem, não só na sua expressão de ser como a própria memória, que em muito foi transferida para o ambiente digital. Memória e personalidade que podem ser traídos ou reforçados pelos algoritmos? Veremos a seguir. 2.3. A inclusão social por meio da internet e o reforço das diferenças Outro aspecto observado por Miconi (2008) e Alzamora (2007) é o fato da rede impor um parâmetro de inclusão destinado a marcar profundamente o funcionamento da sociedade. Os excluídos encontraram um lugar perfeito para se encontrarem e formarem pequenas comunidades. A elite passou a ser alvo cada vez mais frequente das minorias, que passaram a ter voz frente à concentração das mass media dos anos 80 e 90. Não que a elite deixou de ter sua influência no mundo digital ou até mesmo nos veículos de comunicação de massa, mas é notório como assuntos até então marginais como, por exemplo, o direito dos animais, tenham ganhado tanta força na pauta de discussão, como por exemplo a definição

15 recente que proíbe os testes e pesquisas com animais para o lançamento de cosméticos após inúmeras manifestações nas redes contra essa prática. A Primavera Árabe, uma onda revolucionária que derrubou alguns dos mais longínquos diretores no Oriente Médio e Norte da África, é outro exemplo de como as minorias podem se organizar e contrapor o status quo propagado. Para o bem ou para o mal, a sociedade vai se tornando mais descentralizada e com mais pontos de vistas sobre um mesmo assunto. A abordagem de Castells (2003) mergulha nas transformações do mundo da internet, passando por todo um conjunto de reorganização das empresas que atuam na área, para explicar e exemplificar um volume significativo de transformações sociais contemporâneas, criando uma visão dinâmica (com uma narrativa também dinâmica) sobre os impactos da sociedade digital no mundo e, de quebra, ainda reconhece a geografia como elemento central deste processo. Diante de uma sociedade em construção e completa transformação, Castells (ibid) comenta esta nova geografia após o surgimento da internet e da rede global e local, una e múltipla, estável e dinâmica, o que torna sua realidade, vista num movimento de conjunto, revele a superposição de vários sistemas lógicos. Este tema também é abordado por Miconi (2008, p. 149), segundo quem as especificidades culturais dos new media, há tempos evocadas, assumiram, enfim, contornos precisos: o uso difuso de SMS e videofones, o podcasting, (...) também as comunidades e os chats espalhados pela web, até o reflorescimento da fotografia através do digital. Com enfoque na sociabilidade e nas novas formas de interação social que apareceram com o uso da Internet, Castells (2003) expõe questões concernentes à formação de identidades e representação de papéis sociais na Internet e discute, também, a problemática do individualismo na rede. Ele redesenha a economia, a sociedade, e a própria interação humana, onde até o sentido de realidade e mediação podem ser questionados, já que se torna muito difícil definir o que é realidade e o que é mediação. Outro autor que aborda o tema é Parente (2004, p17-38) Materializada por fluxos de visita nas páginas da web e taxas de participação nas comunidades virtuais, a atenção coletiva sobe, desce, desloca-se, divide-se em milhões de canais e correntes largamente

16 distribuídas no espaço virtual de significações de uma humanidade em via de unificação. Com um caráter cada vez mais independente, o mundo virtual ganha sua força na realidade, pensando que o que acontece nele é real, mas ao mesmo tempo é algo irreal, traduzido por números do código binário e infinitas linhas de código. Dessa forma, uma decisão econômica, por exemplo, é tomada por diferentes atores de vários países, e influenciada pelas informações criadas a partir da própria Internet, como os softwares que indicam os melhores investimentos a serem feitos ou buscadores que fornecem na primeira página resultados para determinada busca. A Internet se torna quase um "ator" influente nesse processo de "tomada de decisão" dos seres humanos. Para Castells (2003, p.58), os estudiosos devem ser capazes de analisar esses padrões de sociabilidade que estão sendo gerados na rede: a Internet foi apropriada pela prática social, em toda sua diversidade, embora essa apropriação tenha efeitos específicos sobre a própria prática social, como discutirei abaixo. A representação de papéis e a construção da identidade como base de Interação on line representam uma proporção minúscula da sociabilidade baseada na Internet, e esse tipo de prática parece estar fortemente concentrada entre adolescentes. Desta forma, se antes a sociedade se organizava de forma espacial, agora as pessoas estabelecem seus laços por meio de afinidades e padrões dos mais diversos, e não se organizam mais pela sua localidade. As comunidades são vistas em forma de rede em que as pessoas vão em direção ao que se identificam mais. Além disso, Castells (ibid) afirma que as pessoas não transformam seu comportamento depois de incorporar a tecnologia em suas vidas e sim adaptam a Internet aos seus hábitos e aspectos culturais. Assim, a pessoa adapta a rede à sua maneira de pensar e agir. Um ponto de inflexão, que será discutido no próximo capítulo, é o quanto a pessoa molda o seu universo digital por suas preferências ou quanto ela em si passa a ser moldada pelas suas preferências por não ter acesso às diferentes opiniões/ visões de mundo. 2.4. As responsabilidades impostas por essa nova realidade Castells (2003) ainda propõe uma reflexão sobre a nossa responsabilidade, enquanto seres pensantes, no controle da tecnologia, sugerindo que para direcionar

