Introdução: Os fenômenos

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Manifestações Hemorrágicas e Leishmaniose Visceral Dr. Edler Bruno Tavares Teles 1 Prof. Dr. Jerônimo Gonçalves de Araújo² Profa. Dra. Angela Silva 3 Profa. Dra. Rosana Cipolotti 4 Divulgação Profa. Dra. Angela Silva e Prof. Dr. Jerônimo G. de Araújo RESUMO Introdução: Os fenômenos hemorrágicos (FH), na Leishmaniose Visceral (LV), são importantes marcadores de prognóstico e de gravidade, constituindo- -se em uma importante causa de morte dentro desse grupo de pacientes. Metodologia: Estudo transversal, onde foram avaliados 31 pacientes, 20 do gênero masculino, idade média de 14,87 ± 12,38 anos, com diagnóstico de LV. Para diagnóstico foi estabelecido o encontro de Leishmania em aspirado de medula óssea, sorologia ou ainda preenchimento de critérios clínicos, como: forte epidemiologia, febre há mais de 14 dias, pancitopenia, hipoalbuminemia, hipergamaglobulinemia, esplenomegalia com remissão desses sintomas após tratamento com glucantime ou anfotericina B. De acordo com a presença ou ausência de FH, esses pacientes foram divididos em G1 e G2, respectivamente. Resultados: Evidenciou-se uma relação significativa entre fenômenos hemorrágicos, em pacientes com Leishmaniose Visceral, a média de idade em anos (11,42 de G1 vs. 20,33 de G2; p = 0,044); tempo do início dos sintomas em meses (4,19 de G1 vs. 1,94 de G2; p = 0,042) e baço em cm (12,60 de G1 vs. 7,84 de G2; p = 0,018). houve diferença entre os grupos quanto ao emagrecimento, tamanho do fígado em cm, albumina sérica (g/dl), hemoglobina (g/ dl), leucócitos (céls./mm³) e plaquetas (céls./ mm³). Conclusão: Houve uma relação entre fenômenos hemorrágicos, média do tamanho do baço, do tempo de início dos sintomas/ tratamento e da idade, nos pacientes com Leishmaniose Visceral. ABSTRACT Introduction: The hemorrhagic phenomena (HF) in Visceral Leishmaniasis (VL) are important markers of severity and prognosis, thus becoming a major cause of death in this group of patients. Methodology: Cross- -sectional study was evaluated in 31 patients, 20 males, and mean age 14.87 ± 12.38 years, 1 - Universidade Federal de Sergipe. Cremese 3.842. 2 - Professor Assistente de Doenças Infecciosas e Parasitárias UFS, Cremese 2.076. 3 - Professora Associada de Doenças Infecciosas e Parasitárias UFS, Cremese 1.168. 4 - Professora Adjunta de Hematologia UFS, Cremese 1.263. Palavras-chave: Manifestações hemorrágicas, leishmaniose visceral. Keywords: Hemorrhagic manifestations, visceral leishmaniasis. 10 Prática Hospitalar Ano XV Nº 85 Jan-Fev/2013

with a diagnosis of VL. For the diagnosis was established against Leishmania in bone marrow aspirate, serology or completing clinical criteria, such as: strong epidemiology, fever more than 14 days, pancytopenia, hypoalbuminemia, hypergammaglobulinemia, splenomegaly with remission of symptoms after treatment with glucantime or amphotericin B. According to the presence or absence of these HF patients were divided into G1 and G2 respectively. Results: There was a significant relationship between bleeding and in patients with visceral leishmaniasis, the average age in years (11.42 vs. 20.33 from G1 to G2, p = 0.044), time from onset of symptoms in months (4.19 to 1.94 G1 vs. G2, p = 0.042) and spleen cm (12.60 to 7.84 in G1 vs. G2, p = 0.018). There was no difference between the groups in terms of weight loss, liver size in centimeters, serum albumin (g/dl), hemoglobin (g/ dl), leukocytes (cells/mm³) and platelets (cells/mm³). Conclusion: There was a relationship between bleeding and mean spleen size, symptom onset time/treatment and the age, patients with visceral leishmaniasis. INTRODUÇÃO A leishmaniose visceral (LV), conhecida