Uso off-label de medicamentos: a influência da propaganda midiática e da informação pretensamente científica Lenita Wannmacher
Declaro total ausência de conflito de interesses sobre o tema a ser exposto.
Resolução RDC nº 47 de 8 de setembro de 2009 A bula é o documento legal sanitário que contém informações técnico-científicas e orientadoras sobre os medicamentos para o seu uso racional. (Anvisa, BRASIL). Exemplo de bula: ÁCIDO ZOLEDRÔNICO 4 mg solução injetável USO RESTRITO A HOSPITAIS Indicações: metástases ósseas hipercalcemia induzida por tumor fraturas patológicas em pacientes com tumor maligno avançado prevenção da perda óssea decorrente do tratamento antineoplásico a base de hormônios em pacientes com cânceres de próstata ou mama
Definição de uso off-label Indicação não incluída na bula (off-label). Nos Estados Unidos e em alguns outros países, é qualquer uso de um produto medicamentoso não aprovado pela agência reguladora, e que, portanto, não foi incluído na rotulagem aprovada. Todavia esse uso deve ser fundamentado pela opinião de especialistas, dentro de padrões e normas de prescrição que se considerem razoáveis e modernos, e baseado em bibliografia pertinente e em práticas atualizadas de prescrição e utilização de fármacos. Organização Pan-Americana da Saúde. Boas práticas de farmacovigilância para as Américas. Rede PAHRF. Documento Técnico Nº 5. Washington, DC, julho de 2011.
Uso off-label : controvérsias e expectativas Tal prescrição é legal e comum, mas frequentemente não tem o adequado suporte das evidências. Além disso, a evidência oriunda de uma situação clínica pode não se aplicar a outras. Exemplo de controvérsia: uso off-label de fator VIIa recombinante para tratamento de hemorragia aguda. Artigo do Annals Intern Med o defende, apesar de não haver redução de mortalidade e de o tratamento causar dano potencial. Revisão Cochrane recomenda uso restrito a ensaios clínicos, e opina pela arguição legal daqueles que o promovem e usam inapropriadamente. Lipworth W et al. Evidence and desperation in off-label prescribing: recombinant factor VIIa. BMJ 2012; 343: d7926.
Uso off-label : controvérsias e expectativas Controvérsias Vantagens: inovação na prática clínica, alternativa para tratamentos que falharam ou uso em doenças órfãs. Desvantagens: eficácia e segurança não comprovadas, aumento dos custos com fármacos novos e mais caros, desestímulo à prática baseada em evidência. Expectativas contraditórias Para gestores, financiadores de medicamentos, indústria farmacêutica, médicos e pacientes. Stafford RS. Regulating off-label drug use: rethinking the role of the FDA. N Engl J Med 2008; 358:1427-1429.
Prevalência do uso off-label de medicamentos em atenção primária Levantamento canadense mostrou dados referentes ao período de 2005 a 2009: Uso off-label ocorreu em 11% das prescrições. Em 79% dessas, faltavam sólidas evidências científicas. Uso off-label predominou com medicamentos atuantes no SNC. Médicos orientados por evidências para a tomada de decisão clínica prescreveram menos medicamentos off-label. Eguale T, et al. Drug, Patient, and Physician Characteristics Associated With Off-label Prescribing in Primary Care. Arch Intern Med 2012; 172(10):781-788.
Prevalência do uso off-label de medicamentos Em 2003, nos EUA: vendas de medicamentos - US$ 2,7 bilhões 80% delas correspondendo a usos não aprovados. Gabapentina recebeu maciço esquema de propaganda para uso off-label para dor e ansiedade. Angell M. The truth about drug companies. Random House; 2005. 352 p. Em 2001: 150 milhões de usos off-label (21% do uso total) prescritos a pacientes ambulatoriais nos EUA. 73% das indicações - pouco ou nenhum suporte científico. Gabapentina (83%) e amitriptilina (81%) Radley DC et al. Off-label Prescribing Among Office-Based Physicians. Arch Intern Med 2006; 166:1021-1026.
Uso off-label de medicamentos Mesmo que apenas se arranhe a superfície do problema, é possível dar-se conta da miríade de limitações desse conceito, relacionadas a processo de construção da bula, monitoramento da prescrição apropriada, insuficiente evidência para todas as complexidades médicas e oportunidades perdidas no aprimoramento de sistemas de informação que otimizem o uso de medicamentos na atenção aos pacientes. O Malley PG. What does Off-label Prescribing Really Mean? Arch Intern Med 2012; 172(10):759-760.
Uso off-label de medicamentos Lapsos éticos quase nunca são casos de pessoas ruins, tomando atitudes ruins, por motivos ruins. Ao contrário, são boas pessoas, fazendo coisas ruins, por bons motivos. Marcia Angell
Nas ondas da mídia... A Influência Midiática
A Influência Midiática Imprensa escrita: jornais e revistas (suplementos de saúde) Imprensa falada: rádio, palestras para público leigo Informação digital: sites difusores de informações para o usuários, sites de vendas de medicamentos, redes sociais que compartilham informações (Twitter, Facebook, Orkut, You Tube e outras).