17 este uso, será necessário nos conscientizarmos de que a democracia participativa e a mudança política são imprescindíveis para o enfrentamento dos desafios da sociedade em rede na Era da Informação. Assim, a real importância da tecnologia na estrutura das relações sociais é a contribuição para um padrão de socialização baseada no individualismo, ou seja, não é a Internet que torna as pessoas individualistas; ela somente contribui e facilita que este novo padrão se estabeleça. Isto não que dizer que os indivíduos ficam isolados e sim que as pessoas direcionam suas redes de acordo com seus interesses e a sociabilidade torna-se extremamente flexível. Apenas para contextualizar com a realidade brasileira, um exemplo claro de como é o individuo que define o uso da ferramenta, podemos falar da migração dos usuários do Orkut para o Facebook, ocorrida entre 2012 e 2014. Com este processo completo, o que se vê em comentários comuns da rede, como, por exemplo, no Tecnoblog e no TechTudo, dois importantes blogs de tecnologia, é a Orkutização das relações pessoais na rede de Zuckerberg. Oras, não é o Facebook que está Orkutizado. Uma das inferências possíveis é que a sociedade e os indivíduos do Brasil definiram um uso diferente para as plataformas de redes sociais do que em outros lugares do mundo. Sob a ótica de Levy (1996, p. 17), a virtualização pode ser definida como o movimento inverso da atualização (...) a virtualização não é uma desrealização (a transformação de uma realidade num conjunto de possíveis), mas uma mutação de identidade. Nesse processo, conforme Castells (2003) sublinha, nascem diversos desafios, que urgem serem enfrentados. O fato de a Internet ser um campo de incontáveis oportunidades e de inegável liberdade, abriga dentro de si a possibilidade (já manifesta, diga-se) de conflito entre o sonho da sociedade e seu lado mais sombrio. As empresas que hoje detém o poder da informação no ambiente digital, entre elas Google, Facebook, Microsoft, vão contribuir para um mundo mais diversificado ou mais alienado? É cedo para entrar nesta discussão, que será abordada nos próximos capítulos da monografia. Outro ponto importante a ser abordado é a evolução cultural da pósmodernidade que não se dá única e exclusivamente pela comunicação horizontal.

18 Wilton (informação verbal em 2014) 1 e Bauman (2008) em A sociedade individualizada abordam que a produção em massa, a sociedade do consumo e o capital interferem diretamente nesse processo. Na sociedade do ter, do homem pode sobre a natureza, a comunicação horizontal é capaz de acelerar esta mudança, além de unir pessoas com interesses em comum e potencializar minorias. De acordo com o teórico, tudo que o homem faz em seu mundo simbólico é uma tentativa de negar e sobrepujar seu destino grotesco. Ele literalmente se lança em um esquecimento cego por meio de jogos sociais, truques psicológicos, preocupações pessoais tão afastadas da realidade de sua situação que são formas de loucura: loucura aceita, compartilhada disfarçada e dignificada, mas mesmo assim loucura (BAUMAN,2008, p.7) Ainda para Bauman (ibid), a sociedade atual rompeu com os valores da razão e assumiu uma nova ordem de valores: prazer (viver, usufruir, degustar) e não obedecer a eternidade das relações. Uma identidade líquida, sempre em mudança, que encontrou nos meios digitais uma forma de expressar e capitanear as mudanças socioculturais. Contudo, a personalidade líquida não anula o capitalismo: a racionalidade que mudou. Ao invés de ser sustentada no tempo e no futuro, é sustentada no presente. 2.5. As potencialidades oferecidas por esta nova realidade digital A mudança social na vivência do espaço e do tempo reflete mais o sistema do que o causa. Por trás, a ordem capitalista, da necessidade do ter para viver, está presente nas mídias sociais e na vivência em comunidades digitais. Ao encurtar as distâncias, a tecnologia aproxima também as pessoas do contato diário com seus desejos e acaba refletindo o sistema capitalista que rege a sociedade como um todo e a vida pós-moderna. Até que ponto você está na rede ou te colocaram dentro dela? Até que ponto você está sendo observado, acompanhado, trabalhado? As comunidades e sua capacidade de agregar pessoas com um interesse em comum ganharam uma nova forma de se expressar e mudou o paradigma de forma geral. Um novo modo de 1 Informação fornecida por Mauro Wilton na disciplina Comunicação e Sociabilidade, do curso Digicorp, em São Paulo, 2014.

