LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - E A SÚMULA VINCULANTE Nº 31, NA INTERPRETAÇÃO DO STF



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1 LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - E A SÚMULA VINCULANTE Nº 31, NA INTERPRETAÇÃO DO STF Marilene Talarico Martins Rodrigues SUMÁRIO: Considerações Iniciais. O ISS na Constituição de 1988. Caráter Taxativo da Lista. Natureza do Tributo. O ISS e a Lei Complementar nº 116/03. A Locação de Bens Móveis. Impossibilidade Jurídica de Cobrança do ISS sobre Locação de Bens. A Locação como Serviço na LC nº 116/03. A Locação de Bens Móveis e a Súmula Vinculante nº 31, de 05.03.2010. Operações Mistas e a Súmula Vinculante nº 31/2010. Em homenagem ao Professor Ives Gandra da Silva Martins, por ocasião das comemorações de seus 80 anos de idade, dedico este estudo. Falar do homenageado é falar do dedicado e incansável professor, jurista e estudioso do direito tributário, expressão da cultura jurídica e insuperável mestre, cujas aulas muito têm contribuído para a formação dos alunos e estudiosos do direito tributário, abrindo caminhos para a formação de novos especialistas em direito tributário, ao lado de outros professores e mestres, que, nestes anos todos, conseguiu formar, com quem tenho o privilégio de conviver diariamente no escritório e discutir temas de direito, principalmente a legislação tributária, que em alguns aspectos é bastante polêmica, demandando critérios legislativos mais claros e interpretações de nossos tribunais em dar maior efetividade às normas constitucionais, que, para efeitos de maior arrecadação, muitas vezes são violadas. O interesse público pressupõe arrecadação de tributos dentro dos parâmetros constitucionais para ter condição de validade, vale dizer, de acordo com o ordenamento jurídico, respeitando o devido processo legal e as peculiaridades de cada situação jurídica. 1

2 Sempre que a Constituição é descumprida pelos entes tributantes - para efeitos de arrecadação de tributos -, o Poder Judiciário deve atuar na sua função de controle. E o homenageado tem contribuído de forma marcante, para o debate de temas de grande relevância no direito constitucional e tributário, na formação profissional de todos aqueles que desejam se aprofundar nos estudos do direito tributário. Sua preocupação é constante com as instituições e com as normas constitucionais à luz dos princípios constitucionais e com as garantias do contribuinte. Seus livros e estudos, que são bastante intensos, bem refletem o pensamento jurídico do homenageado. Além de poeta de grande sensibilidade, a sua atuação e conhecimento não se limitam ao campo de atuação jurídica, mas também em temas como economia, religião, filosofia, literatura, artes, música, enfim, é um "homem que sempre esteve à frente de seu tempo". A iniciativa dos coordenadores pela merecida homenagem deve ser aplaudida pela comunidade jurídica e, em especial, pelos alunos e estudiosos do direito tributário e por todos os integrantes do CEU. Considerações Iniciais O perfil do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS, à luz da Constituição Federal e da competência tributária atribuída aos Municípios, para instituir o imposto, tem suas normas gerais de direito tributário estabelecidas pela Lei Complementar nº 116/03, com a lista de serviços passíveis de incidência desse imposto em sua prestação. O que não pode, entretanto, ser aceito é incluir-se na lista serviços que não tenham, em sua essência, características de serviços, para efeitos de tributação, ou seja, para efeitos de maior arrecadação pretender o Município tributar aquilo que não se configura serviço, como é o caso de locação de bens móveis, no qual a Suprema Corte já teve oportunidade de examinar, como será mencionado mais adiante. 2

3 O ISS na Constituição de 1988 A Constituição Federal de 1988, ao atribuir competência aos Municípios para instituir o ISS, estabelece: "Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...) III - Serviços de qualquer natureza não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. (...) 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar: I- fixar alíquotas máximas e mínimas; II - excluir de sua incidência exportações de serviços para o exterior." O que vale dizer, os Municípios poderão exigir o ISS somente sobre serviços não compreendidos na competência dos Estados, na forma do art. 155, II, da CF, assim disposto: "Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior." Ou seja, a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação estão fora da competência tributária dos Municípios, por serem de competência dos Estados. Em relação ao ISS, cabe à lei complementar fixar as suas alíquotas máximas e excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior. O termo "serviço" significa trabalhos ou atividades economicamente mensuráveis que uma pessoa presta à outra. A expressão "de qualquer natureza" quer dizer de toda origem, de toda espécie, o que amplia o campo dos serviços tributáveis, constantes de lei complementar. 3