popularmente por calazar, é uma antropozoonose (acomete tanto o homem quanto animais domésticos e silvestres) causada por um protozoário (Leishmania chagasi, na América do Sul), transmitida pela sua forma promastigota metacíclica, originada no ciclo de vida ainda dentro do aparelho digestivo do vetor, e que tem sua patogenicidade relacionada a sua forma parasitária intracelular amastigota. Essa última forma é responsável pela resistência ao sistema imune do hospedeiro, parasitando justamente células do sistema retículoendotelial. O agente etiológico é transmitido pelo Lutzomia longipalpis, popularmente conhecido como mosquito-palha, que tem hábitos noturnos e crepusculares. Trata-se de uma doença ainda negligenciada (50% dos infectados são de baixa renda); no entanto, apresenta 12 milhões de pessoas morando em área de risco, uma incidência de 500 mil novos casos anuais em todo o mundo, concentrando 90% desses casos em apenas quatro países (Bangladesh, Índia, Brasil e Sudão). Segundo a Organização Mundial da Saúde, 65 países, em especial de regiões tropicais e subtropicais, apresentam casos novos anuais. Atingindo todas as faixas etárias, 90% são crianças. Afeta principalmente pessoas de classe baixa e imunossuprimidos (desnutridos, corticoterapia, transplantados). O período de incubação vai no geral de 2 a 6 meses, podendo durar até 24 meses. O aspecto clínico varia desde a forma assintomática até a forma crônica do calazar clássico. (1-5) No Brasil, país responsável por cerca de 90% dos casos na América Latina, pesquisas têm revelado uma queda percentual no Nordeste brasileiro, que até a década de 1990 configurava aproximadamente 90% dos casos registrados, diminuiu, enquanto as regiões Centro-Oeste e Sudeste aumentaram sua participação nacional. Até início dos anos 90, no Brasil, registrava-se, em média, por ano, cerca de 1.500 casos novos. Porém, nos últimos anos, o número de casos novos tem sido superior a 2.500 casos anuais. (6) Em Sergipe, segundo informe epidemiológico do Sistema Único de Saúde SUS, Fundação Nacional de Saúde, entre 1972 e 1998, num total de 1.874 casos, que foram agrupados por município, por década e distribuídos nas três mesorregiões sergipanas: Sertão, Agreste e Leste (litoral), a incidência anual média da LV nas décadas de 70, 80 e 90 foi, respectivamente, de 1,96, 3,37 e 7,6. O maior número de casos de leishmaniose visceral em Sergipe está em áreas de clima úmido, com índices pluviométricos acima de 1.400 mm e baixas altitudes. Nos últimos anos, têm-se observado mudanças no comportamento epidemiológico da LV, com aumento do número de casos em regiões litorâneas. Apesar disso, a doença continua sendo descrita como doença própria de clima seco com precipitação pluviométrica anual inferior a 800 mm, e de ambiente fisiográfico composto de vales e montanhas. Os municípios com maior número de casos, com exceção do município de Areia Branca, que está situado na região Agreste, estão situados na região Leste, litoral do Estado, evidenciando que desde a década de 70 a doença estava associada principalmente à região de clima úmido. (6) O comprometimento imunológico, com complicações infecciosas, e o plaquetário, com manifestações hemorrágicas, despontam como principais corroboradores do aumento progressivo da letalidade da LV. Abdelmouda et al. revelaram que os principais indicadores de prognóstico desfavorável da doença, em especial nas crianças, foram: febre > 21 dias; temperatura baixa ou normal; fenômenos hemorrágicos; hemoglobina < 5,5; albumina < 3; VHS < 25 mm/h; tempo do início dos sintomas e tempo de demora ao atendimento > 56 dias. (7) Podem ocorrer epistaxe, petéquias e sangramento gengival, entre outros fenômenos. Tais sintomas, apesar de estarem