19 pensar a comunicação, entender as relações sociais, onde o mundo da representação também está em mudança. Nunca o massivo foi tão questionado pelo exercício da individualidade. Porém, hoje, as tecnologias são mediação na área social. O processo de sociabilidade passa a ser permeado por uma técnica (e-mail, internet, redes sociais) e cria-se a ambivalência, como afirmou Bauman (2001). Com as novas tecnologias, ou você se expõe, ou você se oculta e a decisão cabe a cada individuo, que nunca foi tão individual em uma sociedade, como também nunca se viu, tão interconectada. 2.6. A mudança do polo da emissão Alzamora (2007) por sua vez, discorre sobre as especificidades espaçotemporais sociocomunicacionais mediadas pelos novos dispositivos de comunicação e seus impactos para a vida em rede que provocaram o surgimento do que chamamos de cibercultura. Para tal análise, a autora volta para o período das sociedades orais, onde o conhecimento e o processo de informação era realizado (e consumido) na mesma esfera espaço-temporal em que eram produzidas. Com o surgimento da escrita, surge a primeira quebra desta relação, fazendo com que informações consumidas em esferas espaço-temporais diversificadas, distanciando a produção do consumo da informação. O texto caracteriza, ainda, os meios de comunicação de massa por terem um centro irradiador da informação com uma mensagem comum a diversos receptores, mesmo que separados culturalmente e geograficamente. Segundo o texto, A lógica comunicacional de massa prioriza, portanto, a ação dos emissores sobre os receptores, sendo caracterizada pela ideia de transmissão. Transmissão, essa, vale reforçar, que muitas vezes trata-se de um processo de informação e não de comunicação em si, uma vez que o feedback do receptor é quase que imperceptível. A lógica hipermidiática de comunicação, por outro lado, prioriza aspectos colaborativos da informação, em diferentes plataformas e múltiplas dimensões, como por exemplo o YouTube, onde existe a possibilidade de consumir, produzir e interagir em tempo real (ou não) com o conteúdo visualizado. Alguns estudos recentes do IBOPE já mostram um impacto no próprio formato da TV em decorrência

20 do hábito de consumo dos usuários nos vídeos da internet. Levy (2003) já afirmava a predominância dos fluxos de informação derivados de uma espécie de descolamento do espaço físico ou geográfico ordinários e da temporalidade do relógio ou do calendário. Alzamora (2007) trata, ainda, da definição de redes, que são arquiteturas de informação interconectadas, ilimitadas, multidirecionais, interativas e voltadas à cooperação. Desta forma, nas redes, as conexões ocorrem em um presente dilatado, sobreposto, fluido, fragmentado, entrelaçando a noção de espaço e tempo pela duração virtualizada no ciberespaço, formando o que ele afirma ser, um nãolugar do ciberespaço. Esta ausência de vínculos territoriais, mas que ao mesmo tempo aproxima pela lógica das conexões. Como visto no texto, o desenvolvimento crescente da blogosfera exemplifica essa situação. Por fim, Levy (2003) trata da coexistência e da determinação sígnica, relembrando alguns aspectos das Teorias da Imagem. Como visto, as interfaces interativas constituem espaço fragmentado que exige leitura multidirecional, assumindo nuances diferenciados na medida em que a ideia de tempo (passado, presente e futuro) passam a fazer parte integrantes desse processo de informação cujos contornos são ilimitados. Esses dispositivos, em formas variadas, entrelaçam tempo e espaço pela duração virtualizada do ciberespaço. Como pode ser visto em Miconi (2008, p. 151), a descentralização crescente das mediações sociotécnicas promove a disseminação dessa lógica comunicacional, alterando, assim, as formas pelas quais os fluxos de informação são produzidos, compartilhados e socialmente apropriados. [Eles se tornam] fragmentados, sobrepostos, ubiqüos e onipresentes. A ideia de controle se esvai pelas mãos dos antigos emissores a cada dia que o processo comunicacional em rede ganha força e pauta por si só a cibercultura. A lógica atual favorece a expansão simultânea e intercambiável de fluxos transmissivos e associativos de informação no ciberespaço.