4 Aires F. Barreto, após examinar os princípios e normas do ISS, conclui que "serviço é a prestação de esforço humano a terceiros, com conteúdo econômico, em caráter negocial, sob regime de direito privado, mas sem subordinação, tendente à obtenção de um bem material ou imaterial" 1. O Código de Defesa do Consumidor, no 2º do seu art. 3º, define serviço como "qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista". O ISS é, portanto, imposto que recai sobre a prestação de serviços, com conteúdo econômico. Trata-se de tributo que onera determinado bem econômico imaterial (prestação de serviço), que incide sobre os serviços de qualquer natureza (art. 156, III, da CF). O conceito do que seja serviço para efeitos do ISS, considerando-se a classificação econômica dos impostos adotada pelo sistema tributário nacional, não pode ser confundido com a simples "locação de imóveis" do direito civil, nem com o objeto de "contrato de trabalho" regido pelo direito do trabalho, nem com a prestação de serviço público. Para haver prestação de serviço para efeitos do ISS, é necessário que a atividade seja realizada para terceiro, e não para si próprio, e que haja conteúdo econômico. O serviço sem conotação econômica, quando prestado a instituições filantrópicas, por exemplo, não é alcançado pelo imposto. Sergio Pinto Martins, sobre a prestação de serviços para efeitos de tributação do ISS, escreve: "Prestação de serviços é a operação pela qual uma pessoa, em troca de pagamento de um preço (preço do serviço), realiza em favor de outra a transmissão de um bem imaterial (serviço). Prestar serviços é vender bem imaterial, que pode consistir no 1 Curso de direito tributário municipal. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 317. 4

5 fornecimento de trabalho. (...) a prestação de serviços (...) presume um vendedor (prestador do serviço), um comprador (tomador do serviço) e um preço (preço do serviço). O que interessa, no conceito de serviço, é a existência de transferência onerosa, por parte de uma pessoa a outra, de bem imaterial que se acha na movimentação econômica." 2 O ISS tributa a "prestação de serviços de qualquer natureza, definidos em lei complementar, na qual ocorre a circulação de um bem imaterial, na etapa de circulação econômica, que se considera serviço de qualquer natureza" 3. A Lei Complementar nº 116/03 estabeleceu as normas gerais de direito tributário e disciplinou a matéria, definindo a lista de serviços passíveis de incidência do ISS. Caráter Taxativo da Lista A questão da taxatividade da lista de serviços sempre foi objeto de grandes divergências na doutrina, desde o início da instituição do imposto, com duas correntes doutrinárias, envolvendo opiniões de respeitáveis juristas e estudiosos da matéria: uma corrente defendia a taxatividade da lista de serviços; a outra corrente defendia que a lista era exemplificativa. A primeira corrente, defendida por Rubens Gomes de Souza, Ruy Barbosa Nogueira, Gilberto de Ulhôa Canto e Ives Gandra da Silva Martins, entre outros, entendia que a vedação do emprego da analogia no campo do direito material (art. 108, 1º, do CTN) impunha a taxatividade da lista. A segunda corrente, defendida por Geraldo Ataliba, José Souto Maior Borges e Aires F. Barreto, aliados a outros tributaristas, sustentava a impossibilidade de a legislação infraconstitucional limitar competência tributária que a Constituição Federal outorgou aos Municípios. 2 Manual do ISS. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 40. 3 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e prática do ISS. 3. ed. São Paulo: RT, 1984. p. 84. 5

6 As duas correntes doutrinárias apresentavam argumentos jurídicos sólidos para interpretação da matéria. O Supremo Tribunal Federal, ao examinar o RE 69.780, entendeu, entretanto, ser taxativa a lista de serviços, ao decidir: "IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS. DEPÓSITOS BANCÁRIOS. O depósito bancário não constitui serviço capaz de surgir como fato gerador do tributo municipal. (...) examinando-se os serviços constantes dessa lista, força é convir que nela não se encontra o depósito bancário, aliás, não constitui serviço, em si, capaz de surgir como fato gerador do tributo municipal." (Publicado na RDA 105/109) Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal entendeu que, embora taxativa, a lista não exclui a admissibilidade do processo interpretativo de cada um de seus itens, não podendo, porém, servir de pretexto à aplicação analógica, como será demonstrado na sequência. A lista de serviços é taxativa, não podendo ser ampliada por analogia, a teor do princípio da legalidade estabelecido pela Constituição Federal (art. 150, I) e do art. 97 do CTN (somente a lei pode estabelecer a instituição de tributos, ou a sua extinção), que, também, no seu art. 108, 1º, preceitua: "O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei". A obrigação tributária é ex lege e de caráter compulsório. A competência tributária dos Municípios, atribuída pela Constituição Federal, para instituir e cobrar o ISS, está limitada à lista de serviços, que, em lei complementar, define quais as hipóteses, taxativamente, sujeitas ao imposto. O princípio da legalidade estrita não permite a interpretação analógica para estabelecer obrigação tributária e definir fato gerador. A lista de serviços definida pela LC nº 116/03, a exemplo da anterior (LC nº 56/87), em diversos itens utilizou as expressões "congêneres" e "de qualquer 6