presentes desde o início do quadro, podem evoluir de forma exuberante e potencialmente fatal no estado final da doença. Daí a importância de um estudo que evidencie os efeitos deletérios da doença causando discrasia sanguínea. Os fenômenos hemorrágicos constituem importante marcador de prognóstico dos casos de LV, devendo, portanto ser melhor observado e pesquisado. (8) CASUÍSTICA E MÉTODOS Trata-se de um estudo transversal aplicado no período compreendido entre setembro de 2008 e março de 2010, no Hospital Universitário de Sergipe. Foram Prática Hospitalar Ano XV Nº 85 Jan-Fev/2013 11

considerados potencialmente elegíveis 31 pacientes de diversas faixas etárias. Os critérios de exclusão foram: o esfregaço de aspirado de medula óssea ou sorologia para leishmaniose negativos. Foram eleitos dois grupos assim definidos: o primeiro, formado por pacientes acometidos pela leishmaniose que não desenvolveram manifestações hemorrágicas, ao qual se deve denominar de G2. O segundo, principal enfoque do estudo, composto por pacientes que apresentaram algum tipo de hemorragia, denominado de G1. Foram analisadas variáveis, as quais, para melhor compreensão, foram agrupadas em três grandes categorias: dados epidemiológicos, dados clínicos e dados laboratoriais. Foram procuradas semelhanças e, principalmente, diferenças significativas entre os grupos. Os princípios éticos que regem a experimentação humana foram cuidadosamente seguidos, e todos os pacientes assinaram termo de consentimento informado. O trabalho foi autorizado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe. Avaliação clínica Ao serem diagnosticados, seja por estudo de aspirado de medula óssea, seja por sorologia, todos os pacientes foram submetidos a exame físico e a questionamentos epidemiológicos. Foram avaliados idade, gênero, procedência, prova do laço, tempo entre início dos sintomas Tabela 1. Dados descritivos na admissão dos pacientes com LV (n = 31) Variável N % Mediana (mínimo e máximo) Média (desvio padrão) Idade 11 (1 a 44) 14,87 (12,38) 0 10 11 20 21 30 31 40 41-50 14 (45,2) 07 (22,6) 05 (16,1) 04 (12,9) 01 (3,2 ) Gênero masculino 20 (64,5) Procedência: - Aracaju - Interior e outros Estados Tempo de início dos sintomas em meses 13 (41,9) 18 (58,1) Febre 25 (83,9) Manifestações hemorrágicas 12 (38,7) Prova do laço positiva 09 (29) Droga aplicada Glucantime Anfotericina B 28 (90,3) 03 (9,7) Foram avaliados idade, gênero, procedência, prova do laço, tempo entre início dos sintomas e terapêutica, tratamento, presença de fenômenos hemorrágicos e sua natureza 2 (0,5 a 20) 2,81 (3,60 ) e terapêutica, tratamento, presença de fenômenos hemorrágicos e sua natureza, febre, mal-estar, prostração, sonolência e palidez. Assim como foi questionado sobre emagrecimento, hepatoesplenomegalia e suas respectivas graduações. Laboratório Seguindo o mesmo raciocínio das variáveis clínicas, exames laboratoriais (hemograma completo, coagulograma completo e albumina sérica), antes e após 30 dias de tratamento, também foram confrontados. Os pacientes foram avaliados clínico-laboratorialmente na admissão e na alta. Análise estatística Para teste das hipóteses relativas às variáveis categóricas foram utilizados teste de qui-quadrado, de Pearson ou exato de Fisher. Para análise das diferenças entre os grupos G1 e G2, foram utilizados os testes t de Student para dados independentes ou o teste de Mann-Whitney. Foi utilizado o programa EpiInfo versão 3.5.1. O nível de confiança foi de 0,05 para erro α e os testes foram bicaudais. RESULTADOS Foram totalizados 31 indivíduos. Em relação à idade, eles se mantiveram numa mediana de 11, cujos valores mínimo e máximo corresponderam respectivamente a 1 e a 44 anos. Apresentando, ainda nesse parâmetro, uma média de idade de 14,87 anos e um desvio padrão de 12,38 anos. Dentro dos intervalos de faixas etárias pesquisados, os dez primeiros anos de vida se destacaram com 45,2% dos pacientes. O gênero mais acometido foi o masculino com 20 pacientes, 64,5% do total. A prova do laço foi positiva em nove pacientes, 29% dos pacientes. A droga utilizada foi glucantime em 28 pacientes, 90,3% do total (tabela 1). Apesar de não ter atingido valores significativos (p = 0,282), com nove homens 12 Prática Hospitalar Ano XV Nº 85 Jan-Fev/2013