21 3. O excesso de informação, a busca pela relevância e o surgimento dos algoritmos na comunicação digital Se excesso de informação já era um problema notado pelos teóricos do gatekepping na década de 50, como, por exemplo, White (1950), ambiente permeado principalmente pelo rádio e veículos impressos, contados talvez nos dedos da mão, o advento da internet impulsionou a proliferação dos polos de emissão, receptores se tornando verdadeiros atores sociais e uma infinidade de conteúdo sendo produzida por segundo. Com o passar dos anos, é perceptível e inegável o crescimento exponencial da internet, tanto na relação do consumo dos meios, como a produção em si de conteúdo, pela expansão de sua massa de informações, juntamente com o aumento do número de usuários. A facilidade de acesso e publicação de documentos na rede permite, cada vez mais, o aumento neste volume de informação produzida, veiculada e replicada na web. 3.1. O caos informacional A explosão do volume de informações trouxe consigo graves problemas relacionados à falta de organização e estruturação das informações na internet, o que dificulta a recuperação de informações. Cerca de uma década atrás, uma busca no já extinto Cadê? ou no Altavista poderia levar horas até encontrar as informações necessárias pela falta do trabalho de classificação realizada pelos algoritmos. Sobre o caos informacional, Johnson (2003, p. 55) afirma que a web é um espaço tremendamente desorganizado, um sistema que a desordem cresce com o volume total. Isso se dá pela própria capacidade da rede ser ilimitada, ou seja, não há limites para a estocagem de informações. Levy (1999, p. 150) também discorre sobre o tema: Fluída, virtual, ao mesmo tempo reunida e dispersa, essa biblioteca de Babel não pode ser queimada [...]. As águas deste dilúvio não apagarão os signos gravados: são inundações de signos.

22 Em A internet em um segundo (2013, vídeo do YouTube) que se baseia nos dados fornecidos pelo site One second, alguns dados assustadores são passados para o usuário, como por exemplo, o fato de que, por segundo, são postados 3.900 tweets, realizadas mais de 1.000 ligações por Skype, mais de 33.000 buscas no Google, 52.000 likes são dados em posts no Facebook, 463 fotos são postadas no Instagram e mais de 1.6 milhões de e-mails são enviados. Não são dados 100% confiáveis, mas já ajuda a entender a dimensão da profusão de informação que vivemos. Com certeza estes números já estão desatualizados tanto no vídeo, como no momento da entrega desta monografia, mas ajuda a entender o volume do qual estamos tratando neste caos informacional proporcionado pela web. Percebe-se, então, que a baixa quantidade de regras ou de padrões rígidos de controle, tal como a dinâmica descentralizada da rede favoreceram a participação social no acesso à produção de informações, o que levou à necessidade do próprio meio encontrar e oferecer conteúdos relevantes e críveis para os usuários no meio dessa infinidade de informação que está sendo produzida diariamente, ou porquê não, a cada segundo. 3.2. O poder da internet Até 1900, a comunicação era oral e gestual. Após 1900, tivemos uma revolução das técnicas com a chegada da comunicação massiva. A partir dos anos 2000, veio a comunicação digital, que mudou o processo de comunicação, produção, criação e circulação de bens e serviços. O ter como condição de viver passa do ter de acumular, para degustar o que tem. Desta forma, as redes e suas práticas de comunidades reconfiguram de certa forma essa convivência social no ambiente digital. Se a internet trouxe consigo a possibilidade de subverter (ou ao menos tentar equilibrar) as relações de poder vigentes, empoderando uma parcela significativa da população mundial para postar, reclamar, filmar, fotografar, hoje ela acaba por suportar esta relação. Castells (2007, p. 10) define que Poder é a capacidade relacional que possibilita a um ator social influenciar assimetricamente as decisões de outro(s) ator(es) social(ais) de modos ou maneiras que favoreçam os interesses, desejos e valores daquele ator que detém o poder. O poder é exercido sob a forma da coerção (ou da sua