7 natureza", o que resultou em controvérsias na interpretação, no sentido de que outros serviços poderiam ser tributados, desde que fossem semelhantes àqueles contidos no mesmo item, porém, dando margem a interpretações e incertezas, restando violado o princípio da segurança jurídica. A propósito, o Supremo Tribunal Federal decidiu que não cabe interpretação analógica para estabelecer obrigação tributária e definir fato gerador, embora em cada item se possa utilizar a interpretação, com o fim de aclarar a norma tributária, em relação à lista, conforme se lê da ementa do seguinte julgado: "A questão foi decidida em embargos infringentes, em acórdão cuja ementa assevera (fl. 172): ISS. Taxatividade da lista geral. Admissibilidade do processo interpretativo, vedando-se, entretanto, o recurso à analogia. Admissível embora o uso da interpretação, com o fim de aclarar a norma tributária emissora da lista de serviços, não é legítimo dar-lhe utilização de tal modo extensiva que acabe por servir de pretexto à aplicação da analogia, valendo aí o eufemismo como estratégia para a administração considerar hipótese de incidência do ISS atividade não compreendida na legislação própria. Nesse caso, a violação ao princípio da taxatividade da lista afigura-se evidente. Improvimento dos embargos. "(RE 114.354/RJ, Rel. Min. Carlos Madeira, DJ 04.12.87) Portanto, a lista de serviços a que se refere a Constituição Federal (art. 156, IV) e a LC nº 116/03 é taxativa 4. O Município não pode fazer incidir o ISS sobre serviços dela não constantes. Os serviços tributados pelo ISS são os que integram a lista. Não estão no campo de incidência os serviços que estejam compreendidos na competência tributária dos Estados. 4 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário. atual. por Misabel Derzi. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 500, escreve: "A lista é taxativa. O CTN, no art. 71, já revogado, depois de referir-se especialmente a algumas categorias de serviços, abrangia, de modo genérico, todos os demais numa cláusula bastante compreensiva: demais formas de fornecimento de trabalho com ou sem utilização de máquinas, ferramentas e veículos (art. 71, 1º, VI). Assim, a regra geral e clara era a de que todo serviço, menos o de transportes e comunicações da União, ou os reservados por lei complementar aos Estados, poderia ser tributado pelos Municípios, desde que prestado por empresa ou trabalhador autônomo. São inconstitucionais os dispositivos municipais que tributam todo e qualquer serviço não previsto na lista do Decreto-Lei nº 834 (atualmente LC nº 116/03)." 7

8 Não se trata de cercear ou impossibilitar a receita dos Municípios, mas retirar da competência municipal a discricionariedade na escolha dos serviços ou na alíquota aplicável. Em outras palavras, o que há de ser onerado não obedecerá ao "peculiar interesse local", mas ao interesse geral da nação, definido em lei complementar, que estabelece normas gerais de direito tributário, arrolando os serviços que podem ser objeto de exigência do ISS, na forma aprovada pelo Congresso, exigindo-se quórum de maioria absoluta (art. 69 da CF). Com o advento da Constituição Federal de 1988, como foi conferida maior autonomia aos Municípios, que passaram a fazer parte da Federação, corrente doutrinária passou a defender a não exaustividade da lista de serviços, reabrindo a discussão. A lista de serviços seria apenas exemplificativa, não podendo os serviços serem relacionados de forma taxativa, pois isso implicaria em violação à autonomia dos Municípios 5. Hugo de Brito Machado sustenta a taxatividade da lista de serviços, ao argumento de que "a Constituição Federal atribui aos Municípios competência para tributar somente os serviços de qualquer natureza que a lei complementar defina. Não se trata, portanto, de uma limitação imposta pela lei complementar. Na verdade, a competência que a Constituição atribui aos Municípios tem, desde logo, o seu desenho a depender de lei complementar" 6. Assim, se de um lado a Constituição atribui competência aos Municípios para legislar sobre assuntos locais (art. 30) e para instituir o ISS (art. 156, III), de outro lado determinou que cabe à lei complementar definir os serviços para efeitos de incidência do ISS, não podendo, portanto, ser exemplificativa referida lista. A jurisprudência de nossos tribunais, ao examinar a questão, mesmo após a Constituição de 1988, acolheu o entendimento, segundo o qual a lista é taxativa. Como observa Misabel Derzi: 5 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988. Sistema Tributário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 263/266. 6 Curso de direito tributário. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 391-392. 8

9 "(...) prevaleceu, na jurisprudência de nossos tribunais superiores, a posição restritiva à autonomia dos Municípios, que qualificou a lista de serviços de taxativa, abrigando os únicos e específicos serviços tributáveis pelo ISS. Mesmo após o advento da Constituição de 1988, a maior parte da doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores posicionaram-se em favor da taxatividade da lista de serviços. Defenderam esse último ponto de vista Rubens Gomes de Sousa, Ruy Barbosa Nogueira, Aliomar Baleeiro, José Afonso da Silva, Ives Gandra da Silva Martins, Gilberto Ulhôa Canto e outros (...). Jurisprudência recente do STJ tem confirmado esse entendimento da taxatividade da lista de serviços e da tendência do ICMS sobre operações de circulação de mercadorias, ainda que acompanhadas de prestações de serviços, não relacionados naquela lista." 7 A ausência de um determinado serviço na lista anexa à Lei Complementar nº 116/03, portanto, resulta na impossibilidade de tributação desse serviço pelos Municípios, mediante incidência do ISS. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo pela taxatividade da lista de serviços e pela impossibilidade de ampliação, mediante integração analógica da referida lista, conforme REsp 514.675, Segunda Turma. O certo, todavia, é que a nova Lei Complementar nº 116/03, a exemplo da anterior, não conferiu ao legislador local a faculdade de preencher as lacunas da lei, completando o rol dos serviços "congêneres", por analogia, com serviços não constantes expressamente na lista. Natureza do Tributo O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) é um tributo de competência municipal, embora a sua estrutura esteja disciplinada em legislação 7 Misabel Derzi, em notas de atualização à obra Direito Tributário Brasileiro, de: BALEEIRO, Aliomar. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 502-203. 9