entre os 12 pacientes do grupo G2 (75%), observa-se que os pacientes do gênero masculino apresentaram mais fenômenos hemorrágicos. Em relação à procedência, apesar do número de pacientes provindos do interior, 75% do grupo G2, essa variável também não alcançou significância (p = 0,125). Teve ainda o mesmo comportamento dos parâmetros como febre, mal-estar, prostração e sonolência. Todos com p acima de 0,05 (valores respectivos: 0,281; 0,657; 0,214; 0,411) (tabela 2). Na comparação entre dados admissionais e da alta dos 31 pacientes, chamou atenção a regressão média do tamanho hepático de 6,03 cm para 2,22 cm na ocasião da alta, atingindo assim significância (p = 0,015). O mesmo aconteceu com baço, 9,68 cm na admissão e 4,66 cm na alta (p = 0,007) (tabela 3). O grupo G1 foi formado por 12 pacientes com fenômenos hemorrágicos, 38,7% do total. As alterações do coagulograma, na admissão, também ocorreram em 12 pacientes do total (38,7%); no entanto, no momento do término do tratamento, esse número teve uma redução significativa para apenas 6 pacientes, 19,7% do total (p = 0,001). Seguindo esse raciocínio, outras variáveis como albumina sérica, hemoglobina, leucócitos e plaquetas, embora também tenham apresentado melhora ao final do tratamento, não conseguiram alcançar significância estatística (tabela 3). Comparando os valores médios das variáveis, na admissão, dos grupos F e G foi nítida a diferença em algumas variáveis (tabela 4). Entre elas, a idade média dos pacientes, que no G foi de 20,33 anos, enquanto nos pacientes do F foi de 11,42 anos (p = 0,044). A mesma importância significativa mereceu o tempo que separou o início dos sintomas, em meses, e a aplicação do tratamento, correspondendo a 4,19 em G e 1,94 meses em F (p = 0,042). Finalmente, entre os dois grupos, também com significância (p = 0,018), constatou-se a comparação entre médias de tamanho do baço (7,84 cm em G e 12,60 cm em F). Outras médias de variáveis, quando comparadas, como emagrecimento, Gênero Masculino Feminino Febre Prostração Mal-estar Sonolência hepatomegalia, albumina sérica, hemoglobina, leucócitos e plaquetas, apesar de mostrarem grandes diferenças entre os grupos F e G, não conseguiram atingir diferenças significativas (tabela 4). Tabela 2. Comparação das variáveis (admissão) em relação às manifestações hemorrágicas dos pacientes com LV Manifestações Variável % P hemorrágicas 09 03 09 03 10 02 10 02 05 07 75 0,282 25 75 0,282 25 83,3 0,657 16,7 83,3 0,657 16,7 41,7 0,411 58,3 Tabela 3. Comparando os achados de exame físico e laboratoriais na admissão e alta dos pacientes com LV Variável Admissão Alta P Fígado em cm Baço em cm Manifestações hemorrágicas Coagulograma Albumina g/dl Hemoglobina Leucócitos céls./mm 3 Plaquetas céls./mm 3 6,03 9,68 12 12 2,27 8,56 3.003 164.521 2,22 4,66 38,7 06 3,55 10,86 5.741 261.032 0,0015 0,007 0,001 0,093 0,375 0,402 0,332 Tabela 4. Comparando valores médios das variáveis na admissão em relação a manifestações hemorrágicas Variável (média) Manifestações hemorrágicas P Idade em anos 20,33 11,42 0,044 Tempo de início dos sintomas em meses 1,94 4,19 0,042 Emagrecimento em kg 6,26 13,20 0,348 Fígado em cm 5,02 7,62 0,141 Baço em cm 7,84 12,60 0,018 Albumina em g/dl 2,42 2,04 0,173 Hemoglobina em g/dl 8,45 8,75 0,556 Leucócitos em células/mm 3 3183,6 2719,1 0,452 Plaquetas em células/mm 3 182588,4 135916,6 0,113 Prática Hospitalar Ano XV Nº 85 Jan-Fev/2013 13