23 possibilidade) e/ou mediante a construção de significados, sob as bases de discursos por meio dos quais os atores sociais orientam as suas ações. As relações de poder são estruturadas por dominação, que é o poder que está no alicerce das instituições sociais. A capacidade relacional do poder é condicionada, mas não determinada, pela capacidade estrutural da dominação. Desta forma, se a imprensa é vista como o quarto poder, os algoritmos passam a funcionar como um quinto poder dentro da internet, mas o primeiro que não está totalmente nas mãos dos homens. Mesmo que os códigos sejam escritos por programadores, é esta linha binária fria e irracional que vai definir em tempo real aquilo que é relevante ou não na sua vida online, pautando sua vida offline. Para Castells (ibid, p. 16), o mais fundamental dos processos, uma vez que a sociedade é definida com base em valores e instituições, e aquilo que é valorizado e institucionalizado é definido por relações de poder. Se o poder tornou-se mais vulnerável diante dos riscos da visibilidade midiática e dos escândalos, empresas criaram (e criam) mecanismos para oferecer aquilo que eles julgam mais adequado para você, o que pode não ser necessariamente aquilo que você realmente precisa naquele momento. Deste modo, o autor diz que a resistência ao poder programado das redes também ocorre por meio e através das redes, o que configura nova dinâmica para o estatuto das relações de poder. Castells (ibid, p. 26) reúne, ainda: Evidências empíricas sobre o fato de que a mídia, em sua nova configuração de redes globais, não é ator coadjuvante na busca pelo poder, mas é ela própria a estrutura social pela qual o poder se estabelece, definindo, a partir da sua organização por oligopólios, quem detém o controle da veiculação de uma narratividade da vida social. 3.3. A criação dos algoritmos Um algoritmo, grosso modo, nada mais é do que uma linha de códigos que mostra passo a passo os procedimentos necessários para a execução de uma tarefa. Ele não vai responder a pergunta o que fazer?, mas sim como fazer. Em termos um pouco mais técnicos, Levy (1996, p. 96) afirma que um algoritmo é uma

24 sequência finita, lógica, e definida de instruções que devem ser seguidas para resolver um problema ou executar uma tarefa. Com o excesso de conteúdo somado ao interesse crescente pela internet, era natural uma espécie de curadoria no ambiente. Entre vários nomes, como Edge Rank do Facebook e outras formas de filtrar que vemos na web, com certeza o PageRank do Google é o que mais influencia a nossa navegação. Dados como número de acessos, links relevantes externos que o conteúdo recebe, relação do termo buscado com o conteúdo da página, entre vários outros, definem qual página aparece ou não nos primeiros resultados. PageRank (PR) é uma métrica criado pelo Larry Page e utilizada pelo Google dentro do seu algoritmo para entender a importância que um site, ou página, tem para ele (Google) frente a Internet. Ele foi desenvolvido em 1995 na Universidade de Stanford por Larry Page, daí vem o nome Page Rank (Google, 2014) Somado aos números que definem a relevância de determinados conteúdos para que eles sejam considerados mais ou menos importante em determinado momento, surge também o conceito de behavioral targeting ou segmentação comportamental. Um feed de notícias do Facebook, uma home do Portal Terra, uma página de e-commerce e a primeira página de resultados do Google nunca serão iguais de um usuário para o outro. Por trás da fria e calculista conta matemática, entram outros fatores derivados da navegação e comportamento do usuário na internet. Qual a justificativa oficial por trás dessa nova realidade digital? As empresas alegam que uma navegação personalizada de acordo com o interesse e um histórico de navegação oferece uma experiência melhor ao usuário, que estimulado da maneira correta, pode se interessar mais pelos produtos da sua marca, pelas notícias do portal vertical e, claro, por ter uma melhor experiência online, minimizando tempo de busca e aumentando o tempo da degustação digital. O trabalho duro de encontrar as informações e exibir aquilo que o usuário deseja naquele momento fica por conta dos algoritmos, enquanto o usuário ganha mais tempo para se dedicar a trabalhar e pensar melhor em cima daquilo que ele encontrou. Se na pós-modernidade não existe tempo nem para algumas tarefas triviais do cotidiano, a internet não poderia funcionar de uma forma diferente. Por outro lado, se informação é poder, essa concentração de algumas empresas sobre o tratamento dos dados pessoais, históricos de navegação,