10 complementar federal de âmbito nacional. Assim, cada Município brasileiro estabelece normas legais relativas ao ISS com base na legislação complementar, que estabelece normas gerais, ou seja, de modo que não conflite com esta, a teor do art. 146, I e III, da CF/88, assim disposto: "Art. 146. Cabe à lei complementar: I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (...) III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos referidos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários." A lei complementar é o instrumento necessário para evitar conflito de competências na instituição do referido Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, eis que o ISS é imposto que pode ter reflexos em outros Municípios. Desta forma, a Constituição atribuiu competência aos Municípios para instituir o ISS (art. 156, III), mas determinou que os serviços deveriam estar definidos em lei complementar. Além disso, determinou que cabe à lei complementar dispor sobre conflitos de competências em matéria tributária e estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária (art. 146, I e III). O ISS e a Lei Complementar nº 116/03 A Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, publicada no DOU de 01.08.03, trouxe nova disciplina para o ISS - Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, estabelecendo as normas gerais de direito tributário, a partir das quais cada Município brasileiro instituiu a sua legislação ordinária. 10

11 Ao estabelecer as normas gerais de regência do ISS, a Lei Complementar nº 116/03 ampliou a lista de serviços tributáveis pelo ISS, praticamente dobrando o número de itens, com o acréscimo de serviços antes não alcançados pelo ISS. Também adotou nova técnica para a lista de serviços, pois consignou em cada item o gênero seguido dos subitens em espécies. O rol dos serviços constantes da lista anexa à LC nº 116/03 foi ampliado, em relação à legislação anterior (LC nº 56/87), para 40 itens (gênero) que foram subdivididos em 190 subitens (espécie), com especificação exaustiva dos serviços tributáveis pelo ISS. Cada Município, portanto, adotou a técnica que julgou melhor para a cobrança do ISS, limitado apenas pelos textos da lei suprema e da lei complementar, sendo que os itens do gênero dos serviços são apenas indicativos dos mesmos e os subitens são realmente os serviços tributáveis pelo imposto municipal, não podendo os Municípios acrescentarem serviços não constantes da lista anexa à Lei Complementar nº 116/03. Feitas essas considerações sobre o perfil do ISS à luz da Constituição Federal e na Lei Complementar nº 116/03, que estabelece as normas gerais de direito tributário, a partir das quais cada Município passou a legislar sobre o ISS e expedir normas de sua competência para disciplinar o imposto, passamos a examinar, especificamente, a questão. A Locação de Bens Móveis preceitua: O conteúdo material de locação de bens é disciplinado pelo Código Civil, que "Art. 565. Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição." Maria Helena Diniz, ao comentar esse dispositivo do Código Civil, escreve: 11

12 "Locação de coisas: a locatio conductio rerum ou locação de coisas é o contrato pelo qual uma das partes (locador) se obriga a ceder à outra (locatário), por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa infungível, mediante certa remuneração, designada aluguel." 8 Continua a ser regulada pelo Código Civil e pelas leis especiais a locação de prédio urbano, que é regida pela Lei nº 8.245, de 18.10.91, na forma do art. 2.036 do Código Civil, que preceitua: "Art. 2.036. A locação do prédio urbano, que esteja sujeita à lei especial, por esta continua a ser regida." A Lei nº 8.245/91 exclui de sua abrangência determinadas locações, que serão disciplinadas pelo Código Civil no que for cabível, e por leis especiais, tais como imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas, que continuam a ser regidas pela legislação que lhes é própria. A locação, portanto, é regida pelo Código Civil e por leis especiais. Consiste em obrigação de dar, que não se confunde com a prestação de serviços que consiste em obrigação de fazer. Assim, as obrigações que se estabelecem entre as partes é que qualificam o serviço. É necessário que se identifique a natureza da obrigação que dará ensejo à tributação pelo ISS. O fato de constar na lista de serviços determinado serviço que em sua essência não se configura como tal não pode ser objeto de incidência de ISS, como é o caso de locação de bens, que foi vetado (LC nº 116/03). A teoria geral do direito das obrigações deixa claro que há duas espécies de obrigações: a) obrigações em que a prestação consiste em dar alguma coisa 8 Código Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 399. 12

13 (obrigação de dar); e b) obrigações em que a prestação consiste em fazer ou não fazer algo em prol ou contra outrem (obrigação de fazer ou não fazer). Washington de Barros Monteiro ensina: "(...) a obrigação de dar coisa certa, que consiste no vínculo jurídico pelo qual o devedor fica adstrito a fornecer ao credor determinado bem, perfeitamente individualizado, que tanto pode ser móvel como imóvel. A coisa certa há de constar de objeto preciso, que se possa distinguir, por características próprias, de outros da mesma espécie, a ser entregue pelo devedor ao credor, no tempo certo e pelo motivo devido. (...) Nas obrigações de fazer, a prestação consiste num ato do devedor, ou num serviço deste. Qualquer forma de atividade humana, lícita e possível, pode constituir objeto da obrigação. Os atos ou serviços, que se compreendem nas obrigações de fazer, se apresentam sob as mais diversas roupagens: trabalhos manuais, intelectuais, científicos, artísticos." 9 Como se observa, as obrigações de dar e de fazer são institutos distintos que não se confundem. As obrigações de dar estão definidas no art. 233 do Código Civil, e, conforme ensina Maria Helena Diniz, "na obrigação de dar, a prestação do obrigado é essencial à constituição ou transferência do direito real sobre a coisa" 10. Já nas obrigações de fazer são concretizadas mediante prestações de serviços (arts. 593 e ss. do CC). Mais adiante, observa a autora que "o objeto da prestação de serviços é uma obrigação de fazer, ou seja, a prestação de uma atividade lícita, não vedada pela lei e pelos bons costumes, oriunda da energia humana aproveitada por outrem, e que pode ser material ou imaterial" 11. 9 Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1970. p. 120. 10 Código Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 220. 11 Ob. cit., p. 415-416. 13