DISCUSSÃO Neste estudo, a faixa etária mais frequente foram os dez primeiros anos, confirmando os números encontrados por Rigo e cols., no período entre 1999 e 2005, cujo intervalo compreendeu 53,2% do total de pacientes. Silva e cols., na ilha de São Luís, em 1994, encontraram 79,7% dos pacientes abaixo dos nove anos, assim como Marzochi e cols., entre 1977 e 2006, na cidade do Rio de Janeiro, encontraram 61,5% dos indivíduos acima de cinco anos. O gênero mais acometido foi o masculino, fato que se elevou entre os pacientes que sangraram. Esse predomínio de gênero, embora ainda discreto, também foi encontrado por Pastorino e cols. (12) Em Pernambuco, de 1996 a 2001, Queiroz e cols. encontraram ligeira predominância do gênero feminino. (13) Foi encontrada maior frequência de pacientes do interior, entre os pacientes com hemorragia. Estudo epidemiológico do Estado de Sergipe mostra que, nos últimos anos, houve uma tendência à litoralização dos casos. (6) Para Oliveira e cols., nos hospitais de Mato Grosso do Sul, 67,3% dos pacientes provinham de Campo Grande. (14) Na comparação dos dados admissionais e alta, entre pacientes desse estudo, teve significância a regressão do tamanho do fígado e do baço (p < 0, 015). Pastorino e cols. também encontraram significância da regressão de ambos os órgãos. Neste estudo, as alterações do coagulograma pré e pós-tratamento foram significantes. Outras variáveis como hemoglobina, leucócitos, plaquetas e albumina sérica, apesar de sua nítida melhora com o tratamento, não demonstraram significância. Talvez, em um universo de pacientes maior, a melhora da albumina sérica pudesse ser significativa. Pastorino e cols., com estas mesmas variáveis laboratoriais, mostraram significância estatística de melhora. (12) Variáveis como hemoglobina, leucócitos, plaquetas e albumina sérica, apesar de sua nítida melhora com o tratamento, não demonstraram significância Nesta pesquisa, em termos percentuais, os pacientes com hemorragia totalizaram 38,7%. Em São Paulo, com Pastorino e cols., esse número foi de 28,2%. (12) Os nossos dados se assemelharam mais aos 32,7% encontrados em Campo Grande por Oliveira e cols. (14) A comparação entre variáveis médias dos grupos G1 e G2, o objetivo maior do estudo, mostra a importância das manifestações hemorrágicas como indicador de gravidade da Leishmaniose Visceral. Mostra que a idade em anos, tempo entre início dos sintomas, tratamento e esplenomegalia são variáveis significativas. CONCLUSÕES O presente estudo, ao analisar uma população de pacientes com Leishmaniose Visceral, no Hospital Universitário de Sergipe, concluiu que entre os pacientes com hemorragia estão presentes, de forma significativa, variáveis como idade (o grupo dos que sangraram com menores médias de idade), tempo entre início dos sintomas e tratamento e magnitude da esplenomegalia. As duas últimas com uma relação direta. t REFERÊNCIAS 1. Badaró R, Duarte IS. Tratado de Infectologia. Editora Atheneu 2004. 2. Marconde E. Pediatria Básica. Volume 2. Editora Sarvier 1994. 3. Lopes AC. Tratado de Clínica Médica. Volume III. Editora ROCA 2006. 4. Salgado Filho N, Ferreira TMA, Costa JML. Envolvimento da função renal em pacientes com leishmaniose visceral (calazar). Rev Soc Bras Med Trop Uberaba 2003;36(2). Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_art text&pid=s003786822003000200004&lng=pt& nrm=iso>. Acesso em: 06 Nov 2009; 5. Neves DP, Melo AL, Linardi PM, Vitor RWA. 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