A Influência Midiática Folha de São Paulo, 31/10/2011 Prática do off-label acha novo uso para remédio antigo Reinaldo José Lopes - Editor de Ciência e Saúde Ao menos em tese, a substância prescrita "off-label" já mostrou ser bem tolerada pelo organismo, o que diminui o risco de efeitos colaterais além dos que já são esperados para aquela droga. De resto, é preciso bom senso. Aprovar medicamentos já conhecidos para novos usos equivale a descobrir um "efeito colateral do bem" durante os testes de um remédio.
Parece Milagre! Reportagem publicada na edição número 2.233 da revista VEJA, de 07/09/2011 Remédio faz emagrecer entre 7 a 12 quilos em apenas 5 meses. A Anvisa não reconhece a indicação do Victoza para qualquer utilização terapêutica diferente da aprovada e afirma que o uso do produto para qualquer outra finalidade que não seja a de antidiabético caracteriza elevado risco sanitário para a saúde da população. (Nota oficial de 9/9/2012)
Parece Milagre! 1. Apesar de os resultados em relação à perda de peso serem promissores, a liraglutida não é milagrosa. 2. O custo do medicamento limita seu uso até pelos diabéticos (>250,00 reais por mês). 3. Seus efeitos adversos só serão mais bem avaliados no pós-marketing. 4. No momento, não deve ser prescrito para o tratamento de obesidade em pacientes não diabéticos (uso offlabel). Não é indicado para pacientes com sobrepeso sem complicações. Dra. Rosana Bento Radominski -Presidente da Associação para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica ABESO
A Influência Midiática Mídia falada (Rádio e TV) anúncios, jingles, vídeos, programas de grande audiência (Fantástico O Show da Vida) e outros relacionados a saúde. Segundo dados da ANVISA, as rádios do Rio Grande do Sul respondem por 13% das autuações do país. Internet e suas extensões
A informação pretensamente científica Publicações enviesadas 18-68% das conclusões nos abstracts não tinham evidência ou contradiziam os dados do artigo original. Pitkin RM. JAMA 1999;281:1110-1. Diretrizes e consensos de sociedades médicas conflitos de interesses 215 diretrizes sobre medicamentos (US National Guideline Clearinghouse) 35% dos autores disseram não ter conflitos de interesses, 49% nada declararam e 16% declararam interesse financeiro direto na empresa. Taylor R, Giles J. Cash interests taint drug advice. Nature 2005; 437: 1070-1071. Viés corporativo - A influência da indústria farmacêutica em planejamento, apresentação e interpretação de dados dos ensaios clínicos cujos resultados se distorcem em favor de seus produtos. Fuchs FD. Brazilian J Med Biol Res 2009: 42: 224-228.
A informação pretensamente científica A propaganda mascarada de educação A propaganda mascarada de pesquisa Jogos da patentes espichando monopólios Marcia Angell. The thruth about the drug companies. Cap. 8, 9 e 10. Conflitos de interesses não revelados Somente 1 em cada 7 autores com envolvimento em atividades de marketing de medicamentos off-label revelou adequadamente esse vínculo nas publicações. Kesselheim AS, et al. Conflict of Interest Reporting by Authors Involved in Promotion of Off-Label Drug Use: An Analysis of Journal Disclosures. PLoS Med 2012: 9(8): e1001280. Promoção de medicamentos off-label embora a prescrição off-label seja legal, sua promoção pelos produtores é considerada ilegal. Fugh-Berman A, Melnick D. Off-label promotion, on-target sales. PLoS Med 2008: 5(10): e210.
A informação pretensamente científica Marketing via congressos: Abstracts, Posters, simpósios satélites e palestras por speakers dos laboratórios, convidados estrangeiros patrocinados pela indústria farmacêutica Programas de educação médica patrocinados Compêndios e formulários que incluem uso off-label de medicamentos
O QUE FAZER? Pré-requisitos para emprego ético de medicamentos off-label Uso no contexto de pesquisa formal Uso excepcional e justificado por circunstâncias clínicas individuais Existência de estudos comparativos mostrando eficácia e segurança Consentimento informado Gazarian M et al. Off-label use of medicines: consensus recommendations for evaluating appropriateness. MJA 2006; 185 (10): 544-548. Estratégias de controle - Exercidas por instituições de saúde oficiais - Uso mediante protocolos oficiais - Regulamentação estabelecida antes da disponibilização pública do medicamento - Agilização na reformulação de bulas frente a novas evidências CONITEC no SUS, SCTIE, MS. Uso off label: erro ou necessidade? Rev Saúde Pública 2012; 46(2):398-399.
O QUE FAZER? Quando o uso off-label de medicamentos for incontestavelmente necessário, deve ser realizado com cautela e cuidados próprios de um experimento não controlado ao qual o paciente está sendo submetido. A necessidade desse uso deve ser discutida por pesquisadores independentes e publicada em periódicos confiáveis. As terapias promissoras devem ser testadas em ensaios clínicos controlados. Havendo resultados positivos, os medicamentos devem ser incorporados. Os benefícios incontestáveis de um uso off-label não devem permanecer em segredo. Fugh-Berman A, Melnick D. Off-label promotion, on-target sales. PLoS Med 2008: 5(10): e210.
MUITO OBRIGADA! lenitawer@gmail.com