14 A locação de bens é inconfundível com a prestação de serviços. A "característica da locação é o regresso da coisa locada a seu dono, ao passo que o serviço prestado fica pertencendo a quem o pagou e não é suscetível de restituição" 12. A lei tributária não pode confundir locação de bens com prestação de serviços, para efeitos de incidência do ISS, porque cada qual configura tipo distinto de obrigação. Com efeito, como já demonstrado, a Constituição Federal atribui aos Municípios competência somente para tributar a prestação de serviços constantes da lista de serviços, na forma estabelecida no seu art. 156, inciso III. Aires F. Barreto observa que "o cabimento do ISS decorre de prestação de serviço efetuada, e não de utilidade recebida. O que é objeto da tributação é o esforço humano (fazer para terceiros), independentemente da utilidade que ele possa proporcionar. À guisa de exemplo, é irrelevante se o tomador do serviço de diversão pública a tem por útil ou inútil: se diante de uma sessão de cinema ri, chora ou dorme; se o desfecho de atuação médica conduz à cura ou à morte do paciente. O que sobreleva é apenas a existência do fazer em que o serviço consiste" 13. Ora, se o serviço é "esforço humano prestado a outrem, em caráter negocial, sob regime de direito privado", tendente a produzir uma utilidade material ou imaterial, resta claro que desse conceito fica excluída a locação de coisas. A locação configura obrigação de dar, enquanto a prestação de serviços configura obrigação de fazer, sendo duas espécies inconfundíveis, razão pela qual torna-se inconstitucional pretender ampliar o conceito de serviço de modo a atingir a locação. 12 GOMES, Orlando. Contratos. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense. p. 264. 13 ISS na Constituição e na lei. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2009. p. 165. 14

15 Se a locação de coisa dá origem a aluguel ou renda, o Município não pode tributar esse fato, pois implica invasão de competência expressa da União para instituir o imposto sobre a renda (art. 153, III). Nem se alegue que a locação foi definida pela lei complementar como serviço tributável pelo Município, atendendo a previsão constitucional da parte final do art. 156, inciso III, da CF. Primeiro porque a Constituição Federal é rígida, não podendo ser modificada pela lei complementar. É a lei complementar que deve obediência à Constituição, e não a Constituição que deve subordinar-se à lei infraconstitucional. Segundo porque a lei complementar não pode definir como serviço o que serviço não é. A lei complementar, ao estabelecer as normas gerais de direito tributário, juntamente com a lista de serviços passíveis de tributação, não pode definir serviços que não tem essa natureza, como é o caso da locação. A sua função é de disciplinar e explicitar a matéria definida pela Constituição, sem, contudo, de alguma forma, pretender alterá-la. Aliomar Baleeiro adverte que: "A lei tributária supre a Constituição, mas não a substitui. Se esta institui um tributo, elegendo para fato gerador dele um contrato, ato ou negócio jurídico, o legislador não pode restringir, por via complementar, o campo de alcance de tal ato ou negócio nem dilatá-lo a outras situações. A menção constitucional fixa rígidos limites. Atos de transmissão de propriedade imóvel, por exemplo, são os de direito privado. Todos eles. Nenhum outro senão eles. As tentações mais frequentes, a julgar pela experiência no regime das Constituições anteriores, provisão dos legisladores estaduais e municipais para alargamento das respectivas competências." 14 14 Direito tributário brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 444. 15

16 Não cabe, portanto, aos Municípios pretender alargar os serviços constantes da lista para tributar a locação de bens móveis ou imóveis, que são institutos regidos pelo direito privado. Com efeito, o art. 110 do CTN, de forma clara, determina: "Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias." A Constituição Federal impede a exigência de ISS sobre algo que não se configura serviço e o art. 110 do CTN impede que o legislador tributário altere a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos de direito privado para efeitos de tributação. Em outras palavras, o direito tributário, quando se utiliza de conceitos do direito privado, não pode alterar seu conteúdo ou significado, para efeitos de ensejar eventual tributação de ISS, nos termos do art. 110 do CTN. Prestar serviço significa ato ou efeito de servir. É o mesmo que prestar trabalho ou atividade a terceiro, mediante remuneração, que resulta na obrigação de fazer, portanto, não poderá ser confundido com simples "locação de serviços" do direito civil. Do exame da lista de serviços anexa à LC nº 116/03, pode-se constatar que alguns subitens contemplam como tributáveis serviços que não poderiam ser assim considerados. É o caso, por exemplo, dos subitens do item 3, que se referem a "serviços prestados mediante locação, cessão de direito de uso e congêneres". Em relação à locação de bens móveis, já existe firme posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que, em sessão plenária, decidiu pela: Impossibilidade Jurídica de Cobrança do ISS sobre Locação de Bens 16