25 comportamentos através desses algoritmos e sua personalização norteiam muito das mudanças que ainda virão. Outro exemplo, desse modo, é a discussão sobre o Kindle que alimenta a Amazon, sobre as páginas de um livro na qual o leitor destaque ou ignore, não só vai gerar futuras recomendações da própria Amazon, mas sim a criação de novos tipos de livros em um formato que irá ajustar o comportamento de manipulação de informações, ou seja, não somente a manipulação do que lemos, vai mudar o que e como está escrito. O futuro da personalização é movido por um cálculo econômico simples. Os sinais sobre o nosso comportamento social e o poder computacional necessário para analisá-los estão se tornando cada vez mais baratos. E, com o colapso desses custos, surgem estranhas possibilidades. Tomemos, por exemplo, o reconhecimento fácil. Usando o Moris, um aplicativo do Iphone que custa 3 mil dólares, a polícia de Brockton, no Massachusetts, pode tirar uma foto de um suspeito e verificar sua identidade e ficha criminal em segundos. Se marcarmos algumas fotos no Picasa, o software já é capaz de identificar quem é quem numa coleção de fotos. E segundo Eric Schmidt, o mesmo vale para o estoque de imagens do Google para toda rede. Se você nos der catorze imagens suas Nós conseguiremos encontrar outras imagens suas com precisão de 95% (PARISIER, 2011, p. 173) O ciberespaço, então, se caracteriza pela liberação do polo da emissão e passa pelo princípio da conexão em rede (dependente da tecnologia). A reformulação dos espaços midiáticos e sociais (relações de passividade dão lugar para a reação). Este tripé emissão, recepção e reconfiguração muda a relação espaço/tempo. Consome informação independente do tempo/espaço e já caracteriza certa dependência da sociedade dessa nova forma de interação. Sim, todos têm uma suposta autonomia e uma navegação cada vez mais personalizada, mas nas redes, tudo pode ser controlado e servirá para um bem maior por trás que, provavelmente, continua a serviço do capital e do sistema vigente. Ou seja, a estrutura de redes está ligada ao sistema e não dá essa autonomia aos indivíduos idealizada nos primórdios da internet. Mas as vantagens e desvantagens dessa nova forma de navegar na internet é o assunto do próximo capítulo.

26 4. Resultados por interesse e comportamento. As vantagens da navegação personalizada por trás dos algoritmos e a criação dos filtros bolha-online Como passamos pelas mudanças provocadas pela internet, desde sua idealização, a modificação dos paradigmas da comunicação, o caos informacional provocado pelo excesso de informação, é hora de entender de fato as vantagens e desvantagens de uma navegação permeada pelos algoritmos. Oras, com esta quantidade de conteúdo e uma vontade crescente do usuário em encontrar as informações que busca cada vez mais rapidamente, seria natural que os algoritmos passassem a levar em consideração o padrão de navegação do usuário. De fato, com a explosão informacional, a necessidade crescente da recuperação da informação passou, de vez, a ser prioridade, perpassando tecnologias cada vez mais inteligentes para satisfazer o usuário. Em meio ao enorme volume informacional espalhado na internet, as ferramentas de busca representam um meio para localizar as informações de forma rápida e precisa. Na navegação por filtros, esse processo se torna ainda mais rápido, já que a ferramenta que está sendo utilizada já absorve resultados e experiências anteriores para refinar o seu resultado. 4.1. As vantagens dos algoritmos Johnson (2011) destaca que o ser humano está cada vez mais objetivo. Ele não precisa ficar oras folheando um livro ou vasculhando uma biblioteca para encontrar o material que ele precisa. Tudo fica a praticamente um clique ou uma busca de distância e a informação ou o conteúdo que você precisa estará na sua frente. Darlin (2013, apud JOHNSON, 2013, p. 99) discorre sobre as vantagens que a navegação personalizada proporcionada pelos algoritmos oferece para a sociedade: tudo que precisamos saber nos chega filtrado e avaliado. Estamos descobrindo o que todos os outros estão aprendendo, e em geral, a partir de pessoas que selecionamos porque compartilhamos os nossos gostos.