17 "Recurso Extraordinário 116.121-3/SP Relator: Min. Octávio Gallotti Relator do Acórdão: Min. Marco Aurélio de Mello Tributo. Figurino constitucional. A supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos. Impostos Sobre Serviços. Contrato de locação. A terminologia constitucional do Imposto Sobre Serviço revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável - art. 110 do Código Tributário Nacional." Nesse julgado, merece destaque o seguinte trecho do voto do Ministro Marco Aurélio de Mello: "Em face do texto da Constituição Federal e da legislação complementar de regência, não tenho como assentar a incidência do tributo, porque falta o núcleo dessa incidência, que são os serviços. Observem-se os institutos em vigor tal como se contêm na legislação de regência. As definições de locação de serviços e locação de móveis vêm-nos do Código Civil e aí o legislador complementar, embora de forma desnecessária e que somente pode ser tomada como pedagógica, fez constar no Código Tributário o seguinte preceito: Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias. O preceito veio ao mundo jurídico como um verdadeiro alerta ao legislador comum, sempre a defrontar-se com a premência do Estado na busca de acréscimo de receita. Relembrem-se as noções dos referidos contratos, de que cuidam os arts. 1.188 e 1.216 do Código Civil de 1916: 17

18 Art. 1.188. Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado, ou não, o uso e gozo de coisa fungível, mediante certa retribuição. (...) Art. 1.216. Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição. (...) O conteúdo político de uma Constituição não é conducente ao desprezo do sentido vernacular das palavras, muito menos ao do técnico, considerados institutos consagrados pelo direito. (...) Em síntese, há de prevalecer a definição de cada instituto, e somente a prestação de serviços, envolvido na via direta o esforço humano, é fato gerador do tributo em comento, prevalece a ordem natural das coisas cuja força surge insuplantável; prevalecem as balizas constitucionais e legais, a conferirem segurança às relações Estado-contribuinte; prevalece, afim, a organicidade do próprio direito, sem a qual tudo será possível no agasalho de interesses do Estado, embora não enquadráveis como primários." Nesse julgado, o Ministro Celso de Mello destacou: "A qualificação da locação de bens móveis como serviço, para efeito de tributação municipal mediante incidência do ISS, nada mais significa do que a inadmissível e arbitrária manipulação, por lei complementar, da repartição constitucional de competências impositivas, eis que o ISS somente pode incidir sobre obrigação de fazer, a cuja matriz conceitual não se ajusta a figura contratual da locação de bens móveis. Cabe advertir, neste ponto, que a locação de bens móveis não se identifica e nem se qualifica, para efeitos constitucionais, como serviço, pois esse negócio jurídico - considerados os elementos essenciais que lhe compõem a estrutura material - não envolve a prática de atos que consubstanciam um praestare ou um facere. Na realidade, a locação de bens móveis configura verdadeira obrigação de dar, como resulta claro do art. 1.188 do Código Civil de 1916: Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado, ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição." (grifei) 18

19 Assim, o simples fato de constar na lista de serviços locação de bens móveis não poderá ser objeto de exigência do ISS, na interpretação da Suprema Corte (esse julgado foi proferido na vigência da LC nº 56/87 - DL nº 406/68). A Locação como Serviço na LC nº 116/03 O item 3 da lista de serviços menciona: "3 - Serviços prestados mediante locação, cessão de direito e congêneres. 3.01 - (Vetado) 3.02 - Cessão de direito de uso de marcas e de sinais de propaganda. 3.03 - Exploração de salões de festas, centro de convenções, escritórios virtuais, stands, quadras esportivas, estádios, ginásios, auditórios, casas de espetáculos, parque de diversões, conchas e congêneres, para realização de eventos ou negócios de qualquer natureza. 3.04 - Locação, sublocação, arrendamento, direito de passagem ou permissão de uso, compartilhado ou não, de ferrovia, rodovia, postes, cabos, dutos e condutos de qualquer natureza. 3.05 - Cessão de andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário." Como se observa, todos os subitens constantes do item 3 da lista descrevem "serviços prestados mediante locação, cessão de direitos de uso e congêneres". O veto presidencial ao subitem 3.01 da lista deveria abranger todo item 3 com os subitens 3.02, 3.03, 3.04 e 3.05. Considerando o entendimento do Supremo Tribunal Federal, no RE 116.121/SP, o Presidente da República vetou o item 3.01 da lista anexa à LC nº 116/03, com a seguinte justificativa: "O STF concluiu julgamento de recurso extraordinário interposto por empresa de locação de guindastes em que se discutia a constitucionalidade da cobrança do ISS sobre a locação de bens móveis, decidindo que a expressão locação de bens 19