27 Como propagado, nada melhor do que receber a indicação de um amigo sobre determinado produto ou serviço do que uma propaganda. Estudos mostram que uma indicação virtual de uma fonte confiável tem um poder de persuasão maior do que as mídias tradicionais e os filtros acabam te ajudando a encontrar opiniões e comportamentos semelhantes ao seu para que a opinião de outrem possa ajudar ainda mais a formar a sua própria. Johnson cita, ainda, que os filtros são uma adição de segunda geração à arquitetura da web. Com ruído demais, informação demais, os filtros foram inventados porque a rede propiciou diversidade e surpresa demais, não de menos. 4.2. As desvantagens dos algoritmos Por outro lado, é possível observar que o feed do Facebook, a busca do Google, as notícias do Yahoo! e até instrumentos mais intrusivos como o navegador da Phorm parecem estar a serviço do lucro e do capital como pode ser visto na afirmação de Brian Nolan, líder de marketing e produtos do Facebook: Como na TV, em buscas, jornais, rádios e qualquer outra plataforma virtual de marketing, o Facebook é bem mais efetivo quando empresários usam mídias pagas para ajudar a atingir suas metas da mesma forma, mídias pagas na rede social permitem às marcas alcançar audiências mais amplas de maneira mais previsível e com muito mais precisão do que com conteúdos orgânicos. (ITFORUM 365, 2014) E se a internet de muitos se torna a internet de um só, a sua internet, programada e orientada apenas para o seu perfil, não criaremos verdadeiros alienados e voltaremos à Teoria da Bala Mágica? Afinal, sem poder de escolha, com uma possibilidade menor de conhecer o outro lado da moeda e bombardeado por informações definidas por algoritmos que escolhem aquilo que você pode/deve ver, qual será a real capacidade de interlocução, discussão e rompimento das estruturas de poder vigentes? Um ciclo perigoso e vicioso que começa a se formar e que segue invisível para a maioria das pessoas. Portanto, a comunicação digital ao tentar criar filtros e uma navegação personalizada sob a justificativa de entregar aquilo que você gosta, da maneira que

28 você gosta, cria o que Pariser (2011) chamou de filtros bolha-online e deixamos de ter acesso às informações capazes de desafiar ou ampliar nossa visão de mundo. Pariser (2012) se concentra no aspecto atual do desenvolvimento do software, na personalização e nos maiores casos dos algoritmos implantados pelo Google, Facebook, Amazon, Yahoo! e outras empresas na relação uso x coleta de dados dos usuários, onde cada vez mais as pessoas confiam em recomendações de colegas de suas redes sociais para obter dados de notícias, conselhos, etc... criando um aproveitamento e circulação de dados pessoais para interesses comerciais que muda profundamente não só o que temos atualmente, mas sem saber principalmente o que podemos experimentar no futuro. As tecnologias estão cada vez mais sofisticadas até o ponto onde duas buscas por duas pessoas usando exatamente os mesmos termos, podem render resultados substancialmente diferentes. Com base na sua localização, seu histórico de pesquisa anterior e outras, ou seja, o Google decide o que pode ser mais interessante e servir em primeiro lugar. Facebook da mesma forma mostra-lhe mais conteúdo no feed de notícias de pessoas que interage com maior frequência ou sobre coisas clicadas. Pariser (Ibid, p. 88) chama de a era da personalização. Consumir informação que está de acordo com nossas ideias de mundo é fácil e prazeroso; consumir informação que nos desafia a pensar em novas formas ou questionar nossas premissas é frustrante e difícil. Um ambiente de informações construído sobre cliques favorecerá conteúdo que suporta as nossas noções existentes sobre o mundo sobre o conteúdo que os desafia. Os fabricantes dessas ferramentas se veem como oferecendo aos usuários mais do que eles querem (provavelmente tornando-os melhores produtos para vender aos anunciantes), mas o argumento central de Pariser (Ibid.) é que os usuários acabam em um mundo vicioso, com uma distorção da visão do mundo, alimentados cada vez mais pelos interesses, um mundo socialmente amigável (Ibid., p.150). Pior, argumenta o autor, está tudo acontecendo sem a maioria dos usuários realmente estar ciente disso, porque não escolhemos os critérios que os sites usarão para filtrar os diversos assuntos, é fácil intuirmos que as informações que chegam através de uma bolha de filtros sejam imparciais, objetivas, verdadeiras, especialmente por ser atrelarem aos interesses corporativos e à lógica de consumo do mundo contemporâneo.