20 móveis constante do item 79 da lista de serviços a que se refere o Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968, com a redação da Lei Complementar nº 56, de 15 de dezembro de 1987, é inconstitucional. O Recurso Extraordinário 116.121/SP, votado unanimemente pelo Tribunal Pleno, em 11 de outubro de 2000, contém linha interpretativa no mesmo sentido, pois a terminologia constitucional do imposto sobre serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo a contrato de locação de bem móvel. Em direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável. Em assim sendo, o item 3.01 da lista de serviços anexa ao projeto de lei complementar ora analisado fica prejudicado, pois veicula indevida (porque inconstitucional) incidência do imposto sob locação de bens móveis." 15 Assim, o veto presidencial ao item 3, subitem 3.01, tem apoio no entendimento da Suprema Corte, segundo o qual a locação de bens móveis não constitui serviço. Por esta razão, deveriam ser alcançados pelo veto também os subitens 3.02, 3.03, 3.04 e 3.05, ou seja, todo o item 3 da lista de serviços anexa à LC nº 116/03, além do subitem 15.03, que menciona "locação e manutenção de cofres particulares, de terminais eletrônicos, de terminais de atendimento e de bens e equipamentos em geral". Hugo de Brito Machado, quanto à invalidade dos subitens não vetados pelo Presidente da República, assevera que: "Mesmo não alcançados pelo veto presidencial, os subitens 3.02, 3.03, 3.04 e 3.05 são desprovidos de validade, porque inconstitucionais, pela mesma razão que levou o Supremo Tribunal Federal a declarar a inconstitucionalidade do item 79 da antiga lista. (...) 15 Razões de veto do Presidente da República - DOU 01.08.03. 20

21 Além do item 3, com todos os seus subitens, outros itens da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03 também são desprovidos de validade jurídica porque conflitantes com a norma da Constituição que atribui competência aos Municípios para a instituição de Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza. O item 15.03, por exemplo, descreve locação e manutenção de cofres particulares, de terminais eletrônicos, de terminais de atendimento e de bens e equipamentos em geral. No que submete ao imposto atividade que não consubstancia serviço, extrapola a norma da Constituição Federal, atributiva de competência aos Municípios." 16 O veto presidencial, em sua fundamentação, é incensurável, mas insuficiente para compatibilizar a lista de serviços com o entendimento da Suprema Corte e, assim, evitar litígios que certamente surgirão. Como bem consignou o Ministro Marco Aurélio de Mello, em seu voto, no RE 116.121-3/SP: "Em face da Constituição Federal e da legislação complementar de regência, não tenho como assentar a incidência do tributo, porque falta o núcleo dessa incidência que são os serviços. (...) As definições de locação de serviços e de locação de bens móveis vêm-nos do Código Civil e aí o legislador complementar, embora de forma desnecessária que somente pode ser tomada como pedagógica, fez constar o art. 110 do Código Tributário Nacional." Tanto que o STF expediu a Súmula Vinculante nº 31, com o seguinte verbete: "É inconstitucional a incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS sobre operações de locação de bens móveis." 16 O ISS e a locação ou cessão de direito de uso. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O ISS e a LC nº 116/03. São Paulo: Dialética, 2003. p. 125/139. 21

22 A Locação de Bens Móveis e a Súmula Vinculante nº 31, de 05.03.2010 A Súmula Vinculante nº 31/2010 teve como origem a proposta de Súmula Vinculante nº 35/2010 - (PSV-35), apresentada pelo Ministro Joaquim Barbosa, com a seguinte redação original: "É inconstitucional a incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS sobre operações de locação de bens móveis dissociados da prestação de serviços." Como se pode ver, do confronto entre o texto da proposta original e aquele que foi aprovado unanimemente pelo Plenário do STF, o primeiro restringia a aplicação da súmula à locação de bens móveis dissociada da prestação de serviços, enquanto este último não fez tal restrição. A modificação na redação ocorreu por iniciativa do Ministro Cezar Peluso e teve como objetivo expresso a extensão da aplicabilidade da súmula às situações em que a locação de bens móveis é acompanhada da prestação de serviços, como se pode verificar no seu voto condutor: "Veja bem: estamos afirmando que é inconstitucional quando incide sobre locação de móveis, mas só quando é dissociada da operação de serviço. Quando foi associada, cabe imposto? Não. Então, a referência à dissociada é desnecessária, porque, quando associada, também não incide. Quando há contrato de locação de móveis e, ao mesmo tempo, prestação de serviço, a locação de móveis continua não suportando o imposto; o serviço sim. Se não tiver nenhuma ligação com prestação de serviço, também continua não suportando; não há incidência. Noutras palavras, o dissociada aí realmente é inútil e pode gerar dúvida. E, quando for associada, está sujeita ao Imposto Sobre Serviço? A meu ver, com o devido respeito, não há prejuízo algum no sentido das inúmeras decisões, se for cortada a expressão final dissociada da prestação de serviço. É inconstitucional a incidência sobre locação de móveis, só." 22

23 Tendo a proposta do Ministro Peluso sido aprovada por unanimidade, resta claro que a decisão sumulada pelo STF não se restringe aos casos em que a locação de bens não é acompanhada de qualquer prestação de serviços. Referida Súmula Vinculante nº 31/2010 teve como origem vários precedentes do STF, sendo o leading case o julgamento do Recurso Extraordinário 116.121/SP, relatado pelo Ministro Marco Aurélio, conforme antes transcrito. No referido precedente (RE 116.121/SP), o Município de Santos pretendia cobrar ISS sobre a locação de guindastes com base do item 79 da lista de serviços anexa ao DL nº 406/68, com redação dada pela LC nº 56/87, tendo o referido dispositivo sido declarado inconstitucional a partir da ideia de que o ISS envolve uma obrigação de fazer, enquanto que o contrato de locação de bens apenas uma obrigação de dar. Embora a decisão do referido julgamento tenha sido tomada por seis votos a cinco, acabou por pacificar a jurisprudência do STF a respeito da matéria, que hoje apresenta vários acórdãos unânimes nas duas turmas da Corte, que também serviram de precedente da Súmula Vinculante nº 31. Portanto, é pacífica a jurisprudência do STF pela inconstitucionalidade do item 79 da lista de serviços anexa ao DL nº 406/68, com redação dada pela LC nº 56/87, que previa a incidência do ISS na locação de bens móveis. Não foi por outra razão que o Presidente da República vetou o item 3.01 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03. Operações Mistas e a Súmula Vinculante nº 31/2010 Em 14.02.2012, a Suprema Corte, por meio de sua Segunda Turma, no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo 656.709/RS, tendo como Relator o Ministro Joaquim Barbosa (j. 14.02.2012), entendeu que na locação de bens móveis associada à prestação de serviços incide o ISS somente sobre a prestação de serviços. Não, porém, sobre a locação de bens móveis, na forma da 23

24 Súmula Vinculante nº 31, que, por sua vez, não exonera a prestação de serviços concomitante à locação de bens, do pagamento do ISS, conforme se lê da ementa: "TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA. LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS ASSOCIADA À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LOCAÇÃO DE GUINDASTE E APRESENTAÇÃO DO RESPECTIVO OPERADOR. INCIDÊNCIA DO ISS SOBRE A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE A LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS. SÚMULA VINCULANTE Nº 31. AGRAVO REGIMENTAL. 1. A Súmula Vinculante nº 31 não exonera a prestação de serviços concomitante à locação de bens móveis do pagamento do ISS. 2. Se houver ao mesmo tempo locação de bem móvel e prestação de serviços, o ISS incide sobre o segundo fato, sem atingir o primeiro. 3. O que a agravante poderia ter discutido, mas não o fez, é a necessidade de adequação da base de cálculo do tributo para refletir o vulto econômico da prestação de serviço, sem a inclusão dos valores relacionados à locação. Agravo regimental ao qual se nega provimento." Nesse julgado, do relatório e voto do Ministro-Relator, destacam-se os seguintes trechos: "O ISS, de competência municipal, incide nas operações de locação de bens móveis quando envolva também prestação de serviços. Ou seja, apenas naquelas operações exclusivamente de locação, nas quais não há um facere, mas um praestare, não há incidência do ISS. A locação de bens móveis genuína configura verdadeira obrigação de dar, como definida no art. 1.188 do Código Civil, e não uma obrigação de fazer, em que poderia ser enquadrada como uma prestação de serviço. (...) No caso em exame, a agravante reconhece expressamente que o fato gerador consistiu na locação de guindastes com operador (fl. 324) e que: Logo, é extremamente clara a Súmula Vinculante nº 31, que considera inconstitucional a incidência de ISS sobre locação quando há e quando não há prestação de serviço conjuntamente. (fl. 325). 24

25 Para justificar esse entendimento, o agravante retira do contexto uma única fala, do Ministro Cezar Peluso, durante os debates que antecederam a aprovação da súmula: O Senhor Ministro Cezar Peluso (...) Veja bem: estamos afirmando que é inconstitucional quando incide sobre locação de móveis, mas só quando é dissociada da operação de serviço. Quando for associada, cabe imposto? Não. Então, a referência à dissociada é desnecessária, porque, quando associada, também não incide [sic]. (fl. 324) Embora a Corte tenha optado por suprimir a expressão quando dissociada da prestação de serviço do texto da súmula, essa supressão foi motivada pela presunção de que ela seria redundante, pois serviria apenas para reforçar o óbvio: o tributo incide sobre a prestação de serviços, independentemente dos esforços para escamoteá-lo em contratos de locação. (...) Portanto, o que o agravante poderia ter discutido, mas não o fez, é a necessidade de adequação da base de cálculo do ISS para refletir apenas o vulto econômico da prestação de serviços, sem a parcela de retribuição relativa à locação de bem móvel. Em sentido diverso, com base em uma única fala tirada de contexto, incompleta, o agravante busca estender uma orientação evidentemente inaplicável ao caso." Assim, entendeu a Suprema Corte que a locação de bens móveis, por si só, isto é, quando "pura", não configura serviço, para efeitos de incidência do ISS e aplicação da Súmula Vinculante nº 31/2010. A incidência ocorre se houver prestação de serviços, com a locação de bens. A incidência do ISS decorre de prestação de serviços (art. 1º da LC nº 116/03). O que é objeto de tributação, portanto, é o "esforço humano (obrigação de fazer para terceiros)", independentemente da utilidade que ele possa proporcionar. De tal forma que na locação de bens móveis associada à prestação de serviços (locação de guindaste e seu operador) haverá incidência do ISS sobre a prestação de serviços, e não sobre a locação do bem móvel, devendo estar delimitado o valor da base de cálculo no contrato de locação do bem móvel (entendimento do STF - AgRg no RE com Agravo 656.709/RS). 25